CORRENDO COM CONFIANÇA: FATORES ASSOCIADOS À PERDA URINÁRIA EM ATLETAS CORREDORES DE RUA RECREACIONAIS

RUNNING WITH CONFIDENCE: FACTORS ASSOCIATED WITH URINARY LOSS IN RECREATIONAL RUNNING ATHLETES

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10999871


Joane Severo Ribeiro1
Cristiane Bündchen2
Priscila da Trindade Flores3
Alessandra Peres4
Melissa Medeiros Braz5


RESUMO:

Objetivo: Compreender os fatores associados às perdas urinárias em atletas corredores de rua recreacionais. Método: Estudo transversal analítico, realizado com corredores de rua de ambos os sexos. Foi aplicado um questionário online de anamnese com informações gerais do indivíduo, sua saúde e sobre a prática de corrida, assim como o International Consultation on Incontinence Questionnaire – Short Form (ICIQ-SF) para investigar as perdas urinárias e seu impacto sobre a qualidade de vida. Foi realizado teste de Shapiro-Wilk para normalidade dos dados, e teste T de Student ou U de Mann-Whitney para comparar os grupos sem nenhum ou com algum impacto da IU. Para as comparações múltiplas utilizou-se ANOVA com teste de Tukey ou Kruskal-Wallis. Resultados: Amostra constituída de 42 atletas, 35±8,8 anos e IMC 23,12±2,61 Kg/m2. Não houve relação entre as variáveis de treino e IU na amostra geral, entretanto no grupo de atletas que refere IU verificou-se associação positiva entre o tempo de prática e perdas urinárias, em praticantes por mais de 6 anos (p =0,014). Também foi observada uma associação entre idade e tipo de perda urinária nos atletas com IU (< 35 anos associação com IUU e > 35 anos com IUE). Conclusão: Dentre os corredores de rua recreacionais a IU esteve associada ao tempo de prática (superior a 6 anos), independente do sexo. A IUU esteve associada a idade inferior a 35 anos, enquanto a IUE superior a 35 anos. Evidencia-se a importância da prática de exercícios de alto impacto com acompanhamento profissional.

Palavras-chave: Incontinência urinária, Corrida, Treino de corrida.

ABSTRACT

Objective: To understand the factors associated with urinary leakage in recreational street runner athletes. Methods: An analytical cross-sectional study was carried out with recreational street running athletes of both genres. An online anamnesis questionnaire was applied with the individual’s information regarding health and running practice. The International Consultation on Incontinence Questionnaire – Short Form (ICIQ-SF) investigated urinary losses and their impact on the athletes’ lives. Results: The sample consisted of 42 athletes, aged 35±8.8 years, BMI 23.12±2.61 Kg/m2. The Shapiro-Wilk test was performed for data normality, and the Student’s T or Mann-Whitney U test was used to compare the groups with no or some impact of UI. The ANOVA with Tukey’s test or Kruskal-Wallis verified that there is no relationship between the road-running training variables and complaints of UI in the general sample. However, there is a positive association between the time of practice and urinary losses in practitioners of more than 6 years, p =0.014. The Chi-square test verified the association between gender, age, BMI, training time, volume, and duration with complaints of urinary loss and found no association between running and UI in the general group. However, there was an association between age and the type of urinary loss in athletes with UI in the general group. Conclusion: Among recreational street runners, UI was associated with time spent practicing. UUI was associated with being under 35 years of age, while SUI was associated with being over 35 years of age. 

Keywords: Urinary incontinence, Running, Endurance training.

INTRODUÇÃO

A incontinência urinária (IU), ou perda involuntária de urina, em atletas é uma disfunção mais comum do que se pode imaginar, principalmente nos praticantes de esportes de alto impacto, como ginástica, vôlei, levantamento de peso e corrida1-4. É importante salientar, que em algumas práticas esportivas, certos tipos de exercícios físicos mais intensos, como saltos ou corrida, desencadeiam um aumento da pressão intra-abdominal (PIA) e das forças de reação do solo sobre os músculos do assoalho pélvico (MAP), podendo iniciar ou piorar os sintomas de IU, especialmente em indivíduos que já apresentam disfunções dos MAP4-6.

O alto impacto provoca o aumento da PIA, a qual aumenta a pressão das estruturas da cavidade abdominal e pélvica exercida sobre os MAP sobrecarregando-os, assim como a todas as estruturas de suporte do assoalho pélvico (AP) (fáscias, ligamentos, nervos)2,6. Ademais, a força de reação do solo exercida sobre o corpo durante o contato dos pés com o solo (isto é: força peso multiplicada pela massa e pela aceleração) é transmitida para o assoalho pélvico. Ou seja, tanto a PIA quanto a força de reação do solo, de forma contínua e repetida, devido ao impacto gerado pela corrida e exercícios de alto impacto, podem desencadear uma sobrecarga significativa sobre os MAP, ocasionando enfraquecimento ou lesões dessas estruturas, propiciando disfunções do AP, como a IU2,7,8.

Em virtude disso, a incontinência urinária de esforço (IUE) é a mais frequente em atletas, visto que ocorre quando há perda involuntária de urina durante atividades que aumentem a PIA, como correr, saltar, tossir e espirrar. Estudos mostram que a prática de esportes de alto impacto, está associada a um maior risco de desenvolver IUE em atletas, especialmente mulheres2,8. Essa predisposição feminina dá-se pelas diferenças anatomofisiológicas, como a presença de útero, uma uretra mais curta, influências hormonais, efeitos de gestação e parto9.

Importante ressaltar que, as perdas urinárias podem ter um impacto relevante na qualidade de vida (QV) de praticantes de esportes de alto impacto, como a corrida. A IU pode ser significativamente perturbadora, visto que pode afetar no desempenho esportivo, restringindo a participação em esportes de alto impacto ou mais vigorosos. Além da restrição em exercícios, pode desencadear desconforto e constrangimento, impacto psicológico e social, assim como risco de lesões por modificações nos padrões de movimento para evitar escapes de urina10,11.

O impacto do exercício físico sobre a IU pode apresentar muitas particularidades, pois dependerá do tipo praticado, da intensidade, do volume de treino, bem como das características do seu praticante, como sexo, idade, IMC e condições gerais de saúde13.  No entanto, a influência dessas variáveis sobre a IU ainda são controversas. Estudos2,5-7 demonstram que a prática de exercícios físicos, particularmente os de baixo impacto como a caminhada, parece diminuir o risco de IU, enquanto a falta de exercícios aumenta as chances de desenvolver IU. No entanto, para os exercícios de alto impacto, o tempo e o volume do treino ainda são pouco investigados.

A busca pela prática de exercício físico, como uma busca pelo bem-estar e saúde, especialmente a corrida, evidencia-se pelo número de participantes nas maiores provas de corrida do país14. Com essa crescente na prática de corrida de rua, não só no Brasil, mas a nível mundial, o presente estudo buscou compreender a influência da prática de corrida de rua, de forma recreacional, nas perdas urinárias de atletas recreacionais.

MÉTODOS

Estudo transversal analítico, realizado com atletas recreacionais de corrida de rua, no período de setembro de 2022 a junho de 2023 na cidade de Porto Alegre. Todos os participantes assinaram o  termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e responderam de forma online, através do google forms, um questionário de anamnese composto por questões de dados gerais dos indivíduos como nome, data de nascimento, estatura, massa, patologias diagnosticadas, histórico de lesões, informações sobre a prática de corrida, e o International Consultation on Incontinence Questionnaire – Short Form (ICIQ-SF), validado do Brasil para ambos os gêneros, com 6 questões que visam avaliar a frequência, gravidade  e impacto na qualidade de vida da IU na vida dos indivíduos. O escore geral do ICIQ-SF é obtido pela soma dos escores das questões 3, 4 e 5, quanto maior o escore maior o impacto da IU. A classificação dos escores é dividida em nenhum impacto (0 pontos), leve impacto (1 a 3 pontos), moderado impacto (4 a 6 pontos), grave impacto (7 a 9 pontos) e muito grave impacto (10 ou mais pontos)15.

A questão 4 do ICIQ-SF foi analisada para considerar se o corredor possuía ou não perdas urinárias, bem como a questão que sinaliza os momentos de perda urinária, e para a realização da análise do impacto na QV, avaliou-se apenas o grupo que referiu perda urinária, dividindo-se em 2 grupos: nenhum impacto ou impacto (leve ou mais).

Este estudo obedeceu a Resolução CNS 510/16 e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre – UFCSPA, Brasil (CEP-UFCSPA nº 4.639.842).

Após divulgação de cartaz digital e contato com as assessorias esportivas, foi realizado contato via redes sociais dos atletas e pesquisadores principais, para envio do link dos formulários e agendamento das demais avaliações do presente projeto de pesquisa. Foram incluídos os corredores recreacionais que apresentavam idade entre 18 e 50 anos de ambos os sexos, que praticavam exercício físico de forma contínua há mais de 6 meses e por pelo menos 150 minutos semanais. Não foram incluídos no estudo atletas de elite em qualquer outra modalidade esportiva, que participarem de competições de forma profissional e patrocinada, bem como ter realizado procedimento cirúrgico nos últimos seis meses, gravidez, tabagistas, apresentar doença inflamatória aguda e/ou presença de infeção, estar fazendo uso de anti-inflamatório no momento do estudo e ter tido qualquer tipo de lesão na última semana antes da avaliação.

ANÁLISE ESTATÍSTICA

As análises estatísticas foram conduzidas no programa estatístico SPSS 22.0 (SPSS Inc., IBM, EUA). A normalidade dos dados foi verificada através do teste de Shapiro-Wilk.

Análises descritivas foram expressas por medidas de tendência central e de dispersão: para variáveis quantitativas por médias ± erros padrões das médias (±EPM) ou por medianas (md) e intervalos interquartílicos (IQR, percentis 25 e 75), conforme o teste de normalidade; para variáveis qualitativas por frequências absolutas (n) e relativas (%).

O teste T de Student ou U de Mann-Whitney de amostra independente foram utilizados para realizar a comparação entre os grupos sem nenhum impacto ou com algum impacto da incontinência urinária. E, para as comparações múltiplas, utilizou-se ANOVA com teste de Tukey ou por Kruskal-Wallis. Os testes utilizados foram escolhidos conforme a normalidade dos dados.

Para evidenciar possíveis associações entre variáveis qualitativas de interesse, utilizou-se o teste Exato de Fisher ou Qui-quadrado com análises residuais ajustadas. Um nível de significância de p < 0,05 foi adotado para todas as análises.

RESULTADOS

A seleção da amostra está ilustrada na Figura 1 e foi constituída por 42 atletas, sendo 59,5% do sexo masculino e 40,5% do sexo feminino, 83,3% designam-se da raça branca, 11,9% parda, 2,4% preta e 2,4% amarela. Desses, 12 (28,57%) relataram perdas urinárias, sendo 7 (58,34%) homens e 5 (41,67%) mulheres.

Figura 1: Seleção da amostra. Fonte: autores.

A caracterização da amostra do estudo está descrita na tabela 1, com dados da amostra geral e categorizadas conforme o sexo.

Tabela 1 – Caracterização da amostra geral participantes da pesquisa

Geral(n=42)Homens(n=25)Mulheres(n=17)
p-valor*
MédiaDesvio PadrãoMédiaDesvio PadrãoMédiaDesvio Padrão
Idade (anos)35,008,8034,002,0037,009,000,151
IMC (Kg/m2)23,122,6123,882,4422,090,070,554

p-valor*: teste de Mann-Whitney; n: frequência absoluta; Idade (anos); IMC (massa/altura2). Fonte: autores.

  Não houve diferença estatística, entre os sexos, na idade ou índice de massa corporal. Ambos os sexos eram caracterizados por adultos eutróficos.

A tabela 2 apresenta os dados qualitativos da amostra.

Tabela 2 – Dados qualitativos da amostra geral referentes ao sexo, treino dos atletas e ICIQ-SF. Dados apresentados em frequências absolutas e relativas das informações qualitativas da amostra.

n%
SexoM2559,5%
F1740,5%
Treina corrida quantas vezes por semana?3.002047,62%
4.001535,72%
5.0012,38%
6.0037,13%
7.0024,75%
Duração dos treinos (em média)De 30 min a 1h1228,6%
De 1h a 1h e 30 min2559,5%
De 1h e 30 min a 2h511,9%
Além da corrida, você pratica outra modalidade esportiva?Sim3481,0%
Não819,0%
Faz acompanhamento com assessoria esportiva?Sim3890,5%
Não49,5%
ICIQ-SFNenhum3071,43%
Leve921,43%
Moderado12,38%
Grave12,38%
Muito grave12,38%

n: frequência absoluta; % frequência relativa; M: masculino; F: feminino; min: minutos; h: horas; ICIQ: International Consultation on Incontinence questionnaire. Fonte: autores.

A maior parte dos atletas realizam outra atividade física, sendo as mais citadas a musculação 38,09% (n=16), treino funcional 19,05% (n=8), esportes coletivos 14,28% (n=6) e a natação com 7,14% (n=3), mais de 50% da amostra realiza treino de força associado a prática de corrida de rua. 

Para verificar as associações entre variáveis e o impacto da IU realizou-se o teste Qui-quadrado (X²), identificando-se na amostra geral que nenhuma das variáveis avaliadas tem relação com a queixa de perdas urinárias. Entretanto, buscou-se analisar a associação entre as variáveis e o impacto da IU no grupo de atletas que referiram perdas urinárias na questão 4 do ICIQ-SF, descrita na Tabela 3 abaixo.

Tabela 3: Relação entre variáveis avaliadas e o impacto da IU nos atletas que apresentam perdas urinárias

  NenhumLevep-valor*
  n%n%
Faixa -etáriaMédia+-DP32.2+-8.536.6+-11.20,481
< 35360,0%342,9%1,000
> 35240,0%457,1% 
SexoM480,0%457,1%0,576
F120,0%342,9%
IMC (Kg/m2)Média+-DP22.8+-2.422.3+-2.80,725
Eutrofia480,0%685,7%1,000
Sobrepeso120,0%114,3% 
N360,0%571,4%
Treina quantas vezes por semana(dias)Mediana [IQR]4 [4; 6.5]4 [3; 6]0,403
3 a 5360,0%571,4%1,000
6 a 7240,0%228,6% 
Tempo de prática (anos)Mediana [IQR]4 [3; 6]7 [1.5; 10]0,287
< 3 anos00,0%228,6%0,014
3 a 6 anos5100,0%114,3%
> 6 anos00,0%457,1%
Duração treinos (min)Mediana [IQR]75 [60; 180]65 [56.2; 75.6]0,303
< 90min360,0%6100,0%0,182
>= 90min240,0%00,0%
Volume de treino (Km)Mediana [IQR]40 [28.5; 57.5]40 [30; 45]0,869
< 2500,0%114,3%0,659
 25 a 35240,0%228,6% 
 > 35360,0%457,1% 

n: frequência absoluta; % frequência relativa; p-valor*: Teste T ou U de Mann-Whitney e Teste Qui-Quadrado; DP: desvio padrão; M: masculino; F: feminino; IMC: índice de massa corporal; Kg: quilograma; m: metro; S: sim; N: não; min: minutos; h: horas; Km: quilômetros. Fonte: autores.

Observa-se uma associação significativa entre o tempo de prática de corrida de rua maior que 6 anos e o impacto da IU na QV (p =0,014). Para uma melhor compreensão das características das perdas urinárias nesse grupo de atletas, através da questão 6 (“Quando você perde urina?”), classificou-se as perdas em incontinência urinária de esforço (IUE), incontinência urinária de urgência (IUU) e incontinência urinária mista (IUM), descritas na Tabela 4. Utilizando-se para as comparações múltiplas ANOVA com pós teste de Tukey ou Kruskal-Wallis, e para os resíduos padronizados ajustados o teste de Qui-Quadrado, onde verificou-se uma associação entre o tipo de IU e a idade, atletas menores de 35 anos tem associação com IUU (Adjusted Residual: 2,0) e maiores de 35 anos com IUE (Adjusted Residual:2,9). 

Tabela 4: Relação entre variáveis avaliadas e os diferentes de IU nos atletas que apresentam perdas urinárias

IU
  IUEIUUIUMTotalp-valor*
  n (%)n (%)n (%)n (%)
IdadeMédia+-DP41.3 +- 7.223 +- 2.629.5 +- 2.134.8 +- 100,004
(anos)< 35 anos1 (14.3)3 (100)2 (100)6 (50)0,014
> 35 anos6 (85.7)0 (0)0 (0)6 (50)
SexoF4 (57.1)2 (66.7)2 (100)8 (66.7)0,526
M3 (42.9)1 (33.3)0 (0)4 (33.3)
Peso (Kg)Média+-DP65.6 +- 11.565 +- 8.769.5 +- 2.166.1 +- 9.40,874
IMC (Kg/m2)Média+-DP22.5 +- 2.921.3 +- 1.524.4 +- 1.322.5 +- 2.50,455
Tempo de Prática(anos)< 3a2 (28.6)0 (0)0 (0)2 (16.7)0,393
3 a 6a2 (28.6)2 (66.7)2 (100)6 (50)
>6a3 (42.9)1 (33.3)0 (0)4 (33.3)
Treina quantas vezes na semanaMédia+-DP4.3+-1.65+-15.5+-2.15.5+-2.10,589
(dias)3 a 55 (71.4)2 (66.7)1 (50)8 (66.7)0,852
6 a 72 (28.6)1 (33.3)1 (50)4 (33.3)
Duração treinos (min)< 90min5 (83.3)3 (100)1 (50)9 (81.8)0,361
>= 90min1 (16.7)0 (0)1 (50)2 (18.2)
Volume de treino(Km na semana)Média+-DP44.3+-32.235.7+-7.557.5+-17.757.5+-17.70,254
< 251 (14.3)0 (0)0 (0)1 (8.3)0,646
25 a 353 (42.9)1 (33.3)0 (0)4 (33.3)
> 353 (42.9)2 (66.7)2 (100)7 (58.3)
Escore ICIQ-SFMédia+-DP4+-3.61+-10+-00+-00,159
Nenhum2 (28.6)1 (33.3)2 (100)5 (41.7)0,185
Leve+5 (71.4)2 (66.7)0 (0)7 (58.3) 

IU: incontinência urinária; IUE: incontinência urinária de esforço; IUU: incontinência urinária de urgência; IUM: incontinência urinária mista; n: frequência absoluta; % frequência relativa; DP: desvio padrão; M: masculino; F: feminino; IMC: índice de massa corporal; S: sim; N: não; min: minutos; h: horas; Km: quilômetros; ICIQ: International Consultation on Incontinence questionnaire. Fonte: autores.

Buscou-se mais informações no questionário de anamnese e dados gerais de saúde, além de contato individual com cada atleta a fim de buscar compreender tais resultados dos corredores com queixa de IU. Dentre as informações obtidas, 3 dos atletas relataram apresentar constipação crônica, há mais de 10 anos, além de dores na região pélvica e desconfortos gastrointestinais frequentes, 1 das atletas referem apresentar perdas urinárias desde suas gestações e apresenta doença celíaca, e 1 dos atletas refere episódios de diarreia frequentes em períodos de treinamentos mais intensos pré provas longas (21 Km). Todos referem que as perdas ocorrem mais associadas à prática de exercícios e realização de força.

DISCUSSÃO

No presente estudo, não foi encontrada relação entre as variáveis da prática de corrida recreacional com a IU no grupo geral. Entretanto, no grupo de corredores com perdas urinárias, houve associação entre o tempo de prática de corrida de rua e a IU. 

Silva et al.8 não encontraram associação entre os parâmetros do exercício e a IU. De forma interessante, no estudo de Silva et al.8 a amostra era composta por indivíduos do sexo feminino, mais jovens, com uma mediana de 31 anos, enquanto em nosso grupo predominaram homens com um média de 35 anos. 

Em nosso estudo, foi observada associação entre tipo de IU e idade, sendo a IUE associada a idades superiores a 35 anos e a IUU associada a idades inferiores a 35 anos, independente do sexo. No estudo de Cardoso e colaboradores1, foi utilizado o ICIQ a fim de classificar a perda urinária de uma amostra de 118 mulheres atletas, e foi constatado que 70% apresentaram perdas urinárias em alguma situação. Na modalidade do atletismo, o qual apresenta corrida e saltos, o total de 87,5% das praticantes avaliadas apresentavam IUE ou IU mista (IUM). Silva et al.8 identificou que 25% das mulheres praticantes de exercício recreativo apresentavam IU, sendo mais predominante IUE. Quando busca-se comparar os diferentes sexos, Ferraz et al.16 avaliaram homens e mulheres praticantes de corrida de rua, e identificaram que apenas mulheres relataram perder urina, sendo 95% delas durante atividade de esforço (exercício, tosse ou espirro) e 50% delas há mais de um ano. 

No que diz respeito ao sexo, tanto homens quanto mulheres possuem risco de desenvolver IU, sendo o processo de envelhecimento um fator comum. Os homens apresentam maior incidência de IU após prostatectomia e cirurgias pélvicas, geralmente mais tardiamente17,18, mas segundo Bo e Nygaard2 a prevalência da IU em homens atletas pode variar de 3% a 37% dependendo do tipo de esporte praticado. Enquanto as mulheres, inclusive por diferenças fisiológicas, estão expostas a mais fatores de risco e mais cedo2,9,19. Os dados da amostra desse estudo, não apresentaram diferenças significativas entre homens e mulheres e a presença de IU, mas a predominância da amostra foi de atletas do sexo masculino.

Muitos estudos relacionam o esporte de alto impacto, como a corrida, com perdas urinárias1,2,4,20, como no estudo de Fozzatti et al.3 que comparou mulheres que praticavam esporte de alto impacto e que não praticavam esse tipo de modalidade, buscando identificar a prevalência da IUE, identificando maior predomínio nas praticantes com alto impacto. Mesquita et al.24 identificou através da aplicação do ICIQ-SF e do Pad Test que as praticantes de esporte de alto impacto foram superior ao grupo de sedentárias. No presente estudo utilizamos o mesmo instrumento bem como o mesmo tipo de exercício foi avaliado, porém o grupo que apresentou perda urinária não foi predominante.

Ao encontro dos achados do nosso estudo, Almeida et al.6, investigando corredoras de rua brasileiras, observaram que a prevalência de IU aumentou com a idade, sendo mais comum na faixa etária de 40 a 49 anos, o que possivelmente está relacionado a alterações hormonais e diminuição na vascularização, que podem causar atrofia e afetar a função dos MAP. 

Observa-se uma escassez de estudos que avaliem e expliquem as perdas urinárias em corredores do sexo masculino. No entanto, Sade et al.21 explicam que as perdas urinárias em mulheres corredoras, ao longo do tempo, podem estar associadas a uma maior mobilidade de colo vesical e maior área de hiato do levantador do ânus22, associada ao aumento abrupto da pressão intra-abdominal. As forças de reação são transmitidas para o AP, afetam a pressão perineal e podem levar a injúrias na fáscia, MAP, ligamentos e promover mudanças nos tecidos conjuntivos ou colágeno2. No entanto, os autores2,7,20,23 sugerem que fatores pré-existentes, sejam fasciais, musculares ou biomecânicos, podem contribuir para a presença de sintomas. Quanto às IUE, Berube e McLean25 sugerem que corredoras com perdas urinárias durante a corrida possuem alterações nas propriedades passivas do tecido conjuntivo na região pélvica, que comprometem a sustentação durante a prática.

No que diz respeito ao volume de treinamento e a relação com as perdas urinárias, no presente estudo não houve interação entre as variáveis e nem correlação positiva entre elas, mesmo a mediana do volume semanal ser relativamente alta. Existem estudos na literatura que investigaram essa relação das perdas urinárias em atletas e os diferentes volumes de treinamento20,25-28. Bo e Nygaard2 sugerem que as mulheres têm um “limiar de continência”, que corresponde ao tempo e à quantidade que os MAP conseguem tolerar esforços e impactos repetitivos. Diferentemente dos encontrados na presente amostra, o estudo de Silva et.al.29 também com corredores de rua, foi encontrada uma associação positiva entre carga de treinamento semanal e perda urinária em corredoras. O grupo incontinente (GI) que apresentou perda urinária durante a corrida teve maior carga de treinamento semanal, correndo em média 45 km por semana. No presente trabalho a média de treino foi de 36,7 km o que pode justificar a menor frequência de indivíduos com IU. Em outras modalidades, também foi verificada relação positiva entre grandes volumes de treinamento e queixas de perdas urinárias, como no estudo de Cardoso et al.1 que avaliou atletas de diversas modalidades esportivas de alto impacto, em que 70,7% das atletas apresentaram perdas urinárias, entretanto, assim como no presente estudo, não houve relação com o volume de treino. Um dado importante do presente estudo, que deve ser ressaltado, é que 90% da amostra avaliada realiza seus treinos de corrida com assessoria esportiva, ou seja, um acompanhamento profissional que leva em consideração as individualidades, e que provavelmente, apesar do alto impacto gerado pela corrida, não traz maiores sobrecargas corporais15,31. Outro fator importante, é que 57,14% realizam treino de força como musculação e treino funcional, proporcionando um fortalecimento muscular global.

Algumas limitações devem ser apontadas nos resultados apresentados. A amostra do presente estudo foi pequena, devido a fazer parte de uma análise maior e mais complexa, que envolvia deslocamento até o laboratório para colheita de sangue e responder vários questionários. A presença de várias etapas no estudo, muitos indivíduos manifestaram desinteresse em participar, pela logística e tempo para responder a todos os questionários. Outro ponto, foi não ter perguntado sobre o conhecimento sobre os MAP e seu treinamento, apenas se já havia realizado atendimento com fisioterapia pélvica.

Mais estudos são necessários para um melhor esclarecimento da relação entre a prática de exercícios, em diferentes modalidades e impactos, e a perda urinária, especialmente em atletas do sexo masculino. Uma possibilidade seria quantificar a perda urinária durante a realização dos exercícios, bem como realizar um plano de treinamento dos MAP em diferentes faixas etárias.

CONCLUSÃO

Dentre os corredores de rua recreacionais a IU esteve associada ao tempo de prática, independente do sexo. A IUU esteve associada a idade inferior a 35 anos, enquanto a IUE a idade superior a 35 anos.

Importante ressaltar que, a relação entre a prática de exercícios de alto impacto, como a corrida, e a incontinência urinária é complexa e multifatorial, sendo importante avaliação especializada, como por exemplo com fisioterapia pélvica.

O exercício físico, pode proporcionar efeitos tanto positivos quanto negativos, mesmo tendo alto impacto, acredita-se que a prática orientada reduza os prejuízos aos músculos do assoalho pélvico, e assim preservando a continência urinária. É de suma importância que a prática de exercícios seja orientada de forma individualizada, a fim de evitar sobrecargas e futuras consequências.

REFERÊNCIAS

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1Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre-UFCSPA, Porto Alegre – RS.
2Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre-UFCSPA, Porto Alegre – RS.
3Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre-UFCSPA, Porto Alegre – RS.
4Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre-UFCSPA, Porto Alegre – RS.
5Universidade Federal de Santa Maria – UFSM, Santa Maria-RS.