CRIPTOCOCOSE EM FELINO: RELATO DE CASO

REGISTRO DOI:10.69849/revistaft/th102411261558


Ellidy Caroline Da Silva Pedreira
Orientadora: Prof. Msc. Anna Fernanda Machado Sales da Cruz Ferreira
Co-Orientadora: Prof. Esp. Ana Paula Gonçalves Ferreira Miranda 


RESUMO 

A criptococose é uma doença fúngica causada por Cryptococcus neoformans ou C. gattii, tendo relevância para saúde pública por ser uma zoonose. O patógeno geralmente está presente nas excretas de aves silvestres, morcegos e pombos, que, por possuirem uma elevada concentração de nitrogênio, favorece seu desenvolvimento no ambiente. A infecção, em gatos, ocorre através da inalação de basidiósporos do fungo, os quais atingem o trato respiratório superior e, em seguida dissemina-se pela via hematógena e linfática. O diagnóstico é feito através da associação da anamnese e exames complementares, como citológico, cultura fúngica e/ou histopatológico. O tratamento baseia-se na utilização de antifúngico, sendo o itraconazol o mais comum, devido a sua eficiência e poucos efeitos colaterais. O presente trabalho objetivou relatar um caso clínico de criptococose em um felino, em Feira de Santana-Ba, diagnosticado após exame clínico e citológico, com tratamento feito a base de itraconazol.

Palavras-chave: Micose; pombos; gato; itraconazol.

CRIPTOCOCOSE EM FELINO: RELATO DE CASO

 

ABSTRACT 

Cryptococcosis is a fungal disease caused by Cryptococcus neofor-mans or C. gattii, and is relevant to public health as it is a zoonosis. The pathogen is generally present in the excreta of wild birds, bats and pigeons, which, as they have a high concentration of nitrogen, favor their development in the environment. Infection in cats occurs through the inhalation of basidiospores of the fungus, which reach the upper respiratory tract and are then disseminated via the hematogenous and lymphatic route. The diagnosis can be made through the association of anamnesis, physical examination and complementary exams, such as cytology, fungal culture and/or histopathology. The treatment is based on the use of antifungals, with Itraconazole being the most common, due to its efficiency and few side effects. The present work aimed to report a clinical case of cryptococcosis in a feline, in Feira de Santana-Ba, diagnosed after clinical and cytological examination, with treatment based on Itraconazole.

  1. INTRODUÇÃO

A criptococose, comumente conhecida como torulose, trata-se de uma doença infecciosa sistêmica, de origem fúngica, podendo ser causada pelas espécies Cryptococcus neoformans e Cryptococcus gattii e seus variados sorotipos. É uma zoonose oportunista, uma vez que afeta, principalmente, os indivíduos imunossuprimidos, podendo acometer desde animais domésticos e silvestres, a seres humanos (VENUTO ET AL., 2023).

Segundo Müller e Nishizawa (2017), a eliminação do fungo ocorre através das excretas de aves, morcegos e pombos, que dificilmente se infectam, geralmente sendo apenas portadores, entretanto, a alta concentração de nitrogênio em suas fezes contribui para o desenvolvimento e a manutenção fúngica no solo. A infecção decorre da exposição a um ambiente contaminando, com multiplicação e manutenção na natureza, classificando-se como uma saprozoonose. As portas de entrada são as vias respiratórias. Geralmente, a via de transmissão é horizontal, sendo pouco relatada via vertical.

Trata-se de uma levedura arredondada, ovalada ou elipsoide, e revestida por uma cápsula de mucopolissacarídeo, o que lhe garante alto fator de virulência, pois atua na diminuição da migração de leucócitos para os locais de lesão e contribuindo, assim, para uma maior disseminação.  A infecção ocorre através da inalação de basidiósporos do fungo, os quais atingem o trato respiratório superior e, posteriormente, disseminam-se por via hematógena e linfática para sítios extrapulmonares, tendo preferência por tecidos vascularizados, como o sistema nervoso central, o globo ocular, os linfonodos e o tecido cutâneo.

Visto que se trata de uma doença oportunista, os principais hospedeiros portadores são os indivíduos imunocomprometidos, entretanto, em pacientes saudáveis, ela pode apresentar-se de forma assintomática e/ou autolimitante. No Brasil, a doença é mais frequentemente relatada em animais com idade de até 48 meses (62%), machos (75%) e na raça Siamesa (60%). (PEREIRA, 2018; VENUTO, 2023).

A maior ocorrência da doença em gatos é, provavelmente, ocasionada pelo seu comportamento de auto limpeza, o que aumenta a probabilidade de acesso dos fungos à cavidade nasal. Os seus sinais clinicos são classificados em síndromes, que podem aparecer de forma isolada ou conjunta. Entre elas destacam-se a síndrome respiratória, a neurológica, a ocular e a cutânea. A síndrome respiratória, que ocorre mais comumente em gatos, afeta com maior frequência a cavidade nasal do que os pulmões, sendo caracterizada por roncos, estertores, corrimento nasal uni ou bilateral, mucopurulento, seroso ou sanguinolento, espirros e dispneia inspiratória. Podem ocorrer a formação de massas firmes ou pólipos no tecido subcutâneo, especialmente sobre a cartilagem do plano nasal, levando ao aumento de volume na narina e, quando ulcerado, vermelhidão, popularmente conhecido como “nariz de palhaço”, porém, as lesões também podem ocorrer em nariz, língua, gengivas, palato duro, lábios ou leito ungueal (RODRIGUES ET AL., 2020).

A evolução do quadro depende da resposta imunológica do paciente no momento da infecção. A síndrome neurológica, mais comum em cães, pode apresentar-se como uma meningoencefalomielite, nesta circunstância, os sinais apresentados estarão relacionados ao local da lesão. A síndrome ocular manifesta-se por um complexo de sinais incluindo uveíte anterior, coriorretinite, neurite óptica, fotofobia, blefaroespasmo, opacidade da córnea, edema inflamatório da íris e/ou hifema. A síndrome cutânea geralmente ocorre na pele da cabeça e pescoço dos gatos, caracterizando-se como nódulos múltiplos, de crescimento rápido, firmes e indolores que tendem a ulcerar e drenar exsudato serosanguinolento (MÜLLER; NISHIZAWA, 2017).

Como afirmam Müller e Nishizawa (2017), há poucos relatos de aves silvestres com a criptococose, sendo a doença clínica considerada muito rara. Entretanto, a presença do Cryptococcus spp. é frequentemente demonstrada nas fezes desses animais. Já em seres humanos a criptococose é uma micose de grande importância, ocupando uma posição de destaque entre as causas de internações registradas em diversos hospitais públicos brasileiros no período compreendido entre os anos de 2000 a 2007. Dentre as regiões do Brasil envolvidas, a sudeste é a mais acometida.

De acordo com Rondelli et al. (2010), durante a anamnese e o exame físico do paciente são revelados sinais e sintomas que incluem epistaxe, espirros, formação de nódulos nasais e/ou pulmonares, inclinação da cabeça (head tilt), nistagmo, deformações faciais, desencadeando a supeita clinica. O diagnóstico é feito correlacionando as informações obtidas durante a anamnese e o exame físico, associado ao exame citológico das lesões, além do cultivo de material microbiológico dos materiais obtidos de secreções ou nódulos. De acordo com Martins et al. (2008), o exame citológico pode ter uma acurácia de 83,3% em relação aos resultados do histopatológico. As alterações no hemograma e na bioquímica sérica de animais com criptococose são geralmente inespecíficas. O perfil bioquímico só apresentará alterações quando houver envolvimento sistêmico (SILVA et al., 2022).

O prognóstico da enfermidade pode ser de bom a reservado, e o tratamento é realizado com antifúngicos sistêmicos, dentre os quais anfotericina B, fluconazol, itraconazol, cetoconazol ou fluocitosina (RONDELLI et al., 2010).

Por se tratar de uma zoonose de extrema importância na saúde pública, com escassos relatos de ocorrência na literatura veterinária, o objetivo deste trabalho foi relatar o caso de um felino, fêmea, siamês atendido em um hospital veterinário na cidade de Feira de Santana – Bahia, diagnosticado com criptococose.

  1. MATERIAL E MÉTODOS

Um felino, fêmea, da raça siamês, de aproximadamente 3 anos, pesando 1,900kg  (quilo e novecentos gramas), semi domiciliado, foi atendido em um hospital veterinário particular, em Feira de Santana-BA. O paciente apresentava caquexia, secreção nasal e ocular, com aumento de volume nodular em face (não ulcerado) conforme pode ser observado na na figura 01.

Gato com a boca aberta Figura 01: Aumento de volume nodular em face de gata siamês.

Fonte: Clínica veterinária, 2024.  

As suspeitas iniciais foram esporotricose, virus da imunoeficiência felina (FIV) ou virus da leucemia felina FeLV), então foi realizado exame físico e solicitados hemograma e dosagem dos seguintes bioquímicos: alanina aminotransferase (ALT), gama glutamil transferase (GGT), ureia, creatinina, proteinas totais e frações e glicose, citopatologia da lesão e teste rápido de FIV/FeLV (este não foi autorizado).

  • RESULTADOS E DISCUSSÃO

Durante o exame físico foram avaliados os seguintes parâmetros: Estado mental: ativa, responsiva, Mucosas: hipocoradas, Hidratação: desidratação severa, TPC: não preenche, Linfonodos: submandibular levemente reativo, Cavidade oral: sem alteração (s/a) Ausculta cardiopulmonar: limpa, crepitação respiratória (possivelmente trato respiratório superior), presença de secreção nasal mucóide e espirros, Pulso: forte, FC: 134, FR: 20, Palpação abdominal: s/a, sem algia abdominal, Pele e anexos: aumento de volume em região de face, Temperatura retal: 37.2°C.

O hemograma e os bioquímicos não apresentaram alterações (Tabelas 01 e 02), mas no exame citológico foram encontradas leveduras sugestivas de criptococose (figuras 2 e 3). Como afirma Venuto et al. (2022), além do exame citológico poderiam ter sido realizados exames complementares como histopatológico ou cultura fúngica para ter um diagnóstico preciso. De acordo com Romani et al. (2020), a cultura fúngica é amplamente empregada para isolamento e identificação destes microrganismos, entregando um diagnóstico preciso de qual gênero e espécie presente. Segundo Araújo e Leal (2016), a dose do itraconazol pode variar de 30 a 100 mg/kg uma a duas vezes ao dia, o tratamento inicial com 50mg de Itraconazol, uma vez ao dia (SID) associado a alguns nutracêuticos para auxiliar o ganho de peso corporal da paciente e poder aumentar a dose do antifúngico, e uso de hepatoprotetor.

Tabela 01. Hemograma de gata com suspeita de criptococose. Liberado em 13 de setembro de 2024.

Parâmetros avaliadosValores obtidosValores de referência
Hemácias Hematócrito Hemoglobina VGM CHGM Leucócitos (µL) Segmentados Linfócitos Monócitos Eosinófilos Plaquetas Proteína plasmática total5,52 milhões/µL 26 % 8,6 g/dl 47,10 33,08 g/dL 11780 8.246 2.356 353 825 635.000 7,05 – 10 milhões/µL 24 – 45 % 8 – 15 g/dl 39 – 55 fl 31 – 36 g/dL 5.500 – 19.500 2500-12500 1500-7000 0-850 100-1500 230.000 – 680.000 6,0 – 8,0
   

Fonte: Informações fornecidas pelo Vetchecap Análises Clínicas Veterinárias.

Tabela 02 – Dosagens bioquímicas de gata com suspeita de criptococose. Liberado em 13 de setembro de 2024.

BioquímicosValores encontradosValores de referência
ALT42  U.I/L28 a 83 U.I/L
GGT1,5 mg/dL1,3 a 5,1 mg/dL
UREIA47 mg/dL43 a 64 mg/dL
CREATININA0,8 mg/dL0,8 a 1,5 mg/dL
PROTEINA TOTAL E FRAÇÕESProteína Total  5,6 mg/dL Albumina 3,2 mg/dL Globulina  2,40 mg/dL Albumina:Globulina 1,335,4 a 7,8 mg/dL 2,1 a 3,9 mg/dL 2,6 a 5,2 mg/dL 0,5 a 1,20
GLICOSE79 mg/dL70 a 110 mg/dL

Fonte: Informações fornecidas pelo Vetchecap Análises Clínicas Veterinárias.

Fonte: Imagens fornecidas pelo Vetchecap Análises Clínicas Veterinárias.

Ao retornar, após 34 dias de tratamento, a paciente apresentava ganho de peso, com 2,5kg, mas, ainda apresentava aumento nasal. A dose do itraconazol foi elevada para 100mg/animal SID, até a regressão dos sinais clinicos.

Rodrigues et al. (2020) ressaltou a importância dos testes para enfermidades como FIV e/ou FeLV já que esta doença tende a ser ainda mais grave em animais imunossuprimidos. Gatos com acesso a rua, como o animal deste relato, estão mais susceptíveis a infecção, já que o contato com pombos pode ocorrer em diversos locais, como em praças, parques ou até mesmo em residências, o que pode ocasionar o contato às excretas destas aves, que são ricas em compostos nitrogenados, e facilitam o desenvolvimento do agente da criptococose.

  • CONCLUSÃO

A criptococose é uma importante doença fúngica de caráter zoonótico, o que a torna prejudicial aos animais e aos seres humanos, que apresenta relatos escassos na literatura. Vale ressaltar a importância do exame citológico para triagem e que pode trazer sim o diagnóstico dos pacientes, como foi o caso da paciente do relato. Visto que é um exame pouco invasivo, possui baixo custo, que não é necessário sedar o paciente, evita seja realizada uma intervenção cirurgica sem necessidade, pode ser realizado em consultório, o resultado é entregue de forma mais breve, comparado a histopatológico, por exemplo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Silva, Aline Maia. Tópicos em sanidade de cães e gatos [livro eletrônico]. / Aline Maia Silva, … [et. al.]. – Fortaleza: Editora In Vivo, 2022. v. 3, 66 p.

Romani, Alana Flávia. Importância da cultura fúngica no diagnóstico da dermatofitose em animais de companhia Research, Society and Development, v. 9, n. 9, e312997014, 2020 (CC BY 4.0) | ISSN 2525-3409 | DOI: http://dx.doi.org/10.33448/rsd-v9i9.7014