COVID-19: ATUAÇÃO DO TERAPEUTA OCUPACIONAL DURANTE A PANDEMIA

COVID-19: OCCUPATIONAL THERAPIST’S PERFORMANCE DURING THE PANDEMIC

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10251366


Gabriel Felipe Paiva Dos Santos¹,
Iranise Moro Pereira Jorge²,
Angela Paula Simonelli³.


Resumo

A COVID-19 é uma doença infecciosa causada pelo vírus SARS-CoV-2, declarada emergência de saúde pública pela OMS e que se tornou pandemia a partir de março de 2020. Objetivo: Identificar os facilitadores e as barreiras enfrentadas pelos terapeutas ocupacionais ao desempenhar suas atividades durante a pandemia, no ano de 2020, na região metropolitana e na cidade de Curitiba, PR. Especificamente, identificar as reorganizações nas rotinas de trabalhos diários, as adaptações nos ambientes e verificar como influenciaram na saúde e bem estar dos profissionais. Método: Trata-se de uma pesquisa descritiva exploratória de abordagem qualitativa, realizada com 24 profissionais que responderam ao questionário estruturado composto por 12 questões referentes a características pessoais do trabalhador e da rotina de trabalho durante a pandemia. Verificou-se que as medidas de reorganização do trabalho e a utilização de equipamentos de proteção foram facilitadores, enquanto, a desinformação e a resistência da população em cumprir as regras de biossegurança e uso de equipamentos de proteção foram barreiras ao desempenho das atividades. Os entrevistados relataram os sentimentos de desespero, medo, incerteza e angústia, bem como, sobrecarga devido à quantidade de cuidados referente ao ambiente de trabalho. Conclusão: Considerando que o terapeuta ocupacional visa estabelecer um cotidiano satisfatório para os sujeitos, ajudando-os a se adaptarem ou se readaptarem ao enfrentamento de doenças, este estudo mostrou-se relevante para refletir sobre a importância da reorganização do cotidiano e das adaptações do ambiente de trabalho, com vistas a minimizar as perdas ocupacionais e suas consequências na saúde e bem estar dos terapeutas ocupacionais.

Palavras-chave: Pandemia, COVID-19, Terapia Ocupacional, Saúde do Trabalhador, Trabalho.

Abstract

COVID-19 is an infectious disease caused by the SARS-CoV-2 virus, declared a public health emergency by the WHO and which became a pandemic since March 2020. The objective of this study was to identify the facilitators and barriers faced by occupational therapists when performing their activities during the pandemic, in the year 2020, in the metropolitan region and in the city of Curitiba, PR. Specifically, to identify the reorganizations in the daily work routines, the adaptations in the environments and to verify how they influenced the health and quality of life of 24 professionals who answered the structured interviews. It was verified that the work reorganization measures and the use of protection equipment were facilitators, while the population’s misinformation and resistance to comply with biosafety rules and the use of protection equipment were barriers to the performance of activities. The interviewees reported feelings of despair, fear, uncertainty and anguish, as well as an overload due to the amount of care related to the work environment. Considering that the occupational therapist aims at establishing a satisfactory daily life for the subjects, helping them to adapt or readapt to face diseases, this study was important to reflect on the importance of reorganizing the daily life and adaptations in the work environment, in order to minimize occupational losses and their consequences on the health and quality of life of the occupational therapists themselves.

INTRODUÇÃO

A COVID-19 é uma doença infecciosa causada por um novo tipo de coronavírus (SARS-CoV-2), os principais sintomas são febre, fadiga e tosse seca. Os primeiros registros da doença surgiram em 2019, porém a identificação do patógeno e as consequências dessa infecção só ocorreram em 2020 (OPAS, 2020). A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a COVID-19 uma emergência de saúde pública de interesse internacional e a mesma tornou-se uma pandemia, em 11 de março de 2020, após 167 dias de seu início. Foram contabilizados mais de 4,7 milhões de casos e 314 mil mortes foram confirmadas em 188 países. (MOTA; FERREIRA; LEAL, 2020). Atualmente, no Brasil, foram contabilizadas mais de 685 mil mortes por COVID-19 desde o início da pandemia (BRASIL, 2022). 

Inicialmente, o isolamento social, adotado como medida de mitigação de danos oriundos da pandemia, rompeu nossas rotinas e trabalhos diários. Esse rompimento de papéis somado com o isolamento social provocou uma queda de 53% no bem-estar mental dos brasileiros (OLIVEIRA et al., 2020). Além do isolamento social, outras medidas de proteção, individuais e coletivas, foram necessárias para manter aquelas atividades consideradas essenciais e posteriormente, permitir a realização de atividades pelos indivíduos. As atividades que realizamos diariamente são fundamentais para a produtividade humana, estruturam a participação ocupacional dos indivíduos e ajudam a organizar os comportamentos produtivos, fornecendo uma identidade pessoal, conferindo, organizando o seu tempo e inserindo o indivíduo no âmbito social (KIELHOFNER, 2009).

O conceito de ocupação, embora haja muitas definições, vem sendo construído como um termo geral, levando em consideração que dá significado e sentido à vida, e insere na ocupação diversas atividades que as pessoas realizam no cotidiano, independentemente daquelas destinadas a si, sua família e sua comunidade (FIGUEIREDO et al., 2020).

Para Dejours (2004), o trabalho não é apenas uma atividade, é também uma forma de relações sociais. O autor afirma que o trabalho impulsiona processos de subjetivação, a realização de si mesmo e a construção da saúde. O trabalho pode ser compreendido como uma base para construção da identidade dos indivíduos, por meio dele as pessoas se colocam socialmente, e constroem saber, desenvolvem redes (2009). Portanto, considerar a importância do trabalho e a sua influência em todos os âmbitos do viver do sujeito é fundamental (DEJOURS, 1987).

Os papéis ocupacionais são utilizados para identificar as atividades relacionadas com as ocupações com as quais o sujeito está envolvido. Tais papéis formam a identidade dos indivíduos e reforçam suas crenças, assim como os estereótipos e padrões de envolvimento (AOTA, 2015). Quando consideramos o período da pandemia, as novas formas de relacionamento, vínculo e organização do trabalho alteraram as ocupações e consequentemente os papéis ocupacionais de todos. A Associação Brasileira de Terapeutas Ocupacionais (ABRATO) se manifestou diante do cenário pandêmico afirmando suas contribuições e declarando a presença de terapeutas ocupacionais na linha de frente do combate ao Coronavírus no Sistema Único de Saúde (SUS), no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), no sistema privado de saúde, em instituições do terceiro setor, em projetos sócios sanitários e também em projetos culturais e humanitários (Associação Brasileira de Terapeutas Ocupacionais, 2020). 

Nesse contexto, o terapeuta ocupacional está sendo requisitado em ambientes de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), onde avalia o nível de independência funcional, grau de força muscular e treinos de AVDs, as intervenções aplicadas contribuem para redução do tempo de internação, melhora das habilidades de desempenho e da funcionalidade, participação em atividades significativas e aceleração do processo de retorno às atividades pré-morbidade (FALCÃO et al., 2020). 

A terapia ocupacional no âmbito da saúde do trabalhador busca compreender na prática as ocupações, atividade humana e o trabalho, promove a saúde, tornando assim o trabalho prazeroso, através de seu desempenho, possibilitando a sua participação ativa no processo de compreensão dos fatores que possam conduzir ao adoecimento pelo exercício da profissão, também insere no mundo do trabalho os indivíduos que apresentam limitações em seu desempenho funcional decorrentes de diversas condições patológicas que interferem em suas atividades do cotidiano, na perspectiva do direito à saúde e participação social como elemento essencial para a recuperação da saúde ocupacional (CREFITO1, 2016).

Assim, o objetivo desse estudo foi identificar os facilitadores e as barreiras enfrentadas pelos terapeutas ocupacionais ao desempenhar suas atividades de trabalho durante a pandemia. Especificamente, identificar as reorganizações nas rotinas de trabalho diários, as adaptações nos ambientes de trabalho e verificar como influenciaram na saúde e bem estar desses profissionais.

MATERIAIS E MÉTODOS

Tratou-se de relato de experiência da disciplina de Processos de Terapia Ocupacional do Curso e Terapia ocupacional da Universidade Federal do Paraná – UFPR, onde os estudantes aplicaram questionários com terapeutas ocupacionais que trabalharam durante a pandemia do COVID – 19. 

O estudo integrou o projeto de pesquisa ‘Interface Trabalho e Saúde do Trabalhador’, apreciado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Setor de Ciências da Saúde da Universidade Federal do Paraná em 13 de agosto de 2019, sob o parecer 3.504.013.

Os questionários foram aplicados em fevereiro de 2021, por meio de um questionário online, com 24 terapeutas ocupacionais que atuaram durante a pandemia do COVID-19, no ano de 2020, na região metropolitana e na cidade de Curitiba, PR. 

O questionário foi composto por 12 questões referentes a características pessoais do trabalhador e da rotina de trabalho durante a pandemia, tais como: Descrição do perfil pessoal: nome, idade, gênero, presença de comorbidades elencadas como fatores de risco para o agravamento da contaminação pelo SarsCov-2, condição de moradia e idade das pessoas de convivência domiciliar. Descrição do perfil ocupacional: local de atuação, número de vínculos empregatícios, tempo de atuação no atual trabalho e público-alvo, atividades desenvolvidas, medidas de proteção que foram disponibilizadas e implementadas, mudanças que ocorreram no espaço físico de trabalho, principais alterações na sua rotina de trabalho, cuidados que o trabalhador teve em sua vida familiar (convivência em residência comum) devido à exposição no trabalho. 

Os trabalhadores foram indagados também sobre seus sentimentos durante o trabalho nesse período pandêmico, se os demais funcionários e os clientes seguiram as regras de segurança, e como, na visão deles, o terapeuta ocupacional pôde colaborar, em relação à população atendida, nesse tempo de pandemia? Todos os respondentes participaram voluntariamente e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido – TCLE.

RESULTADOS 

Nesse estudo foram entrevistados 24 terapeutas ocupacionais, destes, 12,5% (3) eram homens e 87,5% (21) mulheres. O entrevistado mais jovem possuía 24 anos e o mais velho 54 anos de idade. As comorbidades elencadas por 16,6% (4) da amostra foram asma, diabetes tipo 1 e doença autoimune (quadro 1).

SexoMasculino (%)3, (12,5%)
Feminino (%)21, (87,5%)
IdadeMédia25,33
Mínimo-máximo24-54
ComorbidadesTotal de pessoas em (%)4, (16,6%)
Não possuem em (%)20, (83,3%)

Quadro 1 – Característica da Amostra.

Segundo o gráfico 1, apenas 8% (2) dos terapeutas ocupacionais residiam só. Já, 34% (8) dividiam a residência com 1 pessoa, 29,2% (7) com duas pessoas e a mesma proporção viviam em companhia de (3) pessoas. Quanto à faixa etária, a maioria dos residentes possuíam mais de 50 anos de idade, de acordo com o gráfico 2.

Os entrevistados trabalhavam em sua maioria, 38,6% (9) em clínicas particulares, 32,3% (7) em hospitais, 19,4% (4) em Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), 3,2% (1) em instituições (por exemplo: casas de apoio, instituições de longa permanência) e 6,4% (2) relataram realizar atendimentos domiciliares (gráfico 3). 

Gráfico 3 – Local de atuação dos terapeutas ocupacionais.

Quanto às atividades desempenhadas, 65% (15) dos terapeutas ocupacionais relatam que realizavam atendimentos individuais, 23% (5) atendimentos grupais-oficinas, 6% (2) visitas domiciliares e docência e 6% (2) atividades administrativas, de acordo com o gráfico 4.

Gráfico 4 – Atividades que os profissionais mais desenvolveram durante o período de pandemia.

O gráfico 5 apresenta o público alvo das intervenções realizadas pelos entrevistados no momento de pandemia, onde em sua grande maioria as intervenções eram focadas no público infantil com 47% (11), 23% (5) em adultos, 15% (3) em idosos e 3% (1) na família em geral.

Gráfico 5 – Público alvo das intervenções realizadas pelos profissionais.

Referente ao número de vínculos empregatícios que os terapeutas ocupacionais mantiveram durante o período de pandemia do COVID-19, verificou-se que a maioria dos profissionais manteve 1 vinculo e o restante 2 ou mais (gráfico 6).

Gráfico 6 – Número de vínculos empregatícios dos terapeutas ocupacionais.

De acordo com o gráfico 7, o setor público concentrou 47% (11) dos terapeutas ocupacionais  da amostra do estudo que permaneceram trabalhando durante a pandemia, 33% (8) eram trabalhadores autônomos e 20% (4) atuavam no setor privado. 

Gráfico 7 – Setor de atuação/trabalho dos terapeutas ocupacionais.

De acordo com os entrevistados, 92% (22) relataram que haviam ocorrido mudanças em sua rotina laboral em decorrência da pandemia, sendo necessária a implantação de algumas medidas de proteção no ambiente de trabalho, para que os atendimentos continuassem sendo realizados e 8% (2) não registraram suas respostas (gráfico 8).

Gráfico 8 – Mudanças na forma de trabalho durante a pandemia.

Ainda em relação às mudanças ocorridas no ambiente de trabalho, o gráfico 9 apresenta as principais ações que os profissionais e as instituições de trabalho adotaram para manter a segurança nos atendimentos: 83% (19) dos entrevistados relataram uso de EPI’s, como máscara, jaleco e luva; 13% (3) adotaram medidas rigorosas de proteção, como face shield, proteção para sapatos, toucas e jalecos descartáveis e 4% (1) relatou interrupção das atividades. 

Gráfico 9 – Medidas de proteção tomadas pelos terapeutas ocupacionais e locais  de trabalho com relação ao COVID-19.

Estendendo esse cuidado até suas residências, os profissionais demonstraram que os cuidados também eram tomados em sua vida familiar, 66,6% (16) ao chegar em casa relataram tirar os sapatos e roupas infectadas para higienização, 25% (6) cumpriram o isolamento social, só saindo para necessidades básicas e 8,3% (2) não mantiveram contato com a família durante este período (gráfico 10).

Gráfico 10 – Cuidados que os profissionais tiveram consigo, e com familiares para evitar contaminação.

Segundo o gráfico 11, 87,5% (21) profissionais afirmaram ter seguido plenamente as médias de segurança implementadas nos locais de trabalho, e 12,5% (3) relataram atender as normas parcialmente.

Gráfico 11 – Cumprimento de regras e medidas de segurança adotadas durante a pandemia.

Em relação às principais alterações na rotina de trabalho, 24 dos profissionais entrevistados relataram o modo de abordar o paciente, o uso de máscaras durante os atendimentos, a redução do escopo de atividades à possibilidade de utilização de materiais desinfectáveis, a redução no número de atendimentos diários e a suspensão das atividades em grupos. 

Já 2 profissionais relatam a mudança na modalidade das aulas para a forma on-line, as reuniões de equipe foram realizadas a distância em alguns locais e em outros em salão amplo respeitando o distanciamento social, horários específicos foram implantados para o uso de refeitórios, ambientes foram arejados, disponibilização de máscara e álcool em gel aos trabalhadores e pacientes. Houve escalonamento de horários entre os profissionais (por exemplo, por especialidade) para minimizar exposição ao transporte público, higienização dos materiais e troca dos EPI’s. As demonstrações de carinho foram evitadas, modificação de estratégias para trabalhar habilidades sociais e em grupo.

De acordo com os questionários, os 24 terapeutas ocupacionais relatam seu auxílio durante a pandemia, no tratamento de casos de COVID-19 em UTI e enfermarias, o profissional foi solicitado para trabalhar principalmente com a comunicação alternativa, que é uma intervenção importante para estes pacientes. 

Muitos pacientes apresentavam disfunções físicas e mentais sequelas da COVID-19, que demandam atenção a médio e longo prazo. Assim, os profissionais precisaram se preparar para atender essa população, inserindo-se nas equipes de reabilitação, trabalhando com educação, orientações para os cuidados de prevenção, praticar a escuta qualificada e orientar novas rotinas.

DISCUSSÃO 

A pandemia afetou o dia a dia de todos e, consequentemente, afetou os papéis ocupacionais, ocupações e o bem estar dos terapeutas ocupacionais, que após período de isolamento, mantiveram-se trabalhando em diversos locais, enfrentando barreiras e facilitadores na realização de suas atividades. 

Considerando que o bem estar nesse contexto é entendido na perspectiva do bem estar subjetivo que é verificado através da percepção dos afetos positivos e negativos, das satisfações com a vida dos quais revelam felicidade (SIQUEIRA & PADOVAM, 2008) e tendo em vista sua atividade de trabalho habitual, bem como, sua atuação na linha de frente no combate à COVID-19, para que pudessem continuar a exercer seu trabalho nas diferentes áreas e locais, tornou-se necessário, um conjunto de medidas organizacionais, bem como a adoção de equipamentos de proteção individual (EPIs), que os mantivessem seguros para executar suas atividades. 

Entre os materiais necessários destacaram-se as máscaras tanto para os profissionais de saúde quanto para os usuários e acompanhantes, que funcionaram como uma barreira física para a liberação de gotículas no ar quando há tosse, espirros e até mesmo durante conversas que são comuns em atendimentos de saúde; a reorganização na rotina, que envolveu a diminuição do número de atendimentos e do número de pessoas por atendimento, evitando um maior tempo de exposição a possíveis contaminados; a diminuição de fluxo de pessoas circulando no interior das clinicas, somado às restrições de acesso e ao contingenciamento da COVID-19; a implantação de distanciamento social, uma estratégia importante quando há indivíduos infectados, porém, ainda assintomáticos; mudança nos horários de atendimento visando o melhor horário para os trabalhadores que utilizavam transporte público, uma vez que limitar o contato próximo entre pessoas infectadas e outras pessoas é importante para reduzir as chances de transmissão. 

Posteriormente às entrevistas realizadas, ocorreu a vacinação dos profissionais de saúde, dos indivíduos pertencentes aos grupos de risco e da população em geral que, assim como as medidas acima elencadas, se configurou como facilitador à manutenção dos atendimentos em terapia ocupacional, uma vez que são profissionais de saúde de primeiro contato, que atuam em hospitais, clínicas, atendimento domiciliar, entre outros. Portanto se fez necessário a continuidade, manutenção e implementação do cuidado para que a transmissão e o contágio pelo vírus fosse minimizado visando a continuidade das atividades. 

É um período difícil, mas as adaptações acabam ajudando e com a colaboração dos profissionais, pais e pacientes ficou mais fácil. (É. F., 41 anos).

Inicialmente, insegura devido às incertezas, ao desconhecimento acerca do comportamento do vírus e, grandemente, ao terrorismo das mídias e “fake news”. Conforme a ciência foi nos mostrando as formas de prevenção e de organização do atendimento hospitalar, me sentia mais segura no hospital do que em outros lugares, pois sabia dos cuidados que todos estavam tomando em prol de si mesmos, suas famílias, dos pacientes e da comunidade em geral. (D. S., 37 anos).

Existiram várias barreiras que interferiram negativamente no trabalho durante a pandemia de COVID-19, como por exemplo, a inexistência de reuniões periódicas e falta de suporte e feedback para a equipe e familiares; a sobreposição de tarefas e sobrecarga de trabalho dos profissionais; divisão das equipes; a não compreensão da proposta do trabalho em equipe e em nível reduzido de satisfação, confiança, entusiasmo e energia; o número insuficiente de equipamentos de proteção individual (EPI). Além disso, a desinformação ocorrida no início da pandemia, com informações falsas ou contraditórias advindas do acesso global à Internet e das mídias sociais gerou resistência da população a seguir as regras do uso de máscaras ou fazer uso correto da mesma, e isso foi um fator apontado como gerador de estresse.

Inicialmente me sentia assustada, em dados momentos sobrecarregada pelo afastamento de saúde de colegas e frustrada, pela perda de qualidade nos atendimentos com a restrição dos atendimentos em longo prazo. (N. S., 31 anos).

Continua sendo difícil, a questão de você ter que se preocupar com o tempo que você vai despender para higienizar os materiais, limpar a criança, a mãozinha dela, para tirar o sapato na hora de entrar, e colocar na hora de sair, e não eram coisas que precisavam ser feita e agora é regra, para entrar na sala é obrigatório fazer isso, é um ritual novo que a gente tem que seguir, e também a preparação do meu trabalho que agora não é só chegar e atender, tenho que chegar um pouco antes pois tenho que pôr o jaleco, luva, etc. (G. G., 24 anos). 

Vale destacar que os profissionais que tinham exposição direta aos pacientes infectados, estavam propensos a sofrer grande estresse ao atender esses pacientes, alguns em situação grave, em condições de trabalho desajustadas (TEIXEIRA et al., 2020).

Além disso, devido à nova reorganização por conta da pandemia, sentiam-se sobrecarregados pela quantidade de cuidados referente ao ambiente de trabalho como cuidados com a vestimenta e desinfecção de materiais e equipamento de proteção individual (EPI). Relataram também que a nova rotina desencadeou exaustão, que é muito maior devido à preocupação constante e medo de contaminação e acabar levando o vírus para casa, onde familiares do grupo de risco poderiam ser prejudicados.

Acho que como todos os profissionais da saúde, com medo pelos familiares e pela própria saúde. Muitas vezes frustrada por deixar de realizar projetos já iniciados. (C. O., 40 anos).

Ser TO em análise do comportamento já é cansativo, mas com a nova rotina devido à pandemia o estresse diário é muito maior devido ao aumento de cuidados com materiais, a preocupação constante e medo de contaminação, assim como, em caso de positivo para covid, passar para pacientes e meus familiares. Sem contar que muitas atividades de lazer acabam sendo proibidas, gerando um looping de trabalho-casa, casa-trabalho, o que aumenta os desgastes mentais. (L. S., 34 anos).

Com medo de ser infectada e principalmente infectar meu esposo e pais que são do grupo de risco. (C. A., 43 anos).

Quanto ao impacto na saúde e no bem estar, os participantes relataram principalmente os sentimentos relacionados aos afetos negativos, previstos pelo bem estar subjetivo, sendo eles o de desespero, medo, incerteza e angústia. No começo da pandemia, apontaram que foi muito angustiante, devido à falta de informações e a grande quantidade de notícias falsas (“Fake News”) que se espalhavam gerando dúvidas e aumentando o medo de infecção.

No início muita apreensão, medo, ansiedade e estresse, com o passar do tempo, os cuidados se tornaram rotina, porém o sentimento de apreensão ainda permeia nossa rotina, isso causa estresse emocional e cansaço físico. (V. S., 25 anos).

No geral, principalmente no início, percebo que uma angústia e ansiedade (natural por toda aquela situação) tomaram conta da maioria senão todos os profissionais que atuavam no hospital. Como ninguém sabia exatamente como as coisas aconteciam ou quanto tempo durariam, estávamos todos com muito medo. Depois da campanha de vacinação para os profissionais, isso diminuiu, e hoje, mesmo com o alto número de casos, mortes e cada vez mais setores de COVID sendo criados dentro do HC, apesar de ainda haver a angústia/ansiedade, acredito que o processo de trabalho e até mesmo, infelizmente, toda a situação da pandemia tenha sido “normalizada”, como se o trabalho agora estivesse mais “robotizado”. Depois de tanto tempo vivendo dias tão intensos ali dentro, vivenciando de perto, o esgotamento físico e emocional também se faz mais presente. (C. V., 25 anos).

Boa parte dele angustiado. (I. O., 34 anos). 

Ansiosa. Receio. Medo de errar em alguma das medidas preventivas, protetivas. Houve caso de atender o paciente e um dia depois confirmar que estava com COVID. (A. A., 26 anos).

Diante disso, a Federação Mundial de Terapeutas Ocupacionais (WFOT) publicou uma nota nomeada “Resposta de terapeutas ocupacionais à pandemia de COVID-19”, onde reconhece os impactos desse fenômeno na realização das atividades de vida diária (AVDs) das pessoas, no âmbito do acesso a recursos, comunicação, mobilidade, saúde mental e bem-estar e afirmou o compromisso profissional junto ao desenvolvimento de estratégias que contribuam para a diminuição dos impactos da doença e assim possibilitem acesso às atividades necessárias e significativas dos sujeitos e grupos (FARIAS, 2021). 

A pandemia afetou o dia a dia de todos e, consequentemente, afetou os papéis ocupacionais e ocupações. Os terapeutas ocupacionais, por meio de avaliações e orientações para adaptações nos objetos, avaliando o desempenho ocupacional, fazendo treinos de AVDs e AIVDs (autocuidado, comunicação, lazer, atividades domésticas, entre outras) e atendendo as demandas do cotidiano (FALCÃO et al., 2020) tiveram ação significativa. 

Outro âmbito que está em destaque é a saúde mental, estudos demonstraram que após o início do isolamento social, grande parte da população teve sinais de adoecimento e o terapeuta ocupacional atuou também nesse cenário (FALCÃO et al., 2020).

Assim, os profissionais desempenharam um papel fundamental no período pandêmico da COVID-19, levando em consideração o preocupante processo de paralisação e adversidades que ela tem provocado na vida cotidiana de toda a população global durante o período de quarentena domiciliar (apud NIYAMA et al., 2020).

Acredito que como a maioria das pessoas, não está sendo um período muito fácil, pois muitos colegas se contaminaram, alguns evoluíram para óbito. Porém entendo nossa profissão como um serviço essencial em tempos de pandemia (apesar de ser reconhecido há pouco tempo como tal.). Tenho visto que às vezes alguns ganhos que demoram meses ou até mesmo anos, principalmente com pacientes neurológicos, se perdem em questão de dias se não houver um cuidado para manter a intervenção. Acredito ser fundamental tornar o atendimento terapêutico ocupacional como essencial, pois os pacientes têm suas necessidades e elas não vão cessar em virtude da pandemia, sem contar as necessidades geradas pela própria pandemia, um exemplo que tenho vivenciado no meu dia a dia, são os pacientes em atendimento no pós Covid. Ao mesmo tempo temos que ter as devidas precauções nesse cenário incomum. (R. K., 43 anos).

Me sinto sobrecarregada pela quantidade de crianças, de cuidados e o medo de  provocar algo nas crianças. Também existe a carga estressante e angustiante de cuidado com a família. Mas ao mesmo tempo me sinto contribuindo bastante com as crianças e as famílias, uma vez que a pandemia impactou diretamente na rotina. (A. S., 24 anos).

Os terapeutas ocupacionais devem, portanto, preparar-se também para o atendimento de pacientes na fase aguda da doença e para o processo de recuperação após a alta e pós-pandemia a médio e longo prazo. O profissional pode atender pacientes positivos para COVID-19 e seus familiares em diferentes níveis de atenção à saúde, desde o diagnóstico até a internação e durante a recuperação, focando na ressignificação da vida durante todo o processo de tratamento, incluindo o uso de novas tecnologias e as mudanças na vida ocupacional após a hospitalização e no pós-pandemia (PRADO et al., 2020).

Ressalta-se a necessidade da manutenção das medidas protetivas ao combate da COVID-19, que são consideradas como facilitadores para a permanência do trabalho dos terapeutas ocupacionais, visando minimizar o risco de contágio e transmissão da doença (COFFITO, 2020).

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Com base nas reflexões deste estudo, foi possível identificar os facilitadores e as barreiras enfrentadas pelos terapeutas ocupacionais ao desempenhar suas atividades durante a pandemia, identificando as reorganizações necessárias nas rotinas de trabalho, as adaptações nos ambientes e como isso influenciou na saúde e bem estar desses terapeutas ocupacionais. Considerando que o terapeuta ocupacional visa estabelecer um cotidiano satisfatório para os sujeitos, ajudando-os a se adaptarem ou se readaptarem ao enfrentamento de doenças (mentais, físicas, sociais), este estudo mostrou-se importante para refletir sobre a reorganização do cotidiano e das adaptações do ambiente de trabalho, com vistas a minimizar as perdas ocupacionais e suas consequências na saúde e bem estar dos terapeutas ocupacionais durante o período de pandemia. 

REFERÊNCIAS

American Occupational Therapy Association – AOTA. (2015). Estrutura da prática da Terapia Ocupacional: domínio & processo. 3ª ed. traduzida. Recuperado em: 02 de novembro de 2021, de https://www.revistas.usp.br/rto/article/view/97496

Associação Brasileira de Terapeutas Ocupacionais – ABRATO. (2020). Recife. Recuperado em: 01 de novembro de 2021, de https://www.facebook.com/abratonacional/

Brasil, N. (2022). Novo Brasil: coronavírus painel de controle. Recuperado em 28 de abril de 2022, de https://covid.saude.gov.br/

Curitiba. (2022). Imuniza já Curitiba. Recuperado em: 07 de abril de 2022, de https://imunizaja.curitiba.pr.gov.br/PainelCovid/

Coffito. (2020). Biossegurança para Fisioterapeutas e Terapeutas Ocupacionais em Tempos de COVID-19. Recuperado em 22 de abril de 2022, de https://coffito.gov.br/campanha/coronavirus/files/Cartilha-coffito_compressed.pdf

Crefito1. (2016). Terapia Ocupacional em Saúde do Trabalhador. Recuperado em 23 de maio de 2022, de https://www.crefito1.org.br/imagens/revistas/CARTILHA-TO_WEB-terapia-ocupacional-em-saude-trabalhador-2016.pdf

Dejours, C. (2004). Subjetividade, trabalho e ação. Recuperado em: 12 de novembro de 2021, de https://www.scielo.br/j/prod/a/V76xtc8NmkqdWHd6sh7Jsmq/?format=pdf&lang=pt

Dejours, C. (2009). Entre o desespero e a esperança: como reencantar o trabalho?, n. 139, (pp. 49-53) São Paulo: CULT. 

Dejours, C. (1987). A Loucura do Trabalho: Estudo de Psicopatologia do Trabalho. Săo Paulo: Cortez. Recuperado em: 21 de novembro de 2021, de https://taymarillack.files.wordpress.com/2018/03/359097901-a-loucura-do-trabalho-estudo-de-psicopatologia-do-trabalho-christophe-dejours-pdf.pdf

Figueiredo, M.; Gomes, L.; Silva, C.; Martinez, C. (2020). A Ocupação e a Atividade Humana em Terapia Ocupacional: revisão de escopo na literatura nacional. Recuperado em: 05 de novembro de 2021, de https://www.scielo.br/j/cadbto/a/sXSKBj6ZhcB8XhyFKrvfLhm/?format=html 

Farias, M; Jaime, D. (2021). Vulnerabilidade Social e COVID-19: considerações a partir da terapia ocupacional social. Recuperado em: 26 de junho de 2021, de https://www.scielo.br/j/cadbto/a/ykWBT9zDyjPvV5DmRGV8vdw/?lang=pt.

Falcão, I.; Jucá, A.; Vieira, S.; Alves, C. (2020). A Terapia Ocupacional na Atenção Primária a Saúde: reinventando ações no cotidiano frente às alterações provocadas pelo COVID-19. Recuperado em: 15 de novembro de 2021, de https://revistas.ufrj.br/index.php/ribto/article/view/34454.

Kielhofner. (2009).  Modelo de Ocupação Humana: teoria e aplicação. Recuperado em: 24 de junho de 2021, de https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/01642120802647733.

Mota, D.; Ferreira, P.; Leal, L. (2020). Produção Científica Sobre a COVID-19 no Brasil: uma revisão de escopo. Recuperado em: 31 de maio de 2021, de https://visaemdebate.incqs.fiocruz.br/index.php/visaemdebate/article/view/1599/115. 

Ministério da Saúde. (2021). Comorbidades: saúde orienta vacinação contra a covid-19 por idade. Recuperado em: 08 de abril de 2022, de https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/comorbidades-saude-orienta-vacinacao-contra-a-covid-19-por-idade

Niyama, B. T. et al. (2020). Telemonitoramento Durante a Pandemia COVID-19 Realizado por Estudantes de Terapia Ocupacional: relato de experiência didáticoassistencial. São Paulo. Recuperado em: 03 de junho de 2021, de https://revistas.pucsp.br/kairos/article/view/51776.

Opas. (2020). Folha Informativa Sobre COVID-19. Recuperado em: 24 de junho de 2021, de https://www.paho.org/pt/topicos/coronavirus/doenca-causada-pelo-novo-coronavirus-COVID-19. 

Oliveira, W.; Duarte, E.; França, G.; Garcia.; L. (2020). Como o Brasil Pode Deter a COVID-19. Recuperado em: 04 de novembro de 2021, de https://www.scielo.br/j/ress/a/KYNSHRcc8MdQcZHgZzVChKd/?lang=pt. 

Prado, M. M. et al. (2020). Diretrizes para a Assistência da Terapia Ocupacional na Pandemia da COVID-19 e Perspectivas Pós-pandemia. UnB. Recuperado em: 12 de fevereiro de 2022, de https://repositorio.unb.br/bitstream/10482/39720/1/ARTIGO_DiretrizesAssistenciaTerapia.pdf. 

Teixeira, C. F. S. et al. (2020). A Saúde dos Profissionais de Saúde no Enfrentamento da Pandemia de COVID-19. Recuperado em 21 de abril de 2022, de https://www.scielo.br/j/csc/a/6J6vP5KJZyy7Nn45m3Vfypx/?lang=pt

Siqueira, M. M. M. & Padovam, V. A. R. Bases Teóricas de Bem-Estar Subjetivo, Bem-Estar Psicológico e Bem-Estar no Trabalho. Psicologia: Teoria e Pesquisa 2008, Vol. 24 n. 2, pp. 201-209. 


1Estudante De Terapia Ocupacional, Discente Da Disciplina De Processos De Terapia Ocupacional Em Saúde Do Trabalhador E Autor De Trabalho De Conclusão De Curso. Ufpr, Curitiba/Pr
2Pós-Doutora Em Ciências Sociais. Professora Da Disciplina Processos De Terapia Ocupacional Em Saúde Do Trabalhador. Docente Do Departamento De Terapia Ocupacional Da Ufpr, Curitiba/Pr
3Doutorado. Professor Associado Iii. Orientadora Do Trabalho De Conclusão De Curso E Professora Da Disciplina Processos De Terapia Ocupacional Em Saúde Do Trabalhador. Ufpr, Curitiba/Pr