DA ANISTIA AO DIREITO À MEMORIA E À VERDADE: ANÁLISE DO PROCESSO TRANSICIONAL BRASILEIRO ANTE AS PERSPECTIVAS RETROSPECTIVA E RETROATIVA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102501081008


Aline Batista Rodrigues


RESUMO

O presente trabalho volta-se ao procedimento adotado no Brasil para, no contexto de promoção dos direitos fundamentais, superar o processo histórico compreendido entre os anos de 1964 e 1985 e implementar a democracia. Mais especificamente, e diante das concepções de justiça de transição “retrospectiva” e “retroativa”, instituída pela ONU e sistematizada pela doutrina; analisa o modelo brasileiro seja considerando a punição dos envolvidos, a anistia ou a busca pela verdade. Ao fazê-lo, discute as medidas adotadas pelo Estado, desencadeadas pela Lei de Anistia (Lei 6.683/79), recentemente discutidas pela Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 153, e a criação da Comissão Nacional da Verdade (Lei 12.528/11). O estudo não aponta uma conclusão dogmática e tampouco classifica acertos e equívocos do processo transicional brasileiro, mas busca compreendê-los considerando a consolidação da democracia e o acesso ao direito à memória e à verdade no Brasil.

Palavras-chave: Direito à memória e à verdade. Justiça de Transição. Anistia. Comissão Nacional da Verdade.

INTRODUÇÃO

No meio acadêmico, bem como no campo político, tem se tornado cada vez mais recorrente a discussão sobre a denominada Justiça de Transição, terminologia pouco conhecida, mas muito debatida entre os atingidos diretamente pelos regimes de exceção e, posteriormente, por toda a sociedade.

O presente trabalho volta-se ao procedimento adotado no Brasil para, no contexto de promoção dos direitos fundamentais, superar o processo histórico compreendido entre os anos de 1964 e 1985 e implementar a democracia. Mais especificamente, e diante das concepções de justiça de transição “retrospectiva” e “retroativa”, instituída pela ONU e sistematizada pela doutrina.

Tem por objetivo proporcionar a consciência científica, teórica e situacional daquilo que poderá ser incorporado à formação reflexiva e humanista do jurista. E, considerando a passagem da ditadura para um regime democrático, pretende-se: discutir e compreender a Justiça de Transição, suas origens, finalidades e aplicação, em especial sob aspectos “retroativo” e “retrospectivo”; fazer breve relato comparativo entre processos transicionais adotados por outros paises; analisar o processo transicional brasileiro, compreendendo sobretudo, sua passagem história, a promulgação da Lei da Anistia (Lei n. 6.683/79) e seus reflexos na socieadade; apresentar e discutir a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADPF n.153; e por fim, estudar as carências do processo transicional brasileiro, e como a instauração de uma Comissão Nacional da Verdade pode preencher as lacunas da memória brasileira.

Considerando o processo histórico e os desdobramentos da passagem para a democracia, a pesquisa faz uso dos métodos analítico e fenomenológico avaliando conceitos estabelecidos e discutindo o processo histórico brasileiro, revelando peculiaridades, sendo ainda utilizado o método dedutivo como caminho para a pesquisa.

A pesquisa desenvolveu-se a partir da investigação de tópicos essenciais à discussão do assunto denominado justiça de transição. A temática que orientou a sua delimitação e desenvolvimento voltou-se à realidade brasileira no que se refere à superação da ditadura para implementação da democracia.

O desenvolvimento deste trabalho considerou ainda as convenções e tratados internacionais de direitos humanos; a supremacia da Constituição Federal e os princípios nela elencados, especialmente o da dignidade da pessoa humana.

CAPITULO 1 JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO

O ideal de democracia se molda a cada passo, ainda que vagaroso, da sociedade. O Estado, constituído pelo Povo, pelo Território e pela Soberania, muitas vezes afasta da sociedade a possibilidade de decidir em conjunto questões que a afeta diretamente.

O que antes era tido como o caminho certo para alcançar o “status” de sociedade democrata, a curto ou longo prazo pode se tornar a mais equivocada e insustentável das decisões.

A mais delicada das flores sofre com o calor, o vento e o frio, mas florece no amanhecer da primavera. Não obstante, passará novamente por estações, perderá suas lindas pétalas, entristecerá o jardim, mas se regada sobrevirá novas flores.

A memória da socieadade é como um papel, onde cada um escreve sua história. Com o tempo este envelhecerá e se deteriorará. Longos dias podem passar, mas é certo que de repente o papel pode ser redescoberto, rescrito e reinventado. Para alguns pode se tornar poesia, para outros recordações. Muitos o amassarão, outros tentaram desfazer seus viés, mas com certeza não será visto igualmente por todos, tampouco terá a mesma utilidade.

Poeticamente, a flor e o papel definem a Justiça de Transição da maneira mais sutil possível. Ela é delicada como a flor, que passa por diversas estações, florece, satifaz com sua beleza, mas de repente novos ventos a leva, e outros a traz renovada. Comparando-a com o papel, para muitos o que fora escrito e determinado na transição política não pode ser corrigido ou apagado, é o fim da história. Tantos outros concordaram que o que fora escrito não pode ser apagado, mas podemos virar a página e fazer um novo fim a esta história.

No meio acadêmico, bem como no campo político, tem se tornado cada vez mais recorrente a discussão sobre a denominada Justiça de Transição, terminologia pouco conhecida, mas muito debatida entre os atingidos diretamente pelos regimes de exceção.

A implementação da Justiça de Transição no país desencadeou diversas dissidências no que tange a supressão de princípios, direitos, e garantias fundamentais em decorrência do processo adotado.

Destaca-se que esse debate poderia desencadear, inicialmente, conclusões tendenciosas e superficiais. No entanto, é fundamental sua investigação cuidadosa para garantir o fortalecimento da democracia com a percepção da história e o respeito aos direitos dos envolvidos diretamente em tais episódios.

O presente trabalho volta-se ao procedimento adotado no Brasil para, no contexto de promoção dos direitos fundamentais, superar o processo histórico compreendido entre os anos de 1964 a 1985 para implementação da democracia no país. Mais especificamente, e diante das concepções de justiça de transição “retrospectiva” e “retroativa”, instituída pela ONU e sistematizada pela doutrina.

1.1  Origem e conceito

Justiça de Transição foi o conceito adotado pelo Conselho de Segurança das Organizações das Nações Unidas, originado pelo documento “UN Security Council – The rule of law and transitional justice in conflict and post-conflict societies. Report Secretary- General, S/2004/616”.

Conforme a concepção da ONU, Justiça de Transição seria um conjunto de ações que o Estado deve adotar na transição de um regime de exceção para a democracia de um país. Isto implica restaurar direitos, reconhecer a história, atribuir responsabilidades e, eventualmente, encontrar formas de punição aos responsáveis.

Definir e conceituar Justiça de Transição é, sobretudo, enteder um pouco mais sobre as palavras que a compõe separadamente e parâmetros de uma sociedade democrática almejada.

Diz-se, assim, que o direito deve ser justo ou não tem sentido a obrigação de respeitá-lo. Ou seja, a perda ou a ausência do sentido de justiça é, por assim dizer, o máximo denominador comum de todas as formas de pertubação existencial, pois o homem ou a sociedade, cujo senso de justiça foi destruído, não resiste mais às circunstâncias e perde, de resto o sentido do dever-ser do comportamento. 1

Norberto Bobbio, quando narra sobre igualdade e justiça a define como:

Dos dois significados clássicos de justiça que remontam a Aristóteles, um é o que identifica justiça como legalidade, pelo que se diz justa a ação realizada em conformidade com a lei (não importa se leis positivas ou naturais), justo o homem que observa habitualmente as leis, e justas as próprias leis (por exemplo, as leis humanas) na medida em que correspondem a leis superiores, como as leis naturais ou divinas; o outro significado é, precisamente, o que identifica justiça com igualdade, pelo que se diz justa uma ação, justo um homem, justa uma lei que institui ou respeita, uma vez instituída, uma relação de igualdade2.


1 FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4ª ed. São Paulo: Atlas, 2003. P. 352.

Em se tratando da palavra transição, observamos que literalmente os dicionários nos apresenta a ideia de mudança, passagem ou movimento.

Diante destas concepções, podemos, sem aprofundarmos doutrinariamente, considerar que a Justiça de Transição é a passagem histórica de um momento de supressões à direitos e garantias fundamentais, para buscar uma “justiça” que se aproxime a relações de igualdade entre os homens.

Cada vez mais, foi ficando claro que a transição apenas lançava a possibilidade de que se chegasse a uma efetiva democratização; a questão era então saber quais as condições e decisões que levariam a esse caminho ideal. […] Linz e Stepan, que mais se debruçam sobre essa questão […]. Dessa forna, uma transição democrática está completa quando um grau suficiente de acordo foi alcançado quanto aos procedimentos políticos visando obter um governo eleito; quando um governo chega ao poder como resultado direto do voto popular livre; quando esse governo tem, de fato a autoridade de gerar novas políticas; e quando os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, criados pela nova democracia, não tem que, de jure, dividir o poder com outros organismos. 3

Ainda correlacionando aos conceitos supra, encontramos no dicionário de direitos humanos, elaborado pela Escola Superior do Ministério Público da União a seguinte definição:

A justiça de transição é conceituada como o conjunto de abordagens, mecanismos (judiciais e não judiciais) e estratégias para enfrentar o legado de violência em massa do passado, para atribuir responsabilidades, para exigir a efetividade do direito à memória e à verdade, para fortalecer as instituições com valores democráticos e garantir a não repetição das atrocidades […].4


2 BOBBIO, Norberto. Igualdade e liberdade. 2ª ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 1997. P. 14.

3 QUINALHA, Renan Honório. Justiça de transição: contornos do conceito. São Paulo: Outras Expressões; Dobra Editorial, 2013. P. 209.

4 SOARES, Inês Virgínia Prado. Dicionário de direitos humanos. Brasília: ESMPU.                         Disponível em: <http://escola.mpu.mp.br/dicionario/tiki- index.php?page=Justi%C3%A7a%20de%20transi%C3%A7%C3%A3o>. Acesso em: 12 nov. 2013.

Em sua essência, a Justiça de Transição foi fruto dos gritos ecoados pelas sociedades atingidas por grandes opressões ditatoriais e seu autoritarismo.

Como fazer para conviver com as memórias de barbárie, fruto da repressão política de um governo autoritário? Como obter a verdade do que fora ocorrido? De que forma se pode reparar o dano, quando muitas vezes a perda foi à própria vida humana?

Estes são os principais questionamentos em debates que surgem após o vendaval da tensão. Cabe então ao novo governo, resposta rápida a sociedade atingida visando à reconstrução do Estado de Direito e reafirmação das garantias fundamentais.

Estas implicações como remédios a pessoas feridas pelas opressões pressupõem medidas jurídicas, políticas e até morais. Diante destas concepções construímos os pilares da Justiça de Transição, em especial, a Verdade, a Memória e a Reparação.

Reparar vidas; apresentar verdades que para muitos não passaram do estrito cumprimento do dever legal – ainda que não fora ordens manifestamente legais; recordar sem que a dor da lembrança nos tome novamente.

Este debate nos remete a percalços, feridas ainda expostas, interesses políticos, econômicos e, sobre tudo, direitos e garantias fundamentais.

Nesta ótica é inevitável não nos lembrarmos da Alemanha, berço da opressão contra a humanidade, onde na década de 1930, Adolf Hitler assume o poder e impõe, através do militarismo, a prática do Nazismo.

As influências não se limitam ao Nazismo de Hitler ou o fascismo de Benito Mussolini, já consagrados; países como a África do Sul (que sofreu através do regime de opressão segregacionista do Apartheid) e Chile (onde população fora atingida com o regime militar de 1973 a 1990) também tiveram guerras deflagradas e se viram frente a uma sociedade que clamava por uma resposta, mas de forma tímida, reciosa que o regime de opressão político retomasse.

Falar sobre Justiça de Transição como dito no início deste trabalho é estar vulnerável a cada sopro, isso, pois, novos ideais de democracia se moldam conforme a evolução da sociedade, o que não significa instabilidade, pois esta é superada por processos transicionais eficazes, não obstante novas implementações podem surgir ao decorrer dos anos com intuito de adequar o que fora transacionado.

Este entendimento se confirmara com a recente e improvável “Primavera Árabe”, eis que surge no Oriente Médio, após um “inverno” doloroso, uma nova esperança de sociedade democrata. Países como Líbia e Síria se libertaram – ainda que instavelmente – de seus autoritários governos.

É notória a necessidade da discussão atual da Justiça de Transição. Países que já estiveram no momento político em que se encontram os do Oriente Médio, podem, sem sobra de dúvidas, auxiliarem no processo transicional. Apresentar fatores positivos e negativos dos métodos adotados, visando, sobretudo, suprir necessidades futuras que possam vir a existir.

É importante sabermos que a mesma motivação que originou legislações consagradas de Direitos Humanos Internacional influenciou diretamente a busca da Justiça de Transição.

A Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Resolução n. 217A, da III Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, é um marco no cenário mundial em proteção as garantias fundamentais do ser humano.

Em seu preâmbulo já constatamos que seu conteúdo visa amparar todos aqueles que sofreram com o desprezo, desrespeito e crimes bárbaros contra a humanidade:

Considerando que o desprezo e o desrespeito pelos direitos humanos resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade foi proclamado como a mais alta aspiração do homem comum; considerando essencial que os direitos humanos sejam protegidos pelo Estado de Direito, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra tirania e a opressão […]. A Assembleia Geral proclama a presente Declaração Universal dos Diretos Humanos como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações […]5.

Ainda como forma de fortalecer e aprimorar direitos e garantias fundamentais; limitar e controlar abusos cometidos pelo Estado e seus agentes; múltiplos mecanismos, como convenções, declarações e pactos internacionais influenciaram no processo histórico da Justiça de Transição, expandido a proteção internacional dos direitos humanos. Sendo inclusive em momento oportuno deste trabalho apresentado se não houve, pelo Brasil, supressão a direitos internacionais por ele ratificados com a promulgação da Lei da Anistia (Lei n. 6.683/1979).

Podemos citar como exemplo relevante a Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio, ratificada pelo Brasil em 15 de abril de 1952. O Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966), aderido em 24 de janeiro de 1992. A Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes, ratificada pelo


5       BRASIL.       Declaração       universal      dos      direitos      humanos      de      1948.        Disponível    em:<http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>. Acesso em: 12 nov. 2013.

Brasil em 28 de setembro de 1989. E a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, assinada pelo Brasil em 06 de Fevereiro de 2007.

A autora Flávia Piovesan afirma que:

[…] relativamente aos tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, a Constituição brasileira de 1988, nos termos do art. 5º, § 1º, acolhe a sistemática da incorporação automática dos tratados, o que reflete a adoção da concepção monista. Ademais, como apreciado no tópico, a Carta de 1988 confere aos tratados de direitos humanos o status de norma constitucional, por força do art. 5º, § 2º […] ‘no que se refere aos tratos em geral, acolhe-se a sistemática de incorporação não automática, o que reflete a adoção da concepção dualista.6

Diante do que fora apresentado, podemos nos questionar o que tem em comum: países que sofrem com a opressão ditatorial e se veem frente a uma mudança de regime político? Como a Justiça de Transição surge neste contexto e de que forma poderá ser aplicada? E no Brasil, como se deu este processo transitório?

São estes os questionamentos que ao decorrer do presente trabalho me empenharei para vos responder.

1.2  Finalidades, aplicação e eficácia.

As ações e/ou operações que o Estado deve executar são resultados da união de mecanismos judiciais e extrajudiciais. A priori, nos vem à mente imputações legislativas a fim de punir quem de direito “merece”.

Todavia, a extensão de Justiça de Transição vai além de textos normativos, implicações punitivas ou restritivas de direito; refere-se a posições sociais, governamentais e interpessoais, que serão adotas em conjunto pelo Estado e o Povo, tendo ainda como pilar deste relacionamento7 o respeito aos direitos humanos e a manutenção das liberdades públicas8.


6 PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Max Limonad, 1996. P. 111.

A finalidade e o resultado de Justiça de Transição divergem a depender de quem é o sujeito da história. Segundo Vazquez, “a discussão da responsabilidade, que implica, segundo a ética, no conhecimento e na liberdade reflete em um dos índices fundamentais do progresso moral”9.

São operações difíceis e controvertidas que obrigam os detentores do novo poder a explicar perante a sociedade, que inclui muitos adeptos do anterior regime por convicção e/ou interesse, porque pessoas ligadas ao poder anterior devem ser responsabilizadas10.

O Professor Dimitri Dimoulis aponta que seriam finalidades da justiça de transição:

i) satisfazer das vítimas; ii) pacificar a sociedade; e iii) evitar que se repita a experiência do passado.

Cada uma dessas finalidades se relaciona com determinado tipo de resposta jurídica. Vale dizer que, a satisfação das vítimas pressupõe a responsabilização dos agressores e/ou do Estado (modelo da punição). A pacificação relaciona-se com medidas de anistia (modelo da anistia). E, por fim, a proposta de pedagogia política se relaciona com a busca pela verdade e com medidas de preservação “memória” (modelo da verdade).

Ainda segundo Dimoulis, a partir destas concepções, é possível adotar uma Justiça “retroativa” ou “retrospectiva” 11.

A aplicação da Justiça de Transição se dará de maneira distinta a depender da concepção e meio que será adotado (retroativa ou retrospectiva). Quanto a efetividade do meio empregado observaremos nos tópicos a seguir os dissensos de cada uma.


7 Ao abordar o tema Justiça de Transição me parece plausível não utilizarmos o termo “negociação” ou “acordo”, ainda que tratado assim por alguns doutrinadores. A presente concepção se fundamenta no processo histórico de opressão e supressão de Direitos Humanos. Sabemos, se deixarmos de lado a hipocrisia humana, que nem sempre o Povo e o Estado estão em paridade, sendo assim, muitas vezes o acordo dá lugar à imposição, e não é esta a finalidade de Justiça de Transição.

8 FILHO, José Carlos Moreira da Silva. O julgamento da ADPF 153 pelo Supremo Tribunal Federal e a inacabada transição democrática brasileira. Disponível em: <http://idejust.files.wordpress.com/2010/07/o- julgamento-da-adpf-153-pelo-supremo-tribunal-federal-e-a-inacabada-transicao-democratica-brasileira.pdf>. Acesso em: 12 nov. 2013. P. 02.

9 VÁZQUEZ, Adolfo Sánchez. Ética. Trad. João Dell’Anna. 23 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.P. 109.

10 DIMOULIS, Dimitri. Justiça de transição e função anistiante no Brasil. Hipostasiações indevidas e caminhos de responsabilização. In: DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Antonio; SWENSSON JR, Lauro J. (Orgs.). Justiça de Transição no Brasil: direito, responsabilização e verdade. São Paulo: Saraiva, 2010. P. 92

11 DIMOULIS, op. cit., p. 92 – 94.

1.3.  Justiça de transição retroativa

Nos parâmetros de Justiça retroativa, sobressai a ideia de que para satisfazer plenamente a sociedade e as vítimas, que foram marcadas profundamente por abusos de agentes estatais (desaparecimentos, execuções, torturas e tantos outros crimes), é necessário que se puna com rigor os responsáveis – punição jurídico/penal.

Alguns doutrinadores tratam o tema como um “acerto de contas”. Na defesa da justiça retroativa, muitos tratam os crimes praticados nos períodos ditatoriais como crimes contra humanidade ou “lesa humanidade”, não submetidos à imprescritibilidade ou anistia.

Considerando os aspectos legais, indispensáveis a um Estado Democrático de Direito, surge à indagação sobre a possibilidade de retroagir, décadas depois, ao passado de horror, e verificar as condutas praticadas e os respectivos agentes, muitos deles tratados como “heróis” na época.

No que tange a punição retroativa penal, os opressores da época e colaboradores do regime, tiveram condutas correspondentes as práticas criminosas tipificas no Código Penal vigente na ditadura. Ainda que a aplicação da legislação nacional, em especial a penal, seja suspensa durante o momento de opressão, pós violações é necessário que aplique as normas cogentes em consonância com as práticas delitivas.

A princípio, seria fácil esbarramos em obstáculos e limites constitucionais para esta imputação punitiva.

A Constituição Federal prevê em seu artigo 5º que “LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; e LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”; sendo assim, considerando em especial o cenário brasileiro, não podemos imputar como fato criminoso as barbáries ocorridas no país, ainda que presente o fato típico e antijurídico. Isso, pois, não houve de fato o devido processo legal para que, na época se apurasse as responsabilidades legais e/ou funcionais de cada agente estatal.

Além do princípio da presunção da inocência, muitas vezes, como ocorrera em nosso país, nos deparamos com causas extintivas da punibilidade, como prevê o Código Penal:

art. 107. Extingue-se a punibilidade:

I – pela morte do agente;

II – pela anistia, graça ou indulto;

III – pela retroatividade de lei que não mais considera o fato como criminoso;

IV – pela prescrição, decadência ou perempção; […]”.

art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1o do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se:

I – em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze; […].

Inicialmente, verificamos presente no art. 107 do Código Penal, diversas hipóteses presentes no processo histórico brasileiro. Em virtude do decurso do prazo, diversos agentes opressores vieram a falecer, não sendo admitido a punição penal de seus sucessores, consequentemente prescritos diversos crimes, e em especial, pela anistia concedida através da Lei n. 6.683/1979:

art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.

Diante da problemática jurídico/penal, apenas os crimes tratados como permanentes poder-se-ia ensejar a punição penal (como a ocultação de cadáver – art. 211 do CP), já que os mesmos não se encontram prescritos. Todavia, essa possibilidade é também suscetível de questionamento no âmbito da dogmática penal.”12

Defende, contudo, doutrinadores como Lauro Joppert Swensson Junior que:

Mesmo que não haja na justiça brasileira nenhuma sentença judicial condenatória transitada em julgado e que não seja possível atribuir, no âmbito da verdade judicial, a autoria de tais crimes, nada nos impede afirmar – desde que feita essas ressalvas – que uma série de condutas classificadas na época como delitos foram praticadas pelos funcionários públicos encarregados da repreensão política.13


12 SWENSSON JR, Lauro Joppert. Punição para os crimes da ditadura militar: contornos do debate. In: DIMOULIS, op cit., p. 36.

13 SWENSSON, op. cit., p. 25.

A doutrina, citando o modelo adotado na Alemanha14, justifica-se à fórmula de Radbruch:

[…] a fórmula de Radbruch traz consigo a indubitável vantagem de ameaçar punir penalmente todos os detentores do poder político de um Estado autoritário pelos abusos e injustiças cometidos, mesmo em conformidade com as leis por eles outorgadas15.

Verifica-se que existem vários obstáculos como prescrição apontada por Lauro Jopper Swensson Junior, aplicabilidade de norma jurídica, fatores sociais e vários outros, para que se possa aplicar a justiça retroativa. Defendendo doutrinadores, contudo, que há a possibilidade de aplicação do modelo transicional retroativo e atribuição punitiva aos agentes.

1.3.1  Modelo de Punição: a imputação penal como forma de satisfazer vítimas, pacificar a sociedade e evitar a experiência autoritária do passado

Considerando os abusos e opressões que ocorrem em tempos guerra, é evidente que os maiores defensores do sistema punitivo sejam as próprias vítimas do regime ditatorial. Foram estas que se juntaram a diversos defensores do direito humano internacional para entoarem o canto da justiça.

Grupos autônomos formados por ex-presos políticos, vítimas de torturadores e familiares de mortos ou desaparecidos se unem e tornam-se referencia, em especial no cenário nacional, por sua constante luta contra a impunidade e responsabilização dos opressores. Um dos mais conhecidos é o “Grupo Tortura Nunca Mais” disseminado pelos Estados brasileiros.

14 O BGH (Superior Tribunal de Justiça Alemão) decidiu pela condenação dos guardas envolvidos no regime nazista.

15 Apud SWENSSON, op. cit., p. 49.

Sem incentivos governamentais, buscam reunir documentos, dossiês e depoimentos para embasar as denúncias de tortura e opressão sofridas na época. Estas entidades através de denúncias buscam a punição de todos os agentes que violaram e continuam a violar direitos humanos. As mobilizações são feitas através da mídia, reuniões, assembleias, atos públicos, seminários, encontros nacionais e demais atividades.

Estes grupos, dentre seus diversos objetivos humanitários, enfatizam as revindicações por uma Comissão Nacional da Verdade transparente (fazendo assim jus à Verdade e à Memória) e efetivamente pública; abertura e acesso irrestrito de todos os arquivos e documentos da ditadura (o que vem sendo mais acessível na medida em que se torne eficaz a aplicação da Lei de Acesso a Informações n. 12.527/2011). Punição dos agentes opressores e criminosos, em especial aqueles que no Brasil cometeram crimes comuns e foram agraciados com a anistia. E pela imediata aplicação da sentença proferida pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos – OEA.

O trecho transcrito a seguir é parte da carta escrita por Zuleika Angel Jones, nossa eterna Zuzu Angel. Arrepio-me, meus olhos se enchem d’água e meu coração bate de pressa quando a leio. Por um instante esqueço que esta foi endereçada a Terezinha, mulher de um general comandante da época de 1971, e tenho a certeza que fora direcionada a mim e toda a sociedade atual:

“Quero que você saiba que nem ao menos tenho certeza se meu filho está morto, pois não me entregaram o corpo.

Do dia 12 a 18 de Maio ele foi torturado, espancado e por fim arrastado por um jeep da Gloriosa Aeronáutica Brasileira no Galego, porque se recusou a assinar confissão do que lhe era atribuído, e que logicamente ele nunca fizera.

Terezinha, enquanto houver pessoas como você e outras que acreditam que a nossa melhor juventude, que está sendo torturada e morta nos cárceres brasileiros realmente comente crimes, tudo continuará a rui ao nosso redor – conforme expressão sua.

Enquanto o Brasil silencia o martírio deste jovem, este fato é noticiado em 8.000 (oito mil) jornais no mundo inteiro.”

Novamente me recomponho e me recordo do objetivo deste trabalho. Lembram-se que no início deste texto eu disse que o tema poderia inicialmente nos remeter a conclusões tendenciosas e superficiais? Não é por menos! Os depoimentos, cartas e dossiês nos remetem ao passado de horror. Dá-nos uma previa do que de fato ocorrera na época, mas devemos nos atentar ao cenário vivido hoje para darmos andamento à pesquisa e ao trabalho.

Num recente parecer (setembro/2013) o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, manifestou-se sobre a punição de torturadores afirmado que violações ocorridas em regime ditatorial, mortes e desaparecimentos são crimes imprescritíveis e  não estão

amparados pela Lei da anistia, diferente do que sustenta o próprio Supremo Tribunal Federal quando julgara a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 153.

Ocorre que, de fato, o Brasil é um dos poucos em âmbito internacional que optou em não processar e/ou levar às prisões os suspeitos e reconhecidos de terem participados de ações ilegais de repressão política durante a ditadura militar. E se o fizesse (prender os responsáveis) certamente nos depararíamos com tantos outros problemas.

Ao decorrer da pesquisa podemos enumerar algumas das problemáticas da punição

penal:

  1. Inicialmente esbarramo-nos com a extinção da punibilidade devido ao decurso do prazo dos crimes praticados, conforme disposto nos arts. 107 e 109 do CP.
  2. Num segundo momento, questiona-se a extinção da punibilidade pela anistia concedida através da Lei n. 6.683/1979, discutindo-se ainda sobre a imprescritibilidade dos crimes contra lesa humanidade e o confronto entre a anistia concedida e tratados ratificados pelo país.
  3. Num plano legal/constitucional discutimos sobre a punição de pessoas cujo processo de apuração e investigação de seus atos foram suprimidos. Não houve legalmente apuração dos crimes praticados, sendo assim, não podemos considerar culpadas estas pessoas, infringiríamos a presunção de inocência e o princípio do devido processo legal.
  4. Paralelamente, considerando a condenação e punição penal, enfrentaríamos outro grande problema nacional. Como se daria a custódia destas pessoas se privadas da liberdade? Sabemos que a custódia de sentenciados nas unidades prisionais é um dos grandes problemas da economia nacional, discutimos então, em plano econômico, como seriam os gastos pelos opressores?
  5. Por fim, e de forma crucial, nos deparamos com os impasses éticos e morais:

Décadas se passaram, muitos foram vítimas, outros os culpados. Esta pode ser uma afirmativa certa, ou não, isso irá depender de quem é o sujeito da história.

É inegável que num período dominado pelo regime político de opressão muitos ver-se- ão seus direitos violados. O cenário de desconfiança faz com que seu melhor amigo torne-se o pior dos inimigos.

Ocorre que muitos dos agentes opressores estão por cumprir ordens emanadas de seus superiores hierárquicos. Não podemos ser insanos em aceitar que estas ordens sejam de fato legais. Mas se aquele agente não acatasse a demanda, ainda que não fosse manifestamente legal, seria ele a próxima vítima.

Erramos no calor da emoção, e hoje podemos errar a sangue frio. Condenar pessoas com idade avançada, muitas que apenas executavam ordens para que não fossem executadas, seria um dos mais graves erros da humanidade.

Muitas destas pessoas, se ainda com vida, sofrem com doenças, problemas mentais e psicológicos, inclusive fruto das ações praticadas. Alguns dispensam a punição penal, pois a punição social e moral que sofreram de suas famílias, filhos, netos e da sociedade já lhe foram dolorosas demais.

Pensando ainda nas vítimas e as relacionando com sistema judiciário, em especial o Poder Judiciário brasileiro sobrecarregado, aumentaria ainda a mais a dor das pessoas atingidas/ou familiares ao verem suas histórias se arrastarem por anos novamente, sem uma resposta efetiva e concreta.

A justiça de transição como método visa satisfazer as vitimas, pacificar a sociedade e evitar que os momentos de barbárie e horror ocorra novamente.

O ser humano, por mais que renegue, tem instinto de vingança. Não conseguiríamos apurar todos os crimes que ocorrera, quem foram os agentes respectivos e qual sua culpabilidade para aplicação da pena condizente. Certamente o primeiro bode expiatório que encontrássemos descontaríamos todo rancor de uma sociedade ainda ferida. Isto fatalmente não é fazer Justiça de Transição, não é ser justo, tampouco satisfazer as vítimas.

Não vemos ainda forma de pacificação da sociedade com a aplicação de sanção penal.

Apenas fomentaria ainda mais o ódio e a raiva das pessoas.

De certa forma poderia coibir novos abusos, novas retomadas militares, com o exemplo de agentes que foram punidos, todavia nos deparamos com uma faca de dois gumes, onde a intenção de evitar pode tornar-se o estopim para deflagração de novas guerras.

1.4  Justiça de Transição Retrospectiva

A “retrospecção” promove a busca da verdade, memória, justiça e reparação. Ao contrário do sistema transicional retroativo, não tem o anseio da punição jurídico-penal. O objetivo é elucidação, a sanção social e moral dos torturadores, cominada obviamente com a retratação e reparação aos atingidos. Elizabeth Lira indica que tanta violência não pode passar pela história como se não houvesse acontecido e que a reconciliação requer assumir o passado, reconhecer e reparar as vítimas, incorporando suas memórias e lutas pelas condições de justiça e equidade como pilares da construção de uma democracia atual e futura.

Esta transição – que para alguns é tratada como pacífica e para tantos outros política – como forma de reestabelecer antigos direitos e criar direitos novos, se faz envolto de questionamentos, percalços e debates.

Deparamo-nos ao exemplo familiar de como educar um filho: a tradicional “chinelada” o faz refletir e temer repetir o desrespeito ou o “cantinho do pensamento” é mais frutífero? Qual transição adotar diante de uma sociedade dilacerada, a fim de pacificar e reparar as vítimas e impedir que o autoritarismo reingresse na sociedade? Justiça retroativa e retributiva ou retrospectiva?

As negociações jurídicas, políticas e morais aos agentes da repressão e autores de crimes políticos e comuns, indistintamente, nos soa, a priori, um atestado de imunidade, um alvará de soltura perpétuo aos censuradores, torturadores, assassinos, e criminosos bárbaros.

As discussões sobre suspensão e supressão de direitos e garantias fundamentais, autores de barbáries e vítimas e familiares da opressão não é um privilégio brasileiro, Renan Honorório Quinalha em sua obra Justiça de Transição elucida que a problemática esteve e certamente estará presente nas sociedades onde grandes guerras foram deflagradas:

Essa discussão esteve presente nas transições políticas da Europa meridional, durante a década de 1970 – mais especificamente, após a Revolução dos Cravos em Portugal, e o Pacto de Moncloa, na Espanha. E também foi travada nas transições políticas da América Latina – mais precisamente, no Chile, na Argentina e no Uruguai, países onde foram criadas “comissões da verdade” e abertos processos judiciais contra antigos servidores das ditaduras militares, levando ao banco dos réus – e, posteriomente, ao encarceramento – um sem número de policiais civis, oficiais militares e até dirigentes governamentais.16

No exemplo de transição do Chile, Argentina e Uruguai foram adotadas como medida principal a busca pela elucidação da verdade, daí o pressuposto para criar-se comissões em busca dela. Foram abertos processos judiciais, dando inclusive, possibilidade de defesa e resposta aos opressores, sendo estes julgados e posteriormente se condenados encaminhados a estabelecimentos prisionais. Foi apurado a conduta de cada agente opressor, independente de seu cargo, função ou patente, ali avaliou-se a ação de cada um, ponderando a culpabilidade proporcionalmente.


16 QUINALHA, op. cit., p. 09.

O fato do Brasil ter concedido Anistia não significa erro, tampouco acerto. Dentre tantas alternativas e possibilidades escolheu nosso governo pela conciliação negociada. Em consequência extinguiu-se a punibilidade dos agentes, não sendo juridicamente possível a punição penal em decorrência de condenação.

Trata-se de um jogo em que as regras podem ser o estopim e motivação para intensificação e deflagração de novos conflitos, optando assim, muitos governos pelas transições pacíficas e negociadas afim que buscarmos a conciliação entre vítimas, familiares, opressores e sociedade em geral.

A transição como apresentada supra, tem a marca própria da incerteza. E o que era tido como algo absoluto a curto ou longo prazo se torna a mais insustentável das decisões. As escolhas refletem diretamente em responsabilidades, e estas não limitam-se a campo jurídico ou político, relaciona questões morais e éticas.

Novas lideranças políticas ou comissões designadas se veem frente a uma complicada, perigosa e delicada decisão. Traçar estratégias, trabalhar em conjunto com os Poderes Legislativo e Judiciário, que até então eram comandados por um Poder Executivo autoritário e transgressor; cujo resultado depende ainda de aceitação social. Note-se que a resposta deve ser rápida pois será o remédio para feridas ainda expostas de vítimas e familiares. Esta certamente não é tarefa fácil.

Todos estes empecilhos foram apresentados a fim de confirmar o quão delicado e arriscado é optar pela transição retrospectiva, o que também é consequência e temor se optarmos em uma transição retroativa e retributiva.

Não podemos dizer que uma é certa e outra errada, podemos apresentar fatores positivos e contrários para que a sensatez opte pela resposta adequada ao momento. Sempre lembrando-se que o futuro já surge pelo amanhecer, e decisões precipitadas poderão fomentar o ódio e a discórdia, o que seria medida para pacificar, poderá tornar-se o apito para o segundo round.

Cientes destas condições, cabe-nos então analisar pela experiência de horror e pelo contexto histórico do país e de seu Povo, quais as necessidades e carências para definirmos as regras do jogo. Neste momento é válido o conhecimento de estudiosos, sociólogos, economistas, psicólogos e profissionais graduados e capacitados, como é de supra importância a opinião da vítima que fora agredida, dos familiares que sequer sepultaram seus filhos, do jornaleiro que presenciou todos os fatos e jamais pode “abrir a boca”. É um trabalho em conjunto, afinal todos fomos protagonistas desta história. Esta é trama de nossas vidas onde as personagens sabem décor todo o enredo.

Não será fácil administrar o momento, os conflitos começarão na própria negociação e ali devem ser dirimidos ao máximo, para evitar que estas discussões alcancem a sociedade e alimente a instabilidade de um regime, aumentando as dificuldades para sua estabilização.

Por se tratar de uma transição retrospectiva a essência deste modelo é buscar formas de punição que não sejam as penais e/ou jurídicas. No reestabelecimento da democracia é importante que as elites políticas estejam maleáveis e deem ouvidos ao clamor da sociedade, manter-se preso ao conservadorismo do regime autoritário pode impedir mudanças futuras e necessárias.

Retomando o exemplo brasileiro, adotaram-se medidas emergentes, como veremos em momento oportuno, dentre estas a Anistia sobressai, e o país estacionou-se nas dificuldades da transição negociada, limitando e congelando o governo, dando-nos a sensação de uma possível transição mal-consumada, não por ter anistiado, mas por não ter dado continuidade aos trabalhos, cobriu-se a cabeça e ficaram descobertos os pés.

Optar pela justiça de transição retrospectiva, significa cautela, buscar uma resposta satisfatória sem aplicarmos o autoritarismo opressor. Sobre tudo, prevalece a prudência diante de vantagens reais e aparentes. Não basta julgar é preciso conciliar, cientes que cada passo nos guiará por um caminho novo.

1.4.1   Qual a punição? Como recordar pode satisfazer e pacificar uma sociedade ainda temerosa por práticas abusivas e autoritárias do Estado?

A dimensão prescritiva, o imperativo de evitar um novo golpe, a urgência em satisfazer vítimas e atingidos indiretamente por um período curto ou longo de horror. Basicamente a sociedade além de clamar por respostas, clama pela paz e sossego social e são estas carências que legitimam a escolha pela justiça retrospectiva.

Mas diante de tantos questionamentos jurídicos e morais, a possibilidade de escolher um processo retrospectivo nos remonta a optar pela impunidade e condescendência. Sob qual fundamento optar por retrospecção, se nos parece mais contundente punir os criminosos e coercitivamente fazerem cumprir por seus crimes em estabelecimentos penais?

Inicialmente cumpre-nos distinguir alguns dos tipos de punição:

Na punição jurídico-penal como apresentada no modelo retroativo, sobressai a ideia de que para satisfazer plenamente sociedade e vítimas; e evitar o autoritarismo do regime opressor é necessário punir os agentes rigorosamente de acordo com a lei penal vigente. Isso implicaria processos judiciais, condenações e recolhimentos dos agentes a estabelecimentos penais.

Esta sanção jurídica depende exclusivamente do Estado, pois é este legítimo para julgar, condenar, e privar pessoas de sua liberdade. Questiona-se então, será que numa medida de emergência, pessoas que tinham armas apontadas para suas cabeças, que perderam seus filhos, que foram presas e abusadas sexualmente, dentre tantas outras barbáries conseguiriam ser imparciais? Declarar-se suspeitas ou impedidas? Ressalte ainda, que muitas vezes aquele que está sob julgar era adepto ao regime militar anterior. É tolice acharmos que esta ação é fazer justiça, que a condenação penal é a melhor forma de evitar supressões de direitos e garantias fundamentais.

Se a idéia de verdade se une a possibilidade de reconstrução do que, no curso da história, foi oprimido por seu rastro de violência, parece claro que o processo penal, ele mesmo, por sua estrutura opressora, a desfigurar as possibilidades de diálogo não é o lugar dessa reconstrução.17

Sem aprofundamos doutrinariamente ou filosoficamente podemos apontar a punição moral e a punição social:

A punição moral remete a uma “crise de consciência”, onde por si mesmo, o opressor já se vê condenado pelos seus princípios e convicções éticas. Se considerarmos este tipo de punição, seria plausível que comandantes e políticos da época viessem a público redimir-se de suas ações. Mas se faltara ética na época, dificilmente sobrevirá depois.

A sanção moral dependerá exclusivamente do sujeito que praticara determinada conduta. Existe ainda aqueles que no período da ditadura se vão gloriavam pelos atos e abusos, remoer-se pela derrota e ainda assim encontrar sinais de arrependimento, ou pedido público de perdão parece uma proposta um tanto distante.

Já quando falamos em sanção social esta se destina a garantir o cumprimento de regras ou repreender pelo descumprimento de tal. Esta sanção não será aplicada pelo Estado como na sanção jurídico-penal, tampouco auto aplicada pelo agente opressor, esta sanção sobrevirá de amigos, familiares, pequena parcela da comunidade, ou sociedade em geral. As suas consequências serão reflexos da gravidade das faltas cometidas. Ser renegado ou afastado do grupo, isolar-se de pessoas que lhe eram próximas pode tornar-se a mais efetiva das punições.

17 MARTINS, Antonio. Sobre direito punição e verdade: reflexões acerca dos limites da argumentação jurídica. In: DIMOULIS, op cit., p. 84.

E qual punição que será aplicada? A punição que tratamos na justiça de transição retrospectiva seria um mister entre a sanção moral e a social propriamente dita.

A sanção moral ainda que não tão efetiva como se espera, poderá ser o reflexo da aplicação da punição social aos opressores, podendo ou não vir a ocorrer.

O processo de transição retrospectivo estabelece um cenário de conciliação e negociação, onde o Estado, responsável objetivo pelos atos e abusos de seus agentes, fica incumbido de elucidar a verdade dos fatos, reparar as vítimas e evitar que novo momento de supressão a direitos fundamentais ocorra.

Nesta busca pela verdade é de suma importância que se apresente os antecedentes, as circunstâncias, fatores e contextos das violações. É necessário o contraditório e a ampla defesa aos acusados, como também deve ser garantida às vítimas a oportunidade de relatar o que ocorrera.

As ideias prevalecentes são a de que a memória constitui a identidade de uma sociedade, baseada em uma nova ordem moral. Assim, ninguém de boa fé poderá negar o passado, distorcendo os fatos a favor dos interesses de alguns grupos.18

A grande luta na justiça de transição retrospectiva é o “recordar”, por mais doloroso que isso possa nos soar e parecer, é importante a retrospecção.

A consequência esperada no processo retrospectivo é, sobre tudo, a pacificação da sociedade. Um respiro em meio ao cenário de sangue, ódio, rancor, medos e vinganças. Não temos a certeza de eficácia, e esta será precária seja qual for a escolha ou transição. Mas entre medos, erros e acertos, espera-se com expectativas a não incitação e instigação a vingança e nova violência.

O ser humano, como apresentado anteriormente, tem instinto de vingança, por mais que o renegue. Num momento de crise política e ética, dar ao povo a arma e colocá-los frente aos alvos, é manter acesso o pavio da violência e do horror. Isso é o que menos se deseja na transição conciliada, ainda que pareça fraqueza perdoar, é um ato de muita coragem, pois não nos resta dúvida que o tratador agrada mais quando lança aos leões suas presas.

18 PINTO, Simone Martins Rodrigues. Justiça transicional na África do Sul: restaurando o passado, construindo o futuro. Contexto int.,                    Rio de Janeiro,              v. 29,          n. 2, dez.                                                   2007 .                        P.16. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-85292007000200005&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 01 maio 2012.

A punição social nos soa branda, mas a punição física e privativa de liberdade no caso específico da ditadura, diga-se, após tantos anos, se torna ineficaz. Muitos anos se passaram, no caso brasileiro, houve prescrição punitiva, houve ainda anistia agraciada aos agentes estatais e aqueles civis que usaram de suas forças para combater a repressão.

Deixar aflorar o instinto “animal” que assombra nós seres humanos, não pode ser considerado meio inibidor da conduta desviante dos agressores. Tampouco estaremos falando em justiça propriamente dita, isso pois, considerando a idade avançada destas pessoas, os problemas de saúde que as percorre, fruto inclusive de suas próprias ações, aproxima-se muito mais de crueldade que justiça de transição.

Consideremos ainda, que muitas pessoas na época obedeciam ordens hierárquicas, ainda que não manifestamente legais, se não o fizessem, seriam eles as próximas vítimas. Na época, foram tidos por muitos como heróis, e hoje se veem na condição de vilões.

Seria uma punição a ermo, não há como garantirmos que todos serão processados e julgados de acordo com sua culpabilidade, não podemos colocá-las simplesmente numa prisão, sabendo as condições mínimas oferecidas pelo sistema penitenciário.

Diante de motivos contundentes como estes apresentados, o que impede a consolidação de uma transição retrospectiva?

É claro que parentes e sobreviventes da ditadura exercem influencia sob a opinião pública, e com razão, eles aguardam respostas do Poder Público ainda omisso. Soma-se ainda a esta parcela a influência midiática e clamor popular.

O passado ninguém poderá apagar, esta é a nossa única certeza, mas o futuro é logo ali, e depende de todos nós, não podemos acomodarmos em nossos sofás e aguardarmos o poder público de repente tomar uma posição. Precisamos sim exercer “pressão” popular e social, mas também compreender que a punição não é somente jurídica-penal, a punição social e moral, que fazem parte do processo de justiça de transição retrospectivo podem ser tão eficaz quanto.

A retrospecção compreende uma perspectiva histórica, onde apresentamos o que ocorrera no passado e sua respectiva evolução, relatamos os acontecimentos e buscamos soluções para as lacunas ou feridas que mantiveram-se expostas até então.

Diante desta perspectiva é que deparamo-nos com o fundamento da justiça de transição retrospectiva, qual seja: Reparação, Memória e Verdade.

Para apresentar o que ocorreu no passado, ninguém melhor que os próprios protagonistas, esta é a busca pela verdade, escutar as vítimas, parentes, políticos e desconhecidos que de alguma forma possam contribuir para o esclarecimento do que aconteceu. Claro, sabemos que muita coisa pode ser desvendada por documentos mantidos a “sete chaves”, longe do alcance de qualquer mortal como nós, e para isso é importante o apoio do poder público, como obtivemos no caso brasileiro recentemente através da Lei de Acesso a Informações (Lei n.12.527/11).

A memória sempre será aquela recordação, a lembrança própria, contada pelos livros, nos causos do avô, ou num documentário de TV. Pode ser ainda, a homenagem aqueles que se foram, ou aqueles que não temos certeza sequer de onde estão. Mas seja qual for a memória ela sobreviverá e estará preservado num local seguro, até que a idade nos separe.

Esta memória jamais pode ser deixada de lado, e vos pergunto quantos feriados temos? De carnaval à festividades religiosas, muitos são. E qual o dia das vítimas da ditadura militar? Qual o dia em memória as famílias destas vítimas? Será que as crianças veem este passado tão presente nas aulas de História? Será que elas tem ciência do que ocorrera com seus avôs? Esta memória que está sendo esquecida pela rotina e ocupação da nação que nos fará falta.

Quanto à reparação a justiça de transição retrospectiva não é um meio de sobrevivência, mas é justo que pessoas que sofreram perdas matérias ou morais sejam indenizadas, que ainda, possam subsidiar gastos presentes como remédios.

Não trata de um meio a mais de se tirar dinheiro de cofres públicos, é questão de merecimento, necessidade e legalidade.

É certo que este processo jamais irá terminar, sempre estará em progresso e mudanças, prova disto são as novas medidas adotadas no nosso país com a instauração da Comissão Nacional e Estaduais da Verdade bem como a promulgação da Lei de Acesso a Informações. Isso representa, sobretudo, que um país no momento transicional pode não ser tão feliz nas decisões, o que não o impede de dar continuidade e prosseguir em busca da consolidação de uma sociedade pacífica e conciliadora.

1.4.2  Reparação, Memória e Verdade.

As garantias e direitos fundamentais importam diretamente numa responsabilidade objetiva dos Estados que o violaram.

A necessidade de reparação, faz com que o Estado busque a verdade e preserve a memória.

A reparação ultrapassa os limites pecuniários, recorre a restituição de direitos, assistência à saúde, psíquica, moradia, entre outros, individual e coletiva.

Pode ainda ser material ou simbólica, como a sanção moral e um pedido de desculpas oficiais do Estado.

No modelo transicional retrospectivo a palavra reparação vai além de questões econômicas, é moral, social e psicológica.

A Lei 9.140 de 04 de dezembro de 1995 “reconhece como mortas pessoas desaparecidas em razão de participação, ou acusação de participação, em atividades políticas, no período de 2 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979.” Entretanto, esta lei foi apenas um “atestado sumário de óbito”, restara àqueles que queriam provar que seus familiares haviam sido torturados, mortos, e sofridos com os crimes da ditadura, o ônus da prova.

Não houve uma retratação dos torturadores perante a sociedade, explicando as motivações para tantos crimes bárbaros. Do mesmo modo os episódios efetivamente ocorridos e os documentos nele envolvidos permaneceram sob sigilo por décadas.

Estas questões obscuras merecem esclarecimentos, sob tudo merece a verdade. Assim, haverá a reparação social, moral e psicológica dos que sofrem até hoje pelas marcas do passado brasileiro.

Por seguinte surge a Lei n. 10559/02, reconhecendo as torturas, prisões arbitrárias, transferências políticas, seqüestros, cárceres privados e demais crimes. As leis prevêem ainda a contagem de tempo para fins de aposentadoria e reintegração ao trabalho, moradia e estudo.

O governo Lula implantou os projetos de Direito à Memória e à Verdade, bem como o projeto de Memórias Reveladas, a fim de dar consistência a reparação imaterial e preservar a memória de verdades ainda obscuras.

Numa terceira fase, demasiadamente atual, surge a Comissão Nacional da Verdade, disseminada pelos Estados e a Lei n. 12.527/11 de Acesso a Informações.

O ‘direito à verdade’ não se encontrava proclamado no ordenamento brasileiro ou em convenções internacionais a ele incorporadas.19 A terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos20, instituiu o eixo específico (VI) denominando-o de direito à memória e à verdade.

Claro que ainda carecemos de datas comemorativas, museus, monumentos, espaços públicos, disciplinas escolares e projetos políticos para minimizar os efeitos transgeracionais do legado autoritário, mas certamente o processo de justiça de transição retrospectivo, como assim espera-se em qualquer país, caminha ao reconhecimento das violações e valorizando e preservando a resistência dos povos contra a opressão

19 DIMOULIS, Dimitri. Justiça de transição e função anistiante no Brasil. Hipostasiações indevidas e caminhos de responsabilização. In: DIMOULIS, op. cit., p. 102.

20 Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3) / Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. Rev. e atual. Brasília: SDH/Pr, 2010.

1.5  Justiça de Transição no Chile e África do Sul (breve relato comparativo)

A Justiça de transição brasileira teve características próprias em busca da democrática. Anistiou, reparou financeiramente, e após muitos anos de omissão e escuridão optou pela busca da verdade.

A Corte Interamericana de Direitos Humanos repudia a aplicação de medidas de anistia aos agentes opressores, isso, pois, o entendimento é de que não se deve ignorar a condenação penal dos responsáveis por crimes de lesa humanidade.

Em que pese ser este o entendimento da Corte países latinos americanos como Brasil e Chile, optaram pela anistia e pela transição conciliada. No Chile a lei da anistia foi imposta em 1979, pela ditadura de Pinochet, todavia, fora declara sem aplicação pela Corte, o que fora aplicado de forma semelhante no Peru após a queda do regime Fujimori.

O Chile, assim como o Brasil, sofreu com a imposição de militares, retrocedeu diante das supressões à direitos e garantias fundamentais e abdicou da democracia pelos caprichos militares. A ditadura chilena foi governada por Augusto Pinochet e perdurou por aproximados 17 anos (setembro de 1973 a março de 1990). Os abusos foram desde perseguições políticas, prisões ilegais, fechamento de partidos políticos, censuras e torturas e execuções de opositores.

Já no Chile, muito além de reparação pecuniária, houve uma preocupação com a saúde daqueles que fora atingidos; saúde física e mental. Os trabalhos começaram em meados de 1980 sob grande temor de represálias.

Através da oposição a ditadura iniciou-se o processo de transição chileno, formada por socialistas e democratas cristãos, criando a Concertação de partidos pela democracia (CPPD). Esta concertação, que teve como presidente Aylmin, que apoiara o golpe militar de 1973,

criou a Comissão para a Verdade a Reconciliação (CNVR) no país. O foco da comissão era a busca e investigação das violações, mortes, torturas e desaparecimentos no período ditatorial.

Buscava-se com a Comissão para a Verdade e Reconciliação o amparo a sociedade e futuras gerações em virtude dos graves acontecimentos, dar possibilidade às vítimas a testemunharem e apresentar suas versões sobre às violações dos direitos humanos, em que pese os testemunhos em sua maioria não serem públicos pelo medo da represália.

A grande e louvável ação do processo transicional chileno foi o apoio psicológico as vítimas e familiares da opressão. O que no Brasil só foi efetivamente destacado a partir da Comissão Nacional da Verdade (2012):

O secretário nacional de Justiça e presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, informou no início da noite deste sábado (16) que será lançado, na semana que vem, um edital que prevê a ampliação do programa de reparação do Estado brasileiro às vítimas da repressão da ditadura militar. Serão selecionadas cinco entidades especializadas em assistência psicológica para a criação das Clínicas do Testemunho.21

Em busca da sanidade usurpada começaram os trabalhos de restauração psicológica das vítimas, o trabalho era um marco institucional, limitado pelas arriscadas condições da época. Inicialmente priorizaram-se as intervenções na crise que progrediram a modalidades flexíveis e abertas para as necessidades dos consultores, sem as restrições de um trabalho limitado pelas condições institucionais.

El trabajo se realizaba en un marco institucional limitado por las riesgosas condiciones de la época. Por esta razón, las modalidades de trabajo fueron inicialmente intervenciones en crisis, que se fueron transformando progresivamente en modalidades flexibles y abiertas a las necesidades de los y las consultantes, sin las restricciones de un trabajo acotado en el tiempo por lãs condiciones institucionales. […] Aprendimos que la asistencia psicológica debía sustentarse en un reconocimiento del doble carácter de las consecuencias de las violaciones a los Derechos Humanos en la vida de las personas. Por una parte, se trataba de efectos emocionales y materiales, expresados en dolores, enfermedades, sufrimientos y conflictos interpersonales. Por otra, se trataba de fenómenos de origen y significación política vinculados con sus proyectos vitales, sociales, y su participación política. […] Con frecuencia, se aplicaba el diagnóstico de estrés postraumático, al observarse la sintomatología descrita. En varios países, este diagnóstico contribuía a una decisión favorable de las autoridades para otorgar la condición de refugiado […].22

21 A presente matéria veicula a notícia de disponibilização do governo, às vítimas da ditadura, de assistência psicológica. Disponível em: < http://semjusticadetransicao.wordpress.com/>. Acesso em: 20 de jan. 2014.

A assistência psicológica não era apenas uma intervenção clínica, era sobretudo o reconhecimento do duplo caráter e das conseqüências das violações aos Direitos Humanos na vida das pessoas. Um mister de emoções, dores, sofrimentos e enfermidades, sendo frequentemente diagnosticado nas vítimas, após análise dos sintomas descritos, o stress pós- traumático.

A transição na África do Sul, de um longo regime de opressão segregacionista para uma democracia multirracial, deu-se de forma surpreendentemente pacífica e negociada. Apesar de negociada, a transição não resultou em uma anistia geral que levasse ao esquecimento do passado. A principal novidade no processo sul-africano foi à ênfase na verdade e na responsabilização. Em busca da restauração social da sociedade, a punição ficou em segundo plano, dando lugar a outra forma de resposta coletiva aos abusos perpetrados por meio de uma justiça restaurativa. 23

Embora muitos digam que o modelo transicional adotado pela África do Sul deva ser referencia internacional, autores como Lydiah Kemunto Bosire, relatam realidades distintas àquelas idealizadas.

Na quase ausência de julgamentos e reparações, muitas vítimas são deixadas sem atendimento, particularmente porque os esforços de coibir os responsáveis por abusos aos direitos humanos continuam a ser lentos e irregulares, e os perpetradores continuam ocupando posições de poder.24 Houve ainda na África do Sul a dificuldade em pagar as indenizações fixadas, haja vista a insuficiência econômica para tanto.

Diferentemente do que ocorreu em países como Chile e Argentina, onde as medidas de justiça transicional foram administradas após situações relativamente claras de mudança de regime, na maioria dos casos em exame na África essas medidas foram implementadas após transições negociadas, sem uma ruptura clara com os conflitos passados e/ou presentes.”25

22 LIRA, Elizabeth. Trauma, duelo, reparación y memoria. Rev.estud.soc. Bogotá, n. 36, Aug. 2010 . Disponível            em:                        <http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0123- 885X2010000200002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 04 May 2012. P. 06.

23 PINTO, op. cit., p. 01-02.

24 BOSIRE, Lydiah Kemunto. Grandes promessas, pequenas realizações: justiça transicional na África Subsaariana. Sur, Rev. int. direitos human., São Paulo, v. 3, n. 5, Dec. 2006 . P. 02.

25 BOSIRE, op. cit., p. 07.

CAPÍTULO 2 PROCESSO TRANSICIONAL BRASILEIRO
2.1  Processo histórico ditatorial

A ditadura militar no Brasil instituiu um regime cuja origem remonta à revolução de 1930 e à ascensão da Era Vargas, sendo um sistema político marcado pela instabilidade institucional. A “democracia somente existe a partir da consagração do pluralismo de ideias e pensamentos, da tolerância de opiniões e do espírito aberto ao diálogo” 26.

Sobrevivemos a crise de 1929, vimos Getúlio Vargas assumir o compromisso de um governo provisório e este prolongar-se um pouco mais.

Nove de julho de 1932 chegou, e eternizou-se em nossas mentes e no calendário. A rebelião armada e a resistência dos paulistas contra a ditadura de Vargas levou milhares de pessoas as ruas de São Paulo, e fez com que fosse escrito na história brasileira em letras de sangue o nome de Martins, Miragaia, Draúsio e Camargo, mortos durante a tentativa de invasão de um jornal tenentista.

Vimos nascer o progresso do voto secreto e o direito de voto das mulheres no ano de 1933, em solo seco, ríspido e instável.

Naquela altura a Alemanha governada por Adolf Hitler exterminava seus opositores políticos e perseguia os judeus “de raça impura”, estabelecia o nazismo a mãos-de-ferro. Na Europa os ideais facistas tomavam o espaço, espalhavam-se por Hungria, Polônia, Romênia, chegando a Portugal e Espanha.

Grupos como a Ação Integralista Brasileira (AIB) em meados de 32 organizavam-se numa perspectiva autoritária e integralista. Opunham-se ao liberalismo econômico e a democracia burguesa, perseguindo socialistas e judeus.

Em julho de 1934 Getúlio Vargas é eleito Presidente pela Assembleia Constituinte.

Presenciamos o improvável, a mais avançada Constituição surge na Era Vargas.

O pai do pobres como era conhecido, permanece , o que era provisório (findar em 1938) prolonga-se ate 1945.

26 MORAES, Alexandre. Direitos humanos fundamentais: teoria geral, comentários aos arts. 1º a 5º da Constituição da República Federativa do Brasil, doutrina e jurisprudência. 8ª ed. São Paulo: Atlas S.A., 2007. P. 111.

Em novembro de 1937 o Congresso Nacional foi fechado, extinguindo-se ainda todos os partidos políticos, fortalecendo assim, o Poder Executivo e suas forças militares, surge o sistema político denominado “Estado Novo”.

Paralelamente tem início a segunda guerra mundial em 1939 com a invasão da Polônia pelas tropas alemãs, inclusive com participação brasileira ao lado das forças antifascistas.

Enfraquece o prestígio de Vargas, e a ameaça de reabertura do Poder Legislativo indica uma nova correlação entre forças políticas.

Em 02 de dezembro de 1945 a tão esperada eleição acontece e resulta na vitória de Eurico Gaspar Dutra. O governo de Dutra (1946 a 1951) foi marcado pela instabilidade social, crescimento econômico, prisões a lideranças operárias e sindicais, manifestações e greves.

Novamente o tão amado e odiado Getúlio Vargas retorna aos braços da pátria amada, é eleito para um novo mandato (1951 a 1954).

Temos, contudo a notícia de seu suicídio na madrugada do dia 24 de agosto de 1954. No Palácio Catete, Vargas dispara contra o próprio peito, prolongando a República Populista por mais dez anos. Assumi o poder em agosto de 1954 o vice presidente João Café Filho.

Em 1956 Juscelino Kubitscheck é eleito, liderando o poder até 1961. Em 1961 João Goulart, ou Jango como era chamado, recebe a faixa presidencial (1961-1964) com um mandato nascido e assombrado pelas ameaças golpistas.

Após, temos a sucessão de militares, que vai de Castelo Branco (1964-1967), Costa e Silva (1967-1969), passando pela Junta Governativa Provisória de 1969, chegando ao temeroso Emilio Medici (1969-1974), Ernesto Geisel (1974-1979), findando em João Baptista Figueiredo (1979-1985) peça principal do quebra-cabeça chamado Justiça de Transição.

2.2  Lei da Anistia (Lei n. 6.683/1979)

Há quem sustente que o Brasil tem uma concepção particular de lei. Há quem se oponha ao fato da migração da ditadura para a democracia política ter sido uma transição conciliada. O fato é que o Brasil tomou como meio/método de transição inicial a Lei n. 6.683/79 – Lei da Anistia.

A anistia em sua essência procurou alcançar todos àqueles que agiram no período da Ditadura Militar, seja em nome do Estado, até os que utilizaram seja de qual modo for de meios para se defender e inibir a repressão, salvo aqueles que já tinham sido condenados em sentença transitada em julgado.

A Lei da Anistia foi promulgada em 28 de agosto de 1979, pelo então presidente João Baptista Figueiredo, sob grande mobilização social. O cenário era de crise econômica, e clamor social e pressão política (ainda que de forma sutil).

Era uma resposta imediata, ainda que não eficaz, bem mais política é certo. Conceder uma anistia de mão dupla onde aqueles que eram considerados criminosos pelos ditadores, subversivos exilados fora do País pode voltar ao convívio de seus familiares; assim como torturadores se veriam livres dos crimes cometidos e circulariam livremente pelas ruas.

A Lei de Anistia foi proposta ou imposta a sociedade, num contexto histórico que buscava timidamente reconstruir o próprio ordenamento jurídico e suas sistemáticas. Questiona-se, contudo se esta era passível de questionamentos?

Outro fato foi a série de explosões de bombas em bancas de jornais em 1980. As detonações atingiam, particularmente, as bancas que vendiam jornais alternativos. Estas, temerosas, passaram a recurar a distribuição. Visando a se constituir no que ocasionou o estrangulamento financeiro desses órgãos de divulgação dependentes de vendas e não de anunciantes, para compor suas receitas.27

O trecho transcrito supra demonstra o quão instável era nosso cenário, e, sobretudo, o quão temerosos éramos ao regime militar. Diante dos fatos, sabemos que não foi um “acordo” de plena vontade, pois se assim o fosse pondera-se que as partes estejam em igualdade, o que certamente não vivíamos. Também não ignoramos, como apresentado pela Ministra Carmem Lúcia em seu voto na ADPF n.153, que entidades como a própria Ordem dos Advogados do Brasil examinaram os textos previamente e foram favoráveis (anos depois o Conselho Federal da Ordem dos Advogados propõe a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.153).

O grande questionamento paira sobre o conteúdo e aplicação do dispositivo legal, envolto de controvérsia constitucional.

Segundo a lei concede-se anistia:

27 AQUINO, Maria Aparecida de. Censura, Imprensa, Estado Autoritário (1968 – 1978): o exército cotidiano da dominação e da resistência: O Estado de São Paulo e Movimento. Bauru: EDUSC, 1999. P. 195.

Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.

§ 1º – Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.

§ 2º – Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal.

§ 3º – Terá direito à reversão ao Serviço Público a esposa do militar demitido por Ato Institucional, que foi obrigada a pedir exoneração do respectivo cargo, para poder habilitar-se ao montepio militar, obedecidas as exigências do art. 3º.

Na análise do texto da lei, observamos lacunas questionáveis como “[…] anistia a todos […] que cometeram crimes políticos ou conexos com estes […]”. Trata-se de saber se houve ou não anistia dos agentes públicos responsáveis, entro outros crimes, pela prática de homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor contra opositores políticos ao regime militar, que vigorou entre nós antes do reestabelecimento do Estado de Direito com a promulgação da vigente Constituição.28

Muito questiona-se sobre a afronta da anistia a preceitos fundamentais como a dignidade da pessoa humana e isonomia, certo que, nem todos são iguais perante a lei em matéria de anistia criminal.

Outra disparidade é sobre as legislações internacionais e aplicação/validade da anistia, isso, pois, a Corte Americana de Direitos Humanos, cuja jurisdição foi reconhecida pelo Brasil no Decreto Legislativo n.89, de dezembro de 1998, entende ser nula e de nenhum efeito a auto anistia criminal decretada por governantes.

2.2.1  Validade, vigência e eficácia.

A grande dissidência a respeito da Lei da Anistia se dá quanto aos ideais de Justiça de Transição, tais como o Direito a Memória, a Verdade e Reparação. É questionado ainda, se a Lei n. 6.683/79 “anistia ou não agentes públicos responsáveis pela prática de crimes como homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor contra opositores políticos ao regime militar.”29

28BRASIL. Ordem dos Advogados do Brasil. Petição Inicial de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental  n.153.  Procuradores:  Fábio  Konder  Comparato  e  Maurício  Gentil.  Disponível  em: <http://www.oab.org.br/arquivos/pdf/Geral/ADPF_anistia.pdf>. Acesso 20 ago. 2013. P.03

a)     Da validade:

A Lei da Anistia n. 6683/79 teve ingresso no ordenamento jurídico através da aprovação do projeto de lei numerado como 14/79.

Faltavam apenas dois dias para o recesso parlamentar. O Líder da Oposição solicitou a convocação extraordinária do Congresso Nacional para apreciação imediata da matéria. Não foi atendido. O projeto, de pronto, recebeu severas críticas; dizia-se que a proposição transformava a ação política em terrorismo, os servidores demitidos em pedintes e concedia o perdão antecipado aos torturadores. A principal crítica era a não inclusão dos presos políticos na concessão da anistia, os quais iniciaram uma greve de fome em todo o País. O Presidente da Comissão Especial designada para examinar o Projeto de Anistia, Senador Teotônio Vilela, peregrinou pelos presídios do País em visita aos presos políticos e relatou, ao final, não ter encontrado nenhum terrorista entre eles. A matéria tramitou de 28 de junho a 22 de agosto de 1979, quando foi aprovada, na forma do Substitutivo apresentado pela Comissão Mista instalada para sua apreciação, em tumultuada sessão do Congresso Nacional. O ponto alto da sessão foi a apreciação da emenda Djalma Marinho, que considerava conexos os crimes políticos de qualquer natureza praticados por motivação política e terminou rejeitada. Houve intensa reação do Senador Marcos Freire ao “fechamento de questão” contra a matéria anunciada pelo Líder da Arena, uma vez que o autor da emenda era da Arena.30

Sem adentrarmos filosoficamente a validade da norma jurídica, analisaremos os quesitos básicos para ingresso e validação da lei, a validade é uma qualidade da norma que designa sua pertinência ao ordenamento, por terem sido obedecidas as condições formais e materiais de sua produção e consequentemente no sistema.31

Inicialmente a lei da anistia submeteu-se ao processo de produção, levado ao crivo do poder legislativo para os trâmites legais, com votação, promulgação e sua devida publicação (tratamos aqui da validade formal). Em observância da validade material a Lei da Anistia não violou ou confrontou normas superiores na data de sua promulgação.

29 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.153. Relator: Ministro Eros Grau. Data de julgamento: 29 abr. 2010. Data da publicação: 06 ago. 2010. Disponível em: < http://www.stf.jus.br/portal/inteiroTeor/pesquisarInteiroTeor.asp#resultado>. Acesso em 20 ago. 2013. P. 06.

30              BRASIL.              Anistia.             Disponível             em:                <http://www2.camara.leg.br/atividade- legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/destaque-de-materias/lei-da-anistia/introducao>. Acesso em: 24 de jan. 2014.

31 FERRAZ JUNIOR, op. cit., p. 197.

Posteriormente fora questionada em parâmetros judiciais sobre sua validade, sendo o de mais relevância a ADPF n.153. Todavia sabemos que no Estado democrático de direito o Poder Judiciário não está autorizado a alterar, a dar outra redação, diversa da nele contemplada, a texto normativo, nem mesmo o Supremo Tribunal Federal está autorizado a reescrever leis de anistia.32

Fato é que a anistia foi reafirmada no texto da EC n. 26/85, pelo Poder Constituinte da Constituição de 1988. Embora recebida pela Constituição Federal de 1988 (conforme entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal) a grande oposição a esta norma afirma ser ela inconvencional, pois viola convenções de direitos humanos ratificadas pelo país.

A respeito esclarece o Ministro relator da ADPF n.153, Eros Grau que a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes foi adotada pela Assembleia Geral em 1984 (vigorando a partir de 26 de Julho de 1987). Em 1997 foi criada a Lei n. 9.455, que define o crime de tortura.33 Ambas as Leis são posteriores a Lei-medida da Anistia, portanto, segundo o STF, não à afeta.

b)    Da vigência:

Sendo válida a norma, pode esta ser ou não vigente, ou seja, ser capaz de produzir efeitos no mundo jurídico e fático. Como todos os fenômenos culturais, as leis nascem, modificam-se e morrem. As leis nascem pela promulgação, mas só entram em vigor após sua publicação oficial.34

Quanto a validade podemos a distinguir entre validade formal e material, sendo que a formal refere-se a legislação, o procedimento pertinente a sua criação, já a validade material relaciona-se ao conteúdo da norma ao sistema jurídico e demais legislações hierarquicamente superiores. Após o período compreendido de lapso temporal entre a publicação e inserção no ordenamento jurídico (vacatio legis), vigora a nova norma jurídica.

Conforme a definição de Tercio Sampaio a vigência é uma qualidade da norma que diz respeito ao tempo de validade, ao período que vai do momento em que ela entra em vigor (passa a ter força vinculante) até o momento em que é revogada, ou em que se esgota o prazo prescrito para sua durração.35E para que a norma ingresse no ordenamento jurídico e produza efeitos é imprescindível a validade formal, isto é que possua vigência.

32 Voto do Ministro Eros Grau. In: ADPF n. 153, op. cit., p. 38.

33 ADPF n. 153, op. cit., p. 03.

34 MONTORO, André Franco. Introdução à ciência do direito. 28 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. P. 441.

Vigente, esta norma produziu efeitos, dentre os quais estão a auto-anistia dos ditadores e opressores. Diante dos questionamentos de sua aplicação e efeitos concretos, vige até o presente momento.

Sobre seu conteúdo o Ministro Eros Grau explana que “permito-me dizer que, todo e qualquer texto normativo é obscuro até o momento da interpretação. O intérprete produz a norma a partir dos textos e da realidade”.

Justamente em decorrência de sua vigência e aplicação o Estado brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos como responsável pelo desaparecimento forçado de 62 pessoas entre os anos de 1972 e 1974. Isso pois, o dispositivo da lei da anistia (que vigora até então), confirmada inclusive pelo Supremo Tribunal Federal, fere tratados e convenções posteriores, como é o caso da Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanas ou Degradantes (ratificada pelo Brasil em 28 de setembro de 1989).

c)     Da eficácia:

Não basta termos uma norma juridicamente válida para que esta cumpra sua finalidade. A eficácia relaciona-se a produção de efeitos. As dúvidas que pairam sobre a validade, a vigência e a eficácia, nos remete a ligação entre a ética e o direito, e o direito como ciência normativa.

A eficácia da norma jurídica, refere-se a sua aplicação e execução enquanto meio regulador da conduta humana. A efetividade de uma norma, vai além de requisitos formais e processuais, é importante que os indivíduos para quem esta fora direcionada e a sociedade em geral a aceite e a reconheça. Sendo certo que diversos fatores atuam sobre o fenômeno social da aceitação e eficácia de uma norma, em especial fenômenos sociais/econômicos.

A finalidade do direito não é o simples conhecimento “teórico” da realidade jurídica, embora esse conhecimento seja importante. Não é também a formulação de quaisquer regras “técnicas”, eficazes e úteis, apesar da grande importância da técnica jurídica. Há casos de normas legais, que, por contrariarem as tendências e inclinações dominantes no seio da coletividade, só logram ser cumpridas de maneira compulsória, possuindo, desse modo, validade formal, mas não eficácia espontânea no seio da comunidade. 36

Ocorre todavia, que os legisladores podem promulgar leis que violentam a consciência coletiva, provocando reações por parte da sociedade. Há leis que entram em choque com a tradição de um povo e que não correspondem aos seus valores primordiais. Isto não obstante, valem, isto é, vigem.

Há casos de normas legais, que, por contrariarem as tendências e inclinações dominantes no seio da coletividade, só logram ser cumpridas de maneira compulsória, possuindo, desse modo, validade formal, mas não eficácia espontânea no seio da comunidade.37

35 FERRAZ JUNIOR, op. cit., p. 197.

Quando tratamos de direitos em comum para indivíduos e necessidades distintas é provável que uma das partes saia insatisfeita da relação. Não obstante, necessitamos entender que legalmente sob validade e vigência a norma vigora, contudo, é de suma importância darmos continuidade ao processo transicional, e moldarmos as normas de transição as necessidades atuais, complementando ainda com as normas.

2.3  Ordenamento jurídico brasileiro: Punição x Impunidade

Só vos peço uma coisa: se sobreviverdes a esta época, não vos esqueçais! Não vos esqueçais nem dos bons, nem dos maus.” Este foi o testemunho sob a forca de Julio Fuchik, dentre opressões, censuras, torturas e angústias sobrevivemos até os dias atuais. Amargando, contudo, o gosto da impunidade.

O regime militar imposto aos cidadãos brasileiros foi demasiadamente cruel. O golpe militar seguido pelos atos institucionais encabeçou a opressão ditatorial, tendo como fruto as graves restrições e supressões a direitos e garantias fundamentais como a liberdade de expressão, direito de ir e vir, censuras, torturas, desaparecimentos, mortes dentre tantos outros crimes bárbaros.


36 MONTORO, op. cit., p. 123.

37 REALE, Miguel. Lições preliminares de direito. 25 ed., 22 tir. São Paulo: Saraiva, 2001. P. 104.

Hoje, porém, a situação política brasileira é, sob muitos aspectos, original. O regime instaurado em 1964 não foi propriamente derrotado pelo adversários. Ele evoluiu e se transformou por si mesmo, sob o comando das mesmas forças que sempre o controlaram: os militares e os empresários. A classe política retomou, livremente, sua tradicional atividade, num quadro constitucional já transformado pelos antigos governantes, com a expiração da vigência do Ato Institucional nº 5, em 1978 e a eleição dos Governadores em 1982. […] Parece óbvio, nessas condições, que a Constituição preparada pelo atual poder não objetiva nenhuma mudança substancial na sociedade brasileira. 38

A contradição entre a crueldade militar e a resposta jurídica aos crimes foi e continua sendo um grande buraco a ser tapado. Os confrontos com policiais tornaram-se frequentes na época, aumentando o clima de radicalização política. Os brasileiros foram expectadores e protagonistas da escandalosa violência. À medida que as restrições ganhavam força, jovens e adultos, opositores e políticos, músicos e artistas, protestavam contra o regime.

Diante do clima efervescente os agentes militares optaram em agir com severidade, para muitos o cumprimento de ordens (ainda que carentes de legalidades), para outros atrocidades.

Ele me disse: ‘Se você sair viva daqui, o que não vai acontecer, você pode me procurar no futuro. Eu sou o chefe, sou o Jesus Cristo [codinome do delegado de polícia Dirceu Gravina]’. Ele falava isso e virava a manivela para me dar choque. Ele também dizia: ‘Que militante de direitos humanos coisa nenhuma, nada disso, vocês estão envolvidos’. E virava a manivela. Havia umas ameaças assim: ‘Vamos prender todos os advogados de direitos humanos, colocá-los num avião e soltar na Amazônia’. Nos outros interrogatórios, eles perguntavam qual era a minha opção política, o que eu pensava, quem pagava os meus honorários, quais eram os meus contatos no exterior, o que eu pensava do comunismo. Para mim, ficou muito claro que eles queriam atemorizar advogado de preso político.39

Este é apenas um dos graves relatos da sombria ditadura militar. São estes depoimentos e a falta de amparo jurídico, social e psicológico o estopim que fomenta o ensejo da impunidade.

Em contrapartida se defendiam, como o Coronel Ustra:

Nossos Acusadores reclamam com frequência de nossos interrogatórios. Alegam que presos inocentes eram mantidos horas sob tensão, sem dormir, sendo interrogados. Reclamam, também, de nossas ‘invasões de lares’, sem mandados judiciais. É necessário explicar, porém, que não se consegue combater o terrorismo amparado nas leis normais, eficientes para um cidadão comum. Os terroristas não eram cidadãos comuns.40


38 COMPARATO, Fábio Konder. Muda Brasil: uma constituição para o desenvolvimento democrático. Editora Brasiliense: São Paulo, 1986. P. 11.

39 Maria Luiza Flores da Cunha Bierrenbach era advogada de presos políticos quando foi presa em 8 de novembro de 1971, em São Paulo (SP). Hoje, vive na mesma cidade, onde é procuradora do Estado aposentada. Este é apenas um dos chocantes depoimentos da época, em especial e aterrorizante os de mulheres violentadas sexualmente, privadas de sua liberdade e convívio familiar.  Disponível em: <http://www.comunistas.spruz.com/mulherestorturadas.htm>. Acesso em: 24 jan. 2014.

O fato é que, nosso país não optou pela punição jurídico penal e aplicação da justiça de transição retroativa/retributiva. Adotou como medida conceder anistia a todos aqueles que no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 a 15 de agosto de 1979 cometeram crimes políticos ou conexos a estes, sejam agentes estatais ou civis que tentavam de alguma forma repelir a agressão injusta, salvo, contudo, os que já haviam sidos condenados pelos crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal.

A anistia, e uma transição “conciliada” politicamente, implícita por lacunas constitucionais e sociais, fez com que o cenário brasileiro arrasta-se por uma vulnerabilidade e incertezas.

Judicialmente tivemos alguns avanços ao longo dos anos. Não houve condenações criminais, e diante da prescrição punitiva e lapso temporal como dito anteriormente não seria possível tal (sem delongas aos crimes de lesa humanidade suscetíveis de questionamentos). Todavia algumas decisões, na área cível, ainda que tímidas, tornaram-se possíveis pelo judiciário brasileiro, como é o caso da sentença que reconhece o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra (comandante do DOI/Codi – Departamento de Operações de Informações – Centro de Operação de Defesa Interna, em São Paulo) como torturador. A decisão foi proferida pela 23ª Vara Cível Central no ano de 2008 e confirmada pela 1ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo após analise do recurso interposto pelo ex- militar.

O Brasil foi condenado internacionalmente pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em 24 de novembro de 2010. A corte condenou o Brasil, no caso Gomes Lund e outros, a investigar e levar à justiça criminal os responsáveis pelo desaparecimento forçado de 62 militantes do Partido Comunista do Brasil na região do Araguaia, entre 1972 e 1975.41 A sentença estabelece ainda o pagamento de indenizações a parentes de vítimas como pais, filhos e irmãos, que varia de US$ 15 mil à US$ 45mil.

40 Coronel USTRA, Carlos Alberto Brilhante. Rompendo o Silêncio. Oban. DOI/Codi. 29 set. 20-23 jan. 74. Brasília: Editerra, 1987. P. 157.

41 SUIAMA, Sérgio Gardenghi. Problemas criminais da sentença da corte IDH no caso Gomes Lund: respostas do direito comparado. In: Revista Anista. n° 05, 2012.

Sabemos, contudo, que não será reparação pecuniária, que nos fará convictos de punição e justiça. Todos fomos gravados pelas marcas da ditadura. O dinheiro pode ser necessário, muitas vezes para subsidiar as dores e os traumas físicos e psicológicos, mas a memória e a certeza da verdade é o sabor mais agradável de satisfação.

Ainda que o fantasma da impunidade nos assombre a cada depoimento de vítimas ou familiares devemos nos levantar, “procurar” os pedacinhos do quebra-cabeça, remontá-lo por mais doloroso que o seja, e preservá-lo em nossa memória.

O país demorou, mas se manifestou! A criação da Comissão Nacional da Verdade e a sua disseminação em todos os Estados brasileiros são provas de que, ainda que inicialmente frustrada nossa transição está por acontecer.

O que a princípio pareceu a mais louvável decisão em anistiar os agentes, ao longo se tornou uma opção insustentável. O povo clama por repostas e por justiça! Mas não precisamos confundirmo-nos, a justiça nem sempre resume-se a grades. É importante continuarmos o processo transicional retrospectivo brasileiro, atendendo sobretudo aos víeis da transição pacífica, a reparação necessária, a verdade e a memória.

Para que não se esqueça, para que nunca mais aconteça.42

2.4   Interpretação segundo o julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 153

A interpretação e aplicação do direito vão além de um sistema mecanizado e instituído. A junção do Direito e Realidade cominará num “encaixe” ponderado entre os textos normativos e “vida real”. 43

Foi sob esta argumentação cominada aos votos dos Ministros Eros Grau (relator), Cezar Peluso, Celso de Mello, Marco Aurélio, Ellen Gracie, Gilmar Mendes, Ayres Britto, Ricardo Lewandowski e Cármem Lúcia que a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.153 foi acordada improcedente.

42 Este é o slogan adotado pelo Centro de Referências das lutas políticas no Brasil (1964-1985|), com conteúdo abrangente e rico em informações sobre a ditadura militar disponível online pelo site http://www.memoriasreveladas.gov.br/.

43 Relatório da ADPF n. 153 – Ministro Relator Eros Grau. In: ADPF n. 153, op. cit., p. 05.

Ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, em outubro de 2008, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.153, versa sobre a controvérsia constitucional e interpretação da Lei n. 6683/1979 – Lei da Anistia, em especial a ambiguidade contida em seu artigo 1º.

Com o propósito de fundamentar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB apresenta-nos um rol de considerações, objetivando a declaração de não recebimento pela Constituição do Brasil de 1988, do disposto no § 1° do Artigo 1° da Lei n. 6.683/79.

Por seguinte, questiona-se sobre a dissidência constitucional e divergências de entendimento e aplicação da Lei da Anistia, inclusive pelo Ministério da Justiça e Ministério da Defesa, confirmando, portanto, o cabimento de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental.

A princípio nos é apresentado o artigo em conflito:

“Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares.

§ 1º – Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política”.

O objeto maior de fundamentação plaina sobre a compatibilidade com os preceitos fundamentais da Constituição Federal e a interpretação da Lei n. 6.683/179, em especial pela ambiguidade contida no termo “crimes conexos”, no sentido de que a anistia estende-se aos crimes comuns44.

44Petição Inicial de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.153, op. cit., p. 12.

É questionado ainda se a Lei n. 6.683/79 anistia ou não agentes públicos responsáveis pela prática de crimes como homicídio, desaparecimento forçado, abuso de autoridade, lesões corporais, estupro e atentado violento ao pudor contra opositores políticos ao regime militar, tratados como crimes comuns e não políticos e/ou conexos.

Expõe o arguente que, considerar anistia aos agentes públicos que praticaram crimes comuns, como os acima relacionados, seria violação a vários preceitos fundamentais.

Por fim, alega que os atos de violação da dignidade humana não se legitimam com a reparação pecuniária. Em suma, requer a Corte, declaração que a Anistia concebida pela Lei n. 6.683/79, não se entende aos crimes comuns praticados pelos agentes da repressão, contra opositores políticos, durante o regime militar45.

Sob o ponto de vista hermenêutico, os votos dos Ministros e Ministras do STF apegaram-se demasiadamente a conceitos e formulações já ultrapassadas na Teoria e na Filosofia do Direito. 46

É sabido que este último dispositivo legal foi redigido intencionalmente de forma obscura, a fim de incluir sub-repticiamente, no âmbito da anistia criminal, os agentes públicos que comandaram e executaram crimes comuns contra opositores políticos ao regime militar. Em toda a nossa história, foi esta a primeira vez que se procurou fazer essa extensão da anistia criminal de natureza política aos agentes do Estado, encarregados da repressão. Por isso mesmo, ao invés de se declararem anistiados os autores de crimes políticos e crimes comuns a ele conexos, como fez a lei de anistia promulgada pelo ditador Getúlio Vargas em 18 de abril de 1945, redigiu-se uma norma propositalmente obscura. E não só obscura, mas tecnicamente inepta. 47

O trecho supra nos parece hoje demasiadamente agressivo, mas se considerarmos o período que o refere é sensatamente compreensível. O dispositivo legal e sua ambiguidade contido no texto legal, em especial na expressão “crimes conexos”, no campo do direito penal, pode remetermo-nos a comunhão de propósitos e objetivos na prática de um crime (concurso material ou formal), todavia se falarmos em direito penal adjetivo é possível reconhecer a conexão em que os agentes atuam uns contra os outros. 48

Sabemos, contudo, que o caráter conservador do Supremo Tribunal Federal frutificou na manifestação pela improcedência na ADPF n. 153.

45 Relatório da ADPF n. 153 – Ministro Relator Eros Grau. In: ADPF n. 153, op. cit., p. 07.

46FILHO, op. cit., p. 03

47 Petição Inicial de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.153, op. cit., p.13

48 Voto do Ministro Ricardo Lewandowski . In: ADPF n. 153, op. cit., p. 100.

Segundo José Carlos Moreira da Silva Filho, conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça e membro-fundador do grupo de estudos sobre internacionalização do Direito e Justiça de Transição (IDEJUST):

Após a análise cuidadosa de todos os votos, é possível destacar, de modo geral, três grupos de argumentos, a saber, hermenêuticos, históricos e relacionados a um forte desprezo ao Direito Internacional Humanitário. Tais argumentos revelam a dificuldade da alta cúpula do Poder Judiciário brasileiro em acompanhar um necessário desenvolvimento da democracia no Brasil.49

O julgamento que findou na improcedência da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n.153 ocorreu em 29 de abril de 2010. Proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, foram vencidos os Ministros Ricardo Lewandowski (parcial provimento) e o Ministro Ayres Britto (parcialmente procedente para excluir da anistia os crimes previstos no art. 5º, inciso XLIII, da Constituição), os demais votaram pela improcedência.

Vale ressaltar que a grande surpresa dos votos foi o do Ministro relator Eros Grau. Este foi preso e torturado na década de 1970, ex-preso político para muitos foi exemplo de sensatez ao julgar improcedente, para tantos outros foi político ao confirmar a anistia de renomes militares. Fato é que este se mostrou maduro para entender o período histórico e a medida legal adotada à época, ainda que questionável.

Em análise dos votos, constamos que ao optar pela improcedência, o Ministro relator Eros Grau: reconhece a existência de polêmica quanto à validade demonstrada na anistia aos agentes públicos que praticaram delitos por conta da repressão à dissidência política durante a ditadura militar. Rebatendo, contudo, a fundamentação de obscuridade na inicial, alega o Ministro que todo e qualquer texto normativo é obscuro até o momento da interpretação, quanto à extensão da anistia criminal, alega Eros Grau que a revisão desse desígnio haveria de ser procedida por quem procurou estendê-la aos agentes do Estado encarregados da repressão, isto é, pelo Poder Legislativo e não pelo Poder Judiciário.

Por seguinte passa ao exame da afronta a preceitos fundamentais como isonomia em matéria de segurança, entendendo não prosperar a argumentação, isso, pois, há desigualdade entre a prática de crimes políticos e crimes conexos com eles. A lei poderia, sim, sem afronta à isonomia – que consiste também em tratar desigualmente os desiguais – anistiá-los, ou não, desigualmente50.

49 FILHO, op. cit., p. 03.

O segundo preceito fundamental ferido estaria contido no inciso XXXIII do artigo 5º da Constituição, que assegura a todos o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, considerando que com o advento da anistia, vítimas e familiares foram impedidas de conhecer a identidade dos responsáveis pela repressão. Entende, todavia, que a Anistia é mesmo para ser concedida a pessoas indeterminadas51.

Também é rebatida a preposição de afronta ao princípio democrático e republicano, bem como a principal lesão: o princípio da dignidade da pessoa humana e do povo brasileiro, que não pode ser negociada. A respeito, sustenta o Excelentíssimo Ministro:

A inicial ignora o momento talvez mais importante da luta pela redemocratização do país, o da batalha da anistia, autentica batalha. Toda a gente que conhece nossa História sabe que esse acordo político existiu, resultando no texto da Lei n.6.683/79. A procura dos sujeitos da História conduz à incompreensão da História.

A formidável luta pela anistia, uniu os “culpados de sempre” a todos os que eram capazes de sentir e pensar as liberdades e a democracia, figuras como o senador Teotônio Vilela; pelos autênticos do MDB, pela própria OAB, pela ABI, pelo IAB, pelos sindicatos e confederações de trabalhadores e até por alguns dos que apoiaram o movimento militar […].52

Em suma conclui-se que a interpretação que prevalece nos dias atuais, em consonância com o julgamento da ADPF n.153, é sim, de uma anistia ampla. Considerando anistiados, não somente agentes opressores, como civis que repudiaram seja de qual meio for, as injustas agressões. Ressalvando o Supremo que uma medida diferente deveria ser tomada por que se incumbiu de anistiar, ou seja, o Poder Legislativo e não o Judiciário. Valendo-se no momento da interpretação, os preceitos que se operaram à época do legado, e a condição de democracia vivida no momento da promulgação da lei da anistia.

É certo que para muitos a decisão e interpretação da Suprema Corte foi um gosto amargo, mas não acaba neste julgamento. A justiça de transição é medida contínua, devemos levantar, chacoalharmos a poeira e continuarmos no processo transicional em busca da democracia.

50 Voto do Ministro Eros Grau. In: ADPF n. 153, op. cit., p. 18.

51 A propósito, posterior ao julgamento da ADPF n. 153, mas em consonância com o que ali fora questionado, criou-se a Lei de Acesso a Informações – Lei n.12.527/2011.

52 Voto do Ministro Eros Grau. In: ADPF n. 153, op. cit., p. 21-22.

Embora não podermos apagar o passado sangrento e doloroso, a mudança do futuro pertence a nós.

2.4.1  Outras interpretações: reparação e responsabilidade estatal brasileira

A justiça de transição, como conjunto de mecanismos (judiciais ou não), permite-nos enfrentar o legado de violência, supressões e marcas deixadas e demarcadas no substrato de cada ser. Cada um sabe onde a ferida mais dói, temos nossas próprias convicções como seres humanos, e muitas vezes sequer deixamos que o outro a expresse. A deusa Têmis hoje se vê não somente com os olhos vendados, mas sua espada deu lugar a mãos atadas.

A situação jurídica acerca da interpretação da lei da anistia vai além da questão direito e justiça. Envolve, sobretudo, ética, moral, princípios, direitos e garantias. O direito à memória e à verdade parece-nos distantes, à medida que, decisões e posicionamentos da Suprema Corte ratificam a Lei da Anistia.

Fato é que, em que pese o Supremo Tribunal Federal, ter interpretado a Lei da Anistia como lei medida, autentica e vigente, diversas opiniões são contrárias no mundo jurídico, visando, sobretudo, valores democráticos e garantir a não repetição de terríveis atrocidades.

Recentemente (setembro/2013) o Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, em parecer, manifestou-se sobre a punição de torturadores, afirmou que violações ocorridas em regime ditatorial, mortes e desaparecimentos são crimes imprescritíveis e não estão amparados pela Lei da anistia, diferente do que sustenta o próprio Supremo Tribunal Federal quando julgara a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 153.

Com uma argumentação inédita e destoante da posição de seus dois antecessores na Procuradoria, Rodrigo Janot manifestou-se pela prisão do acusado argentino por considerar os crimes de tortura imprescritíveis, na Argentina e também no Brasil.

A argumentação do procurador será uma das bases da nova ação que a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) prepara para questionar a Lei da Anistia no Supremo Tribunal Federal53.


53 FERRAZ, Lucas. Procurador quebra sigilo do STF ao divulgar parecer sobre anistia. Folha de S. Paulo, São Paulo, 21 out. 2013. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/poder/134954-procurador-quebra- sigilo-do-stf-ao-divulgar-parecer-sobre-anistia.shtml>. Acesso em: 15 fev. 2014.

Este novo entendimento, de alguém tão influente juridicamente como o Procurador Geral da República, fez reacender discussões e a esperança para muitos de uma nova interpretação da norma anistiante.

Posição há muito tempo defendida por juristas como Fabio Konder Comparato, (advogado representante do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil na propositura da ADPF n.153), entendendo que o entendimento do STF configura uma ruptura com a ordem jurídica internacional. Em debate promovido pela Ordem dos Advogados em 1 de agosto de 2013, sobre a questão de se saber se o Estado Brasileiro tem ou não o dever de cumprir a sentença condenatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 26 de novembro de 2010, no Caso Gomes Lund e Outros v. Brasil (Guerrilha do Araguaia), manifestou Comparto da seguinte maneira:

Pois bem, até hoje o Estado Brasileiro continua a ignorar o juízo de invalidade da Lei de Anistia de 1979, tal como interpretada pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a ADPF nº 153 em 2010. O Estado Brasileiro, além disso, ainda não cumpriu integralmente os doze pontos decisórios fixados na sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

A contradição entre o acórdão do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADPF nº 153, e a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao julgar o caso Gomes Lund e outros v. Brasil (Guerrilha do Araguaia), em relação à Lei de Anistia de 1979, é clara e insofismável. Qual dos dois julgados deve prevalecer?54

Os ensinamentos doutrinários de José Carlos Moreira da Silva Filho55, um conhecedor e apaixonado pelo tema transição e direitos humanos, nos remete a outras interpretações acerca do processo de transição brasileiro e propriamente da Lei da Anistia:

Basta uma pequena aproximação às estruturas, aparelhos e agentes do Estado para perceber que, no interior dos seus espaços e em meio aos seus grupos e coletivos, estamos longe de ter uma homogeneidade de opiniões e de ações. O tema da ditadura civil-militar no Brasil ainda está envolvido por uma espessa névoa, que impede o adequado reconhecimento de que vivemos mais de 20 anos de práticas sistemáticas de crimes de lesa-humanidade, de terrorismo de Estado, de que houve oposição e resistência a esse estado de coisas, de que pessoas corajosas pegaram em armas, arriscando seus sonhos e planos pessoais em nome de um projeto coletivo, de ampliação de direitos e de políticas de justiça social, e de que pessoas que não pegaram em armas também exerceram o seu direito de resistência diante de um governo ilegítimo e que tinha como prática institucional a violação maciça dos direitos humanos dos seus próprios cidadãos. Atualmente, podemos perceber uma divisão no interior do governo federal brasileiro em relação a esse tema.

[…] Por sua vez, o julgamento da ADPF 153 no STF é a grande prova do quanto ainda estamos longe de uma verdadeira ruptura com nosso passado autoritário. A ditadura no Brasil teve uma característica muito particular. Ela se preocupou em maquiar seus desmandos e suas práticas ditatoriais com um manto de legalidade, que mais não passava de um “simulacro de legalidade.”56


54 COMPARATO, Fabio Konder. O risco de o Brasil tornar-se um estado fora da lei no plano internacional: os efeitos da sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Gomes Lund e Outros. 1º agosto 2013. Disponível em: <http://www.oab.org.br/noticia/25926/oab-promove-debate-inedito-para-subsidiar-acoes- sobre-a-lei-de-anistia> . Acesso em: 15 fev. 2014.

55 Doutor em Direito das Relações Sociais pela Universidade Federal do Paraná (UFPR); Mestre em Teoria e Filosofia do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília (UnB); Professor da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), no Programa de Pós-graduação em Ciências Criminais – Mestrado e Doutorado – e na Graduação em Direito; Conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça; Membro-Fundador do Grupo de Estudos sobre Internacionalização do Direito e Justiça de Transição (IDEJUST).

A dissidência sobre a interpretação da Lei da Anistia não maculou apenas juristas e doutrinadores no país, o tema tomou forma e força, e tivemos o posicionamento da Corte Interamericana de Direitos:

O Estado deve conduzir eficazmente, perante a jurisdição ordinária, a investigação penal dos fatos do presente caso a fim de esclarecê-los, determinar as correspondentes responsabilidades penais e aplicar efetivamente as sanções e consequências que a lei preveja […]. O Estado deve oferecer o tratamento médico e psicológico ou psiquiátrico que as vítimas requeiram e, se for o caso, pagar o montante estabelecido […] da presente Sentença. […] O Estado deve realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional a respeito dos fatos do presente caso […]. O Estado deve continuar desenvolvendo as iniciativas de busca, sistematização e publicação de toda a informação sobre a Guerrilha do Araguaia, assim como da informação relativa a violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar, garantindo o acesso à mesma nos termos do parágrafo 292 da presente Sentença. […] A Corte supervisará o cumprimento integral desta Sentença, no exercício de suas atribuições e em cumprimento de seus deveres, em conformidade ao estabelecido na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, e dará por concluído o presente caso uma vez que o Estado tenha dado cabal cumprimento ao disposto na mesma57.

Evidente ainda, que a maior posição contrária à interpretação atual dada pelo Supremo Tribunal Federal à Lei da Anistia é das vítimas e familiares atingidos diretamente pelo regime de opressão. Para a grande maioria dos atingidos a interpretação encontrada pelo STF ao conceito de “conexão” dada no julgamento da ADPF nº 153 constitui-se em um exemplo de evidente equívoco daquele Tribunal, e efetivamente constitui- se num obstáculo à reparação das vítimas e seus familiares e, ao fim e ao cabo, à construção da verdade e da justiça58.


56 BRASIL. Uma ampliação dos espaços políticos de luta. Entrevista com José Carlos Moreira da Silva Filho. Prisma   Jurídico,   vol.   9,   núm.   1,   enero-junio,   2010,   p.   17-31.   Disponível   em: <http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=93416940002>. Acesso em 15 fev. 2014.

57 Corte Interamericana De Direitos Humanos: caso Gomes Lund e outros (“Guerrilha do Araguaia”) Vs. Brasil. Sentença        de            24            de                          Novembro                  de                           2010.      Disponível             em:                       < http://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_219_por.pdf>. Acesso em: 15 fev. 2014. P. 114-116.

Por fim, opõe-se a posição do Supremo Tribunal Federal desde juristas às vítimas e familiares, e que por si só, já nos caracteriza a inacabada justiça de transição brasileira. É necessário que positivistas e não positivistas necessariamente defendam o mesmo ponto de chegada e a mesma interpretação para os casos envolvendo crimes cometidos durante períodos autoritários. Isso para que todos possam compartilhar e usufruir da justiça brasileira, para que ninguém esqueça, e para que nunca mais aconteça.


58 Câmara Municipal de São Paulo; Presidente da Comissão Ítalo Cardoso; Relator da Comissão Eliseu Gabriel; Vice-Presidente da Comissão Gilberto Natalini. São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de Comissão Municipal da Verdade Vladimir Herzog : relatório maio a dezembro de 2012. São Paulo, 2013. P. 181.

3  COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE

Após o vendaval da opressão, surge a necessidade de varrer as folhas secas. No cenário pós-ditadura deparamo-nos com a violação de direitos humanos, supressão às garantias fundamentais, instabilidade política, rancor e clamor social.

Eis que um novo governo assume a responsabilidade de instaurar um sistema democrático, e para tal, encontra óbices das mais diversas. A pressão política e/ou social se torna insistente e contundente, a opressão pela punição dos antigos governantes, e a pressão dos adeptos do regime anterior se chocam.

Os trabalhos iniciam-se, como num campo minado as praticas do governo antecessor são considerados problemas públicos a serem superados, o que provavelmente antes não o era e possivelmente para muitos não passou a ser. O novo regime enfrenta assim o dilema:

Perdoar ou punir os crimes cometidos no período de ditadura, os excessos e a violência injusta? E mais, como reparar vítimas, satisfazer a sociedade e ao mesmo tempo evitar que a massiva violação retome?

Para muitos a forma de cumprimento destes requisitos seria a aplicação do direito processual, em especial, a apuração dos delitos, processo, julgamento e devida condenação. Para outros é momento de reconciliar, apresentar à verdade, reparar quem de direito o mereça, e fazer que a memória seja perpetrada, não nos gritos de dor, mas nos cantos de alívio. Surge então um caminho possível, a instauração de uma Comissão da Verdade.

Descobrir a verdade não é tão difícil quando acabamos de passar pelo estreito corredor da ditadura, ainda está muito presente na memória, na alma, e muitas vezes no próprio corpo as marcadas da opressão; difícil mesmo é fazer valer a verdade passado mais de quatro décadas.

A Lei nº 12.528, de 18 de novembro de 2011 criou a Comissão Nacional da Verdade no Brasil, composta por sete membros, com a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos praticadas no período 1946 e 1988, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica e promover a reconciliação nacional.

É fato que as violações ocorridas na ditadura militar brasileira, são um caminho muito longo a ser percorrido e descoberto, mas, sobretudo, é uma caminhada necessária.

O amanhã sempre estará por vir, ainda que as pessoas presentes hoje não estejam para ver o nascer do sol. A comissão da verdade, ainda que tardia, deve eleger os fatos relevantes e investigá-los, promover a paz e a reconciliação nacional, repudiando qualquer prática que nos mova ao revanchismo ou ódio. As linhas são muitas, é necessária a leitura do passado de forma imperiosa, conhecendo-a na sua plenitude, lidas e interpretadas por pessoas imparciais.

Para tanto, além de esforços de militantes e defensores dos direitos humanos é primordial a participação de todos os brasileiros que foram protagonistas desta história, e, sobretudo, do Estado brasileiro, sem censura!

3.1  Novo começo ou novo fim?

Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim.59A responsabilidade, a verdade, a memória e a incessante luta contra a impunidade. Estes são anseios de vítimas sobreviventes e familiares de mortos ou desaparecidos políticos, bem como garantir um Estado democrático, distante das opressões aos valores constitucionais, em prol do reconhecimento oficial da luta e da resistência contra a ditadura militar.

Nesta proposta, promover a reconciliação nacional, elucidar a verdade e perpetrar a memória são fundamentais, não com intuito de fomentar o ódio e o rancor, mas, sobretudo, orgulharmos da resistência.

Como dito acima, é importante a restauração da verdade, como um ato histórico, para perpetuação da memória, em homenagem aos que tombaram e deram suas vidas pela democracia. Ter acesso à verdade, formar a memória coletiva são atitudes indispensáveis, como forma de redefinir o passado, refletir o presente e projetar o futuro. Lembrar, desvendar e esclarecer são anseios da cidadania, não para alimentar o ódio, a raiva – o que faz mal. Tampouco para perdoar ou esquecer. O perdão não é esquecimento, não é o pingar de um ponto final numa história. Perdão é ter consciência, é revitalizar a memória de que a vida não pode ser regida por uma relação de dor e ódio. Não se trata de revanchismo ou ódio, mas, sim, de criar uma racionalidade capaz de sublimar aquela tragédia que é a bestialidade humana.60


59 Francisco Cândido Xavier.

60 BARBOSA, Marco Antonio Rodrigues. Direito à memória e à verdade. In: Revista Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos Esplanada dos Ministérios, 2008. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/dados/revistas/a_pdf/revista_sedh_dh_01.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2014. P. 32.

Recuperar a verdade e a memória poderá influenciar no curso de acontecimentos futuros. Em especial para que as próximas gerações tenham ciência de tais acontecimentos, da luta e da resistência, do abuso e da opressão, e mais, para que não tolerem futuras censuras; certo que, o direito à verdade só fincará raízes se houver conjugados aos processos governamentais à participação social.

Os desafios enfrentados, o legado deixado, detenções ilegais, torturas, execuções, desaparecimentos forçados, e uma comissão buscando a verdade. Descobrindo ou simplesmente confirmando crimes através de seus trabalhos, sem poder processar seus autores e recolhe-los a estabelecimentos penais. Não trata de uma sistemática lógica, a verdade absoluta hoje, pode ser a mais insustentável das mentiras de amanhã. Sendo assim, é importantíssimo manter a calma, a prudência, como num quebra-cabeça é necessário buscarmos as peças que se espalharam pelo tempo, para uni-las e suprir as lacunas da história. Logicamente, não poderemos retroagir ao passado e mudar o início da história, mas certamente cada um pode e deve contribuir para um novo fim. A Lei da Anistia foi adota, é fato, não necessariamente refletindo o desejo da nação, mas é certo que foi um instrumento político e social para pacificar a sociedade dilacerada pela ditadura. Sobretudo, é chegado o momento de mudança, ações educativas, judiciais e sociais. Medidas para prosseguirmos o caminho da democracia brasileira.

Coletar informações, eventos, audiências públicas, documentos históricos, uso da Lei de Acesso a Informações para transparência, investigações, oitivas, uso das redes sociais e ferramentas transparentes. Após sua instalação, em cerimônia realizada em 16 de maio de 2012, a Comissão Nacional da Verdade iniciou seus trabalhos e a metodologia de trabalho, sendo o ponto chave desta reconciliação nacional e o fortalecimento histórico democrático.

É comum após um período de regime autoritário países estabelecem uma comissão da verdade. São órgãos investidos do poder investigativo oficial, todavia não possui caráter judicial, ou seja, as informações obtidas pelo processo de busca da verdade não serão subsídios para eventuais processos criminais. Outra característica é a delimitação temporal, estabelecendo prazos para os trabalhos, e o principal a publicidade dos atos, e um relatório final.

É dada aos opressores a possibilidade de expor os motivos de suas ações, podendo a Comissão optar pela melhor prática, e pelo conjunto de diretrizes que melhor convir, isso, pois, não há aqui a formalidade de procedimentos, sobretudo promovendo a proteção e promoção dos direitos humanos na luta contra a impunidade.

3.2  Finalidade e aplicação

A Comissão Nacional da Verdade foi criada pela Lei 12528/2011 e instituída em 16 de maio de 2012. A CNV tem por finalidade apurar graves violações de Direitos Humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988. Em dezembro de 2013, o mandato da CNV foi prorrogado até dezembro de 2014 pela medida provisória nº 63261.

As primeiras comissões de verdade, em países como Uganda, Bolívia, Argentina, Zimbábue, Uruguai, Filipinas, Chile e outras, não ouviram os testemunhos em público por medo de represálias e, neste sentido, a Comissão de Verdade e Reconciliação da África do Sul serve como exemplo principal de publicidade e transparência62.

É previsível que os agentes opressores brasileiros da época agora manifestem profundo “temor” à represália que eventualmente possa acontecer, por terem seus nomes expostos. Todavia a Comissão Nacional da Verdade não pretende propor uma revanche ou um acerto de contas, mas buscar de esclarecimentos, notícias, verdades e memórias.

A figura das Comissões da Verdade é relativamente nova no planeta. O primeiro exemplo é de 1974, quando foi instituída em Uganda a Comissão para Investigação de Desaparecimentos de Pessoas11. Entretanto, foi na década de oitenta, sobretudo na América Latina, que o modelo se desenvolveu. Até hoje, um dos casos mais representativos é o da Argentina, que em 1983 criou a Comissão Nacional sobre o Desaparecimento de Pessoas (“Comisión Nacional sobre la Desaparición de Personas” – CONADEP) cujo relatório foi denominado “Nunca Más” e trata das vítimas da ditadura militar naquele país. Este é considerado o primeiro caso bem sucedido de Comissão12. No total, contam-se mais de 40 Comissões da Verdade pelo mundo afora. 63


61 Disponível em: <http://www.cnv.gov.br/index.php/institucional-acesso-informacao/a-cnv>. Acesso em: 26 fev. 2014.

62 PINTO, op. cit., p. 23.

63           WEICHER,      Marlon     Alberto.     A      Comissão     Nacional     da     Verdade.              Disponível       em: <http://www.nucleomemoria.org.br/imagens/banco/files/Comissao%20Nacional%20da%20Verdade.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2014. P. 05.

As Comissões da Verdade são mecanismos oficiais de apuração de graves violações aos direitos humanos, com intuito de apurar a verdade e satisfazer o direito das vítimas e da sociedade. O eixo principal é a exposição pública dos acontecimentos, suas circunstâncias, causas e consequências, reconciliando com o passado e fortalecendo a democracia. Ao final espera-se a produção de um relatório que, além de relatar os fatos apurados, apresente recomendações para o aprimoramento dos organismos públicos e medidas pertinentes.

Conforme o art. 1º da Lei n. 12528/11 a Comissão Nacional da verdade tem a finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos, a fim de efetivar o direito à memória e à verdade histórica, promovendo assim, a reconciliação nacional. Sem fim jurisdicional ou persecutório, é formada por 07 (sete) membros designados pelo Presidente da República, contribuirão para o fortalecimento da democracia, por isso, é de suma importância o tratamento do assunto com total imparcialidade, sem quaisquer influências políticas.

Os objetivos estão delimitados no art. 3º da lei, como segue:

Art. 3 São objetivos da Comissão Nacional da Verdade:

  1. – esclarecer os fatos e as circunstâncias dos casos de graves violações de direitos humanos mencionados no caput do art. 1o;
  2. – promover o esclarecimento circunstanciado dos casos de torturas, mortes, desaparecimentos forçados, ocultação de cadáveres e sua autoria, ainda que ocorridos no exterior;
  3. – identificar e tornar públicos as estruturas, os locais, as instituições e as circunstâncias relacionadas à prática de violações de direitos humanos mencionadas no caput do art. 1o e suas eventuais ramificações nos diversos aparelhos estatais e na sociedade;
  4. – encaminhar aos órgãos públicos competentes toda e qualquer informação obtida que possa auxiliar na localização e identificação de corpos e restos mortais de desaparecidos políticos, nos termos do art. 1o da Lei no 9.140, de 4 de dezembro de 1995;
  5. – colaborar com todas as instâncias do poder público para apuração de violação de direitos humanos;
  6. – recomendar a adoção de medidas e políticas públicas para prevenir violação de direitos humanos, assegurar sua não repetição e promover a efetiva reconciliação nacional; e
  7. – promover, com base nos informes obtidos, a reconstrução da história dos casos de graves violações de direitos humanos, bem como colaborar para que seja prestada assistência às vítimas de tais violações.

Para execução dos trabalhos a Comissão Nacional da Verdade utilizara de informações, dados, documentos encaminhados voluntariamente (assegurada a não identificação do detentor ou depoente), ou requisitados a órgãos e entidades públicas (independente do grau de sigilo), testemunhos, entrevistas, audiências públicas, pericias e diligências, poderá ainda requerer ao Poder Judiciário acesso a informações que julgar pertinentes, e se necessário requisitar proteção às pessoas que em virtude da sua contribuição se achar ameaçada. O art. 4º, § 3 da lei estabelece o dever dos servidores públicos e principalmente dos militares em colaborar com a Comissão Nacional da Verdade.

Publicada em 18 de novembro de 2011, tinha o prazo previsto inicial de 2 (dois) anos, contados da sua instalação para a conclusão dos trabalhos, devendo ao final apresentar um relatório circunstanciado com todas as atividades realizadas, uma conclusão e recomendações ao Estado brasileiro. Ocorre que, em virtude da quantidade de trabalho houve a prorrogação do prazo da Comissão Nacional da Verdade, inicialmente estabelecido até maio de 2014, o mandato da CNV foi prorrogado até dezembro de 2014 pela medida provisória nº 632, permitindo assim, maiores esclarecimentos, contribuindo e permitindo o desenvolvimento dos trabalhos.

3.3   Contribuições da Lei de Acesso a Informações (Lei n.12.527/2011) nos trabalhos da Comissão Nacional em busca da verdade

A Lei n. 12.527/11 regula o acesso às informações previsto no inciso XXXIII do art. 5, dispõe ainda sobre procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a fim de garantir o acesso fundamental a informações.

XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;

No mesmo dia em que a CNV foi instalada pela Presidenta Dilma Rousseff, em maio de 2012, entrou em vigor a Lei de Acesso a Informações. Esta Lei trouxe avanços

consideráveis em relação à legislação anterior64, as diretrizes a serem seguidas, previstas no art. 3º da lei, são a observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção; divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações; utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação; fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública e desenvolvimento do controle social da administração pública.

É dever do Estado garantir o direito à informação, bem como é dever do mesmo e demais entes públicos a contribuição ao acesso às informações, em especial, documentos e informações que estão sob sua guarda que possa contribuir ao fortalecimento democrático do país, auxiliando no processo apuratório da Comissão Nacional da Verdade.

Ter acesso amplo e irrestrito a documentos ou informações que possam desvendar as graves violações ocorridas em tempos sombrios, especialmente supressões a garantias fundamentais como torturas, mortes, desaparecimentos forçados e detenções arbitrárias. Informações aguardadas por anos pelas famílias ou vítimas que sofreram diretamente com as violações, anseios de uma sociedade que vive ainda sob a escuridão de informações, necessidades para fortalecimento de uma cidadania, promovendo o esclarecimento de nosso passado.

O direito à memória e à verdade não pode ser desvinculado do direito à informação. A garantia de acesso amplo e irrestrito à informação e documentação pública é essencial para estabelecer limites aos poderes de arbítrio do Estado, aperfeiçoar os processos democráticos e promover a garantias dos direitos humanos65.

Acervos de órgãos de repressão, como os Departamentos e Divisões de Ordem Política e Social (DOPS), transferidos para arquivos estaduais, podem nos demonstrar a real dimensão das violações ocorridas, ocorre que, muitos destes arquivos foram extraviados, ainda durante a ditadura ou logo após, sendo que ainda há certa resistência do Poder Público para o acesso imediato a este tipo de documentação. Questões legais e mesmo as dificuldades e políticas que ainda enfrentamos na busca de desvendar a verdade.


64 PINHEIRO, Paulo Sérgio; PEREIRA, Raquel Aparecida. A Comissão Nacional da Verdade, CNV, e os arquivos. Seminário arquivos da repressão e o acesso público na era digital. Arquivo do Estado de São Paulo – 1 de abril De 2013. Disponível em: < http://www.cnv.gov.br/images/pdf/discurso_psp_1_abril.pdf>. Acesso em: 20 fev. 2014. P. 01.

65 PINHEIRO, op. cit., p. 02.

É necessário à efetivação de direitos como o acesso à informação para preservação de outras garantias fundamentais, em especial, para efetivação da democracia, elucidação da verdade, e repúdio às violações em massa de direitos humanos, sobre tudo dar subsídio aos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, construindo, desvendando e preservando a memória brasileira.

3.4    Resultados prévios obtidos pela Comissão Nacional da Verdade e expectativas futuras

O acompanhamento e monitoramento constante da Comissão Nacional da Verdade tem suma importância para elucidação e memória do país; fazendo efetivamente público os atos e trabalhos desenvolvidos, em busca da transição democrática. Trata de um trabalho em conjunto de responsabilidade dos membros, dando publicidade em seus procedimentos, auxílio e subsídios estatais, colaboração e monitoramento da sociedade civil.

Os trabalhos da Comissão Nacional da Verdade estão divididos em três grandes subcomissões: Pesquisas (dividida em grupos de trabalho temáticos), Relações com a Sociedade e Comunicação.

Aos grupos de trabalho temáticos incumbe inicialmente às pesquisas, sempre prejuízo de novas temáticas, o caso Araguaia; contextualização, fundamentos e razões do Golpe Civil- Militar de 1964; ditadura e gênero; ditadura e sistema de Justiça; ditadura e repressão aos trabalhadores e ao movimento sindical; estrutura de repressão; mortos e desaparecidos políticos; graves violações de Direitos Humanos no campo ou contra indígenas; operação Condor; o Estado ditatorial-militar; papel das igrejas durante a ditadura; perseguição a militares e violações de Direitos Humanos de brasileiros no exterior e de estrangeiros no Brasil.

Cada grupo terá o compromisso de apresentar um relatório final esclarecendo os fatos e acontecimentos pertinentes ao tema, inclusive identificando vítimas, datas, locais, e autores.

Percorrendo todo o país, a CNV já realizou 15 audiências públicas em nove unidades da federação: Goiás, Distrito Federal (duas audiências), Rio de Janeiro (quatro audiências),

Pará (Belém e Marabá), Pernambuco, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo (duas audiências). Estabeleceu diversas parcerias formais com comissões da verdade criadas tanto no âmbito do Legislativo ou do Executivo. Além disso, participou de atos públicos e reuniões de trabalho em todos esses Estados e colheu depoimentos no Espírito Santo e Tocantins, fomentando assim, uma estrutura em todo o território nacional.

Tivemos diversas publicações dos grupos temáticos da comissão, dentre eles os de maiores relevância são o relatório preliminar de pesquisa caso Rubens Paiva e o Relatório preliminar sobre quadro parcial das instalações administrativamente afetadas ou que estiveram administrativamente afetadas às forças armadas e que foram utilizadas para perpetração de graves violações de direitos humanos (bem como anexos e relatórios de diligências efetuadas pela CNV).

Em balanço parcial apresentado em meio de 2013 (um ano de Comissão Nacional da Verdade) temos os seguintes dados:66

  • 268 depoimentos, dentre vítimas, testemunhas e agentes da repressão da ditadura civil- militar de 1964-1985 (sendo 207 de vítimas e testemunhas de graves violações de direitos humanos; desses depoimentos, 59 foram reservados e 148 nas audiências públicas; foram colhidos 37 depoimentos de pessoas diretamente ligadas ou envolvidas com o aparato de repressão).
  • 15 audiências públicas;
  • 1 tomada pública de depoimentos de agentes da repressão, com Marival Chaves e Carlos Brilhante Ustra;
  • 35 depoimentos de pessoas que estiveram diretamente envolvidas ou que conheceram as práticas usadas pelo regime para violar direitos humanos foram tomados em audiências privadas, sendo que 13 depuseram sob convocação;

Por meio da ouvidoria, principal canal de interação com a sociedade, contabilizou:

  • 101 pedidos de investigação;
  • 71 contribuições de material;
  • 843 registros;
  • 18 acordos com instituições da sociedade civil e comissões estaduais da verdade.

66 Disponível em: <http://www.cnv.gov.br/index.php/outros-destaques/272-balanco-da-cnv-sera-transmitido-na- internet-e-na-tv>. Acesso em: 20 fev. 2014.

O trabalho incessante da Comissão Nacional da Verdade já produziu diversos frutos: audiências públicas, depoimentos, pesquisas, investigações, diligências, requisições e tantos outros foram subsídios para que os estudos fruíssem.

Em audiências públicas pudemos ter reveladas histórias das mortes de integrantes da Ação Libertadora Nacional (ALN) entre janeiro de 1972 e março de 1973; pôde em parcerias ouvir depoimentos de religiosos em Minas Gerais comprovando diversos atentados de grupos da extrema-direita às entidades; em audiências demonstrou ainda outra faceta religiosa, a da perseguição a militantes políticos da ditadura; deu o direito de voz a militares que resistiram à ditadura, e viram diversos de seus companheiros sendo assassinados pelo mesmo motivo; colheu diversos depoimentos, dando espaços a familiares e vítimas da opressão.

Apresentou laudos, contestando verdades absolutas impostas pela ditadura brasileira, como laudos que desmontam a versão da ditadura para a morte de Arnaldo Cardoso Rocha; Requereu ao Poder Judiciário a retificação da causa da morte do estudante Alexandre Vannucchi Leme, após requerimento dos irmãos da vítima e documentos que comprovam que a morte do estudante foi causada por lesões decorrentes de tortura e maus tratos – determinado pela 2ª Vara de Registros Públicos do Tribunal de Justiça de São Paulo a retificação da causa da morte do estudante; Exumação dos restos mortais do líder camponês comunista Epaminondas (a pedido da CNV e autorização da família); diligências em Goiás, buscando a recuperação de evidências dos restos mortais ou de vestimentas dos dois militantes (Maria Augusta Thomaz e Márcio Beck) e a comprovação se houve a operação limpeza em 1980; Retificação de atestado de óbito de Herzog, sob pedido de retificação feito pela Comissão Nacional da Verdade; e o caso de maior destaque na mídia a exumação dos restos mortais de João Goulart67.

Promoveu atividades investigativas como a participação civil no golpe militar, em especial a participação de empresas que apoiaram e financiaram a ditadura; apuraram a conexão entre o exército e a Polícia Militar na época.


67 João Goulart era o Presidente constitucional, majoritariamente apoiado pela população, como revelam pesquisas de opinião da época. Foi deposto por uma conspiração civil–militar, com fundamento na ideologia de segurança nacional. Durante o exílio, foi vigiado permanentemente por órgãos de informação e repressão brasileiros e estrangeiros. A CNV, desde sua instalação, trabalha para o esclarecimento das reais circunstâncias de sua morte. Disponível em: <http://www.cnv.gov.br/index.php/outros-destaques/381-jango-era- majoritariamente-apoiado-pela-populacao>. Acesso em: 02 mar. 2014.

Receberam ainda diversos documentos que auxiliaram nos trabalhos como os emitidos pelo III Exército, em 20 de maio de 1976, solicitando a cooperação das forças de segurança da Argentina para informar o paradeiro de quase uma centena de brasileiros, entre eles Jango, e dar informações sobre seus deslocamentos naquele país, entregues por João Vicente Goulart, filho do ex-presidente João Goulart, e dos senadores Pedro Simon e Randolfe Rodrigues. Foram entregues documentos inéditos sobre repressão e a operação Condor.

Promoveu e apoiou atos e homenagens a vítimas e perseguidos da ditadura, bem como o site com o acervo de processos da ditadura militar “Brasil Nunca Mais Digital”, garantindo o acesso ao material que revela torturas praticadas, recolhidos no início dos anos 80 pela Arquidiocese de São Paulo e o Conselho Mundial de Igrejas.

Colheu diversos depoimentos como os de indígenas no Mato Grosso do Sul sobre as violações de direitos humanos relacionados à luta pela terra ou cometidas contra os povos indígenas no período de 1946 a 1988; depoimento de religiosos como Dom Pedro Casaldáliga no Mato Grosso, perseguido pela defesa dos povos indígenas do Xavante Marãiwatsédé. Ouviu os relatos sobre torturas no Galeão, e diversos lugares e regiões do país;

Convocou para depor autoridades da época como o delegado aposentado Aparecido Laertes Calandra, Carlos Alberto Brilhante Ustra, que comandou o DOI-CODI de São Paulo de 1970 a 1974; o ex-sargento Marival Chaves, que atuou na mesma instituição.

Apresentou relatórios significativos como os que apontam os autores da tortura e morte de Rubens Paiva; relatório preliminar de pesquisa, de mais de 50 páginas, entregue ao Ministro da Defesa apontando o uso sistemático de sete instalações das Forças Armadas para a tortura e morte de opositores durante a ditadura. Além do balanço de todas as atividades feitas durante um ano de comissão. Juntamente com os relatórios individuais dos grupos temáticos.

Firmou diversas parcerias nacionais, e influenciou diretamente em parcerias internacionais com o acordo entre Brasil, Argentina e Uruguai para troca de documentos sobre graves violações de direitos humanos assinado em 29 de janeiro de 2014, em Havana. Estados, Municípios, Instituições de ensino, OAB e diversos grupos autônomos, parcerias para convocações de agentes públicos e troca de informações, visando apuração de casos de mortos e desaparecidos e a elaboração do relatório da Comissão.

Uma parceria importante foi firmada entre a Comissão Nacional da Verdade e a Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, denominada Rubens Paiva. São Paulo, como outros Estados, foi berço da opressão, cárceres clandestinos, torturas, assassinatos, ocultação de cadáveres e censuras. Assinaram um termo de cooperação, formalizando um trabalho coletivo em busca do direito à Verdade e à Memória Histórica, que já ocorria na prática.

Houve ainda o empenho do município de São Paulo para a criação da Comissão Municipal da Verdade “Vladimir Herzog”. Produzindo um relatório final fruto do trabalho e empenho de seus membros. Vale lembrar que a cidade de São Paulo abrigou os maiores centros de repressão do País e a Câmara Municipal constituiu, em 1990, Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar as responsabilidades dos agentes públicos municipal nos crimes de ocultação de cadáver e desaparecimentos forçados na vala clandestina de Perus.

Para concretização da memória, recomendações foram feitas aos governos estaduais de São Paulo e Rio de Janeiro, em especial a transformação do prédio onde funcionou o DOI- CODI (atual sede do 36º Distrito Policial de São Paulo, Paraíso, que se encontra em processo de tombamento) e o imóvel onde funcionou a Auditoria da Justiça Militar, na Rua Brigadeiro Luís Antônio, 1249, em Centros de Memória Verdade e Justiça. Respectivamente, a transformação dos antigos prédios do Dops e do DOI-CODI na capital fluminense em espaços públicos de memória, verdade e justiça.

O advento da Comissão Nacional da Verdade traz esperança de que o Estado é capaz de superar esse quadro. Evidentemente que não é a edição da Lei nº 12.528/11 que reverterá o panorama, mas o desenvolvimento dos trabalhos da Comissão é que revelará a presença de efetiva vontade política no alcance dos objetivos que foram fixados. Espera-se, sobretudo, que os órgãos públicos, civis e militares, garantam a autonomia dos comissionados e respeitem a autoridade de seus atos68.

Compartilhar informações, auxiliar na elucidação da verdade tornando, auxiliar direta ou indiretamente em processos de reparação moral ou material, muito além de seu caráter investigativo, identificação de vítimas, autores, lugares e datas, a Comissão Nacional da Verdade tem cunho sociológico e de integração. As parcerias em prol da verdade representam a evolução democrática em que vivemos, fazendo com que cada um contribua sendo protagonista da história nacional, promovendo a reforma, garantindo e reforçando a não repetição. Certos de que a perspectiva futura continuará sendo a busca incessante pela verdade e perpetração da memória coletiva brasileira.


68 WEICHER, op. cit., p. 17-18.

CONCLUSÃO

Punição ou esquecimento? Extremos demasiadamente delicados, campo minado, resultado direto das décadas de barbárie.

Entre a vingança e o esquecimento existe um caminho possível: a Justiça de Transição. Este trabalho, muito além de uma obrigação acadêmica para conclusão do curso de Direito, representa o dever de um cidadão. Quem tem algo a contar, conte-o; quem não estava presente agradeça e, contribua para que nunca mais aconteça.

Seja no meio acadêmico, político, ou social humanitário, tornou-se corriqueiro a discussão sobre a Justiça de Transição, fato é que a transição brasileira está em curso e diferente do que muitos sustentam não se conclui em 1979 com a promulgação da Lei da Anistia, prolongou-se por todos estes anos, e significativamente agora prossegue.

Ao longo de sua história o Brasil viu-se massacrado pela opressão política e pelo regime ditatorial, amargou severos prejuízos econômicos, políticos e sociais, refletindo diretamente no desenvolvimento nacional.

A implementação da Justiça de Transição no país desencadeou diversas dissidências no que tange a supressão de princípios, direitos, e garantias fundamentais em decorrência do processo adotado, qual seja a opção pela anistia dos agentes opressores.

Conforme apresentado neste trabalho, utilizando-se da sistemática apresentada por Dimitri Dimoulis, no contexto de promoção dos direitos fundamentais e superação de períodos históricos de opressão, podemos optar pela justiça de transição retrospectiva ou retroativa. A aplicação e efetividade serão distintas a depender o meio empregado.

Nos parâmetros de Justiça retroativa, sobressai a ideia de que para satisfazer plenamente a sociedade e as vítimas, que foram marcadas profundamente por abusos de agentes estatais (desaparecimentos, execuções, torturas e tantos outros crimes), é necessário que se puna com rigor os responsáveis – punição jurídico/penal.

Já a “retrospecção” promove a busca da verdade, memória, justiça e reparação. Ao contrário do sistema transicional retroativo, não tem o anseio da punição jurídico-penal. O objetivo é elucidação, a sanção social e moral dos torturadores, cominada obviamente com a retratação e reparação aos atingidos.

Observamos ao decorrer dos estudos que a sanção jurídica depende exclusivamente do Estado, pois é este legítimo para julgar, condenar, e privar pessoas de sua liberdade.

Questiona-se então sobre legalidade e aspectos morais, concluímos que juridicamente não seria possível a punição penal por vários fatores apresentados, dentre os quais a extinção da punibilidade pela anistia (Lei n. 6.683/1979), em verdade, deparamo-nos com o impasse crucial da ética e moral: décadas se passaram, muitos foram vítimas, outros os culpados. Esta pode ser uma afirmativa certa, ou não, isso irá depender de quem é o sujeito da história.

O ser humano, por mais que renegue, tem instinto de vingança. Não conseguiríamos apurar todos os crimes que ocorrera, quem foram os agentes respectivos e qual sua culpabilidade para aplicação da pena condizente. Certamente o primeiro bode expiatório que encontrássemos descontaria todo rancor de uma sociedade ainda ferida. Isto fatalmente não é fazer Justiça de Transição, não é ser justo, tampouco satisfazer as vítimas.

Lembramos ainda dos ideais da justiça de transição, a busca pela verdade e pela memória, o anseio de pacificação social, reparação das vítimas e impedimento de novos momentos de horror, não vemos na justiça retroativa e retributiva forma de pacificação da sociedade com a aplicação de sanção penal, apenas fomentaríamos o ódio, a raiva e o rancor.

Romper com o passado autoritário e violento e buscar a verdadeira democracia vão muito além de uma sentença proferida por um magistrado. Cientes, cabe-nos então analisar pela experiência de horror e pelo contexto histórico do país e de seu Povo, quais as necessidades e carências. A responsabilidade, à verdade, à memória e a incessante luta contra a impunidade. Estes são anseios de vítimas sobreviventes e familiares de mortos ou desaparecidos políticos, bem como garantir um Estado democrático, distante das opressões aos valores constitucionais, em prol do reconhecimento oficial da luta e da resistência contra a ditadura militar. Estas são lacunas a serem preenchidas pela reconciliação e retrospecção.

O fato do Brasil ter concedido Anistia não significa erro, tampouco acerto. Dentre tantas alternativas e possibilidades escolheu nosso governo pela conciliação negociada. Este procedimento adotado para, no contexto de promoção dos direitos fundamentais, superar o processo histórico compreendido entre os anos de 1964 a 1985, carece contudo de efetiva continuidade, não obstante nosso país empenha-se pelo preenchimento desta lacuna, como presenciamos através dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade.

A Comissão Nacional da Verdade deve ser de fato transparente e efetivamente pública, utilizando-se no possível de recursos como a Lei de Acesso a Informações n. 12.527/2011, para elucidação da verdade. Os desafios enfrentados, o legado deixado, detenções ilegais, torturas, execuções, desaparecimentos forçados, e uma comissão buscando a verdade.

Carecemos ainda de datas comemorativas, museus, monumentos, espaços públicos, disciplinas escolares e projetos políticos para minimizar os efeitos transgeracionais do legado autoritário, mas certamente o processo de justiça de transição retrospectivo, como assim espera-se em qualquer país, caminha ao reconhecimento das violações e valorizando e preservando a resistência dos povos contra a opressão.

Dessa forma, apontar erros do passado de forma dogmática seria imprudência. Não podemos apagar os momentos sombrios, errar no calor da emoção pode compreensível, mas hoje a estabilidade e o conforto da democracia vivenciada, faz com que, as decisões tomadas em tempos instáveis, sejam insustentáveis nos dias de hoje. É necessária a efetivação de direitos como o acesso à informação para preservação de outras garantias fundamentais, em especial, para efetivação da democracia, elucidação da verdade, e repúdio a violações em massa de direitos humanos.

Em suma, [Re]lembrar pode doer, concordo, mas certamente é a experiência necessária e faltante a nossa história transicional.

Ninguém tem culpa
Daquilo que não fomos!
Não houve erros
Nem cálculos falhados
Sobre a estepe de papel.

Apenas,
Não somos os calculistas
Porém os calculados […].
(Paulo Bomfim)69


69 O Príncipe dos poetas brasileiros, da qual tive a honra de conhecê-lo. Pessoa humilde, sorridente, típica de seu título real. Eternizado pelo Espaço Cultural “Poeta Paulo Bomfim”, sala 294, localizada no 2º pavimento do Palácio da Justiça, que no período compreendido entre os anos de 1927 a 1988, cumpriu a função de ser a “Sala

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