CUIDADOS PALIATIVOS NO ENFRENTAMENTO DE DOENÇAS QUE AMEACEM A CONTINUIDADE DA VIDA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202411091223


Layane das Neves Lucate1,
Roberta Dias Soares2,
Wanessa Coelho Barros Torre3,
Adrielly Martins Porto Netto4


RESUMO

O presente artigo tem como objetivo discorrer sobre a temática de cuidados paliativos, compreendendo, conjuntamente, outros assuntos que compuseram esse trabalho, como: as possíveis reações emocionais de um paciente crônico cuja doença não é mais responsiva ao tratamento; a abordagem psicologia sistêmica, em que algumas estratégias de atuação são o envolvimento da família, a escuta ativa e a comunicação; e a psicoeducação, que é um recurso orientativo. O trabalho foi uma revisão bibliográfica de vários autores com concepções significativas agregando positivamente na construção desse artigo. Cuidados paliativos é uma assistência de direito a todos, embora sua oferta seja ainda limitada. O papel do psicólogo junto à equipe multiprofissional é oferecer um atendimento adequado e humanizado.

Palavras-chave: Cuidados Paliativos, Reações Emocionais, Abordagem Psicológica Sistêmica, Psicoeducação

ABSTRACT

This article aims to discuss the topic of palliative care, jointly comprising other issues that made up this work, such as: the possible emotional reactions of a chronic patient whose disease is no longer responsive to treatment; the systemic psychology approach, in which some action strategies include family involvement; active listening and communication; and psychoeducation, which is a guiding resource. The work was a bibliographical review of several authors with significant concepts adding positively to the construction of this article. Palliative care is a right of care for everyone, although its provision is still limited. The role of the psychologist within the multidisciplinary team is to offer adequate and humanized care.

Key-words: Palliative Care, Emotional Reactions, Systemic Psychological Approach, Psychoeducation

INTRODUÇÃO

Na atualidade, observa-se na população global o aumento de pessoas acometidas com diversos tipos de doenças crônicas, como por exemplo, as doenças oncológicas. Para o Instituto Nacional de Câncer – INCA (2022), o processo de doença causa alterações na dinâmica familiar, desse modo, os cuidados paliativos auxiliam os pacientes e seus familiares a lidarem com questões biopsicossociais, indo ao encontro as suas expectativas e necessidades.

De acordo com Silva et, al. (2008), esses cuidados são direcionados aos pacientes onde não há mais a finalidade de modificar o percurso da doença, pois o processo de cuidar é prioritário ao processo de tratar, uma vez que a doença já se encontra em um estágio progressivo, irreversível e não responsivo ao tratamento curativo, assim, o esgotamento das possibilidades de tratamento modificador da doença não implica em desistir da busca por alternativas de qualidade de vida ainda existentes.

Todavia, ocorre que nem todas as pessoas possuem acesso aos cuidados paliativos. Para a SBGG – Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (2014), apenas uma em cada dez pessoas dispõe desse tipo de assistência no mundo. Sabe- se que “a implantação de uma rede consistente e organizada constitui-se uma tarefa desafiadora […], e, a implementação desses cuidados no sistema de saúde brasileiro é lenta e desarticulada entre os diferentes níveis assistenciais” (PAIVA, 2022, p. 47).

Ribeiro (2019), ressalta que a medicina adquiriu um aspecto mais tecnicista e biologicista, focando principalmente nas doenças e não no indivíduo como um todo. Esses fatores contribuíram para a formação de médicos centrados em tratar as desordens orgânicas e não o doente. Diante disso, no tocante ao objeto de estudo, percebeu-se os esforços médicos focados na tentativa do tratamento curativo, o que é preciso. Contudo, muitas vezes, há uma concentração maior nas possibilidades terapêuticas de reabilitação do estado físico, esquecendo-se, porém, de um olhar mais sensível às condições psicológicas e o bem-estar.

A SBGG (2014), ainda ressalta que é preciso incluir a disciplina de cuidados paliativos no currículo de todas as profissões da área da saúde, com o intuito de preparar os profissionais para lidar com a finitude, pois a certeza é que existe sempre muito a se fazer ao paciente portador de uma doença incurável. Assim, o que se pretende é tecer um olhar mais imerso nesse cenário de pessoas com quadros clínicos irreversíveis, onde os cuidados paliativos apresentam, como uma de suas alternativas, amenizar a dor e o sofrimento.

O profissional de saúde mental é parte integrante da equipe multiprofissional de cuidados paliativos, realizando intervenções relevantes, como oferecer suporte e cuidado ao paciente e aos familiares. Para atuar nessa área, o psicólogo, por sua vez, precisará manter a paridade nas suas relações com os demais profissionais e “encontrar vias de comunicação que permitam a troca e o conhecimento, a partir de diferentes saberes” (FRANCO, 2008, p. 74).

Conforme Melo (2013), são amplas as possibilidades de atuação da psicologia no âmbito dos cuidados paliativos, e, busca-se a humanização do cuidado, propiciando a comunicação eficaz, a escuta ativa, compreensiva e reflexiva, a elaboração de questões pendentes, facilitando as relações equipe – paciente – família, não necessariamente nessa ordem, além de uma melhor adesão ao tratamento. É necessário, portanto, identificar as necessidades específicas do paciente, a fim de que possa desenvolver intervenções adequadas, por se tratar de um momento de incertezas, ansiedade, estresse e a dor tanto física quanto emocional, oriundas mais ainda do diagnóstico.

Dessa forma, o psicólogo precisa empregar técnicas assertivas de troca de saberes, versada em reflexões, onde “o ideal é dar assistência ao usuário, sempre respeitando sua vontade, pois sua autonomia está acima de qualquer evidência científica e da vontade dos familiares e dos profissionais” (INCA, 2022, p. 44). Assim, deverá estar sensível às questões do sofrimento humano frente às intempéries do estado terminal, onde sua prática em cuidados paliativos, deverá agregar todas as dimensões do ser como parte integrante do seu aspecto biopsicossocial.

Para Mauriz et al. (2014) a intervenção é multiprofissional e interdisciplinar, onde o foco da atenção não é a doença a ser curada ou controlada, mas o doente, entendido como um ser biográfico, ativo, com direito à informação e autonomia plena para as decisões a respeito do seu tratamento. Segundo Porto (2010), a humanização nesse processo é a garantia da dignidade, ou seja, que o sofrimento humano e as percepções de dor no corpo sejam humanizadas, assim, é preciso que palavras expressadas pelo sujeito sejam compreendidas, sendo que a humanização depende da capacidade de falar e ouvir, do diálogo com os que estão compreendidos no contexto.

A assistência de cuidados paliativos “preconiza a prevenção e o alívio do sofrimento psíquico, físico, social e espiritual através de controle da dor e dos sintomas” (SILVA, 2014, p. 453). Posto isto, o assunto será abordado àqueles que estão no enfrentamento de doenças que ameacem a continuidade da vida, embora, compreende-se que esse atendimento seja ofertado na saúde em diversos contextos, como também, de forma inicial, e não só complementar, mas, conjuntamente, quando surge a confirmação de uma doença crônica, e não apenas próximo à finitude.

Compreende-se então que a temática de cuidados paliativos frente às intempéries de enfrentamento de uma doença que ameace a continuidade da vida, precisa ser ainda mais discutida e reflexionada em âmbito social. Por conseguinte, nesse construto, busca-se: 1) Discorrer sobre a definição, diretrizes, cronologia e princípios norteadores de cuidados paliativos; 2) refletir em possíveis reações emocionais mediante o diagnóstico clínico de uma doença crônica e, ainda, 3) correlacionar o referido atendimento com outras atuações psicológicas para o aprimoramento dessa compreensão, como, por exemplo, a abordagem psicológica sistêmica e a intervenção psicoeducativa, a fim de gerar maior capacidade reflexiva para o entendimento da prática de cuidados paliativos.

Cuidados Paliativos: definição, diretrizes, breve histórico e princípios norteadores

Paliativo vem de paliar, ou seja, amenizar. Para o Instituto Valencis (2021) o sentido é paliar o tratamento ou cuidados que não tem cura, mas que mitiga a doença ou o sofrimento. A relevância não está no sentido de quanto a vida dura, mas na qualidade que se tem. Para o portal da ANCP (2023), o termo paliar deriva do latim que significa proteger. É um termo que nomeia o manto em que os cavaleiros usavam para se proteger das tempestades, por isso, cuidar é também uma forma de dar proteção a alguém.

“O termo paliativo deriva do vocábulo latino pallium, que significa manta ou coberta. O termo implica ainda um enfoque holístico, que considera não somente a dimensão física, mas também a psicológica, social e espiritual” (PESSINI, 2006 apud MELO et al., 2013, p. 459).

Assim, cuidados paliativos visam melhorar a qualidade de vida de pacientes que enfrentam problemas associados a doenças que ameaçam a vida, prevenindo e aliviando o sofrimento por meio da identificação precoce, avaliação correta e tratamento da dor e de outros problemas físicos, psicossociais ou espirituais (Messias et al., 2023).

Segundo a Resolução n° 1973/2011 do Conselho Federal de Medicina (2011) o reconhecimento da atividade de cuidados paliativos no Brasil é ainda recente, somente em 2011 que essa especialidade se tornou uma área de atuação médica. Paiva (2022) esboçava o limite ao alcance desse atendimento, pois ainda naquele ano, o país não contava com uma política exclusiva de cuidados paliativos. Ainda, de acordo com o autor, o Ministério da Saúde vem consolidando formalmente esses cuidados no âmbito do sistema de saúde, por meio de portarias e publicações do MS.

De acordo com Ribeiro (2019), já foram promulgadas normas que estabelecem o cuidado paliativo e o atendimento domiciliar no SUS, como por exemplo, a Portaria nº 19/2002, que amplia a inserção dos cuidados paliativos através do Programa Nacional de Assistência à Dor e Cuidados Paliativos, bem como a Lei nº 10.424/2002, que regulamenta o atendimento e a internação domiciliar dentro do SUS. Outro ainda, é o Programa Melhor em Casa, que visa fortalecer o atendimento domiciliar pelas equipes de Atenção Primária, que são as Estratégias Saúde da Família – ESF (s). Entretanto, ainda são poucos os locais em que os cuidados paliativos são prestados pelas equipes da ESF. Dessa forma, o Sistema Único de Saúde do Brasil, que viabiliza a atenção básica à saúde, da qual possui as ESF (s), poderiam contemplar ainda mais os cuidados paliativos às famílias.

A resolução n° 41 de 31 de outubro de 2018, dispõe sobre as diretrizes para a organização dos cuidados paliativos no SUS, onde discorre que esse cuidado é elegível para toda pessoa afetada por uma doença que ameace a vida, a partir do diagnóstico desta condição; a lei n° 14.758, de 19 de dezembro de 2023, que institui a política nacional de prevenção e controle do câncer no âmbito do SUS, bem como o programa nacional de navegação da pessoa com diagnóstico de câncer, que estabelece diretrizes para os cuidados paliativos, e por fim, a mais recente, a portaria GM/MS N° 3.681, de 7 de MAIO de 2024, que institui a prática nacional de cuidados paliativos – PNCP no âmbito do SUS, alterando a portaria de n° 2 de 28 de setembro de 2017, na qual aborda a oferta dos cuidados paliativos para pessoas em sofrimento por qualquer condição clinica que ameace a continuidade da vida. (Ministério Da Saúde, 2018; Christovão, 2024; Ministério Da Saúde, 2024).

Na cronologia de cuidados paliativos, historicamente no século V, na Europa, o termo teve associação com a palavra “hospice“, que eram os abrigos e hospedarias destinados a receber e a cuidar de peregrinos e viajantes. No século XVII, surgiram as instituições de caridade, abrigando pobres, órfãos e doentes, e no século XIX, essas instituições se caracterizaram em hospitais. Houve o movimento hospice moderno de Cicely Saunders, médica inglesa, com formação humanista que percebeu uma nova maneira de cuidar. Em 1967, fundou o St. Christopher ‘s hospice, permitindo assistência aos doentes e o desenvolvimento de ensino e pesquisa (ANCP, 2012).

A iniciativa de Cicely causou forte impressão em outros países por meio de uma abordagem psicossocial ativa de apoio para o cuidado de pacientes com doenças crônicas. De acordo com Paiva et al. (2022), em 1973, esse movimento surgiu também na América do Norte, com um trabalho semelhante ao de Cicely, identificando as necessidades dos pacientes que estavam em estado irreversível. Em 1974, no Canadá, surgiu o termo cuidados paliativos para destacar o foco na atenção à qualidade de vida dos pacientes até o momento de sua morte. Profissionais de outros países, principalmente dos Estados Unidos e Canadá, após o período de experiência no St. Christopher ‘s hospice, levaram a prática dos Cuidados Paliativos para seus países de origem. Na década de 1970, o encontro de Cicely Saunders com Elizabeth Kluber-Ross, nos Estados Unidos, fez com que o movimento hospice também crescesse naquele país (IGLESIAS et al., 2016).

“No Brasil, os cuidados paliativos começaram a se desenvolver na década de 1980. Em 1997, esses serviços experimentam uma expansão, com a criação da Associação Brasileira de Cuidados Paliativos. Em 1998, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) inaugurou, em seu hospital, uma ala voltada somente ao tratamento de pacientes em cuidados paliativos. Em 2005, foi criada a Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), e em 2011 o Conselho Federal de Medicina (CFM) reconheceu os cuidados paliativos como área de atuação médica, a partir da Resolução CFM 1973/2011” (RIBEIRO, 2019, p. 64).

A OMS publicou em 1990 sua primeira definição de cuidados paliativos, como cuidado ativo e total para pacientes que não possuem tratamento de cura. Por conseguinte, em 2002, surge uma nova atualização da OMS, da qual define que cuidado paliativo é uma abordagem que promove a qualidade de vida de pacientes e seus familiares, que enfrentam doenças que ameacem a continuidade da vida, através da prevenção e alívio do sofrimento. Requer a identificação precoce, avaliação e tratamento da dor e outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual” (ALVES et al., 2019).

Posto isto, a OMS, propaga nove princípios norteadores que orientam a atuação sobre os cuidados paliativos, assim, de acordo com a CPPAS – Comissão Permanente de Protocolos de Atenção à Saúde da SES – DF (2018), os cuidados paliativos não se baseiam em protocolos, mas sim em princípios, que são: 1) Promover o alívio da dor e outros sintomas desagradáveis; 2) afirmar a vida e considerar a morte como um processo normal da vida; 3) não acelerar, nem adiar a morte; 4) integrar os aspectos psicológicos e espirituais no cuidado ao paciente; 5) oferecer suporte que possibilite a viver tão ativamente quanto possível, até o momento da sua morte; 6) auxiliar os familiares durante a doença do paciente e no enfrentamento do luto; 7) abordar de forma multiprofissional, indo de encontro às necessidades dos pacientes e seus familiares; 8) melhorar a qualidade de vida e influenciar positivamente o curso da doença; 9) iniciar os cuidados o mais precocemente possível.

Para Maciel (2008), os princípios norteiam as equipes multidisciplinares sobre a importância do conhecimento dessa temática, sendo que podem ser evocados em todas as atividades desenvolvidas. Devido às significativas perdas que esse paciente enfrenta, surge a angústia, a depressão e a desesperança, causando a evolução da doença, onde trabalhar os aspectos psicológicos e espirituais se tornam necessários. Assim, os princípios norteadores encorajam a viver esse processo difícil com qualidade e bem-estar, bem como, acolher e paliar os familiares que também sofrem, antes, durante e no enfrentamento do luto.

Possíveis reações emocionais mediante o diagnóstico clínico de uma doença crônica

Na confirmação de uma doença crônica com danos irreversíveis à saúde, pode- se manifestar no indivíduo diferentes sentimentos e reações emocionais variadas que elevam o adoecimento. De acordo com Morais (2000 apud Oliveira et al., 2010) esse momento compreende: 1) o conhecimento do destino, onde o homem é o único animal que tem consciência da própria finitude; 2) a solidão, em que a morte se configura em momento de solidão absoluta; 3) o desmonte da teia existencial, pois as redes afetivas de relacionamentos pessoais serão diluídas; 4) o caminho do sofrimento, onde ocorre o provável sofrimento do processo de morrer; 5) a hipótese do nada e do desconhecido, em que o medo da inexistência de algo depois da vida e da dissolução da matéria se torna sem sentido, onde irá pairar em algum lugar.

Para Arantes (2016) o sofrimento emocional é muito intenso e o doente toma consciência de sua mortalidade. Essa consciência o leva à busca de sentido de sua existência. A autora ainda destaca que na dimensão espiritual do ser humano, quando mal estruturada, causa a dor maior que é a de sentir-se abandonado por um Deus que não se submeteu as nossas vontades. Já Mauriz et al. (2014) discorre sobre a avaliação de sintomas físicos, como também emocionais, incluindo a dor, dispneia, delirium, náuseas e vômitos, perda de apetite, fadiga, tristeza, ansiedade e insônia.

São esperadas também outras reações emocionais, como por exemplo, a negação, onde Hoffmann et al. (2023), diz que ela é um mecanismo de defesa que tem a dupla função de evitar sentimentos dolorosos, bem como permitir a organização gradual de mecanismos internos para lidar com a nova realidade; a raiva, que pode se manifestar por meio de sentimentos como revolta, inveja, ressentimento e vitimização, comumente expressa pela pergunta: “Por que eu? ”. O autor complementa que, geralmente, a raiva é canalizada aos familiares ou profissionais de saúde, embora não seja o seu real objeto; a tristeza, considerando uma pessoa que recebe um diagnóstico de uma doença crônica e ameaçadora a vida, é esperado que ela fique triste em resposta ao processo de enfrentamento.

Consoante a ANCP (2012), a tristeza e a ansiedade são indicativas do impacto emocional do adoecimento da estrutura psicológica e familiar, e, por outro lado, a ansiedade pode estar ligada ao futuro incerto e à ameaça de mais sofrimento, como também, à não aceitação da finitude. Além disso, Hoffmann et al. (2023), apresenta outras reações emocionais contidas nesse processo que são: o humor deprimido, pesar e luto antecipatório; a depressão, que por ser um quadro psiquiátrico, não faz parte do processo natural de elaboração do paciente em fase terminal, embora tende a acometê-lo. Há ainda o sentimento de vazio e a perda de sentido, associados a angústia, a desesperança, a impotência, culpa, anedonia, irritabilidade e ansiedade.

“Os estados de ansiedade constituem-se em uma reação ancestral, rápida, inconsciente e muitas vezes violenta, que prepara o indivíduo para a luta ou para a fuga quando uma ameaça à vida, interna ou externa, se apresenta. Como tal, é de se esperar que todos ou quase todos os pacientes em Cuidados Paliativos, num determinado momento tenham alguma intensidade, durante a sua doença de base, e, apresentem reações de ansiedade” (FIGUEIREDO, 2008, p. 500).

A aceitação é a compreensão realista da doença, do tratamento e da evolução esperada, envolvendo a participação ativa do paciente que pode expressar como deseja ser cuidado, inclusive orientando detalhes para depois da sua morte. Para Cobbs et al. (2024) a aceitação, algumas vezes descrita como encarar o inevitável, pode vir após discussões com a família, amigos e cuidadores. Melo et al. (2013) ressalta que os cuidados paliativos preconizam a aceitação da condição humana frente à morte, oferecendo ao paciente fora das possibilidades de cura, bem como aos familiares e amigos, as condições necessárias ao entendimento de sua finitude, uma vez que, nesta perspectiva, a morte não é uma doença a ser curada, mas o fim do ciclo vital.

“Ao final de vida devem priorizar o melhor interesse do paciente, respeitando seus sentimentos, os desejos de seus familiares e a adequada comunicação entre todos os envolvidos no processo” (MELO et al., 2013, p. 453).

Segundo Cobbs et al. (2024) há também a barganha que pode ser manifestada como um sinal de racionalização da morte, ou seja, da busca por mais tempo e, quando se percebe que a barganha e outras estratégias não funcionam, o paciente pode vir a desenvolver uma depressão. À vista disso, conforme Oliveira et al., (2010), o apoio psicossocial nesse momento é fundamental, uma vez que, de acordo com os valores que regem a sociedade contemporânea, a morte é permeada de preconceitos e estigmas que envolvem uma série de elementos ameaçadores e persecutórios que aterrorizam o homem. Para Alves et al., (2019), muitas vezes o fenômeno da morte vem acompanhado de grande sofrimento, tanto para quem está morrendo quanto para os que ficam. Diante do exposto, os cuidados paliativos aliviam o sofrimento e proporcionam respeito à dignidade do ser humano até os últimos momentos de sua existência.

Cuidados paliativos, abordagem psicológica sistêmica e a psicoeducação, breve correlação

A abordagem psicológica sistêmica compreende as estruturas relacionais de membros da família, considerando a interconexão dos sistemas, ou seja, dos relacionamentos que se instituem e as interações que se estabelecem com o ambiente, onde o indivíduo se percebe no contexto em que vive, ampliando uma visão integrada de si mesmo e dos outros. Costa (2010) afirma que esses conceitos não são novos, mas com uma nova percepção na observação dos sistemas, uma vez que a família pode ser compreendida como um sistema em relação a outros sistemas; em sua complexidade, com interações múltiplas e diversas; em sua instabilidade com articulações e mudanças e em sua intersubjetividade, com realidades múltiplas decorrentes de interações.

Segundo Gomes et al. (2014), ao compreender as famílias como sistemas, amplia-se o olhar sobre elas mesmas e sobre os modos de seus relacionamentos, onde é possível realizar intervenções capazes de modificar os padrões de interações disfuncionais para que o sistema se mostre mais saudável. Dessa forma, em todos os aspectos, podemos observar que a família é parte integrante do todo e que uma abordagem interventiva adequada contribui em sua estruturação. “De uma perspectiva sistêmica, a família é mais que uma coleção de indivíduos – ela é uma rede de relacionamentos” (NICHOLS et al., 2007, p. 104).

Boing et al. (2009) ressalta que, na área da saúde, de acordo com a perspectiva sistêmica, a escuta psicológica é considerada uma estratégia para considerar seres humanos em contextos de forma que as ações sempre partam do contexto e sejam dirigidas para o contexto, ou seja, de forma holística em todos os seus aspectos de acordo com as suas necessidades. É fundamental que todos se percebam como um sistema múltiplo, onde cada um, de maneira saudável, interfira no sistema do outro como parte integrante e pertencente, sendo que no cenário de uma doença crônica, essas relações possam ser ampliadas, melhoradas e ressignificadas com o objetivo de todos se ajudarem nesse processo.

Cabe sempre destacar que as ações da psicologia em cuidados paliativos, não se restringem ao paciente, mas deve sempre incluir a família, como parte da indivisível unidade de cuidados, mesmos que estes tenham que ser observados em sua especificidade. (FRANCO, 2008, p. 74).

O mesmo autor ainda aborda sobre a importância das habilidades relacionadas à escuta ativa, a comunicação e ao conhecimento técnico que deverá enfrentar junto aos pacientes e familiares ao longo do tratamento em cuidados paliativos (Franco, 2008). De acordo com Osorio et al., (2009), a habilidade do terapeuta narrativo, de acordo com a abordagem narrativa (ou sistêmica), envolve colocar-se conectado na escuta aberta para ouvir as histórias que as pessoas contam sobre seus dilemas, e coordenar perguntas e comentários, entrando pela porta aberta da narrativa da família, e assim, expandindo o contexto narrativo para outros temas e contextos discursivos.

“A meta tem sido “dar voz à família”, retratá-la em suas vicissitudes e mostrá-la em uma perspectiva sistêmica, considerando-a como uma instituição pulsante, sempre em mutação” (OSÓRIO et al., 2009, p. 33).

Através de uma comunicação assertiva com o paciente e familiares no contexto de cuidados paliativos, o psicólogo, poderá utilizar vários meios de conceder ajuda. Por conseguinte, a seguir, encontra-se um quadro da ANCP sobre metas da comunicação ao final da vida, orientando de modo como pensar e agir no processo de cuidado paliativo de um paciente com doença crônica ao final da vida:

Metas para a comunicação ao final da vida.Ao final da vida, espera-se que uma comunicação adequada permita:
Conhecer os problemas, anseios, temores e expectativas do paciente.
Facilitar o alívio de sintomas de modo eficaz e melhorar sua autoestima.
Oferecer informações verdadeiras, de modo delicado e progressivo, de acordo com as necessidades do paciente.
Identificar o que pode aumentar seu bem-estar.
Conhecer seus valores culturais, espirituais e oferecer medidas de apoio.
Respeitar/Reforçar a autonomia.
Tornar mais direta e interativa a relação profissional de saúde-paciente.
Melhorar as relações com os entes queridos.
Detectar necessidades da família.
Dar tempo e oferecer oportunidades para a resolução de assuntos pendentes (despedidas, agradecimentos, reconciliações).
Fazer com que o paciente se sinta cuidado e acompanhado até o final.
Diminuir incertezas.
Auxiliar o paciente no bom enfrentamento e vivência do processo de morrer.

Quadro 1. (ANCP, 2012, P.76)

Já a psicoeducação é compreendida como um recurso relevante da educação para a saúde, sendo uma estratégia voltada para a conscientização dos fatores que afetam à saúde e para a promoção do autocuidado, ou seja, uma estratégia interventiva com potencial elucidativo nas orientações calcadas no fornecimento de informações e estímulo a reflexões (Ravaioli, 2019). Assim, a psicoeducação por si conduz aos profissionais de saúde mental, como atuar de forma interventiva promovendo a ampliação do conhecimento de pacientes e familiares. O paciente crônico, por exemplo, pode ficar mais consciente do seu quadro e das possibilidades futuras, participando ativamente do processo de tratamento.

Para Lemes & Neto (2017), a psicoeducação engloba o desenvolvimento social, emocional e comportamental do sujeito, sendo que o profissional atua como um agente de mudanças, propiciando práticas que tenham embasamento científico ao paciente. Por isso, ela é vista como um recurso psicoterapêutico de caráter educativo, com a finalidade de ressignificar vivências, esclarecer dúvidas e aliviar as angústias. Em cuidados paliativos, a promoção desse recurso se dá com o paciente e com os familiares envoltos, a fim de orientá-los sobre diversos assuntos concernente a doença, aos aspectos psicológicos, bem como a prática do cuidar, assessorando a todos para também que se ajudem mutuamente.

De acordo ainda com Ravaioli (2019), a psicoeducação refere-se a uma forma de intervenção estruturada que é aplicada no campo da saúde, onde o termo “psico” faz alusão ao uso de técnicas e teorias psicológicas, enquanto o termo “educação” relaciona-se à esfera pedagógica, indicando um processo de ensino-aprendizagem. Desse modo podemos compreender que sua aplicação deve ser planejada de forma sistemática. Para tanto, é possível pensar no uso da psicoeducação no contexto de cuidados paliativos, cujos pacientes com doenças crônicas estão envoltos, fornecendo subsídios para que se possa realizar estratégias de enfrentamento frente à finitude de seu ente, como no caso do câncer e das doenças degenerativas (LEMES; NETO, 2017).

Sampaio (2011) e Sousa et al. (2012), discorrem sobre o conceito de psicoeducação familiar cuja técnica também é voltada para pacientes em estado de doença crônico degenerativa, e, embora, não tendo a estrutura da psicoterapia, a psicoeducação, sugere como um dos componentes do tratamento, a comunicação ativa e a partilha de informações com todas as pessoas implicadas no processo. Os autores destacam a importância da inclusão da técnica psicoeducativa na psicologia sistêmica como apoio a todos os envoltos no adoecimento do paciente.

Ao correlacionar a abordagem psicológica sistêmica e a psicoeducação como um recurso terapêutico em cuidados paliativos, compreende-se que essa similitude pode servir de assessoramento para os psicólogos que irão ter o manejo com pacientes em estado terminal, de difícil modificação do curso da doença, bem como aos familiares, dentro ou fora do ambiente hospitalar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreende-se que a prática dos cuidados paliativos é uma atuação multiprofissional e multidisciplinar, a fim de gerar uma assistência harmônica, onde o foco é controlar e mitigar os sintomas de ordem psicológica, espiritual, social e física e não a modificação de determinada doença. É notório que apesar dos avanços significativos nas últimas décadas, ainda existem lacunas na promoção dos cuidados paliativos, onde nem todas as pessoas conhecem esse tipo de assistência ou não possuem acesso.

Percebe-se que no atendimento humanizado de um paciente, os cuidados paliativos caminham junto com o tratamento, sendo assim, o paciente não necessita chegar à fase terminal para obter a assistência, pois tão logo que receber o diagnóstico de uma doença crônica, deve-se iniciar o atendimento. Os nove princípios norteadores da OMS são importantes, pois além de orientativo, podem ser evocados em qualquer atividade.

Observou-se que são muitas as reações emocionais mediante o recebimento de um diagnóstico de uma doença crônica, onde paciente e familiares dispõe de um sofrimento intenso, por isso a importância do engajamento do psicólogo, junto a equipe multidisciplinar na prática de cuidados paliativos, a fim de amenizar o sofrimento e proporcionar respeito e dignidade a pessoa atendida.

A Abordagem psicológica sistémica mostra que é possível realizar o manejo de cuidados paliativos envolvendo todo o sistema, que é a família, assim, todos podem se ajudar mutuamente nesse processo. A escuta ativa e a comunicação são estratégias dessa abordagem. E, por fim, a psicoeducação é um recurso da educação operante na psicologia que busca orientar sobre a doença e outros assuntos pertinentes que contribuem para as estratégias de enfrentamento frente à finitude. O que se pretende com todos esses mecanismos é humanizar o cuidado.

REFERÊNCIAS

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1Acadêmica do curso de Psicologia da Faculdade Uninassau em Palmas – TO.

2Acadêmica do curso de Psicologia da Faculdade Uninassau em Palmas – TO.

3Acadêmica do curso de Psicologia da Faculdade Uninassau em Palmas – TO.

4Professora Orientadora do curso de Psicologia da Faculdade Uninassau em Palmas – TO.