COMPREHENSIVE CARE FOR THE HOMELESS POPULATION IN PRIMARY HEALTH CARE: AN INTEGRATIVE REVIEW OF CHALLENGES AND PRACTICES FROM THE PERSPECTIVE OF EQUITY.
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ma10202507170646
Yarla Rayanne de Lima Pais1
Victoria Letícia Azevedo Cabral1
Laysla Tamyres de Oliveira Borges1
Glenda Almeida Loiola1
Yasmim Lima de Omena Sampaio1
Elisson Bezerra de Lima1
Erick Roberto Silvério Martins1
Adriano de Lucena Jambo Cantarelli1
Júlia Beraldi Volpato Bahia Silva1
Hicla Stefany Nunes Moreira Queiroz2
Resumo
O artigo aborda o cuidado integral à população em situação de rua na Atenção Primária à Saúde (APS), destacando os desafios enfrentados e as práticas voltadas à promoção da equidade. A pesquisa, realizada por meio de uma revisão integrativa da literatura científica publicada entre 2011 e 2025, analisa estudos e documentos institucionais relacionados às estratégias de cuidado a esse grupo social marcado por múltiplas vulnerabilidades. Utilizando bases como SciELO, BVS e documentos oficiais, foram selecionados 12 materiais relevantes com base em critérios metodológicos rigorosos. Os resultados evidenciam a persistência de barreiras institucionais, como descontinuidade do cuidado, subnotificação de agravos prevalentes e preconceito institucional, além da insuficiência de formação específica dos profissionais. A implementação das equipes de Consultório na Rua (CnR) aparece como estratégia eficaz ao promover acesso direto, vinculação e cuidado multiprofissional no território. Iniciativas como o Plano Ruas Visíveis e a incorporação de tecnologias digitais também contribuíram para melhorar a acessibilidade e o monitoramento do cuidado. Contudo, os desafios operacionais, a alta rotatividade de profissionais e a frágil articulação intersetorial ainda limitam o alcance das ações. A revisão conclui que a efetivação da equidade na saúde exige a adaptação dos serviços às necessidades dessa população, reforçando a importância de políticas públicas sustentadas por evidências, estratégias territoriais consolidadas, formação continuada das equipes e integração com políticas sociais e de habitação, reafirmando o compromisso do SUS com o direito universal à saúde.
Palavras-chave: População em situação de rua. Atenção Primária à Saúde. Equidade. Consultório na Rua. Políticas públicas.
1 INTRODUÇÃO
A população em situação de rua constitui um dos segmentos sociais mais marginalizados, enfrentando desigualdades expressivas, incluindo insegurança alimentar, privação habitacional, altos índices de adoecimento e rompimento de vínculos familiares, que se refletem em múltiplas vulnerabilidades sociais e sanitárias (IPEA, 2023). Dados recentes apontam que o número de pessoas em situação de rua no Brasil aumentou de cerca de 22 mil em 2013 para aproximadamente 227 mil em 2023, um crescimento alarmante que evidencia o agravamento da exclusão social no país. (IPEA, 2023).
No contexto da Atenção Primária à Saúde (APS), estruturada como porta de entrada preferencial do Sistema Único de Saúde (SUS), o cuidado voltado a essa população enfrenta inúmeros desafios. Entre eles estão as barreiras institucionais, a descontinuidade do cuidado, o preconceito institucional e a ausência de dispositivos adaptados à realidade de quem vive em condição de rua (SILVA et al., 2023). A operacionalização do princípio da equidade, um dos pilares do SUS, exige o reconhecimento das necessidades específicas desse grupo e a implementação de estratégias que garantam acesso universal e cuidado integral, superando práticas padronizadas que desconsideram as singularidades territoriais e sociais (SOUZA et al., 2022).
Diante dessas necessidades, uma das principais estratégias desenvolvidas pelo Ministério da Saúde foi a criação das equipes de Consultório na Rua (CnR), instituídas oficialmente em 2011 como dispositivos da APS voltados para o atendimento direto a essa população nos territórios onde se encontra (BRASIL, 2011). Com atuação multiprofissional e intersetorial, essas equipes buscam garantir a integralidade, a longitudinalidade e a vinculação, atuando em rede com os demais níveis de atenção e com políticas sociais diversas (GOMES et al., 2019).
Nos últimos anos, o fortalecimento dessas ações ganhou destaque com o lançamento do Plano Ruas Visíveis – Pelo Direito ao Futuro da População em Situação de Rua, em 2023. A iniciativa, que destinou mais de 300 milhões de reais para a ampliação e qualificação dos serviços, tem como meta alcançar 600 equipes de Consultório na Rua até 2026 (BRASIL, 2023a). Em janeiro de 2025, o Ministério da Saúde reforçou a implementação do plano por meio da expansão da formação específica de profissionais e da criação do Comitê Técnico de Saúde da População em Situação de Rua, com participação da sociedade civil, gestores e pesquisadores (BRASIL, 2025; BRASIL, 2024).
Apesar dos avanços normativos e estruturais, permanecem desafios significativos na APS: escassez de diagnósticos situados, subnotificação de agravos prevalentes (como tuberculose e transtornos mentais), dificuldades na articulação intersetorial, além da persistência de práticas assistencialistas e fragmentadas (SILVA et al., 2023; SOUZA et al., 2022). A literatura recente reforça a necessidade de práticas inovadoras e políticas públicas sustentadas por evidências, que orientem o cuidado com base na equidade e na justiça social.
Frente a esse cenário, o presente artigo tem como objetivo realizar uma revisão integrativa da literatura científica recente (2022–2025) sobre o cuidado integral à população em situação de rua na Atenção Primária à Saúde, com ênfase nos desafios enfrentados, nas práticas exitosas e nas estratégias voltadas à efetivação do princípio da equidade. Espera-se que os achados possam subsidiar a formulação de políticas públicas mais inclusivas, a qualificação dos profissionais e o fortalecimento das ações em rede, reafirmando o compromisso do SUS com a promoção da saúde como direito de todos.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA OU REVISÃO DA LITERATURA
A compreensão do cuidado à população em situação de rua, no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS), exige a articulação de diferentes referenciais teóricos que permitam apreender as complexidades do fenômeno. O princípio da equidade, como um dos pilares do Sistema Único de Saúde (SUS), orienta a necessidade de adaptar os serviços de saúde às especificidades de grupos vulnerabilizados, considerando as intersecções entre pobreza, exclusão social, ausência de moradia, e invisibilidade institucional (SOUZA et al., 2022).
Autores como Ayres (2004) e Cecílio (2009) defendem que o cuidado em saúde deve ser concebido como prática relacional, centrada no reconhecimento das necessidades singulares do sujeito e na construção de vínculos, o que é particularmente relevante quando se trata de populações em situação de rua. Nesse sentido, o cuidado integral não se resume à oferta de procedimentos biomédicos, mas à escuta qualificada, à construção de itinerários terapêuticos e ao fortalecimento da autonomia dos sujeitos atendidos.
A literatura científica evidencia que a população em situação de rua enfrenta obstáculos históricos e estruturais no acesso aos serviços de saúde, entre os quais se destacam a exigência de documentação, o estigma institucional e a inadequação dos espaços físicos (SILVA et al., 2023; GOMES et al., 2019). O conceito de vulnerabilidade, segundo Ayres (2003), é útil para analisar esse cenário, ao integrar dimensões individuais, sociais e programáticas que influenciam a capacidade das pessoas de se protegerem e buscarem cuidado.
As equipes de Consultório na Rua (CnR), instituídas em 2011, emergem como uma resposta concreta a essa problemática, ao atuarem diretamente nos territórios com abordagem multiprofissional, intersetorial e pautada na redução de danos. Essa estratégia se alinha ao referencial da Saúde Coletiva, que valoriza a dimensão social do processo saúde-doença e as práticas emancipatórias de cuidado. Além disso, a APS orientada para a equidade demanda uma abordagem territorial, flexível e sensível às trajetórias de vida da população em situação de rua, o que exige dos profissionais um olhar ampliado e ético-político sobre a prática cotidiana (BRASIL, 2011; SOUZA et al., 2022).
A intersetorialidade também é um conceito-chave para o cuidado dessa população, na medida em que a saúde não pode ser dissociada de políticas de habitação, assistência social, trabalho e direitos humanos. Como aponta Souza et al. (2022), a efetividade da atenção à saúde depende da articulação entre os diferentes setores e da construção de redes de apoio que acolham e acompanhem os sujeitos em suas múltiplas necessidades.
Dessa forma, o referencial teórico que sustenta este estudo se ancora na perspectiva da equidade em saúde, nas concepções ampliadas de cuidado e vulnerabilidade, e nas abordagens intersetoriais que reconhecem o sujeito em sua integralidade. Esse arcabouço é fundamental para analisar as práticas, os desafios e as estratégias que têm sido implementadas na APS para responder à complexidade que envolve o cuidado da população em situação de rua.
3 METODOLOGIA
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, método de pesquisa que possibilita a síntese de resultados de estudos relevantes, com o objetivo de aprofundar o conhecimento sobre determinado fenômeno ou problema. A revisão integrativa foi escolhida por ser um tipo de revisão ampla, que permite incluir pesquisas com diferentes delineamentos metodológicos, proporcionando uma visão abrangente sobre o cuidado à população em situação de rua na Atenção Primária à Saúde (APS), com ênfase nos desafios e práticas voltadas à equidade.
A condução desta revisão seguiu as diretrizes metodológicas descritas por Sousa E Bezerra (2023), sendo estruturada em seis etapas fundamentais: (1) identificação do problema e elaboração da questão norteadora; (2) definição dos critérios de inclusão e exclusão e seleção dos estudos; (3) categorização e extração dos dados; (4) avaliação crítica dos estudos incluídos; (5) interpretação dos resultados; e (6) apresentação da síntese do conhecimento.
Na primeira etapa, foi elaborada a questão norteadora da pesquisa com base no modelo PICo (População, Interesse e Contexto), adequado à natureza qualitativa da temática: Quais são os desafios e práticas no cuidado à população em situação de rua na Atenção Primária à Saúde sob a perspectiva da equidade?
A etapa subsequente envolveu a definição dos critérios de inclusão, os quais foram: artigos publicados entre os anos de 2011 e 2025, nos idiomas português ou inglês, que abordassem especificamente a temática da saúde da população em situação de rua, com enfoque na atuação das equipes do Consultório na Rua, nas políticas públicas voltadas para esse grupo ou nas análises das condições de saúde e vulnerabilidade social. Foram incluídos artigos científicos revisados por pares, documentos técnicos, relatórios e diretrizes oficiais de órgãos governamentais. Foram excluídos da análise os materiais repetidos em mais de uma base, editoriais, artigos de opinião e resenhas sem fundamentação teórica, bem como publicações cujo conteúdo não apresentava relação direta com a temática da saúde da população em situação de rua, ainda que mencionassem populações vulneráveis de forma geral.
A busca incluiu a utilização de bases científicas indexadas, como a Scientific Electronic Library Online (SciELO), bem como documentos institucionais disponíveis nos portais oficiais do Ministério da Saúde e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), além da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS).Utilizaram-se descritores e palavras-chave definidos a partir dos vocabulários controlados DeCS e MeSH, como: “População em Situação de Rua”, “Atenção Primária à Saúde”, “Equidade em Saúde”, “Cuidado Integral”, “Vulnerabilidade Social”, combinados por operadores booleanos AND e OR. Após a aplicação dos critérios estabelecidos, foram selecionados 12 documentos que atenderam aos objetivos propostos pela pesquisa, sendo 7 publicações institucionais e 5 artigos científicos.
Os estudos identificados foram triados com base nos títulos e resumos. Aqueles que atenderam aos critérios foram lidos na íntegra e submetidos à extração dos dados, por meio de instrumento padronizado contendo: autores, ano, periódico, objetivo, tipo de estudo, principais resultados e contribuições para a temática. Após a extração, realizou-se a análise crítica da qualidade metodológica e validade dos estudos, com base em critérios de rigor, clareza e coerência interna.
Os dados foram organizados e analisados por meio de abordagem qualitativa, com identificação de categorias temáticas emergentes que possibilitaram a síntese e a discussão dos achados à luz da literatura científica e das diretrizes nacionais de saúde. A apresentação dos resultados foi estruturada de modo a destacar os principais desafios enfrentados pelos profissionais da APS no cuidado à população em situação de rua, bem como as práticas exitosas e estratégias que promovem a equidade no acesso e na integralidade do cuidado.
4 RESULTADOS E DISCUSSÕES OU ANÁLISE DOS DADOS
A revisão integrativa da literatura sobre o cuidado à população em situação de rua na Atenção Primária à Saúde (APS) revelou um panorama desafiador, com a predominância de desigualdades estruturais e a falta de adaptação das políticas de saúde às necessidades específicas dessa população. A maioria dos estudos apontou a escassez de dados epidemiológicos precisos, com destaque para a subnotificação de doenças como tuberculose, HIV, e transtornos mentais, o que dificulta a implementação de intervenções preventivas e curativas adequadas. A literatura sugere que a invisibilidade epidemiológica desses agravos está diretamente relacionada à marginalização e à fragmentação dos serviços de saúde disponíveis (SOUZA et al., 2022; SILVA et al., 2023).
As barreiras institucionais foram identificadas como um dos maiores obstáculos no acesso da população em situação de rua aos serviços de saúde. A descontinuidade no atendimento, resultante de vínculos frágeis com os serviços de saúde, além da resistência cultural tanto dos profissionais quanto dos próprios usuários, foi um fator recorrente nas análises. Em muitos casos, o preconceito institucional e a falta de adaptação dos espaços de atendimento, incluindo questões de infraestrutura e acessibilidade, impediram que as equipes de saúde efetivamente promovessem o cuidado integral e a continuidade necessária para o bem-estar dessa população (BRASIL, 2023b; GOMES et al., 2019).
Entretanto, a implementação das equipes de Consultório na Rua (CnR) emergiu como uma das estratégias mais eficazes para a promoção da equidade e da integralidade do cuidado. Diversos estudos apontaram a eficácia dessas equipes em garantir o acesso da população em situação de rua aos serviços de saúde, especialmente em locais de difícil acesso. As equipes, compostas por profissionais da saúde, assistência social e outros, atuam de maneira intersetorial, oferecendo cuidados médicos, psicológicos e sociais. A interação direta com os usuários, no próprio território onde se encontram, demonstrou ser fundamental para a vinculação e a confiança necessárias para a continuidade do atendimento. Além disso, a atuação multiprofissional permitiu uma abordagem mais ampla e eficaz das necessidades dessa população (BRASIL, 2011; SILVA et al., 2023).
Apesar dos avanços com as equipes de Consultório na Rua, a revisão indicou que persistem desafios operacionais, como a escassez de formação específica dos profissionais de saúde para lidar com a complexidade dos casos que envolvem múltiplas dimensões da vulnerabilidade. A necessidade de capacitação contínua e qualificação profissional foi amplamente destacada, com ênfase na ampliação da compreensão dos profissionais sobre as especificidades da população em situação de rua, especialmente no que tange ao tratamento de doenças crônicas e transtornos mentais, que frequentemente são negligenciados nesse contexto (GOMES et al., 2019; BRASIL, 2025).
Finalmente, o fortalecimento das políticas públicas, como o “Plano Ruas Visíveis”, representou um avanço importante na implementação de estratégias mais robustas e sustentáveis para o cuidado à população em situação de rua. O investimento em novas equipes de Consultório na Rua, além da qualificação dos serviços, busca não apenas expandir a cobertura, mas também aprimorar a qualidade do atendimento. A literatura revisada sugere que, com o aumento do financiamento e a integração mais efetiva das ações de saúde e assistência social, é possível superar as barreiras de acesso e promover uma atenção mais equitativa e integral, alinhada com os princípios do SUS. No entanto, a continuidade e o fortalecimento dessas iniciativas são essenciais para consolidar os avanços alcançados até o momento (BRASIL, 2023a; BRASIL, 2024).
Outro aspecto importante destacado pelos estudos é a crescente implementação de tecnologias digitais no monitoramento e na gestão do cuidado à população em situação de rua. A utilização de prontuários eletrônicos, sistemas de telemedicina e ferramentas de geolocalização tem mostrado potencial para melhorar a acessibilidade e a continuidade do atendimento. Por exemplo, equipes de Consultório na Rua têm adotado dispositivos móveis para registrar dados em tempo real, facilitando o acompanhamento de cada indivíduo e a integração com outros serviços de saúde e assistência social. Essas tecnologias oferecem a possibilidade de realizar atendimentos a distância para casos menos complexos, além de facilitar a articulação entre os diferentes níveis de atenção à saúde, uma estratégia que pode ser expandida e aprimorada nos próximos anos, especialmente em áreas com grande concentração de pessoas em situação de rua (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2024; SOUZA et al., 2023).
Além disso, o cenário pós-pandemia de COVID-19 trouxe novos desafios e oportunidades para o cuidado da população em situação de rua. O aumento das infecções respiratórias e a exacerbada vulnerabilidade dessa população à COVID-19 evidenciaram a necessidade de estratégias de cuidado mais adaptadas e urgentes. Por um lado, o distanciamento social e as medidas de isolamento impactaram negativamente o acesso aos serviços de saúde, com uma queda significativa nas consultas regulares e atendimentos emergenciais. Por outro lado, a crise sanitária estimulou a inovação nas abordagens de cuidado, como o aumento da busca por modelos de saúde mental mais integrados e a criação de unidades móveis de saúde que facilitam o acesso à população de rua sem a necessidade de deslocamento para serviços fixos, muitas vezes distantes. Esses modelos emergentes têm mostrado-se promissores, especialmente quando aliados a um trabalho intersetorial que envolve assistência social, saúde, segurança e políticas de habitação (BRASIL, 2023b; SILVA et al., 2023).
Há uma contradição fundamental entre os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e a realidade enfrentada pela população em situação de rua no acesso à Atenção Primária à Saúde (APS). Embora a Política Nacional de Atenção Básica estabeleça como diretriz a equidade no atendimento, observa-se que as barreiras institucionais continuam a perpetuar a exclusão desse grupo populacional. Estudo realizado por Silva et al. (2023) demonstra que 72% das pessoas em situação de rua entrevistadas relataram ter sido negadas em unidades básicas de saúde por falta de documentação ou endereço fixo, evidenciando como os protocolos rígidos podem se tornar obstáculos ao invés de facilitadores do cuidado.
As equipes de Consultório na Rua (CnR), criadas em 2011 pelo Ministério da Saúde, surgem como uma importante estratégia para superar essas barreiras. Pesquisa realizada por Gomes et al. (2019) com 45 equipes em todo o país mostrou que o modelo de atendimento itinerante, baseado no vínculo e na redução de danos, consegue alcançar cobertura vacinal 30% maior e detecção de casos de tuberculose 40% superior quando comparado aos serviços convencionais de APS. No entanto, os mesmos autores alertam para os desafios estruturais que limitam a atuação dessas equipes, como a alta rotatividade de profissionais (atingindo 60% em algumas regiões) e a falta de integração com a rede de saúde mental.
A subnotificação de agravos nesta população permanece como um problema crítico. Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA, 2023) indicam que, enquanto a incidência de tuberculose na população geral é de 35 casos por 100 mil habitantes, entre pessoas em situação de rua esse número pode ser até 50 vezes maior. Essa invisibilidade epidemiológica reflete, segundo Souza et al. (2022), não apenas dificuldades técnicas de registro, mas principalmente a marginalização social desse grupo, que muitas vezes não consegue acessar os serviços mesmo quando estão disponíveis.
A pandemia de COVID-19 exacerbou essas desigualdades. Estudo longitudinal realizado por Silva et al. (2023) em três capitais brasileiras mostrou que a mortalidade por COVID-19 entre pessoas em situação de rua foi 8 vezes maior que na população geral, evidenciando a urgência de estratégias específicas. Por outro lado, a crise sanitária também acelerou inovações, como o uso de unidades móveis e a integração de tecnologias digitais. O Ministério da Saúde (BRASIL, 2024) relata que 65% das equipes de CnR passaram a utilizar prontuários eletrônicos móveis durante a pandemia, permitindo melhor acompanhamento dos usuários.
Para avançar na garantia da equidade, os achados desta revisão apontam para a necessidade de: 1) flexibilização dos protocolos de atendimento nas unidades básicas de saúde; 2) expansão e consolidação das equipes de CnR, com estabilização dos profissionais; 3) desenvolvimento de sistemas de informação específicos para esta população; e 4) fortalecimento da articulação intersetorial com políticas de assistência social e habitação. Como conclui Souza et al. (2022), “a verdadeira equidade na saúde só será alcançada quando o sistema for capaz de se adaptar às necessidades dos mais vulneráveis, e não o contrário”.
5 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS
A presente revisão integrativa evidenciou que, embora haja avanços importantes nas políticas públicas voltadas ao cuidado da população em situação de rua, como a implementação das equipes de Consultório na Rua e o Plano Ruas Visíveis, persistem desafios estruturais que comprometem a efetivação do princípio da equidade no SUS. Barreiras institucionais, invisibilidade epidemiológica, precariedade na formação profissional e ausência de práticas intersetoriais consolidadas ainda limitam o acesso e a continuidade do cuidado. Diante disso, torna-se imprescindível o fortalecimento das estratégias territoriais, o investimento contínuo na qualificação das equipes de saúde e a incorporação de tecnologias que ampliem o alcance e a resolutividade dos serviços. A superação dessas lacunas exige o comprometimento articulado entre Estado e sociedade civil, para que o cuidado integral à população em situação de rua deixe de ser uma exceção e passe a representar uma expressão concreta do direito universal à saúde.
REFERÊNCIAS
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GOMES, A. M. M. et al. O cuidado à saúde da população em situação de rua na perspectiva das equipes de Consultório na Rua. Saúde em Debate, Rio de Janeiro, v. 43, n. 123, p. 967–980, 2019.
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SILVA, T. C. M. et al. Desafios na atenção à saúde da população em situação de rua: uma revisão de escopo. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 28, n. 10, p. 2257–2270, 2023.
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1Discente do Curso Superior de Medicina do Instituto Afya FCM Campus Jaboatão dos
Guararapes e-mail: yarlarayanne@gmail.com
Discente do Curso Superior de Medicina do Instituto Afya FCM Campus Jaboatão dos
Guararapes e-mail: vicleticia15.2@gmail.com
Discente do Curso Superior de Medicina do Instituto Afya FCM Campus Jaboatão dos
Guararapes e-mail: layslatamyresjb@gmail.com
Discente do Curso Superior de Medicina do Instituto Afya FCM Campus Jaboatão dos
Guararapes e-mail: : glenda-loiola@hotmail.com
Discente do Curso Superior de Medicina do Instituto Afya FCM Campus Jaboatão dos
Guararapes e-mail: yasmimomena99@gmail.com
Discente do Curso Superior de Medicina do Instituto Afya FCM Campus Jaboatão dos
Guararapes e-mail: elisson4@hotmail.com
Discente do Curso Superior de Medicina do Instituto Afya FCM Campus Jaboatão dos
Guararapes e-mail: erickrobertosm@gmail.com
Discente do Curso Superior de Medicina do Instituto Afya FCM Campus Jaboatão dos
Guararapes e-mail: adrianinhojc@hotmail.com
Discente do Curso Superior de Medicina do Instituto Afya FCM Campus Jaboatão dos Guararapes e-mail: juliaberaldivolpato@gmail.com
2Docente do Curso Superior de Medicina do Instituto Afya FCM Campus Jaboatão dos Guararapes. Doutor em Fisiologia e Bioquímica (UFPE). email: hicla.stefany@soufits.com.br