­­­DA BUSCA E APREENSÃO NO ORDENAMENTO PROCESSUAL PENAL: UMA BREVE ANÁLISE ACERCA DA PESCA PREDATÓRIA DE PROVAS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411291048


Jorge Glauber Lira Barros[1]


RESUMO

Este artigo científico tem como objetivo analisar a busca e apreensão como uma ferramenta processual importante no âmbito do direito penal, utilizada para a obtenção de provas essenciais para a instrução do processo. Entretanto, sua utilização nas práticas da “pesca predatória” de provas levanta questões éticas e jurídicas proeminentes. Dessa forma, o presente artigo analisa o conceito de busca e apreensão, suas bases legais, e as implicações da pesca predatória no contexto do processo penal brasileiro. Mas é necessário fazer uma abordagem sobre os demais meios de provas adotado em nosso ordenamento processual penal, obedecendo sempre o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa.

Palavraschave: provas – busca e apreensão – pesca predatória no processo penal – implicações.

ABSTRACT

This scientific article aims to analyze search and seizure as an important procedural tool in the scope of criminal law, used to obtain essential evidence for legal discovery. Its use in evidence “predatory fishing” practices, however, raises prominent ethical and legal questions. Thus, this article analyzes the concept of search and seizure, its legal bases, and the implications of predatory fishing in the context of Brazilian criminal proceedings. However, it is necessary to address the other means of evidence adopted in our criminal procedural system, always following the due process of law, adversarial proceedings and full defense.

Keywords: evidence – search and seizure – predatory fishing in criminal proceedings – implications.

RESUMEN

El objetivo de este artículo científico es analizar el registro y la incautación como una importante herramienta procesal del Derecho penal, utilizada para obtener pruebas esenciales para la investigación del caso. Sin embargo, su uso en la práctica de la “expedición de pesca” de pruebas plantea importantes cuestiones éticas y jurídicas. Por ello, este artículo analiza el concepto de registro e incautación, sus fundamentos jurídicos y las implicaciones de la expedición pesca en el contexto del procedimiento penal brasileño. Sin embargo, es necesario dar una mirada a los demás medios de prueba adoptados en nuestro ordenamiento procesal penal, siempre obedeciendo al debido proceso legal, al contradictorio y a la amplia defensa.

Palabras clave: pruebas – registro e incautación – expedición de pesca de pruebas en el procedimiento penal – implicaciones

1 INTRODUÇÃO

O processo penal brasileiro é estruturado em torno do respeito aos direitos fundamentais do acusado e da busca pela verdade real. Nesse cenário, a busca e apreensão são instrumentos que possibilitam a coleta de provas necessárias não somente para a elucidação dos fatos. Mas, principalmente, para confirmar a materialidade do fato criminoso, pois sem materialidade, não se chega a uma sentença justa.

Contudo, o uso abusivo desse mecanismo pode resultar na chamada “pesca predatória”, uma prática que compromete a integridade do processo, bem como dos direitos dos agentes envolvidos, nesse caso, o indiciado e futuro denunciado.

Essa pesca predatória de provas se utiliza de uma investigação especulativa indiscriminada, não apresentando objetivo certo ou declarado, prevalecendo-se de uma ordem judicial (mandado de busca e apreensão) para “lançar suas redes”, com esperança de “pescar” qualquer prova, para subsidiar uma futura acusação.

Como veremos no decorrer do trabalho, tal instituto inviabiliza o devido processo legal, uma vez que contamina a instrução processual, pois quaisquer provas dela derivadas, e considerando que são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos, a aplicação da teoria dos frutos da árvore envenenada fará com que o material probatório produzido pelos órgãos de persecução criminal sejam imprestáveis para os efeitos almejados, tornando-se inviável a utilização da prova penal para a incriminação do jurisdicionado.

2 DAS PROVAS

Para que o juiz decida, fundamentadamente, a responsabilidade criminal do acusado, mister que ele esteja devidamente convencido de que os fatos imputados ao acusado por ocasião da denúncia são inequivocadamente verdadeiros.

Para o julgador aplicar uma sentença condenatória, a instrução processual deve reunir elementos probatórios aptos a ensejar um édito condenatório.

A demonstração da veracidade ou falsidade da imputação, que deve gerar no magistrado a convicção de que necessita para o seu pronunciamento é o que constitui a prova, e essa prova deve ser inconteste, haja vista que se exige certeza para se prolatar uma sentença condenatória.

Diante do exposto, podemos conceituar prova como sendo tudo aquilo que nos traz a certeza de algum fato, circunstância ou proposição controvertida.

Nos ensinamentos de Guilherme de Souza Nucci (2011):

Ao cuidarmos de provas, voltamos os nossos olhos para a busca da verdade, que, no processo, é denominada material, real ou substancial justamente para fazer contraste com a verdade formal ou instrumental do processo civil.

Tendo em vista que a decisão do juiz deve ser alicerçada nos elementos probatórios carreados aos autos, no curso da instrução processual em juízo, obedecendo os princípios da ampla defesa e contraditório, a fim de formar a sua convicção, o legislador estabeleceu no Código de Processo Penal, que não serão admitidas as provas colhidas somente na fase inquisitorial, nos termos do art. 155, que assim preceitua:

 “Art. 155.  O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas”.

Portanto, quis o legislador estabelecer que o juiz irá extrair sua convicção a partir das provas produzidas legalmente, obedecendo os princípios constitucionais da ampla defesa e contraditório.

O legislador fixou, ainda, que a sua decisão final não pode se basear somente nas provas coligidas ao caderno processual por ocasião do inquérito policial, uma vez que a primeira parte do persecutio criminis sobressai sua característica inquisitorial, onde fica à discricionariedade da autoridade policial conduzir as investigações no que entender melhor.

Nas palavras de Paulo Rangel (2012):

”A autoridade policial enfeixa nas mãos todo o poder de direção do inquérito policial, inquirindo (indagando, investigando, pesquisando) testemunhas do fato e procurando esclarecer as circunstâncias em que estes fatos ocorreram.

O caráter inquisitivo do inquérito faz com seja impossível dar ao investigado o direito de defesa, pois ele não está sendo acusado de nada, mas sim, sendo objeto de uma pesquisa feita pela autoridade policial”.

Ora, de acordo com o que fora apresentado até o momento, podemos concluir que a finalidade das provas é convencer o juiz a respeito da verdade de um fato litigioso.

Segundo Guilherme Nucci (2011): “busca-se a verdade processual, ou seja, a verdade atingível ou possível (probable truth, do direito anglo-americano)”.

Assim, para chegar à verdade processual o legislador colocou à disposição do julgador os meios probatórios aptos a formar seu convencimento, seja para condenar, ou absolver o acusado. Lembrando sempre, que não sendo possível fixar uma decisão em face da ausência de provas, ou provas ilegais, deve prevalecer sempre o princípio constitucional da presunção de inocência, consubstanciada no brocardo “in dubio pro reo”, conforme veremos a seguir.

Pois bem, como dito no parágrafo anterior, podemos relacionar os meios de provas a serem usados pelo magistrado para formar o seu convencimento. Devemos ressaltar que o presente artigo não tem como escopo falar de todos os meios, mas citá-los é de fundamental importância, posto que para o julgador prolatar uma decisão, dele se exige um elevado grau de convencimento, é isso que a doutrina denominou de critérios de decisão (standards probatórios ou modelo de constatação).

Gustavo Badaró preleciona que “os standards probatórios ou modelo de constatação, podem ser compreendidos como o grau ou nível de prova exigido em um caso específico, como ‘indícios suficientes’ ou ‘além de dúvida razoável’”. (BADARÓ, 2015).

Em sua obra Standards Probatório no Processo Penal Brasileiro, Flávio da Silva Andrade Preleciona que:

No que tange à busca domiciliar, a lei só permite sua decretação ‘quando fundada razões a autorizarem’ (§ 1º do art. 240 do CPP). Noutras palavras, o afastamento do direito fundamental à inviolabilidade de domicílio clama pela apresentação de fundadas razões que justifique.

Essa fundada suspeita e essas fundadas razões consistem em rebaixados standards de provas ou modelo de constatação do fatos”

Muito embora não seja possível quantificar, matematicamente, os diversos graus de probabilidade que caracterizam os referidos modelos de constatação, não se pode deixar de analisa-los, vez que estes serão de fundamental importância a influir em uma decisão pelo julgador.

De acordo com Renato Brasileiro (2024):

Levando-se em conta a regra probatória decorrente do princípio da presunção de inocência e o status de inocente do acusado, é de rigor a observância desses standards, até mesmo para se permitir certo controle sobre o raciocínio judicial no terreno da prova e dos fatos. Em outras palavras, em razão do influxo do direito material em jogo e da regra probatória do in dubio pro reo não se pode negar que o processo penal adota um standard de prova bastante elevado para a desconstituição do estado inocência do acusado”.

Desse modo, para que seja aplicado uma sentença condenatória, é necessário um juízo de certeza acerca da autoria e materialidade do crime. Esse juízo de certeza dar-se-á a partir do momento em que o julgador reunir o maior número de meios de provas obtidas no decorrer da instrução processual, como veremos no capítulo a seguir.

2. 1. Dos meios de provas.

O Código de Processo Penal reservou um título especial para os meios de provas a serem produzidas no decorrer da instrução processual. Vejamos, cada um deles.

I – Do exame de corpo de delito.

O exame de corpo de delito é o meio material que comprova a existência de um crime que deixa vestígios (lesão corporal, homicídio, estupro etc). Ele é indispensável para a instrução processual, pois o art. 158 do Código de Processo Penal preceitua que “quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado”.

Nos ensinamentos do saudoso Mirabete (1997): “Corpo de delito é o conjunto de vestígios materiais deixados pela infração penal, a materialidade do crime, aquilo que se vê, se apalpa, sente, em suma, pode ser examinado através dos sentidos”.

Por oportuno, devemos lembrar que não podemos confundir o exame de corpo de delito com o próprio corpo de delito. O primeiro é o auto em que os peritos descrevem as suas observações e conclusões; o segundo é o próprio crime em sua tipicidade.

Segundo o mesmo Mirabete (1997), “o corpo de delito se comprova através da perícia; o laudo deve registrar a existência do próprio delito”.

II – Do interrogatório do acusado.

O interrogatório se caracteriza, além de um meio de defesa, por ser um meio de prova.

Entretanto, o interrogatório assumiu no atual contexto processual, onde é cediço ser o acusado um sujeito de direitos, este encontra-se inserido fundamentalmente no princípio da ampla defesa.

De acordo com os ensinamentos de Eugênio Pacelli:

“Trata-se, efetivamente, de mais uma oportunidade de defesa que se abre ao acusado, de modo a permitir que ele apresente a sua versão dos fatos, sem se ver, porém, constrangido ou obrigado a fazê-lo.”

III – Da confissão.

No ordenamento processual penal a confissão é o reconhecimento, pelo acusado, que realizou o ato ilícito.

Voltando aos ensinamentos de Mirabete (1997):

“Uma das características da confissão como prova, é da relatividade de seu valor. Por isso, o juiz deve confrontar a confissão com os demais elementos probatórios dos autos para ver se é compatível com estes. De qualquer forma, a confissão livre, espontânea e não posta em dúvida por quaisquer elementos dos autos é suficiente para a condenação, máxime quando corroborada por outros elementos”.

Ou seja, embora o acusado confesse a prática do evento criminoso, sua confissão deve estar corroborada com os demais elementos probatórios carreados aos autos. Sendo assim, para se fazer prova do delito, esta deverá ser realizada em juízo competente, ser livre e coincidir com as circunstâncias do fato.

Em recente julgado, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, definiu:

“Que a confissão extrajudicial somente será admissível no processo judicial se feita formalmente e de maneira documentada, dentro de um estabelecimento estatal público e oficial. Tais garantias não podem ser renunciadas pelo interrogado e, se alguma delas não for cumprida, a prova será inadmissível. A inadmissibilidade permanece mesmo que a acusação tente introduzir a confissão extrajudicial no processo por outros meios de prova (como, por exemplo, o testemunho do policial que a colheu)”.

Podemos concluir, então, que em atenção ao princípio do contraditório, não se admite um édito condenatório a partir de uma confissão realizada em fase inquisitorial. Bem como, sendo a confissão realizada em juízo, esta deve estar em harmonia com os demais elementos probatórios carreados aos autos de processo.

IV – Do ofendido e das testemunhas.

Estabelece o Código de Processo Penal que, sempre quando for possível, o ofendido deverá ser inquirido sobre as circunstâncias da infração, quem seja ou presuma ser o seu autor, indicará provas que serão analisadas juntamente com as demais provas coligidas no decorrer da instrução processual.

Segundo Nucci (2011):

O depoimento da vítima é meio de prova, tanto quanto o interrogatório do réu, quando este resolve falar ao juiz. Entretanto, não se pode dar o mesmo valor a prova da vítima, que se costuma conferir ao depoimento de uma testemunha, esta, presumidamente imparcial.”

Tal afirmação encontra amparo em nossos Tribunais, os quais reconhecem que em alguns crimes (em especial os de natureza sexual e/ou violência doméstica), devido à clandestinidade da infração, o depoimento da vítima possui enorme relevância quando corroborada com os demais elementos colhidos nos autos.

Se de um lado temos a palavra da vítima, do outro temos a palavra da testemunha. Enquanto aquela não presta compromisso legal, haja vista que tem interesse na causa, a segunda presta o devido compromisso de dizer a verdade do que souber ou lhe for perguntado, sob pena de ser responsabilizada por falso testemunho.

Sobre o assunto, preleciona Pacelli (2009): “todo depoimento é uma manifestação do conhecimento, maior ou menor, acerca de um determinado fato”.

VI – Do reconhecimento das pessoas e coisas.

Juridicamente falando, o reconhecimento é o ato pelo qual alguém verifica e confirma a identidade de pessoa ou coisa que lhe é mostrada, com pessoa ou coisa que já viu, que conhece. Tal ato processual é praticado na presença da autoridade policial, por ocasião do inquérito policial, ou judiciária, na fase da instrução processual em juízo, conforme estabelece a lei.

Sua finalidade reside em provar a identidade física da pessoa ou da coisa, com o que se tem um objeto de prova introduzida nos autos de processo.

De acordo com Renato Brasileiro de Lima (2024):

“O reconhecimento de pessoas que obedece às disposições legais não prepondera sobre quaisquer outros meios de prova (confissão, testemunha, perícia, acareação); ao contrário, deve ser valorada como os demais”.

Devemos ressaltar, entretanto, assim como as demais provas ela não pode ser analisada isoladamente, mas com todo os demais arcabouços probatórios, sob pena de deixar lacunas e, consequentemente, restaria dúvidas acerca da autoria delitiva, razão pela qual seria necessário adotar a regra de julgamento que decorre da máxima in dubio por reo, pois é cediço que o ônus de provar a imputação recai sobre a acusação.

Imperioso destacar que o reconhecimento de pessoas e coisas não se confunde com o retrato falado, pois este é formado a partir de informações prestadas a um especialista, pela pessoa que tenha visto o autor do crime, sendo considerada não um meio de prova, mas sim um meio de investigação.

VII – Da acareação.

O Código de Processo Penal estabelece em seu art. 229, que será realizado a acareação quando houver divergência nas declarações entre acusados, ofendidos e testemunhas. 

O parágrafo único do dispositivo acima indicado, preceitua que os acareados serão reperguntados, para que expliquem os pontos de divergências.

Entretanto, como meio de provas, a acareação não apresenta muita solução das divergências entre as declarações prestadas por aqueles indicados no art. 229. Explica-se: cada um vai procurar sustentar o que disseram anteriormente.

Nas palavras de Eugênio Pacelli:

“A acareação é o típico procedimento de índole intimidatória. No mais das vezes, presta-se apenas a revelar um maior ou menor grau de temor de uma testemunha em relação à outra. E o que é pior: a lei prevê a possibilidade de acareação até entre o acusado e as testemunhas, quando se sabe que um (o réu) não tem qualquer compromisso com a verdade, enquanto o outro (a testemunhas), sim! Em tais hipóteses, a acareação revela-se não só impertinente, mas absolutamente sem sentido”.

O referido procedimento pode ser realizado nas duas fases do persecutio criminis, seja na fase inquisitorial, quanto na fase judicial.

VIII – Dos documentos.

art. 232 do Código de Processo Penal estabelece que consideram-se documentos quaisquer escritos, instrumentos ou papéis, públicos ou particulares.

Segundo Mirabete, documento é o escrito que condensa graficamente o pensamento de alguém, podendo provar um fato ou a realização de um ato juridicamente relevante”.

Importante ressaltar que nos termos do art. 231 do Código de Processo Penal, as partes poderão apresentar documentos em qualquer fase do processo. Daí, podemos concluir que poderão ser apresentados documentos até mesmo no segundo grau de jurisdição em um eventual recurso, até mesmo após o oferecimento das razões. Ressaltando que após juntada desses documentos nos autos, dar-se-á vista desse meio de prova a parte contrária, obedecendo os princípios do contraditório e ampla defesa.

IX – Dos indícios.

Nos termos do art. 239, considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.

“O indício apoia-se e sustenta-se numa outra prova. É um fato provado e secundário (circunstância) que somente se torna útil para a construção do conjunto probatório ao ser usado o processo lógico da indução” (NUCCI, 2011).

Devemos destacar, todavia, que a prova indiciária terá sua eficiência probatória condicionada à natureza do fato ou da circunstância que por meio dela (prova indiciária) se pretende comprovar.

“Quando há um indício, pela dedução extraem-se as consequências da circunstância conhecida para se atingir um fato até então desconhecido por mera presunção. Mas tal conjectura pode-nos conduzir a erros deploráveis.” (TOURINHO FILHO, 2005)

É certo de que os indícios servem como elementos de provas. Entretanto, simples presunções na constituem indícios, quando dos fatos se podem irar ilações diametralmente opostas.

3 DA BUSCA E APREENSÃO

A busca e apreensão são regulamentadas pelo Código de Processo Penal (CPP), especialmente nos artigos 240 a 250. Apesar de serem citadas como se fossem uma coisa única, estas não se confundem. Enquanto que a busca consiste em diligência objetivando encontrar objetos e pessoas; a apreensão deve ser tida como medida de constrição colocando sob custódia determinada pessoa e/ou coisa.

Em ambos os casos, essas medidas permitem que autoridades judiciais realizem a busca em domicílios, estabelecimentos comerciais e outros locais, com o intuito de localizar e apreender objetos que possam servir como prova em um processo criminal.

Os requisitos para a realização de uma busca e apreensão incluem:

• Mandado Judicial: A diligência a ser realizada deve ser autorizada por um juiz competente, exceto em situações de flagrante delito.

• Motivação: A decisão deve estar fundamentada em elementos que indiquem a necessidade da medida para a investigação.

• Respeito aos Direitos Fundamentais: A execução da medida deve respeitar a dignidade da pessoa e a inviolabilidade do domicílio.

Importante frisar que nem sempre a busca logra êxito, na localização do que se procurava, motivo pelo qual, a autoridade que está à frente da diligência e utilizando-se do seu poder de autoridade vasculha a intimidade e a vida pessoal de um suspeito, usando a diligência de busca e apreensão para obter provas de forma não autorizada, acarretando afronta a direitos fundamentais, tornando-se ilegal tal procedimento e contaminando, dessa forma, o processo.

Tal procedimento é denominado pesca predatória das provas, também denominada “fishing expedition”, cuja prática é repudiada pelo Superior Tribunal de Justiça em face de que viola o princípio constitucional da intimidade e torna ilícita toda a prova coletada aleatoriamente.

3.1. O Instituto da Pesca Predatória de Provas

Como dito anteriormente, o termo “pesca predatória” refere-se à coleta indiscriminada de provas sem a devida justificação ou a utilização de métodos abusivos para tal fim. Essa prática pode ocorrer, por exemplo, quando autoridades policiais realizam buscas sem a devida fundamentação, ou quando a coleta de provas extrapola os limites do que é razoável e necessário para a investigação.

Ora, por se tratar de medida invasiva e que restringe sobremaneira o direito fundamental à intimidade, o ingresso em morada alheia deve se circunscrever apenas ao estritamente necessário para cumprir a finalidade da diligência, conforme se extrai da exegese do art. 248 do CPP, segundo o qual, “em casa habitada, a busca será feita de modo que não moleste os moradores mais do que o indispensável para o êxito da diligência”.

Portanto, torna-se ilícita a prova colhida em caso de desvio de finalidade após o ingresso em domicílio, seja no cumprimento de mandado de prisão ou de busca e apreensão expedido pelo Poder Judiciário, seja na hipótese de ingresso sem prévia autorização judicial, como ocorre em situação de flagrante delito.

Ademais, o agente responsável pela diligência deve sempre se ater aos limites do escopo ‘vinculado à justa causa’ para o qual excepcionalmente se restringiu o direito fundamental à intimidade, ressalvada a possibilidade de encontro fortuito de provas.

Assim, admitir a entrada na residência especificamente para efetuar uma prisão não significa conceder um salvo-conduto para que todo o seu interior seja vasculhado indistintamente, em verdadeira pescaria probatória (fishing expedition), sob pena de nulidade das provas colhidas por desvio de finalidade.

3.2.  Características da Pesca Predatória por ocasião da busca e apreensão.

• Indiscriminação: Busca por provas sem um foco específico, comprometendo a privacidade e os direitos dos investigados.

• Uso de Abusos: Emprego de técnicas ilegais ou coercitivas para obter informações.

• Impacto na Credibilidade das Provas: Provas obtidas de maneira predatória são consideradas inadmissíveis, comprometendo a validade do processo e, por conseguinte, devem estar serem expurgadas do feito sob pena de que o agente infrator seja absolvido das imputações que lhes foram feitas.

3.3 Consequências da Pesca Predatória no Processo Penal

Em face de tal procedimento encontrar-se à margem do ordenamento processual, a prática da pesca predatória de provas tem diversas implicações:

•         Nulidade das Provas: ora, ocorrendo evidente desvio de finalidade quanto ao objeto principal, porquanto a justa causa que deveria ser relacionada ao objeto que deveria ser apreendido, todas as provas obtidas de forma ilícita são suscetíveis de nulidade, conforme o artigo 157 do CPP, o que pode levar à absolvição do réu.

•         Violação de Direitos: uma vez que tal procedimento se refere à incerteza própria das expedições de pescas, onde não se sabe, de forma antecipada, se haverá peixes, nem os espécimes que podem ser pescados, muito menos sua quantidade, haja vista que o agente que realiza a diligência tem somente convicção, mas não possui provas, constata-se que essa metodologia de obtenção de provas atenta contra direitos fundamentais, como a privacidade e a dignidade da pessoa humana.

•         Descredibilização das Instituições: A ocorrência de abusos por parte das autoridades pode gerar desconfiança na polícia e no sistema judicial.

4. Medidas de Combate à Pesca Predatória

Como todo ato ilegal, tal procedimento deve ser repelido no ordenamento processual e, para mitigar os riscos associados à pesca predatória, algumas medidas podem ser adotadas:

• Formação e Capacitação: Investir na formação de policiais e membros do sistema de justiça sobre os limites legais da busca e apreensão.

• Supervisão Judicial: Fortalecer o controle judicial sobre as operações de busca, assegurando que sejam conduzidas de maneira ética e legal.

• Transparência e Accountability: Promover a transparência nas ações policiais e responsabilizar aqueles que praticarem abusos.

Conclusão

A busca e apreensão são ferramentas essenciais no processo penal, mas sua utilização deve ser sempre pautada pelo respeito aos direitos fundamentais e pela legalidade.

Essa ferramenta por muitas vezes ferir direito fundamental, quanto à inviolabilidade de domicílio, exige autorização judicial escrita e fundamentada, não podendo ser utilizada de forma indiscriminada, a ponto de tornar ilegal uma prova,  prejudicando toda uma persecução criminal, onde, ao final o processo será nulo.

 A pesca predatória de provas representa uma ameaça à integridade do sistema de justiça, e seu combate é fundamental para garantir um processo penal justo e eficaz. A conscientização sobre a importância de práticas éticas e legais na coleta de provas é essencial para a preservação dos direitos daqueles que respondem à uma ação penal, bem como oferece credibilidade às nossas instituições judiciais.

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo Penal. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015)

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Informativo de Jurisprudência do STJ. Disponível em: http://www.stj.jus.br. Notícias. Acesso em: 28 de agosto de 2024.

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual do Processo Penal – Volume Único. 13 ed., rev., atual e ampl. São Paulo: Editora JusPodivm, 2024

MIRABETE, Julio Fabrini. Código de Processo Penal Comentado. 5 ed. São Paulo: Atlas, 1997.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 7 ed. rev, atual e amp. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 11 ed. Rio de Janeiro: Ed. Lumens Juris, 2009.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2012.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Código de processo penal comentado. Vol. 1. 9 ed. rev., aum. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005.


[1] Bacharel em Direito; Pós-graduado em direito e processo penal pela Universidade Federal do Amazonas; Serventuário do Tribunal de Justiça do Estado do Amazonas. Manaus/AM. glauber.barros@tjam.jus.br