REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202504171858
Alessandra Maróstica de Freitas
Resumo
Introdução: A articulação temporomandibular (ATM) mantém conexões funcionais com o crânio e a coluna cervical. Alterações na posição fisiológica da mandíbula podem desencadear disfunções musculoesqueléticas, como dores orofaciais, cefaleia, lombalgia, rotação pélvica e até discrepâncias funcionais no comprimento dos membros inferiores (28). Objetivo: Analisar os efeitos do reposicionamento imediato da mandíbula sobre a discrepância funcional do comprimento dos membros inferiores em indivíduos com disfunção temporomandibular (DTM). Métodos: Estudo transversal com amostra de 35 indivíduos (18 a 65 anos), de ambos os sexos, diagnosticados com DTM. Inicialmente, os participantes foram avaliados quanto à presença de discrepância funcional. Os indivíduos com discrepância foram submetidos ao reposicionamento mandibular com uso de dispositivo ortopédico funcional e reavaliados após breve deambulação. Resultados: Dos 35 participantes, 31 apresentaram discrepância funcional e 26 apresentaram correção imediata após o uso do aparelho. Conclusão: O reposicionamento mandibular demonstrou influenciar diretamente a correção da discrepância funcional, reforçando a inter-relação entre oclusão mandibular e alinhamento postural.
Palavras-chave: Articulação temporomandibular; Disfunções temporomandibulares; Desigualdade do comprimento dos membros inferiores; Postura; Medicina integrativa.
Abstract
Introduction: The temporomandibular joint (TMJ) connects the mandible to the skull and is functionally linked to the cervical spine. Misalignment of the mandible may lead to musculoskeletal imbalances including orofacial pain, headaches, low back pain, and functional leg length discrepancies. Objective: To analyze the immediate effects of mandibular repositioning on functional leg length discrepancy in individuals with temporomandibular dysfunction (TMD). Methods: A cross-sectional study was conducted with 35 participants (aged 18–65) diagnosed with TMD. After initial assessment, those presenting leg length discrepancy underwent mandibular repositioning using an orthopedic appliance and were reassessed after brief ambulation. Results: Of the 35 subjects, 31 had functional discrepancies; 26 experienced immediate correction following mandibular repositioning. Conclusion: Immediate mandibular repositioning can positively influence functional leg length discrepancies, indicating a relationship between mandibular alignment and postural balance.
Keywords: Temporomandibular Joint; Temporomandibular Joint Disorders; Leg Length Inequality; Posture; Integrative Medicine.
Introdução
A articulação temporomandibular (ATM), formada pela junção da mandíbula com o osso temporal do crânio, integra o sistema estomatognático, que inclui estruturas como os dentes, maxilares, músculos faciais, língua e inervações associadas (28). Este sistema é reconhecido como uma unidade morfofuncional, anatomicamente integrada e fisiologicamente coordenada, não devendo ser analisado de forma isolada (28). Pesquisas recentes ampliaram esse conceito ao considerar suas conexões com estruturas craniovertebrais e fasciais até a região sacral, sobretudo pela inserção do músculo reto posterior menor da cabeça na dura-máter (16). A ATM exerce funções como mastigação, deglutição e fala, mas também influencia a postura e o posicionamento da cabeça e coluna cervical (30). Alterações na posição fisiológica da mandíbula podem desencadear disfunções posturais, como dores orofaciais, cefaleia, lombalgia, rotação pélvica e discrepâncias funcionais dos membros inferiores (11, 31). A discrepância funcional do comprimento dos membros inferiores pode decorrer de adaptações musculares e não necessariamente de diferenças anatômicas reais (17). Dada essa relação, é essencial que fisioterapeutas compreendam as implicações da função mandibular sobre o sistema musculoesquelético global, favorecendo a atuação multiprofissional com cirurgiões-dentistas (33). O uso de aparelhos ortopédicos funcionais (AOF) pode reposicionar a mandíbula, promovendo uma relação mais favorável entre os côndilos mandibulares e as superfícies articulares (1, 28). A dor gerada por essas disfunções pode comprometer significativamente a qualidade de vida, sendo acompanhada por alterações motoras e emocionais (15). Diante disso, torna-se pertinente investigar se o reposicionamento mandibular pode interferir diretamente em padrões posturais e na presença de discrepância funcional dos membros inferiores.
Objetivo
Analisar os efeitos do reposicionamento imediato da mandíbula na correção da discrepância funcional dos membros inferiores em pacientes com disfunção temporomandibular, utilizando aparelhos ortopédicos funcionais indicados por cirurgiões-dentistas.
Métodos
Trata-se de um estudo transversal, com amostra composta por indivíduos diagnosticados com disfunção temporomandibular (DTM). O diagnóstico foi realizado por cirurgiões-dentistas do IRSE, com base em triagem clínica e na aplicação do Índice Anamnésico de Fonseca (10), instrumento validado que avalia sinais e sintomas de DTM (25).
A análise da discrepância funcional foi realizada utilizando a primeira fase do teste ortopédico de Downing, reconhecido na osteopatia e terapia manual como ferramenta de avaliação postural (12). O paciente foi posicionado em decúbito dorsal, com joelhos flexionados. Após a neutralização pélvica, os polegares do avaliador foram posicionados sob os maléolos mediais para observação visual da discrepância funcional (3).
Na primeira etapa, o paciente foi avaliado sem o uso do aparelho ortopédico funcional (AOF). Em seguida, após orientação do dentista e colocação do AOF modelo AAS1 (1), foi solicitada breve deambulação. Posteriormente, o teste foi repetido com o AOF em uso.
O estudo respeitou os princípios éticos, com assinatura de termo de consentimento livre e esclarecido por todos os participantes. A confidencialidade dos dados foi garantida e os participantes puderam desistir a qualquer momento.
A análise estatística foi descritiva, com tabulação de dados no software Microsoft Excel®.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, conforme registro na Plataforma Brasil (CAAE: 15048813.6.0000.5505).
Resultados
A amostra do estudo foi composta por 35 indivíduos diagnosticados com disfunção temporomandibular. Na avaliação inicial, 4 indivíduos (11,43%) não apresentaram discrepância funcional dos membros inferiores e foram excluídos da segunda etapa. Os 31 indivíduos restantes (88,57%) seguiram para o reposicionamento mandibular com uso de aparelho ortopédico funcional (AOF).
Após o uso do AOF e breve deambulação, 26 indivíduos (83,87%) não apresentaram mais discrepância funcional, enquanto 5 indivíduos (16,13%) mantiveram a alteração. Esses dados indicam que a maioria dos casos apresentava uma discrepância de origem funcional e não estrutural.
Figura 1 – Distribuição inicial da discrepância funcional dos membros inferiores
Figura 2 – Resultados após o reposicionamento mandibular com aparelho ortopédico funcional.
Discussão
Os resultados obtidos neste estudo demonstram que o reposicionamento mandibular imediato, por meio de aparelho ortopédico funcional, contribuiu para a correção da discrepância funcional do comprimento dos membros inferiores em uma significativa parcela da amostra avaliada. Essa evidência sustenta a hipótese de que a má oclusão mandibular pode influenciar negativamente o alinhamento postural global (9, 11, 19, 30).
A reorganização das aferências proprioceptivas enviadas pelos dentes, músculos mastigatórios e articulações temporomandibulares ao sistema nervoso central pode explicar a resposta imediata observada na maioria dos indivíduos (7, 22, 33). A correção funcional após breves movimentos com o AOF corrobora a hipótese de que a discrepância observada é decorrente de adaptações musculares compensatórias, e não de alterações estruturais anatômicas.
Nos casos em que a discrepância persistiu, é possível considerar fatores como presença de cicatrizes, aderências musculares, alterações degenerativas ou discrepâncias verdadeiras de comprimento, o que reforça a necessidade de uma avaliação multidisciplinar e individualizada para cada paciente (17, 21, 25).
Conclusão
O reposicionamento imediato da mandíbula demonstrou ser eficaz na correção da discrepância funcional do comprimento dos membros inferiores em indivíduos com disfunção temporomandibular. Esses achados reforçam a relação funcional entre o sistema estomatognático e o sistema musculoesquelético postural, destacando a importância de abordagens terapêuticas integrativas entre a odontologia e a fisioterapia.
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