CUIDADOS PALIATIVOS: ASPECTOS GERAIS, CONTROLE DA DOR E O PAPEL DO ANESTESIOLOGISTA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DE LITERATURA

PALLIATIVE CARE: GENERAL ASPECTS, PAIN CONTROL AND THE ROLE OF THE ANESTHESIOLOGIST: AN INTEGRATIVE LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10157624


Jonathan Almeida Moura1
Karlla Nayanne Fernandes de Araujo2


RESUMO

Os Cuidados Paliativos surgem como uma filosofia humanitária de cuidar de pacientes em estado terminal, aliviando a sua dor e o sofrimento. Estes cuidados preveem a açãode uma equipe interdisciplinar, onde cada profissional reconhecendo o limite da sua atuação contribuirá para que o paciente, em estado terminal, tenha dignidade na sua morte. Especificamente no campo da anestesia, a expansão dos cuidados paliativos é ainda mais recente, verificando-se que os desafios para o anestesista que assiste o paciente que requer cuidados paliativos vêm aumentando devido ao crescente progresso obtido com as novas técnicas de analgesia e sedação. O cuidar em anestesia paliativa destina-se a prover conforto, proporcionar ao outro o seu próprio cuidado e dar-lhe o poder de se responsabilizar por isso. Dentre essas novas técnicas destaca-se aanalgesia controlada pelo paciente (ACP).

Palavras-chave: Cuidados paliativos; Anestesia; Dor.

ABSTRACT

Palliative Care emerges as a humanitarian philosophy of caring for terminally ill patients, alleviating their pain and suffering. This care foresees the action of an interdisciplinary team, where each professional, recognizing the limits of his performance, will contribute to the patient, in a terminal state, having dignity in his death. Specifically in the field of anesthesia, the expansion of palliative care is even more recent, verifying that the challenges for the anesthesiologist who assists the patient who requires palliative care have been increasing due to the increasing progress obtained with the new techniques of analgesia and sedation. Care in palliative anesthesia is intended to provide comfort, provide the other with his own care and give him the power to take responsibility for it. Among these new techniques, patient-controlled analgesia (PCA) stands out.

Keywords: Palliative care; Anesthesia; Pain.

1. INTRODUÇÃO

Atualmente, doenças de prognósticos agudos vêm ganhando maior cronicidade.Isto se deve aos avanços presentes na área da saúde, que vêm proporcionando um aumento no tempo de vida da população. Aliado a isso, com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia dos medicamentos e dos tratamentos, houve um aumento da expectativa de vida e da cura de doenças antes consideradas letais. Dessa forma, a sociedade assistiu ao envelhecimento da população e ao aumento da incidência de doenças crônico- degenerativas não transmissíveis (DCNT) (Souza et al., 2015). Ao ladodesse processo, a medicina adquiriu um aspecto mais tecnicista e biologicista, focando nas doenças e não no indivíduo como um todo. Esses fatores contribuíram para a formação de médicos centrados em tratar as desordens orgânicas e não o doente, muitas vezes incapazes de darem a devida atenção para os sofrimentos físicos e psíquicos inerentes ao processo de adoecimento (Brugugnolli et al., 2013).

Nesse contexto, os cuidados paliativos surgem como uma grande área de humanização dentro da Medicina, sendo definida pela Organização Mundial da Saúde como uma abordagem de cuidados que buscam melhor qualidade de vida para a pessoae sua família, em face aos problemas decorrentes da doença e do risco de vida, por meioda prevenção, da minimização e do alívio do sofrimento. Isso pode ser alcançado pela identificação precoce, pela avaliação e pelo tratamento da dor e de outros problemas de natureza física, psicossocial e espiritual (WHO, 2016). É notório que essa questão ainda se encontra em processo de construção, motivo pelo qual a maior parte das estratégias de ação ainda são desafiadoras e requerem a atenção de uma equipe interdisciplinar. Por isso, essa abordagem não se restringe à mera execução de procedimentos em pacientes, mas à propagação da preocupação, interesse, interação ecompromisso pelo cuidado (Andrade et al., 2017).

Os cuidados paliativos são realizados em cenários diversos, como em enfermarias hospitalares, instituições de longa permanência, ambulatórios especializados e em domicílio, atuando em um campo multidisciplinar, na busca por contemplar o paciente em todos os seus aspectos e na tentativa de prover um alívio de suas dores e sofrimentos (Andrade et al., 2017). Assim, percebe-se a grande importância que os Cuidados Paliativos têm e terão com o passar dos anos, sendo cada vez mais necessários como modelo de assistência que contemple o fim da vida (Kovács, 2014). O cuidado à pessoa em processo de morrer e diante da morte é parte da vivênciada equipe de saúde, sobretudo de profissionais da Enfermagem, que estão ininterruptamente presentes prestando a maior parcela de cuidados de forma direta, cuidando mesmo quando a cura não é mais uma possibilidade e, porque não dizer, cuidando do corpo pós-morte e durante o luto (Silva et al., 2017).

Dadas as circunstâncias, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), os princípios norteadores dessa abordagem permeiam entre promover o alívio da dor e de outros sintomas, considerar a morte como um processo natural e afirmar a vida, não acelerar (eutanásia) nem adiar (distanásia) a morte dos pacientes, integrar os aspectos psicológicos, emocionais e espirituais no cuidado ao paciente, oferecer um sistema de suporte que possibilite ao paciente viver tão ativamente quanto possível até o momentoda sua morte, oferecer abordagem multiprofissional com foco nas necessidades dos pacientes e seus familiares, melhorar a qualidade de vida do paciente e influenciar positivamente o progresso da doença e iniciar os cuidados paliativos o mais precocemente possível, a fim incluir todas as investigações necessárias para melhor compreender e controlar as possíveis situações clínicas estressantes desse indivíduo (WHO, 2016). Desse modo, o objetivo deste estudo é evidenciar os aspectos gerais dos cuidados paliativos, bem como destacar como é feito o controle de sintomas e o papel dos anestesiologistas.

2. METODOLOGIA

Trata-se de uma pesquisa descritiva do tipo revisão integrativa da literatura, que buscou analisar os aspectos gerais dos cuidados paliativos, bem como destacar como éfeito o controle de sintomas o papel dos anestesiologistas. A seleção dos estudos foi feita no mês de julho de 2023 por meio do levantamento de publicações indexadas nas plataformas Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Google Scholar, ScientificElectronic Library Online (SciELO) e National Library of Medicine (PubMed MEDLINE). Os descritores foram selecionados com base nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e organizados com operadores booleanos, em português: “cuidados paliativos”, “dor”, “anestesiologia” e em inglês: “cuidados paliativos”,“dor”,“anestesiologia”.

Os critérios de inclusão estabelecidos foram: artigos originais publicados no período de 2015 a 2022, nos idiomas inglês e português, sem restrições de localizações,disponíveis na íntegra de forma online e que abordem o conteúdo integral ou parcialmente. Como critérios de exclusão eliminaram-se artigos não relacionados à temática e que não estivessem disponíveis na íntegra de forma online nos idiomas inglêse português. A estratégia de seleção dos artigos seguiu as seguintes etapas: busca nas bases de dados preestabelecidas, leitura do título e do resumo de todos os artigos selecionados, exclusão dos artigos que não contemplaram os critérios de inclusão e leitura crítica e na íntegra dos artigos elegidos. Dessa forma, após leitura criteriosa, dentre os 20 artigos selecionados, 10 não foram utilizados por não atenderem aos critérios de inclusão. Assim, totalizaram-se 24 artigos científicos para a revisão integrativa de literatura, com os descritores apresentados acima.

3. RESULTADOS E DISCUSSÃO

3.1. CONTROLE DE SINTOMAS

No que tange os Cuidados Paliativos, é de suma importância que os princípios norteadores sejam seguidos, uma vez que preveem o alívio dos sintomas com os quais o paciente assistido lida durante o processo de morrer (WHO, 2016). Tais princípios estão baseados em saberes de diversas áreas do conhecimento médico, visando intervenções clínicas e terapêuticas que promovam o alívio da dor e de outros sintomasdesagradáveis, como dispneia e náusea (Matsumoto, 2009).

A dor é uma “experiência sensitiva e emocional desagradável associada ou relacionada à lesão real ou potencial dos tecidos”, segundo a Sociedade Brasileira para Estudo da Dor. Existem dois tipos de tratamento para esse sintoma, os quais permeiam por todos os aspectos da vidapresentes na formação da dor, a saber: o tratamento farmacológico, que afetará diretamente o aspecto físico, e o tratamento não farmacológico, que evidenciará técnicas não invasivas afetando o aspecto emocional, espiritual e o físico (OPS, 2020).

Para o tratamento farmacológico da dor, um primeiro grupo de medicamentos que devem ser considerados são os analgésicos não opioides, como o Paracetamol, a Dipirona ou os anti-inflamatórios não esteroidais, usados em casos de dores visceral, óssea, muscular e articular. Outro grupo de fármacos muito utilizados são os opioides,a exemplo da Codeína e da Morfina (Brasil, 2020). Já o tratamento não farmacológico aborda os diversos cuidados com a integridade dos aspectos da vidapara além do físico, impactando positivamente em aspectos que interferem na modulação da dor, como o espiritual e o psicológico (OPS, 2020; Rodrigues et al., 2020). Exemplos de tratamento não farmacológicos são: a terapia, por meio da arte, porexemplo, a hidroterapia e a fisioterapia (OPS, 2020).

Outrossim, sintomas como náuseas e vômitos são recorrentes em pacientes que se encontram em cuidados paliativos. Segundo a Organização Mundial da Saúde, a náusea é uma sensação desagradável de necessidade de vomitar, já o vômito é a expulsão do conteúdo gástrico pela boca. É de suma importância que esses sintomas sejam controlados para garantir o cuidado integral e a qualidade de vida do paciente, além de evitar outras complicações, como anorexia, desequilíbrio eletrolítico e desidratação (Magalhães; Oliveira; Cunha, 2018).

Os antieméticos são os fármacos mais utilizados para evitar o vômito. No caso dos pacientes sem relação com tratamento que envolva radioterapia e quimioterapia, ofármaco recomendado é a metoclopramida e 5HT3 antagonistas podem ser adicionadosa essa terapia para melhor controle dos sintomas (García et al., 2019). Já em pacientescom tratamentos quimioterápicos ou radioterápicos, essa profilaxia é realizada com antagonistas 5HT3, como ondansetrona, e com uso de corticosteroides, como dexametasona e aprepitante (Lau et al., 2016). Em relação ao tratamento não medicamentoso, a dietoterapia pode ser utilizada para reduzir os sintomas de náusea evômitos (Magalhães et al., 2018), o que pode ocorrer com a adoção de medidas que previnam as diversas manifestações gastrointestinais, como: fracionar as refeições, evitar cheiros de temperos fortes, consumir os alimentos devagar e a ingestão de líquidos em menores quantidades (Duarte et al., 2020).

Ademais, no contexto de Cuidados Paliativos, a dispneia aparece como um dos sintomas mais recorrentes, embora varie de acordo com o diagnóstico, com o estágio da doença e até mesmo com os aparatos emocionais que amparam o paciente diante de sua situação (Rocha, 2018). O conceito mais aceito para esse sintoma é descrito pelaAmerican Thoracic Society, que o caracteriza como um desconforto respiratório de caráter subjetivo marcado pela sensação de asfixia ou de sufocamento (Pinto, 2015; Severino, 2020) e que pode ocorrer em quadros de tratamentos oncológicos, DPOC, insuficiência renal, doenças neurodegenerativas, entre outras (Rocha, 2018; Silva et al., 2006).

Pensando no cuidado paliativo como ferramenta de alívio do sofrimento e da melhoria da qualidade de vida de pessoas em estado de adoecimento que comprometea vida (WHO, 2016), o diagnóstico de dispneia, bem como o tratamento desse sintoma,seja por meio de fármacos, seja por meio de intervenções alternativas, são de extrema importância. (Severino, 2020). Assim, tomando por base o Manual de Cuidados Paliativos do Hospital Sírio Libanês em Brasil (2020), a conduta inicial deve ser tratar a causa do sintoma, se possível, utilizando, por exemplo, antibióticos para infecções ou procedimento de drenagem para derrame pleural. Já na impossibilidade de tratamentodos fatores desencadeantes, a utilização de opióides, ansiolíticos ou até mesmo de oxigenoterapia deve ser considerada, avaliando sempre as particularidades de cada caso. Por fim, em pacientes com dispneia refratária que cause desconforto insuportável, a sedação paliativa pode ser um caminho para alívio do sintoma, sendo, segundo Severino (2020), a associação entre morfina e midazolam o critério padrão adotado paraa sedação.

3.2. PAPEL DO ANESTESIOLOGISTA NOS CUIDADOS PALIATIVOS

Os cuidados paliativos pressupõem a ação de uma equipe multiprofissional, já que a proposta consiste em cuidar do indivíduo em todos os aspectos: físico, mental, espiritual e social. O paciente em estado terminal deve ser assistido integralmente, e isto requer complementação de saberes, partilha de responsabilidades, onde demandasdiferenciadas se resolvem em conjunto (Santos et al., 2014; Alves et al., 2019).

A compreensão multideterminada do adoecimento proporciona à equipe uma atuação ampla e diversificada que se dá através da observação, análise, orientação, visando identificar os aspectos positivos e negativos, relevantes para a evolução de cadacaso. Além disso, os saberes são inacabados, limitados, sempre precisando ser complementados. O paciente não é só biológico ou social, ele é também espiritual, psicológico, devendo ser cuidado em todas as esferas, e quando uma funciona mal, todas as outras são afetadas (Ameno et al., 2020).

É de fundamental importância para o paciente fora de possibilidades terapêuticas de cura que a equipe esteja bastante familiarizada com o seu problema, podendo assim ajudá- lo e contribuir para uma melhora. Os CP traduzem mudança significativa no papel dos profissionais dos serviços de saúde, que além de cuidarem davida devem também cuidar do processo de morrer, haja vista serem intervenções destinadas àqueles em situação de fim de vida, voltadas a amenizar sintomas desagradáveis, provocados pela doença incurável (Balboni et al., 2017; Basol, 2016; Brasil, 2020).

Considerando que a formação dos profissionais de saúde sempre esteve voltadapara os aspectos biológicos, sendo a sua prática predominantemente individual, consistindo em intervenções fragmentadas de diferentes profissionais para o mesmo paciente, compreende- se que seja tão importante utilizar preceitos humanitários entreos profissionais (Evangelista et al., 2016). Em síntese, os cuidados paliativos estão centrados no direito de o paciente viver os dias que lhe restam e de morrer com dignidade, constituindo campo interdisciplinar de cuidados totais, ativos e integrais dispensados aos pacientes com doenças avançadas e em fase terminal. Esse conjunto de ações interdisciplinares busca oferecer a “boa morte” aos pacientes com doenças terminais, bem como apoio aos familiares e cuidadores (Esperandio; Leget, 2020).

Especificamente no campo da anestesia, a expansão dos cuidados paliativos é ainda mais recente, verificando-se que os desafios para o anestesista que assiste o paciente que requer cuidados paliativos vêm aumentando devido ao crescente progresso obtido com as novas técnicas de analgesia e sedação. O cuidar em anestesia paliativa destina-se a prover conforto, proporcionar ao outro o seu próprio cuidado e dar-lhe o poder de se responsabilizar por isso (Monteiro et al., 2014).

Dentre essas novas técnicas destaca-se aanalgesia controlada pelo paciente (ACP) é, enfim, agir e reagir adequadamente frente a situação de morte com o doente e a família, lutando para preservar sua integridade física, moral, emocional e espiritual, conectando-se com o paciente e comprometendo-se a auxiliá-lo e permitir que também possa decidir por si mesmo como e quando utilizara sedação paliativa para amenizar seus sintomas. Cuidar, em anestesia paliativa, é prover o alívio e reconhecer seu paciente como ser humano único. Por isso, é fundamental o controle de sintomas como a dor e a fadiga, a anorexia, a constipação e a dispneia, entre outros (Felix et al., 2013).

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os Cuidados Paliativos preconizam humanizar a relação equipe de saúde- paciente- família, e proporcionar uma resposta razoável para as pessoas portadoras de doenças que ameaçam a continuidade da vida, desde o diagnóstico dessa doença até seus momentos finais. A medicina paliativa busca o seu espaço, para que não somente o paciente com possibilidades de cura seja atendido, mas os que sofrem com doenças em que a morte é inevitável também, pois a medicina científica não deve ser antagônica da medicina paliativa, mas devem ser simbióticas. A morte digna é de grande significado para o doente e também para o profissional que é compreensivo e solidário. Assim, muito se tem a caminhar quando se trata de cuidados paliativos, E os profissionais de saúde em geral precisam conhecer e explorar essa temática que é tão rica, porém pouco discutida.

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1 Servico de Anestesiologia Hospital João Barros Barreto , UFPA, jonathan2almeida@hotmail.com(J.A.M)

2 Universidade Federal do Ceará , karlla.nayanne.araujo@gnail.com (K.N.F.A.)