CUIDADOS NA ATENÇÃO PRIMÁRIA PARA CRIANÇAS COM NECESSIDADES ESPECIAIS: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10901488


Anna Emily Abreu da Silva;1 Isabelly Mendes Andrade;1 Paloma Rocha Matos;1 Victoria Mel Pinheiro Silva;1 Beatriz Santos Mascarenhas;1 Maria Beatriz Tavares Mantovani;1 Maria Fernanda Vasconcelos Pires;1 Mariane Santos Silva;1


RESUMO

Introdução: A Atenção Primária à Saúde (APS) possui um papel fundamental como porta de entrada para o usuário no Sistema Único de Saúde (SUS) e portanto é regida também pelos valores da universalidade, integralidade, equidade, bem como acessibilidade e humanização, que possuem importância central no acolhimento e atendimento dos usuários do sistema de saúde. Sendo assim, o atendimento às crianças com necessidades especiais deve ser executado segundo tais princípios, a fim de fornecer um serviço adequado para essa população tão vulnerável. Objetivo: Analisar como é realizado o atendimento primário às crianças com necessidades especiais (CRIANES). Metodologia: Trata-se de uma revisão integrativa realizada em seis etapas, com levantamento bibliográfico efetuado a partir das bases de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Scientific Eletronic Library Online (Scielo) e Sistema Online de Busca e Análise de Literatura Médica (Medline/PubMed). Os descritores utilizados foram: “Atenção Primária”, “Crianças”, “Necessidades Especiais”, “Redes de Atenção”, “Cuidado Multiprofissional”, “Atendimento”, “Child”, “Special Needs” e “Primary Care”. Resultados e Discussão: O atual cenário da APS demonstra o despreparo dos profissionais, bem como a falta de suporte e acessibilidade adequados para atender as demandas das CRIANES, que requer uma atenção especializada e humanizada. Conclusão: A realidade das crianças que possuem necessidades especiais envolve desafios no desenvolvimento que se estende para as diferentes esferas da vida, incluindo o acesso e o cuidado no atendimento primário.

Palavras-chave: Crianças, Necessidades Especiais, Atenção Primária à Saúde, Atendimento, Acolhimento, Cuidado Multiprofissional.

INTRODUÇÃO

A Atenção Primária à Saúde (APS) configura-se como contato preferencial com o Sistema Único de Saúde (SUS) e como um centro de articulação e de fluxo da Rede de Atenção à Saúde (RAS). A APS é pautada em princípios norteadores da universalidade, da equidade, da acessibilidade, da continuidade, da integralidade, da responsabilização, da humanização, do vínculo e da participação social. À vista disso, o atendimento primário contempla serviços de saúde oferecidos na primeira linha de cuidado, geralmente realizados por médicos de família, pediatras e profissionais de enfermagem. Essa abordagem busca a prevenção, o diagnóstico e o tratamento de doenças e problemas de saúde, com o objetivo de promover a saúde e melhorar a qualidade de vida dos pacientes (BRASIL, 2012).

No que concerne à realidade das crianças (e adolescentes) com necessidades especiais de saúde (CRIANES), desafios emergem quanto à concretização da acessibilidade ao atendimento primário e dos princípios mantenedores da saúde e do bem-estar coletivo. No Brasil, cerca de um quarto da população infantil enquadra-se nessa classificação e representa as crianças que possuem diferentes enfermidades, sendo caracterizadas de acordo com as suas necessidades (NEVES et al., 2018). São crianças que precisam de atenção contínua e de intervenções específicas, em virtude da imprescindibilidade do cuidado relacionado ao desenvolvimento psicomotor e às demandas tecnológicas e medicamentosas. Nesse contexto, a APS abarca um papel fundamental na identificação precoce e no tratamento de possíveis problemas de desenvolvimento, como atraso nas habilidades motoras, de linguagem, cognitivas ou sociais (SULINO et al., 2020).

Sob essa perspectiva, uma vez que a fragilidade e a maior vulnerabilidade de saúde das CRIANES inserem a necessidade frequente de hospitalizações, a oferta de serviços adequados pela atenção primária poderia, em grande parte, mitigar as internações e os tratamentos hospitalares (SULINO et al., 2020). No entanto, apesar do cuidado integral das CRIANES pressupor a proteção de sua saúde, o desenvolvimento de sua capacidade funcional, além da possibilidade de diagnósticos, tratamentos e encaminhamentos adequados (SCHULTZ; ALONSO, 2016), o sistema de saúde ancorado na APS e na RAS é considerado frágil e desarticulado para essas crianças. Com isso, impera uma realidade brasileira alicerçada no lapso de atendimento às necessidades básicas de crianças detentoras de direito à saúde, na perpetuação de internações evitáveis e na carência de apoio aos cuidadores nesse processo (NEVES et al., 2018).

METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão integrativa de literatura com abordagem qualitativa, executada mediante pesquisa bibliográfica descritiva e relacionada ao acolhimento e atendimento oferecido para crianças com necessidades especiais na Atenção Primária à Saúde (APS). 

A escolha por essa metodologia decorre do objetivo de sintetizar o conhecimento por meio da análise e discussão de diversos estudos, viabilizando uma compreensão mais aprofundada do tópico em foco. Tal abordagem se revela fundamental para uma compreensão mais aprimorada do cenário, propiciando aprimoramentos nas práticas e serviços de saúde, com vistas a tornar o sistema mais eficaz e qualificado (MENDES; SILVEIRA; GALVÃO, 2008).

Esse estudo foi conduzido através das seguintes etapas: elaboração da pergunta norteadora; busca na literatura; coleta de dados; avaliação dos estudos selecionados; análise e discussão dos resultados; e conclusão (SOUZA; SILVA; CARVALHO, 2010).

Durante a primeira etapa, a pergunta norteadora definida foi: Como é o atendimento oferecido pela Atenção Primária à Saúde para as crianças com necessidades especiais? O levantamento bibliográfico foi realizado durante dezembro e janeiro de 2024 mediante busca no banco de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS) e nas bases de dados da biblioteca eletrônica Scientific Eletronic Library Online (Scielo) e do Sistema Online de Busca e Análise de Literatura Médica (Medline/PubMed).

Para a seleção dos artigos utilizou-se os seguintes descritores: “Atenção Primária”, “Crianças”, “Necessidades Especiais”, “Redes de Atenção”, “Cuidado Multiprofissional”, “Atendimento”, “Child”, “Special Needs” e “Primary Care”. Os critérios de inclusão estabeleceram a abrangência de publicações originais, completas, disponíveis com acesso gratuito, redigidos nos idiomas português e inglês, com a aplicação de um filtro para trabalhos publicados no período entre os anos de 2015 a 2023 e diretamente relacionados à temática em questão. 

Identificaram-se 76 artigos no total, dos quais, após uma análise preliminar dos títulos e/ou resumos, foram descartadas 60 publicações que não atendiam ao escopo do estudo. Outro critério de exclusão foram trabalhos caracterizados como Dissertações de Graduação ou Pós-graduação. Posteriormente, foi realizada uma avaliação mais aprofundada do conteúdo dos artigos restantes, resultando na exclusão daqueles que não respondiam à pergunta norteadora ou duplicados, culminando na seleção final de 10 artigos.

RESULTADOS/DISCUSSÃO

Autor/AnoTítulo da publicaçãoBase de dadosObjetivoMetodologiaResultados
GÓES et al., 2017Discourses on discharge care for children with special healthcare needsPubmedAnalisar o discurso de profissionais e familiares sobre os cuidados contínuos e complexos de crianças com necessidades especiais de saúde; Pesquisa qualitativa Na alta, os familiares cuidadores querem aprender o cuidado inovador para assegurar a manutenção da vida de seus filhos no domicílio, mas o preparo é pontual.
REIS et al., 2017A vivência da família no cuidado domiciliar à criança com Necessidades especiais de saúdeScieloAnalisar a vivência da família no cuidado domiciliar às crianças com necessidades especiais de saúde (CRIANES).Estudo qualitativoOs resultados sinalizam a complexidade presente nos cuidados realizados com a CRIANES e foi possível identificar uma sobrecarga do cuidador principal.
NEVES et al, 2018Accessibility of children with special health needs to the health care networkPubmedConhecer como se dá o acesso de crianças com necessidades especiais de saúde na rede de atenção à saúde.Pesquisa qualitativa do tipo descritivo exploratóriaNo atendimento na atenção primária à saúde, observou-se um distanciamento entre as necessidades das crianças e a assistência ofertada.
CABRAL et al., 2020Demandas de crianças com necessidades especiais de saúde na atenção primária da cidade do Rio de JaneiroBVSAnalisar demandas de crianças com necessidades especiais de saúde que implicaram em mudanças na forma de cuidar em casa.Pesquisa descritiva Segundo os domínios de necessidades especiais, a prevalência dessas crianças foi 12,4%, predominando as doenças crônicas respiratórias e tegumentares. Desse grupo, 63% era da raça/cor parda e preta e 37%branca; 35,6%eram beneficiados com programas de transferência de renda (bolsa família e prestação continuada); 20,5% viviam em ambientes cujo lixo e esgoto eram descartados a céu aberto, com água sem tratamento
FAVARO et al., 2020Percepção do enfermeiro sobre assistência às crianças com necessidades especiais de saúde na Atenção PrimáriaBVSApreender como os enfermeiros da Estratégia Saúde da Família se percebem em relação ao conhecimento e preparo para assistir as crianças com necessidades especiais de saúde e suas famílias e como avaliam o acesso delas aos serviços de saúde.Estudo descritivo, exploratório, de abordagem qualitativaEmergiram duas categorias (despreparo para assistência e suas implicações e acesso aos serviços de saúde da rede de atenção às crianças com necessidades especiais de saúde), as quais mostram que os enfermeiros, em sua maioria, não se sentem capacitados para oferecer assistência de qualidade.
MARCON et al., 2020(In)visibilidade de crianças com necessidades especiais de saúde e suas famílias na atenção primáriaScieloDiscutir a (in)visibilidade de crianças com necessidades especiais de saúde e suas famílias no contexto da Atenção Primária à Saúde.Relato de experiênciaA principal justificativa para essas crianças e suas famílias serem “desconhecidas” e, por conseguinte, não assistidas na atenção primária, é o fato de serem acompanhadas por instituições/ambulatórios e clínicas especializadas e/ou de reabilitação públicas, ou ainda, por terem plano de saúde privado.
SCHUERTZ et al,. 2020Primary Health Care to meet families of children with special needs.BVSCompreender a organização do serviço de Atenção Primária à Saúde para atendimento às famílias de crianças com necessidades especiais.Pesquisa qualitativa Emergiram  potencialidades e fragilidades na organização do atendimento às crianças com necessidades especiais, a qual evidenciou ambiguidade na assistência em relação à compreensão dos direitos e participação das famílias no acompanhamento; e Infraestrutura dos serviços para atendimento às crianças com necessidades especiais, na qual foram expressas limitações na organização dos serviços e nas Redes de Atenção à Saúde. 
BASTOS et al,.2022Crianças com necessidades de saúde especiais em um serviço de pronto atendimento pediátrico: estudo transversalBVSRastrear crianças com necessidades de saúde especiais em um serviço de pronto atendimento pediátrico e analisar suas demandas de cuidado.Estudo transversalCrianças com necessidades de saúde especiais corresponderam a 5,1%, dentre 235 famílias rastreadas. Os principais domínios de necessidades de saúde foram maior utilização de serviços e dependência de medicamentos.
MACHADO et al., 2022Nursing care for children with special health care needs in primary careBVSAnalisar, nas evidências científicas, a assistência de enfermagem às crianças com necessidades especiais de saúde na Atenção Primária à Saúde.Revisão integrativaApesar da grande necessidade de conhecimento técnico na assistência às CRIANES, é evidente a necessidade de essas crianças e suas famílias serem atendidas na integralidade, e não apenas com abordagens de caráter biomédico que limitam a assistência de enfermagem quanto à identificação de aspectos relacionados ao quadro clínico dessas crianças.
BONFIM et al,.2023Assistance to families of children with Autism Spectrum Disorders: Perceptions of the multiprofessional teamScieloSintetizar o cuidado prestado por profissionais de saúde, nos diferentes níveis de atenção, às famílias de crianças com Transtornos do Espectro Autista.Estudo qualitativoAs descobertas mostram ações centradas em situações pontuais, principalmente nas demandas e necessidades advindas do cuidado da criança e de seu comportamento atípico. Fatores influenciadores para o cuidado à família, como a sobrecarga de trabalho e a pouca experiência profissional, evidenciam a fragilidade da assistência multiprofissional e a invisibilidade da família enquanto unidade de cuidado.

Devido à complexidade do cuidado à criança especial, é necessário um preparo, conhecimento, atenção e qualificação de modo a garantir uma abordagem de acordo com as necessidades individuais daquela família. Entretanto, encontra-se uma barreira e dificuldade dos profissionais da atenção primária, desde a falta de conhecimento, limitações, despreparo para lidar com a assistência necessária para a criança e seus responsáveis, levando a um retardo no tratamento, e principalmente no diagnóstico, falhando no cuidado ofertado pela rede de atenção à saúde (BASTOS et al,.2022).

A Atenção Primária à Saúde (APS) permite através do cuidado multiprofissional direcionar, acolher, orientar e escutar essa família , de acordo com as demandas particulares da criança. Por isso, a importância de aliar o Projeto Terapêutico Singular (PTS), com o objetivo de criar ações estratégicas nesse processo de ajuda, no qual é um dispositivo da Política Nacional de Humanização e um resolutivo instrumento da Atenção Primária para equipe multiprofissional, sendo usado para qualificação e resolutividade nesses tipos de casos  (BONFIM et al,.2023). Contudo, o PTS perde sua função, devido a deficiência de habilidade e conhecimento do profissional da saúde em lidar com a situação e criar vínculos com o paciente, levando os pais não terem boas experiências com o atendimento e a unidade muitas vezes, é decorrente da falta de acolhimento, orientações, negligências e julgamentos.

A vulnerabilidade da Atenção Primária no atendimento, acaba interferindo na assistência à saúde dessas crianças, o que justifica a baixa adesão  das Crianças especiais nas Unidades Básicas de Saúde em busca de assistência. Logo, observa-se a necessidade, diante disso, de uma qualificação profissional para garantir a qualidade, capacitação e resolutividade do atendimento, e para isso a educação permanente é fundamental, de acordo com as necessidades especiais encontradas naquele local inserido. Assim, observa-se uma melhora da qualificação do profissional da saúde, garantindo um cuidado integral na Atenção Primária e um maior conhecimento das políticas públicas oferecidas e voltada para melhoria no atendimento, desde de direitos e programas de auxílios existentes (SCHUERTZ et al,. 2020)

A percepção dos cuidadores familiares sobre o papel da atenção primária à saúde não está em consonância com as Diretrizes de Trabalho da Rede, que visam fortalecer a ação dos serviços de atenção básica como coordenadores do cuidado, visando garantir a continuidade do cuidado e fortalecer os vínculos entre profissionais, famílias e instituições de saúde. Desse modo, a  valorização do papel do pediatra e a compreensão de que o atendimento só é disponibilizado por meio de consulta médica esclarecem a concepção biológica dos cuidadores familiares. Por outro lado, a literatura enfatiza que para superar os paradigmas  da saúde infantil, em particular as Crianes (crianças com necessidades especiais de saúde)  é necessário enfatizar o papel dos enfermeiros no processo de desenvolvimento e implementação dos atributos holísticos dos cuidados de saúde primários para as crianças especiais. (NEVES et al, 2018).

Outro ponto a ser abordado, é o perfil das crianças com necessidades especiais de saúde, que inclui o viver em contexto de vulnerabilidade devido a determinantes sociais que aumentam a iniquidade e exposição aos agravos à sua saúde com maiores chances de adoecimento e reinternações hospitalares. Entre outros aspectos, destacam-se a falta de acesso ao sistema de tratamento de esgoto, descarte de lixo a céu aberto e baixo rendimento da família que interferem nas condições de vida (CABRAL et al., 2020).

As CRIANES são vulneráveis e clinicamente frágeis, o que leva seus cuidadores familiares a demandarem um corpo de saberes e práticas com base em conhecimentos técnico-científicos para lidar com as necessidades da criança. Esse grupo de criança vive o “efeito iô-iô”, num ciclo regular de internações e reinternações, o que aumenta a complexidade do seu cuidado tanto para os profissionais de enfermagem quanto para os seus familiares cuidadores (GÓES et al., 2017).

Diante dessa complexidade, muitos profissionais relatam falta de segurança para oferecem assistência às crianças, seja pelo despreparo ao manusear os equipamentos tecnológicos necessários ou pela inaptidão ao lidar com a família. Há também uma apreensão em virtude da multiplicidade de condições de saúde e de assistência específica para cada criança, carecendo portanto de capacitação multiprofissional formal em todos os serviços coordenados pelas Redes de Atenção à Saúde (RAS) (FAVARO et al., 2020).

Diante disso, situações suscetíveis expõem crianças já clinicamente frágeis a  episódios recorrentes de adoecimento, que podem cronificar-se e aumentar as necessidades de saúde e requerer mais atenção de redes especializadas do Sistema Único de Saúde (SUS). Pois, tanto as que foram diagnosticadas com alguma doença, quanto aquelas que apresentaram episódios recorrentes de adoecimento, mas sem confirmação diagnóstica, possuem necessidades de saúde especiais. Em ambas as situações, as condições das crianças determinaram mudanças na forma de os familiares cuidarem delas em casa. O conhecimento construído com a observação do comportamento da criança confere autonomia ao familiar cuidador na busca de acesso à rede de serviços para a definição do diagnóstico (REIS et al., 2017). 

Para que as famílias sejam orientadas corretamente quanto ao cuidado domiciliar adequado para essas crianças, é de fundamental importância que a Atenção Primária ocupe o papel central de conduzir e instruir esses núcleos familiares, através da formação de um vínculo fortalecido e uma comunicação clara e apropriada. No entanto, os estudos analisados demonstram que o foco da assistência à saúde ainda é muito centrado no modelo biomédico, resultando em profissionais que limitam-se a tratar apenas a patologia, sem suprir os demais carecimentos desse público, o que influencia até mesmo no processo de busca ativa das CRIANES pela equipe de saúde da família (MACHADO et al., 2022).

O pouco conhecimento ou (des)conhecimento dos agentes comunitários de saúde (ACS) sobre estas crianças, apesar de residirem na área de abrangência de sua equipe da Estratégia Saúde da Família (ESF), demonstra falha no cumprimento do que é preconizado pela PNAB (BRASIL, 2012), uma vez que é necessário cadastrar todas as famílias de uma microárea e manter seus cadastros atualizados regularmente.

Em estudo realizado com ACS sobre as percepções acerca de sua atuação na ESF, os autores constataram que eles não reconheciam o mapeamento e cadastramento das famílias como atribuições de seu cargo. É preconizado ao enfermeiro, como uma de suas atribuições, realizar assistência integral às famílias no domicílio quando estas estão impossibilitadas de frequentar a UBS. Destaca-se a importância do reconhecimento das particularidades das responsabilidades de cada membro da ESF, essencial para otimizar seu desempenho e assegurar a prestação de assistência de qualidade às famílias (MARCON et al., 2020).

CONCLUSÃO

A Política de Atenção Básica, em 2012, instituiu uma rede de cuidado à pessoa com deficiência, com o objetivo de criar, ampliar e articular pontos de atenção dirigidos a essa camada da sociedade (BRASIL, 2012). Nessa perspectiva, cria-se um ambiente de maior discussão e desenvolvimento de ações voltadas à pessoa com deficiência. Diante desse cenário, engloba-se o público infantil e adolescente, que possui 25% de sua totalidade com algum tipo de deficiência e necessitando de atenção especial (NEVES, 2019). Com isso, a UNICEF preconiza que crianças que nascem ou adquirem algum tipo de deficiência física, mental ou sensorial, e possuem dificuldades de desenvolvimento podem ter de 70 a 80% das sequelas evitadas ou reduzidas por meio de manejos, condutas e  procedimentos  simples  de baixo custo, o que no Brasil, pode ser realizado por meio da APS (SCHULTZ; ALONSO, 2016). 

A partir dessa revisão, observou-se que a realidade das crianças que possuem necessidades especiais envolve desafios no desenvolvimento que se estende para as diferentes esferas da vida, incluindo o acesso e o cuidado no atendimento primário. Isso é exemplificado pela grande quantidade de internações e reinternações observadas nesse público, que evidencia a falta de articulação e serviços adequados pela atenção primária, que nesses casos, poderiam prevenir, minimizar e até mesmo solucionar os possíveis agravos, sem a necessidade da evolução e consequente internação hospitalar. 

Ademais, os resultados permitiram visualizar que as dificuldades enfrentadas por famílias que possuem crianças com necessidades especiais de saúde, quando inseridas no contexto de vulnerabilidade socioeconômica, são ainda mais intensificadas, uma vez que com a deficiência ou a inexistência de uma rede de apoio satisfatória é gerado um acúmulo de tarefas que sobrecarregam os principais cuidadores, frequentemente representado exclusivamente  pela mãe. Nesse sentido, destaca-se a incontestável importância de ACS devidamente capacitados para reconhecer e acolher essas famílias, estabelecendo uma relação eficiente e indispensável com a APS, para que,  dessa forma, por meio do suporte em saúde seja desenvolvido uma abordagem de cuidado integrado e personalizado que atenda as necessidades das CRIANES e de seu grupo de apoio.

Outrossim, um outro fator evidenciado refere-se a importância do acolhimento da APS às crianças com necessidades especiais, com uma abordagem individualizada e que seja eficaz no tratamento e posterior resposta desse público. Dessa forma, aponta-se o protagonismo dos profissionais de saúde para tornar o ambiente, o acesso ao cuidado e o manejo dos pacientes o mais acolhedor possível dentro da realidade de cada Unidade de Saúde.  Nesse contexto, os artigos supracitados sinalizam a necessidade de uma educação permanente voltada para o cuidado com esse público, visto que, percebe-se uma deficiência por parte dos profissionais de saúde sobre o assunto. Com isso, adquirir conhecimento favorecerá o desenvolvimento de habilidades e o aumento do vínculo com os pacientes e suas famílias, levando a uma melhor experiência dentro do contexto da APS. 

Os artigos ressaltam, portanto, a necessidade dos profissionais de saúde de adquirirem uma compreensão holística e individualizada do cenário de cada paciente, tendo em vista que eles possuem papel crucial na garantia de um serviço não somente satisfatório e acolhedor, mas também compassivo e centrado nas CRIANES. Diante dessa perspectiva, torna-se imperativo o aprimoramento do profissional por intermédio de capacitação e estratégias adaptativas que visem à eficácia e resolutividade do sistema de saúde para um atendimento adequado, considerando as necessidades e demandas, para promover uma assistência de qualidade por especialistas que possuam sensibilidade e empatia diante das singularidades de cada criança com necessidades especiais de saúde.

REFERÊNCIAS

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¹ Discente do curso superior de Medicina da AFYA Faculdade de Ciência Médica de Itabuna Bahia. e-mail: emillyabrel7@hotmail.com
¹ Discente do curso superior de Medicina da AFYA Faculdade de Ciência Médica de Itabuna Bahia. e-mail: isabellyandradefasai@gmail.com
¹ Discente do curso superior de Medicina da AFYA Faculdade de Ciência Médica de Itabuna Bahia. e-mail: lomarocha04@gmail.com
¹ Discente do curso superior de Medicina da AFYA Faculdade de Ciência Médica de Itabuna Bahia. e-mail: mvictoriamel@gmail.com
¹ Discente do curso superior de Medicina da AFYA Faculdade de Ciência Médica de Itabuna Bahia. e-mail: beatrizmascarenhas.s@hotmail.com
¹ Discente do curso superior de Medicina da AFYA Faculdade de Ciência Médica de Itabuna Bahia. e-mail: biamantovani36@gmail.com
¹ Discente do curso superior de Medicina da AFYA Faculdade de Ciência Médica de Itabuna Bahia. e-mail:Mariafpires_@hotmail.com
¹ Discente do curso superior de Medicina da AFYA Faculdade de Ciência Médica de Itabuna Bahia. e-mail: anedimaisgat@gmail.com