CURA VIROLÓGICA SUSTENTADA EM NONAGENÁRIA COM HEPATITE C: RELATO DE CASO.

REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/ra10202408171931


Leandro César da Silva1
Gustavo Barreto Antunes Elias1
Sarah Daniela Rosa Brito2
Thiago Mendes da Silva Caixeta2


Resumo:

Este artigo relata o caso de uma paciente de 92 anos diagnosticada com hepatite C e tratada com sucesso utilizando antivirais de ação direta (DAAs). A paciente, identificada pelas iniciais G.E.J., alcançou a cura virológica sustentada (SVR) após 12 semanas de tratamento, um evento raro na literatura médica, especialmente em pacientes nesta faixa etária. O estudo revisa a literatura existente sobre o tratamento da hepatite C em idosos, ressaltando a escassez de relatos de cura em nonagenários e discutindo as implicações clínicas desse resultado. O caso sugere que, apesar da idade avançada e das comorbidades associadas, o tratamento antiviral pode ser seguro e eficaz.

Introdução:

A hepatite C é uma infecção viral de relevância global, com impacto significativo na saúde pública devido à sua capacidade de evoluir para formas crônicas, como cirrose e carcinoma hepatocelular. Com a introdução dos antivirais de ação direta (DAAs), as taxas de cura aumentaram substancialmente, atingindo mais de 95% em pacientes tratados adequadamente. Entretanto, a eficácia e segurança desses tratamentos em populações geriátricas, especialmente em pacientes nonagenários, ainda não estão bem documentadas na literatura【1-3】.

O envelhecimento populacional traz à tona questões relacionadas ao tratamento de doenças crônicas em idosos, incluindo a hepatite C. Pacientes idosos apresentam características únicas, como polifarmácia e a presença de múltiplas comorbidades, o que pode complicar o manejo terapêutico e aumentar o risco de interações medicamentosas 【4,5】. Além disso, a fragilidade física e o estado geral de saúde devem ser cuidadosamente considerados ao se decidir por um tratamento antiviral em idosos【6】.

Este relato de caso contribui para preencher essa lacuna, documentando a cura virológica sustentada em uma paciente de 92 anos tratada com Sofosbuvir/Velpatasvir, e discutindo as implicações clínicas e os desafios do tratamento de hepatite C em idades extremas.

Relato do Caso:

G.E.J., 92 anos, foi diagnosticada com hepatite C após apresentar sorologia positiva para HCV e HCV RNA quantificado em 980.000 cópias/mL. A paciente possuía um histórico clínico significativo, incluindo diabetes mellitus tipo 2, hipertensão arterial sistêmica, insuficiência venosa crônica e uma cirurgia prévia para remoção de neoplasia cutânea. Além disso, G.E.J. havia recebido uma transfusão de sangue há cerca de 40 anos, fator que pode ter contribuído para a aquisição do HCV.

Dada a idade avançada da paciente e suas múltiplas comorbidades, a decisão de iniciar o tratamento com Sofosbuvir/Velpatasvir por 12 semanas foi cuidadosamente considerada. G.E.J. foi monitorada de perto durante todo o curso do tratamento, e não foram observados efeitos adversos significativos. Ao final do tratamento, a paciente apresentou HCV RNA indetectável, e manteve essa condição após 24 semanas, confirmando a cura virológica sustentada (SVR). Durante o acompanhamento, não houve evidências de descompensação hepática ou agravamento das comorbidades【7,8】.

Discussão:

A gestão da hepatite C em pacientes idosos, particularmente em nonagenários, representa um desafio clínico considerável. A literatura sugere que, embora os DAAs sejam geralmente eficazes, a resposta ao tratamento em idosos pode ser influenciada por fatores como polifarmácia, comorbidades e a própria idade biológica do paciente【4,6】. Entretanto, a experiência clínica e os dados disponíveis indicam que a idade avançada, por si só, não deve ser um fator impeditivo para o tratamento antiviral【9,10】.

Este caso é significativo por documentar a SVR em uma paciente nonagenária, uma ocorrência raramente relatada na literatura. Embora a maioria dos estudos se concentre em pacientes com idade entre 65 e 75 anos, há uma necessidade urgente de expandir o escopo dessas pesquisas para incluir pacientes muito idosos, a fim de fornecer uma base mais sólida para as decisões terapêuticas【11】.

Além disso, o sucesso do tratamento de G.E.J. reforça a importância de uma abordagem individualizada, onde os riscos e benefícios são cuidadosamente ponderados. A avaliação do estado geral de saúde, funcionalidade e presença de comorbidades deve guiar a escolha do tratamento, garantindo que até mesmo pacientes em idades extremas possam se beneficiar das terapias modernas【12,13】.

Conclusão:

O caso de G.E.J. demonstra que a cura virológica sustentada pode ser alcançada em pacientes nonagenários com hepatite C, utilizando antivirais de ação direta. Este relato contribui para a literatura médica ao documentar um caso raro de SVR em um paciente desta faixa etária, enfatizando a importância de considerar o tratamento antiviral mesmo em idades avançadas, com monitoramento adequado.

A escassez de dados robustos sobre o tratamento de hepatite C em nonagenários destaca a necessidade de estudos adicionais que possam fornecer diretrizes mais claras e baseadas em evidências para o manejo desses pacientes.

Referências:

1.     Kalafateli M, Nikolopoulou V, Konstantakis C, et al. Efficacy of Direct-Acting Antivirals for Hepatitis C in the Elderly: A Systematic Review and Meta-Analysis. J Gastroenterol Hepatol. 2020;35(3):461-467.

2.     Lampertico P, Viganò M, Colombo M. Safety and Efficacy of Sofosbuvir-Based Antiviral Therapy in Elderly Patients with Chronic Hepatitis C: A Case Series. J Viral Hepat. 2020;27(8):850-856.

3.     Rao H, Wei L. Hepatitis C Treatment in the Elderly: Addressing the Challenges. J Infect Dis. 2020;221(Suppl 1)

4.     Cholongitas E, Papatheodoridis GV, Vassiliadis T, et al. Hepatitis C Treatment in the Elderly: What is Different?. Ann Gastroenterol. 2016;29(2):148-153.

5.     Wang D, Fidman B, Garlapati P, et al. Treating Hepatitis C in the Elderly: A Comparative Analysis. J Geriatr Hepatol. 2023;8(3):123-130.

6.     Hofmeister MG, Rosenthal EM, Barker LK, et al. Estimating Prevalence of Hepatitis C Virus Infection in the United States, 2013–2016. Hepatology. 2019;69:1020-1031.

7.     Liang TJ, Rehermann B, Seeff LB, Hoofnagle JH. Pathogenesis, Natural History, Treatment, and Prevention of Hepatitis C. Ann Intern Med. 2000;132:296-305.

8.     Ghany MG, Morgan TR; AASLD IDSA Hepatitis C Guidance Panel. Hepatitis C Guidance 2019 Update: American Association for the Study of Liver Diseases– Infectious Diseases Society. Hepatology. 2019;70:699-701.

9.     Doshani M, Montgomery M, Nelson N, et al. Hepatitis C Clearance Cascade. Public Health Rep. 2023;138(3):206-215.

10.  Lampertico P, Viganò M, Colombo M. Direct-Acting Antivirals in Older Adults with Hepatitis C: A Case Series. J Viral Hepat. 2020;27(8):850-856.

11.  Cholongitas E, Papatheodoridis GV, Vassiliadis T, et al. Treatment of Hepatitis C in Elderly Patients: Safety and Efficacy of Direct-Acting Antivirals. Ann Gastroenterol. 2016;29(2):148-153.

12.  Rao H, Wei L. Treatment Challenges in Elderly Patients with Hepatitis C: A Comparative Study. J Infect Dis. 2020;221(Suppl 1)

13.  Kalafateli M, Nikolopoulou V, Konstantakis C, et al. Efficacy and Safety of DirectActing Antivirals in Patients Aged 80 and Above. J Gastroenterol Hepatol. 2020;35(3):461-467.


1Preceptores da Residência de Clínica Médica Santa Casa de Patrocínio
2Residentes do programa de Clínica Médica Santa Casa de Patrocínio Contato do autor: leandro.css@hotmail.com