CUIDADOS PALIATIVOS: CONHECIMENTO E AUTOEFICÁCIA DOS ACADÊMICOS E RESIDENTES DAS ENFERMARIAS DE CLÍNICA MÉDICA DA FSCMPA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10727273


Arthur Fernandes Farias
Fábio Soares Fontenelle Feijó
Orientador: Dr. Rudival Faial de Moraes Júnior


Resumo

Introdução: Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), Cuidados Paliativos podem ser definidos como o tipo de cuidado amplo e complexo em que haja interesse pela totalidade da vida do paciente com respeito ao seu sofrimento e de seus familiares, frente a uma doença ameaçadora à vida, seja aguda ou crônica e com ou sem possibilidade de reversão. Busca-se fornecer, por meio dos cuidados paliativos, uma abordagem holística para pacientes e suas famílias, com ênfase no alívio dos sintomas, controle da dor e no apoio emocional. Além disso, objetiva-se ajudar os pacientes a manter a sua autonomia e dignidade até o fim da vida. Objetivo: Descrever o conhecimento dos Médicos Residentes de Clínica Médica e Internos do curso de medicina atuantes nas enfermarias clínicas da FSCMPA sobre cuidados paliativos e suas nuances. Metodologia: Trata-se de um estudo descritivo, observacional, transversal, com abordagem quantitativa. Foram analisados os conhecimentos sobre Cuidados Paliativos dos médicos residentes de Clínica Médica da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará (FSCMPA), e internos dos cursos de Medicina, que cumprem estágios nas enfermarias de Clínica Médica da FSCMPA. Participaram do estudo os residentes do 1º e 2º ano do Programa de Residência em Clínica Médica da FSCMPA. Já os acadêmicos participantes da amostra são aqueles que estão cursando do 9º ao 12º semestre do curso de medicina de suas respectivas instituições de ensino superior. Resultados: Participaram da pesquisa 23 internos, com média etária de 25 anos. Quanto aos residentes, participaram do estudo 19 profissionais. Na seção de Conhecimentos, os residentes obtiveram índices de acerto superior a 50% em 18 dos 23 itens, já entre os acadêmicos, este índice foi alcançado em 15 itens. Discussão: Lidar com a terminalidade da vida humana é um desafio emocional e prático para todos os profissionais de saúde, em particular para médicos que muitas vezes precisam tomar decisões difíceis e delicadas para seus pacientes. Os cuidados paliativos são um meio para se trazer ao paciente e sua família conforto e alívio sempre que necessário, e para isso necessita ser bem instituída no contexto prático da Medicina. Instituir uma pesquisa com questionário para saber sobre o grau de instrução de profissionais e alunos da área médica pode ser um grande contribuinte para a prática de cuidados paliativos. Conclusão: Diante desses desafios, é importante que as escolas de medicina no Brasil continuem trabalhando para incorporar o ensino de Cuidados Paliativos em seus currículos, de forma mais abrangente e sistemática. Isso garantiria maior preparo para lidar com pacientes em cuidados paliativos e oferecer um tratamento mais humanizado e compassivo, no intuito de instituir melhorias para o paciente e sua família.

Palavras-chave: cuidados paliativos; fim de vida; conhecimento; autoeficácia.

Abstract

Introduction: According to the WHO (World Health Organization), Palliative Care can be defined as the type of broad and complex care in which there is interest in the patient’s entire life with respect to their suffering and that of their families, in the face of a threatening illness life, whether acute or chronic and with or without the possibility of reversal. The aim is to provide, through palliative care, a holistic approach for patients and their families, with an emphasis on symptom relief, pain control and emotional support. Furthermore, the aim is to help patients maintain their autonomy and dignity until the end of their lives. Objective: Describe the knowledge of Internal Medicine Residents and Medical Interns working in the FSCMPA clinical wards about palliative care and its nuances. Methodology: This is a descriptive, observational, cross-sectional study, with a quantitative approach. The knowledge about Palliative Care of resident doctors at the Medical Clinic of the Santa Casa de Misericórdia do Pará Foundation (FSCMPA), and interns from medicine courses, who carry out internships in the Medical Clinic wards of the FSCMPA, were analyzed. Residents from the 1st and 2nd year of the FSCMPA Medical Clinic Residency Program participated in the study. The academics participating in the sample are those who are studying the 9th to 12th semester of the medical course at their respective higher education institutions. Results: 23 inmates participated in the research, with an average age of 25 years. As for residents, 19 professionals participated in the study. In the Knowledge section, residents achieved accuracy rates above 50% in 18 of the 23 items, while among academics this rate was achieved in 15 items. In Self-Efficacy. Discussion: Dealing with the terminality of human life is an emotional and practical challenge for all healthcare professionals, in particular for doctors who often need to make difficult and delicate decisions for their patients. Palliative care is a means of bringing comfort and relief to the patient and their family whenever necessary, and for this it needs to be well established in the practical context of Medicine. Instituting a questionnaire survey to find out about the level of education of medical professionals and students can be a great contributor to the practice of palliative care. Conclusion: Faced with these challenges, it is important that medical schools in Brazil continue working to incorporate the teaching of Palliative Care into their curricula, in a more comprehensive and systematic way. This would ensure greater preparation to deal with patients in palliative care and offer more humanized and compassionate treatment, with the aim of establishing improvements for the patient and their family.

Key-words: palliative care; end of life; knowledge; self-efficacy.                                             

1 INTRODUÇÃO 

Os cuidados paliativos são uma abordagem essencial para a melhora da qualidade de vida de pacientes com doenças avançadas e progressivas. Devido o envelhecimento populacional e o aumento de doenças crônicas, o cuidado paliativo é uma necessidade crescente na sociedade moderna.

Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), Cuidados Paliativos pode ser definido com o tipo de cuidado amplo e complexo em que haja interesse pela totalidade da vida do paciente com respeito ao seu sofrimento e de seus familiares, frente a uma doença ameaçadora à vida, seja aguda ou crônica e com ou sem possibilidade de reversão. (WHO, 2002) 

Busca-se fornecer, por meio dos cuidados paliativos, uma abordagem holística para pacientes e suas famílias, com ênfase no alívio dos sintomas, controle da dor e no apoio emocional. Além disso, objetiva-se ajudar os pacientes a manter a sua autonomia e dignidade até o fim da vida.

É uma abordagem que tem como objetivo promover a qualidade de vida do paciente e de sua família, por meio de avaliação com uma equipe multidisciplinar, controle de sintomas físicos, sociais, emocionais e espirituais, no contexto de doenças que ameaçam a continuidade da vida. (NHPCO, 2022)  

Infelizmente o ensino de cuidados paliativos na graduação médica brasileira ainda é limitado e desigual. Embora existam iniciativas pontuais em algumas universidades brasileiras, com a incorporação desses ensinamentos na grade curricular das escolas de medicina é relativamente recente. (LORENZINI, A.E., et al, 2018)

Além disso, a abordagem e a profundidade do ensino de cuidados paliativos podem variar bastante de uma instituição para outra. Algumas escolas de medicina oferecem apenas palestras ou aulas teóricas sobre o tema, enquanto outras incluem o ensino prático, com oportunidades para os estudantes de medicina interagirem com pacientes em cuidados paliativos. (MEDEIROS, M.A., et al, 2018)

Outro desafio para o ensino de cuidados paliativos na graduação médica brasileira é a carência de docentes capacitados e especializados no assunto. Muitos professores de medicina ainda não possuem treinamento ou conhecimento adequado em cuidados paliativos, o que pode prejudicar a qualidade do ensino e a formação dos futuros médicos. (SOARES, L.G.C., et al, 2021)

Diante desses desafios, é importante que as escolas de medicina no Brasil continuem trabalhando para incorporar o ensino de cuidados paliativos em seus currículos de forma mais abrangente e sistemática. Isso garantiria que os futuros médicos estejam mais preparados para lidar com pacientes em cuidados paliativos e oferecer um tratamento mais humanizado e compassivo.

Este trabalho de conclusão de curso visa explorar os conhecimentos dos conceitos, princípios e práticas dos cuidados paliativos entre seus participantes, por meio da aplicação do questionário Bonn Palliative Care Knowledge Test (BPW). Contribuindo com a conscientização e sensibilização sobre a temática. Buscando gerar informações que poderão basear programas de aperfeiçoamento e atualização continuada, adaptados às peculiaridades locais. 

2.  JUSTIFICATIVA

O conhecimento sobre cuidados paliativos é fundamental para sua aplicação adequada na prática diária, proporcionando, por parte do profissional, uma assistência integral aos pacientes com doenças graves, crônicas ou terminais que necessitam desta abordagem para alívio do sofrimento. 

A aplicação do questionário BPW em um hospital público de grande porte, referência no estado do Pará no cuidado de pacientes com doenças crônicas, e com a crescente necessidade de cuidados paliativos entre seus usuários, possibilitará a identificação de lacunas e oportunidades de melhorias relacionados aos conhecimentos e ensino sobre Cuidados Paliativos entre os participantes da pesquisa, o que servirá de base para propostas de ensino e atualização continuada sobre o tema adaptados às particularidades locais. 

A escolha pela participação dos residentes de clínica médica dá-se pelo fato de serem eles os responsáveis diretos pela condução dos pacientes das enfermarias masculina e feminina da FSCMPA. Já a participação de internos do curso de medicina na pesquisa, indivíduos ainda em formação, mas que colaboram com a rotina diária das enfermarias, também será de suma importância em virtude da possibilidade de sensibilizá-los sobre a temática, e gerar subsídios para otimizar o ensino da temática na prática diária.

3.  OBJETIVOS

3.1. OBJETIVO GERAL: 

         Descrever o conhecimento dos Médicos Residentes de Clínica Médica e Internos do curso de medicina sobre cuidados paliativos, atuantes nas enfermarias clínicas da FSCMPA.  

3.2. OBJETIVOS ESPECÍFICOS:

a)    Explorar as perspectivas e experiências dos participantes da pesquisa sobre cuidados paliativos e seus desafios específicos.

b)    Investigar a compreensão e percepção dos participantes em relação aos cuidados paliativos, incluindo conhecimento sobre seus princípios, benefícios e disponibilidade.

c)    Propor recomendações para melhorar a implementação e o acesso aos conhecimentos práticos sobre cuidados paliativos, considerando as particularidades do serviço local.

4. METODOLOGIA

Trata-se de um estudo descritivo, observacional, transversal, com abordagem quantitativa. Foram analisados os conhecimentos sobre Cuidados Paliativos dos médicos residentes de Clínica Médica da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará (FSCMPA), e internos dos cursos de Medicina, de universidades públicas e privadas, que cumprem estágios nas enfermarias de Clínica Médica da FSCMPA. 

Participaram do estudo os residentes do 1º e 2º ano do Programa de Residência em Clínica Médica da FSCMPA. Já os acadêmicos participantes da amostra foram compostos por aqueles que estão cursando do 9º ao 12º semestre do curso de medicina de suas respectivas instituições de ensino superior, que cumpriram as atividades referentes ao internato nas enfermarias clínicas da instituição.

Os participantes foram incluídos na pesquisa após assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE), mediante envio, por parte dos pesquisadores, do termo, de forma presencial ou por meio digital (Google Forms). Somente após aceite do termo os participantes receberam o questionário.

Não participaram da amostra residentes de outros programas de especialização, ou acadêmicos de outras áreas da saúde além do curso de Medicina.

Por se tratar de aplicação de questionário, a pesquisa apresentou riscos mínimos, no que se refere à quebra de sigilo, constrangimento, entre outras. No entanto, em hipótese alguma foram divulgados os nomes de estudantes ou médicos, ou quaisquer informações que permitam a correlação entre pessoas e os fatos analisados.  

A pesquisa foi fundamentada na aplicação da versão portuguesa do questionário Bonn Palliative Care Knowledge Test (BPW) do Porto. 

A pesquisa foi composta por duas seções: a primeira com 23 questões, e a segunda com 15, incluindo 4 opções de resposta (correta, razoavelmente correta, pouco correta e incorreta). Foram consideradas a distribuição das respostas esperadas pelos autores do instrumento original: as incorretas ou pouco corretas eram 1-4, 6-10, 12, 14 e 16-20, e as corretas ou razoavelmente corretas eram 5,11,13,15,21-23. 

Foi utilizada a plataforma do Google Forms para preenchimento dos questionários, sendo que os links foram enviados por meio do aplicativo de mensagens WhatsApp, nos grupos das turmas dos acadêmicos e médicos residentes.

As informações foram transferidas em planilha para o Programa MS Excel Office XP, onde será realizada a tabulação e verificação dos dados obtidos.

A partir dos dados obtidos, foi realizada a análise sobre as respostas encontradas e com elas então foi possível obter os resultados desta pesquisa sobre o conhecimento de cuidados paliativos da população do estudo.

5. RESULTADOS

Perfil sociodemográfico dos participantes

Participaram da pesquisa 23 internos, com média etária de 25 anos, sendo compostos por 11 mulheres e 12 homens. Em relação ao estágio de formação acadêmica, 2 (8,7%) internos estavam no 9º semestre da graduação, 4 (17,4%) no 10º semestre, 11 (47,8%) no 11º semestre, e 6 (26,1%) no último semestre do curso de medicina. 91,3% da amostra era composta por acadêmicos vinculados a instituições públicas de ensino. 65,2% dos participantes afirmaram que já estudaram sobre cuidados paliativos durante sua formação. 

Quanto aos residentes, participaram do estudo 19 médicos inscritos no programa de residência em Clínica Médica da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará, com média etária de 26,2 anos, sendo compostos por 10 residentes do primeiro ano, e 9 do segundo ano de formação. 84,2% dos profissionais afirmaram que já estudaram sobre cuidados paliativos durante sua formação e prática clínica diária, com apenas 31,6% da amostra consideram-se aptos para prestar assistência a pacientes em cuidados paliativos. 

SEÇÃO 1: CONHECIMENTOS

De acordo com os elaboradores do instrumento BPW, os itens 1-4, 6-10, 12, 14 e 16-20 deveriam ser considerados pouco corretos ou incorretos, e os restantes (5, 11, 13, 15, 21-23) como corretos ou razoavelmente corretos. Pfister et al., 2013

Os residentes obtiveram índices de acerto superior à 50% em 18 dos 23 itens, sendo eles os seguintes: 1, 2, 3, 5, 7, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 22 e 23. Já os internos alcançaram a média de acertos superior à 50% em 15 dos 23 itens da seção de conhecimentos (1, 2, 5, 7, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 17, 18, 19, 20 e 23). 

Tabela 1: Porcentagem de respostas corretas dos acadêmicos e médicos na seção 1 do questionário BPW

Fonte: Elaborado pelos autores.

Baseado nas respostas adequadas consideradas pelos desenvolvedores do questionário BPW, pode-se notar que a maioria absoluta dos participantes enxergam que os Cuidados Paliativos podem ser associados à tratamentos curativos. 84,3% dos residentes e 78,2% dos acadêmicos, assertivamente, consideram o uso adjuvante de AINES (anti-inflamatórios nãos hormonais), como adequado junto ao uso de opioides. 

Quanto à gestão da dor com uso de opioides transdérmicos para a pessoa em fim de via, apenas 5,3% do grupo de residentes assertivamente responderam como inadequada.

Todos os participantes, residentes e acadêmicos, consideraram assertivamente que terapias não farmacológicas são importantes na gestão da dor, bem como que as competências de comunicação podem ser aprendidas.

89% dos médicos residentes e mais da metade dos internos consideram que o limiar da dor pode ser diminuído pela ansiedade e fadiga. Corroborando esse achado, todos os participantes, corretamente discordaram do item 19, entendendo-se que o uso de antidepressivos, quando bem indicado, é uma medida adequada para a gestão da dor. Assim como a maioria absoluta dos participantes consideram o uso de analgésicos adjuvantes como necessários durante o tratamento com opióides. 

Os menores índices de acertos encontram-se nos itens 4, 8, 12 e 21. Itens relacionados a escolha da via adequada de administração de um fármaco, proximidade emocional constante e necessidade de expor todas as informações possíveis à pessoa em fim de vida, bem como um questionamento conceitual sobre fase final de vida.

SEÇÃO 2: AVALIAÇÃO DA AUTOEFICÁCIA.

Tabela 2: Porcentagem de respostas corretas, razoavelmente corretas, pouco corretas e incorretas na seção 2 do questionário BPW.

C: resposta correta; RC: razoavelmente correta; PC: pouco correta; I: incorreta
Fonte: Elaborado pelos autores.

Na seção 2, onde é descrita a avaliação de autoeficácia do participante, mais da metade dos residentes avaliam-se como devidamente aptos para obtenção de dados objetivos que descrevam a dor da pessoa em CP. Quanto ao manejo de náuseas, apenas 36,8% dos residentes e 13% dos acadêmicos acreditam que estão aptos para dar orientações que aliviem tal queixa.

57,9% dos residentes e 30,4% dos internos acreditam que são capazes de informar a pessoa e seus familiares sobre os cuidados paliativos ofertados no serviço. Já menos da metade dos entrevistados consideram-se plenamente capazes de convencer a equipe médica sobre necessidade de apoio de CP, identificar e discutir sobre problemas no ambiente social da pessoa em CP e organizar o contato com serviço de apoio em CP. 

Percebe-se também dificuldade entre os entrevistados em comunicar-se com a pessoa ansiosa e seus familiares de forma que se sintam seguros, bem como identificar demandas complexas da pessoa em fim de vida. Apenas 15,8% dos residentes e 4,3% dos internos avaliam-se como aptos para ensinar estratégias de relaxamento a uma pessoa com dor em CP. 

O menor índice de aptidão encontra-se na comunicação com a pessoa em CP que expressa o desejo de antecipar a morte, com apenas 5,3% dos residentes consideram-se plenamente capazes de lidar com essa situação.

Somente 15,8% dos residentes e 26,1% dos internos acreditam que estão aptos para identificar problemas psicológicos específicos das pessoas em CP. Já 21,1%dos residentes e 13% dos acadêmicos avaliam-se como aptos para prestar os cuidados orais adequados à pessoa em fim vida. 

No último item avaliado registra-se que a maioria dos entrevistados se considera capaz de criar empatia pela pessoa em cuidados paliativos, em suas diferentes situações de vida e relações familiares, e intervir da melhor maneira possível.

6.  DISCUSSÃO

Lidar com a terminalidade da vida humana é um desafio emocional e prático para todos os profissionais de saúde, em particular para médicos que muitas vezes precisam tomar decisões difíceis e delicadas para garantir o bem-estar de seus pacientes. (MEIER, D.E. 2018)

O Brasil é um país que possui 211 milhões de habitantes e que passa pelo processo de envelhecimento populacional. Sendo assim, há pessoas vivendo com doenças crônicas por mais tempo e isso demanda uma mudança na forma como os sistemas de saúde enfrentam tal situação. 

Dados afirmam que cerca de 1-2% da população na atenção primária encontra-se no último ano de vida ou se aproximando dele e que cerca de 30% dos pacientes hospitalizados morrerão dentro de um ano. Em um país de tamanho continental, existem milhões de pessoas necessitando de cuidados paliativos e surge uma grande questão: como identificar os pacientes que necessitam desse tipo de cuidado?

Existem diversas ferramentas que podem ser utilizadas para ajudar a identificar pacientes elegíveis aos cuidados paliativos, dentre elas o SPICT (Supportive and Palliative Care Indicators Tool). É uma ferramenta de identificação que auxilia a reconhecer os pacientes elegíveis na atenção primária e hospitalar, utilizando indicadores gerais e específicos para melhor embasamento dessa identificação do paciente. 

O SPICT permite a melhor comunicação entre os pacientes, seus familiares e os profissionais de saúde, trazendo uma abordagem integral ao indivíduo e o vendo como um todo, o que auxilia no processo de conforto e acolhimento, buscando facilitar os futuros processos de decisão compartilhada acerca do cuidado.

Com o uso dessa ferramenta, é possível entender o perfil  da população mais suscetível para cuidados paliativos, identificando a real dimensão da necessidade brasileira e buscar soluções para melhorar os cuidados. Sem identificação adequada do problema, não é possível pensar em uma política de saúde pública adequada para o Brasil, buscando a integração do cuidado paliativo em todos os níveis de atenção. 

Além disso, os médicos enfrentam a difícil tarefa de lidar com a dor e o sofrimento de seus pacientes em situações terminais, enfrentando dificuldades para gerenciar o sofrimento dos pacientes e familiares. Como resultado, sentem-se impotentes diante do sofrimento de seus pacientes.

Outro desafio é a tomada de decisões difíceis e complexas sobre o tratamento e cuidado do paciente em fase terminal. Decidir quando encerrar o tratamento e passar para o cuidado paliativo é um processo delicado e muitas vezes controverso, e que exige uma avaliação cuidadosa da situação e das necessidades do paciente e da família.

Alguns escores de avaliação da dor em pacientes demenciados e sedados podem ser também utilizados com o intuito de se promover a melhoria da qualidade de vida dos pacientes os quais é difícil de se fazer uma avaliação objetiva ou não comunicativos, frequentemente acometidos por patologias que acabam por patologias incapacitante ou ameaçadores à vida, requerendo a instituição de cuidados paliativos.

Diversos são os instrumentos que podem ser utilizados, dentre eles destacam-se o NOPPAIN e o PAINAD para avaliação destes pacientes. A implementação destes escores em serviços médicos que lidam com o paciente em terminalidade de vida é de fundamental importância para trazer uma melhor qualidade de vida ao paciente.  

Como foi evidenciado pelo estudo, essa ainda é uma área em que ainda há dificuldade de se exercer a assistência de forma correta com objetivo de amenizar e aliviar a dor e o sofrimento do paciente e de sua família. O conhecimento técnico aliado à prática correta traz diversos benefícios nesse âmbito. 

Ademais, os médicos muitas vezes precisam lidar com as expectativas e desejos conflitantes dos pacientes e familiares, que podem estar diferentes estágios de aceitação da morte iminente. É necessário empatia ao lidar com essas situações complexas, e muitas vezes precisam equilibrar a necessidade de oferecer apoio emocional com a necessidade de ser realista sobre as perspectivas de tratamento. (FREITAS M.O et al., 2019)

Em 2014, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou uma resolução que estabelece o ensino de cuidados paliativos como uma obrigação das escolas médicas no Brasil. (ANCP, 2022) No entanto, a implementação dessa resolução tem sido gradual e nem todas as escolas de medicina no país adotaram essa prática.

Além disso, a abordagem e a profundidade do ensino de cuidados paliativos podem variar bastante de uma instituição para outra. Algumas escolas de medicina oferecem apenas palestras ou aulas teóricas sobre o tema, enquanto outras incluem o ensino prático, com oportunidades para os estudantes de medicina interagirem com pacientes em cuidados paliativos. (GOULART G.P., et al 2019)

Outro desafio para o ensino de cuidados paliativos na graduação médica brasileira é a falta de docentes capacitados e especializados no assunto. Muitos professores de medicina ainda não possuem treinamento ou conhecimento adequado em cuidados paliativos, o que pode prejudicar a qualidade do ensino e a formação dos futuros médicos.

A prática de Cuidados Paliativos é um meio para se trazer ao paciente e sua família conforto e alívio sempre que necessário, e para isso necessita ser bem instituída e aplicada no contexto prático da Medicina. Instituir uma pesquisa com questionário para saber sobre o grau de instrução de profissionais e alunos da área médica pode ser um grande contribuinte para aumentar o compartilhamento sobre a prática de cuidados paliativos.

Existem ainda dificuldades dos profissionais de saúde em identificar e mesmo em exercer os cuidados paliativos hoje em dia. Foi observado que as maiores dificuldades dos residentes e internos de medicina foi no que tange aos cuidados psicológicos/sociais e sobre a comunicação efetiva com o paciente e sua família sobre os cuidados paliativos e suas nuances.  

Por outro lado, foi visto que a maioria da população da pesquisa foi capaz de criar empatia com o paciente em CP em suas diferentes situações de vida e também com seus familiares, o que é um fator que contribui bastante para se alcançar maior sucesso para melhorar a qualidade de vida do paciente, pois o médico é visto diversas vezes pelo paciente como seu porto seguro, e quando se estabelece esse tipo de vínculo, tanto o médico quanto o paciente são beneficiados. 

Diante desses desafios, é importante que as escolas de medicina no Brasil continuem trabalhando para incorporar o ensino de cuidados paliativos em seus currículos de forma mais abrangente e sistemática. Isso garantiria que os futuros médicos estejam mais preparados para lidar com pacientes em cuidados paliativos e oferecer um tratamento mais humanizado e compassivo.

7.  CONCLUSÃO

O presente estudo permitiu observar o perfil de conhecimento dos residentes e internos da FSCMPA sobre cuidados paliativos e sobre sua percepção sobre o paciente que se adequa a receber esse tipo de cuidado. 

Observou-se uma discreta predominância de respostas corretas nos itens, considerando os residentes em comparação com os internos. Em aspectos técnicos da assistência médica, foi observado que os residentes possuem maior aptidão e destreza no que tange ao cuidado dos aspectos clínicos com o paciente. Isto se deve provavelmente ao caráter teórico-prático que uma residência médica traz aos seus residentes. 

Pôde-se notar que em alguns itens os internos obtiveram taxas de acerto superior ao dos residentes, a maioria destes no que tange ao contato com o paciente e suas necessidades pessoais e sociais. 

Foi evidenciado que tanto residentes quanto internos possuem bom conhecimento sobre o benefício de terapias adjuvantes e terapia não medicamentosa na assistência ao paciente em cuidados paliativos, implicando um bom manejo de forma geral ao paciente. 

Como dificuldades ainda encontradas neste estudo, pode-se perceber que ainda existe dificuldade tanto entre internos quanto entre os residentes sobre o manejo e avaliação da dor do paciente, ambos obtendo menos de 60% de respostas corretas referente ao item do questionário. 

Após as variáveis analisadas, foi possível identificar as maiores falhas e falta de conhecimento em relação ao tema de cuidados paliativos, e assim propor medidas para incentivar e melhorar a assistência em saúde relacionada ao paciente em cuidados de fim de vida.

Sugerimos a implementação de escores como o SPICT para identificação dos pacientes aptos à instituição de cuidados paliativos, de forma a amenizar o sofrimento do paciente, família e equipe de saúde, como para trazer luz e qualidade de vida aos dias do paciente. Cabe à equipe de saúde de cada instituição utilizar de forma inteligente e racional os escores para aqueles pacientes mais indicados. 

Também sugerimos a implementação das ferramentas PAINAD e NOPPAIN como instrumento de avaliação diário da dor do paciente não comunicativo, fazendo parte da rotina do serviço de saúde, melhorando não somente a qualidade de oferta de saúde do serviço, como também a qualidade de vida do paciente acometido com a enfermidade. 

A maior dificuldade entre os participantes do estudo foi notada em relação às questões que tangem o âmbito social e psicológico, bem como a forma de abordar em conversas e informações relacionadas ao paciente paliativo. De forma geral, é um padrão que se repete em diversos outros estudos sobre o tema, demonstrando a dificuldade, mesmo hoje em dia, em se exercer de forma completa os cuidados paliativos. 

Por isso, é de grande importância e relevância se conhecer o perfil de conhecimento dos profissionais médicos, residentes e internos envolvidos no cuidado e assistência do paciente paliativo. Reconhecer as falhas e implementar medidas para superá-las é de suma importância para a melhoria da qualidade de assistência à saúde. 

Assim, o trabalho contribuiu para o conhecimento acerca do tema de cuidados paliativos de internos e residentes da instituição FSCMPA, e pode servir como base para futuras pesquisas e estudos com o intuito de promover melhoria do serviço de saúde prestado pelo hospital, bem como difundir a necessidade e importância dos cuidados paliativos tanto para o paciente quanto para a equipe de saúde. 

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