CORRELAÇÃO ENTRE A APOLIPOPROTEÍNA E E A INFECÇÃO POR COVID-19: UMA REVISÃO INTEGRATIVA

CORRELATION BETWEEN APOLIPOPROTEIN E AND COVID-19 INFECTION: AN INTEGRATIVE REVIEW

CORRELACIÓN ENTRE LA APOLIPOPROTEÍNA E Y LA INFECCIÓN POR COVID-19: UNA REVISIÓN INTEGRADORA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.12510543


João Arthur Soares de Sousa Teixeira1*
João Vitor Lima Varão1
Maria Clara Dantas Ribeiro Moraes1
João Matias Pinheiro de Miranda Dantas1
Maria Eduarda Brilhante Bandeira1
Bruno de Souza Dias1
Emmanueli Iracema Farah1
Pedro Agnel Dias Miranda Neto1
Bruno de Almeida Nunes2


RESUMO

Objetivo: elaborar uma revisão de literatura integrativa, para analisar a relação existente, retratada na literatura, entre seres humanos expostos a infecção por COVID-19 e a Apolipoproteína E (ApoE) de 2019 a 2023. Métodos: foi estabelecido o tipo de estudo e a pergunta norteadora do estudo, onde foram selecionadas artigos de 4 bases de dados que compreendessem os descritores e atendessem aos critérios de inclusão e exclusão, onde os resultados passarão pela avaliação do grau de evidência. Resultados: foram encontrado um total de 167 artigos em 4 bases de dados diferentes, NIH, MEDLINE, SCielo e Lilacs, sendo selecionados ao final 18 artigos relacionados à temática, que seguiram os descritores e os critérios de inclusão e exclusão que foram analisados integralmente, onde observaram-se associações múltiplas da ApoE e suas isoformas com diferentes fatores associadas à infecção por Covid-19, indo desde a relação entre a proteína e a infecção viral até a descoberta de uma possível nova via de infecção ligada ApoE. Conclusão: a pesquisa do assunto ainda é muito recente tendo poucas elucidações definitivas sobre as relações da ApoE com o SARS-Cov-2, sendo necessários estudos mais amplos e direcionados com grupos mais heterogêneo de etnias e com grupos de controle melhores elaborados.

Palavras-chave: Covid-19; ApoE; Apolipoproteína E.

ABSTRACT

Objective: to develop an integrative literature review, to analyze the existing relationship, portrayed in the literature, between human beings exposed to COVID-19 infection and Apolipoprotein E (ApoE) from 2019 to 2023. Methods: the type of study and the guiding question of the study, where articles were selected from 4 databases that comprised the descriptors and met the inclusion and exclusion criteria, where the results will be assessed by the degree of evidence. Results: a total of 167 articles were found in 4 different databases, NIH, MEDLINE, SCielo and Lilacs, with 18 articles related to the topic being selected in the end, which followed the descriptors and inclusion and exclusion criteria that were analyzed. in full, where multiple associations of ApoE and its isoforms were observed with different factors associated with Covid-19 infection, ranging from the relationship between the protein and viral infection to the discovery of a possible new route of infection linked to ApoE. Conclusion: research on the subject is still very recent, with few definitive clarifications on the relationship between ApoE and SARS-Cov-2, requiring broader and more targeted studies with more heterogeneous ethnic groups and better designed control groups.

Keywords: Covid-19; ApoE; Apolipoprotein E.

RESUMEN

Objetivo: desarrollar una revisión integradora de la literatura, para analizar la relación existente, retratada en la literatura, entre seres humanos expuestos a la infección por COVID-19 y la Apolipoproteína E (ApoE) de 2019 a 2023. Métodos: el tipo de estudio y la pregunta orientadora del estudio, donde se seleccionaron artículos de 4 bases de datos que compusieron los descriptores y cumplieron con los criterios de inclusión y exclusión, donde los resultados serán evaluados por el grado de evidencia. Resultados: se encontraron un total de 167 artículos en 4 bases de datos diferentes, NIH, MEDLINE, SCielo y Lilacs, siendo finalmente seleccionados 18 artículos relacionados con el tema, los cuales siguieron los descriptores y criterios de inclusión y exclusión que fueron completamente analizados, donde Se observaron múltiples asociaciones de ApoE y sus isoformas con diferentes factores asociados a la infección por Covid-19, que van desde la relación entre la proteína y la infección viral hasta el descubrimiento de una posible nueva ruta de infección vinculada a ApoE. Conclusión: las investigaciones sobre el tema son aún muy recientes, con pocas aclaraciones definitivas sobre la relación entre ApoE y SARS-Cov-2, lo que requiere estudios más amplios y específicos, con grupos étnicos más heterogéneos y grupos de control mejor diseñados.

Palabras clave: Covid-19; ApoE; Apolipoproteína E.

INTRODUÇÃO

SARS-Cov-2, vírus de RNA cadeia positiva envelopado, culminou com o surgimento da pandemia mundial de Covid-19, declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como uma emergência mundial, que teve seu primeiro registro em 8 de dezembro de 2019 a partir de um contágio inicial em Wuhan, província de Hubei, China, com o surgimento de sintomas semelhantes ao de pneumonias. (MURALIDAR et al., 2020). Sendo notificada inicialmente no Brasil em 25 de fevereiro de 2020 na cidade de São Paulo, onde, rapidamente, o país alcançou o maior número de casos da américa latina e a maior taxa de transmissão do mundo (FRANÇA et al., 2020). Atualmente, em 2023, muitos estudos ainda estão sendo elaborados e construídos para entender como de fato se estabelece a infecção por SARS-Cov-2 e quais são os possíveis fatores de risco, sejam eles epigenéticos ou genéticos, associados ao aumento da suscetibilidade e da gravidade da doença em determinados grupos de indivíduos.

Logo, embasado nessa premissa, diversos estudos tentam elucidar a interação genética humana com a infecção por SARS-Cov-2, dito isso uma proteína em questão vem sendo bastante observada, a apolipoproteína E (APOE), uma proteína plasmática anfipática, codificada pelo gene ApoE no cromossomo 19, que possui 3 variações de alelos, Ɛ2, Ɛ3 e Ɛ4, sendo, geralmente, definidas por dois polimorfismos de nucleotídeo único, rs429358 e o rs7412 (FERNÁNDEZ-DE-LAS-PEÑAS et al., 2023). Tendo uma distribuição mundial com predomínio do genótipo ApoE Ɛ3, com uma frequência mundial aproximada de 78%, seguida da ApoE Ɛ4 com aproximadamente 14% (sendo de 15-20% desse valor entre os europeus e 54% entre chineses) e a ApoE Ɛ2 com somente 8%, sendo a mais baixa prevalência entre os alelos. Sendo relevante ressaltar que a diferença entre a ApoE Ɛ3 e Ɛ4 a mudança de um único aminoácido da posição 112 (ApoE 3 tem a Cys-112 e ApoE 4 a Arg-112). (ZHANG et al., 2022)

Atrelado aos achados mais recentes acerca dessa perspectiva, sabe-se que portadores do gene ε4 da ApoE são mais suscetíveis a problemas médicos, como distúrbios cardiovasculares, acidente vascular cerebral, demência, doença de Alzheimer e infecções virais (KURKI et al., 2021). O que abriu caminho a diversos questionamentos acerca da participação de tal proteína na interação e suscetibilidade da infecção também por Covid-19. Desse modo, a infecção por Covid-19 também foi apresentada como um alvo da ação da ApoE em sua fisiopatologia. Logo, o objetivo geral deste estudo é analisar a relação existente, retratada na literatura, entre seres humanos expostos a infecção por COVID-19 e a Apolipoproteína E (ApoE) de 2019 a 2023.

METODOLOGIA

  1. Tipo de Estudo:

Este estudo é o produto de uma Revisão Integrativa da Literatura, que tem como objetivo analisar o conhecimento vigente de estudos anteriores sobre uma temática em específico, com o intuito de identificar, analisar e sintetizar resultados para a elaboração de novos estudos e conhecimentos.

  1. Elaboração da Pergunta Norteadora:

O passo inicial foi a criação de um questionamento orientador da pesquisa, por meio da estratégia PICOT, que representa um acrônimo para, P – População ou Problema de Saúde; I – Intervenção ou exposição; C – Controle ou Comparador; O – Resultado ou Desfecho; T – Tipo de estudo (DANTAS et al., 2022). Assim, surgiu a seguinte pergunta: Qual a relação existente, retratada na literatura, entre seres humanos expostos a infecção por COVID-19 e a Apolipoproteína E (ApoE) de 2019 a 2023?

  1. Base de Dados/Descritores:

Foram recorridas as bases de dados NIH; SCielo; MEDLINE; LILACs com os seguintes descritores: Covid; ApoE.

  1. Critérios de Inclusão:

Foram incluídos artigos com resumos e textos completos disponíveis gratuitamente para análise, publicados nos idiomas português ou inglês, entre os anos de 2019 e 2023.

  1. Critérios de Exclusão:

Foram excluídos os artigos que não contemplaram os descritores no título; que não eram relativos a seres humanos; e que foram indexados repetidamente.

  1. Amostra:

A partir da leitura dos títulos e resumos de todas as publicações encontradas e de acordo com os critérios de inclusão e exclusão definidos, esses dados vão ser utilizados para se obter a seleção prévia dos trabalhos que integrarão a amostra deste estudo.

  1. Resultado:

            Os artigos que forem selecionados ao final serão colocados no aparelho de análise de artigos selecionados (tabela 2), que resume o conteúdo mais importante relativo a cada artigo, e também serão contabilizados e resumidos o processo de escolha dos artigos em questão em outra tabela numérica (Tabela 1). Onde, aqueles estudos que passaram pelo crivo de seleção deste estudo, passarão por um processo de leitura integral e seus conteúdos serão colocados em pauta no decorrer da discussão. Além disso, serão avaliados os artigos de acordo com os níveis de evidência da Oxford Centre for Evidence-Based Medicine: Levels of Evidence. March, 2009 (Centro de Oxford para Medicina Baseada em Evidências: Níveis de Evidência. Março, 2009), para uma melhor avaliação das informações.

Tabela 1 – Níveis de Evidência da Oxford – Traduzidos – 2009 (OXFORD CENTRE FOR EVIDENCE-BASED MEDICINE, 2009)

Níveis de Evidência (Oxford)Tipo de Estudo
1aRevisões sistemáticas e metanálises de ensaios clínicos comparáveis. Estudos controlados randomizados bem delineados com desfecho clínico relevante.
1bEstudos controlados randomizados com estreito intervalo de confiança.
1cResultados do tipo “tudo ou nada”. Estudo de série de casos controlados.
2aRevisão sistemática homogênea de estudos de coorte (com grupos de comparação e controle de variáveis).
2bEstudo de coorte com pobre qualidade de randomização, controle ou sem acompanhamento longo, estudo de coorte transversal.
2cResultados de pesquisas (observação de resultados terapêuticos ou evolução clínica).
3aRevisão sistemática homogênea de estudos de caso com grupo-controle.
3bEstudos de caso com grupo-controle.
4Relatos de caso e série sem definição de caso controle.
5Opinião de autoridades respeitadas ou especialistas. Revisão da literatura não sistemática.

RESULTADOS

Tabela 2 – Distribuição dos artigos encontrados e selecionados por base de dados, Codó, MA.

Base de dadosEncontradosPré-selecionadosExcluídos + (Repetidos)Analisados
NIH9035 1916
Medline 77323 + (27)29 – (27) = 2
Lilacs0000
SciELO 0000
Total16767 22 + (27) = 49 18

Foram encontrados um total de 167 artigos em 4 bases de dados diferentes, sendo 90 artigos na base de dados da National Library of Medicine (NIH) encontrados, onde foram pré-selecionados 35 artigos que continham os descritores no título, e sendo eliminados destes, 1 por não ser relativos a seres humanos, 1 por não responder a questão base deste artigo e 17 por não ter o texto integral gratuito disponível. Totalizando 16 artigos na base de dados da NIH; na base de dados da MEDLINE foram encontrados 77 artigos, sendo pré-selecionados 32, que continham os descritores no título, e sendo eliminados destes 2 por não apresentar o texto integral gratuito disponível e 1 por não ser relativo a seres humanos, totalizando 29 artigos na base de dados MEDLINE; na base de dados SCielo e LILACs não foram encontrados artigos relevantes.

Ao final da avaliação, foram contabilizados 45 artigos, sendo eliminados 27, que foram indexados repetidamente, tendo um novo total de 18 artigos relacionados à temática, que seguem os descritores e os critérios de inclusão e exclusão. Ademais, os artigos selecionados foram lidos na íntegra e seu conteúdo foi abordado na discussão deste artigo.

Tabela 3 – Aparelho de análise de artigos selecionados.

Base de DadosTítuloAutoresPaísArtigoNível de Evidência (Oxford)Análise do Artigo
NIHA disturbed balance between blood complement protective factors (FH, ApoE) and common pathway effectors (C5a, TCC) in acute COVID‐19 and during convalesceLAUDANSKI, K. et al., 2022EUAScientific Reports, v. 12, n. 12bAvaliação dos elementos citoprotetores FH e ApoE, investigando a carência de conhecimentos do meio sanguíneo durante a infecção por SARS-CoV-2: carga viral, nível de necrose tecidual e resposta imunológica.
NIHAPOE interacts with ACE2 inhibiting SARS-CoV-2 cellular entry and inflammation in COVID-19 patients  ZHANG et al., 2022ChinaSignal Transduction and Targeted Therapy, v. 7, n. 1, p. 1–92cInteração da ApoE com o receptor ECA2 em pacientes com Covid-19.
NIHAPOE ε4 associates with increased risk of severe COVID-19, cerebral microhaemorrhages and post-COVID mental fatigue: a Finnish biobank, autopsy and clinical studyKURKI et al., 2021FinlândiaActa Neuropathologica Communications, v. 9, n. 12bAssociação da ApoE 4 com micro hemorragias cerebrais e fadiga mental em pacientes que tiveram Covid-19.
NIHApoE-Isoform-Dependent SARS-CoV-2 Neurotropism and Cellular ResponseWANG et al., 2021EUACell Stem Cell, v. 28, n. 2, p. 331-342.e51cResposta de neurônios e astrócitos,derivadas de células humanas tronco pluripotentes induzidas, a infecção por Covid-19.
NIHApoE4 associated with severe COVID-19 outcomes via downregulation of ACE2 and imbalanced RAS pathwayCHEN et al., 2023ChinaJournal of Translational Medicine, 21:103. v. 21, n. 11aMetanálise acerca da relação de gravidade da Covid-19 e a ApoE.
NIHApolipoprotein E (ApoE) ε4 Genotype (ApoE s429358—ApoE rs7412 Polymorphisms) Is Not Associated with Long COVID Symptoms in Previously Hospitalized COVID-19 SurvivorsFernández-de-las-Peñas, C., et al.EspanhaGenes 2023, 14, 1420.2bPolimorfismo da ApoE e sua relação com a Covid-19.
NIHAssociation of Apolipoprotein e polymorphism with SARS-CoV-2 infectionAL-JAF et al., 2021IraqueInfection, Genetics and Evolution, v. 95, p. 1050432bInteração do polimorfismo do gene ApoE com o Covid-19.
NIHCould COVID-19 anosmia and olfactory dysfunction trigger an increased risk of future dementia in patients with ApoE4?MANZO et al., 2021ItáliaMedical Hypotheses, v. 147, p. 1104795Hipótese da relação entre anosmia e perda de olfato relativa ao Covid-19 com o surgimento síndromes demências futuras relacionado ao gene ApoE como fator de risco aumentado.
NIHCOVID-19 enters the expanding network of apolipoprotein E4-related pathologiesGKOUSKOU et al., 2021GréciaRedox Biology 41 (2021) 1019382aRelação da Covid-19 com a ApoE e seus diversos possíveis mecanismos dentro da inflamação e infecção decorrente do patógeno.
NIHGenetic polymorphisms associated with susceptibility to COVID-19 disease and severity: A systematic review and meta-analysisDIETER et al., 2022Brasil (Rio Grande do Sul)PLOS ONE, v. 17, n. 7, p. e02706271aPolimorfismo da ApoE e a suscetibilidade e gravidade da Covid-19.
NIHInfluence of APOE locus on poor prognosis of COVID-19RODRIGUES et al., 2021Brasil (Pará)Heliyon, v. 7, n. 6, p. e 073792cPesquisa relativa a polimorfismo da ApoE e a presença de danos aos tecidos pulmonares na Covid-19.
NIHLong-covid cognitive impairment: Cognitive assessment and apolipoprotein E (APOE) genotyping correlation in a Brazilian cohortTAVARES-JÚNIOR et al., 2022  Brasil (Fortaleza)Frontiers in Psychiatry4Comprometimento Cognitivo em Covid Longa associado a ApoE.
NIHPositive Effect of Cognitive Training in Older Adults with Different APOE Genotypes and COVID-19 History: A 1-Year Follow-Up Cohort StudyZORKINA et al., 2022RússiaDiagnostics, v. 12, n. 10, p. 23122cEfeito do gene ApoE no treinamento cognitivo como fator de proteção aos sintomas pós-covid.
NIHPotential protective effect against SARS‐CoV‐2 infection by APOE rs7412 polymorphismESPINOSA‐SALINAS et al., 2022EspanhaScientific Reports, v. 12, n. 12bEfeito protetor do Polimorfismo da ApoE em infecções por Covid-19; Associação do Gene CLOCK e da ApoE.
NIHThe Apolipoprotein E neutralizing antibody inhibits SARS-CoV-2 infection by blocking cellular entry of lipoviral particlesCUI et al., 2023EUAMedComm, v. 4, n. 5, p. e400, 1 out. 2023.1aDescoberta de uma nova via para a infecção por Covid-19, mediada pela ApoE; Criação de um novo tratamento experimental.
NIHThe association of APOE genotype with COVID‐19 disease severitySAFDARI LORD et al., 2022IrãScientific Reports, v. 12, n. 1, p. 134832bRelação da gravidade do alelo Ɛ4 da ApoE com a infecção por SARS-Cov-2.
MEDLINEDo APOE4 and long COVID-19 increase the risk for neurodegenerative diseases in adverse environments and poverty?CIURLEO et al., 2023Brasil (Ceará)Frontiers in Neuroscience, v. 17, p. 12290735Possível relação da ApoE, como fator de risco, ao surgimento de Doenças neurodegenerativas em Covid longa.
MEDLINETargeted genetic analysis unveils novel associations between ACE I/D and APO T158C polymorphisms with D‐dimer levels in severe COVID‐19 patients with pulmonary embolism.FIORENTINO et al., 2023ItáliaJournal of Thrombosis and Thrombolysis, v. 55, n. 1, p. 51–594Associação da ApoE com biomarcadores de eventos trombóticos em pacientes com Covid grave.

DISCUSSÃO

A apolipoproteína E (APOE) é uma proteína plasmática anfipática, codificada pelo gene ApoE no cromossomo 19, que possui 3 variações de alelos, Ɛ2, Ɛ3 e Ɛ4, sendo, geralmente, definidas por dois polimorfismos de nucleotídeo único, rs429358 e o rs7412 (FERNÁNDEZ-DE-LAS-PEÑAS et al., 2023). Tendo uma distribuição mundial com predomínio do genótipo ApoE Ɛ3, com uma frequência mundial aproximada de 78%, seguida da ApoE Ɛ4 com aproximadamente 14% (sendo de 15-20% desse valor entre os europeus e 54% entre chineses) e a ApoE Ɛ2 com somente 8%, sendo a mais baixa prevalência entre os alelos. Sendo relevante ressaltar que a diferença entre a ApoE Ɛ3 e Ɛ4 a mudança de um único aminoácido da posição 112 (ApoE 3 tem a Cys-112 e ApoE 4 a Arg-112). (ZHANG et al., 2022)

Fisiologicamente, a ApoE presente no plasma é produzida principalmente pelos hepatócitos, mas também por diversas outras células do corpo, como macrófagos, adipócitos, células gliais, neurônios e alguns tipos de células epiteliais, estando associada ao transporte de lipídios, mediando o fornecimento extra-hepático de colesterol e o transporte reverso do colesterol para o fígado. Além disso, há estudos que apontam que a ApoE também produz efeitos anti-inflamatórios e imunorreguladores, bem como tem ligação às respostas celulares em infecções por vírus e outros patógenos de microrganismos. (GKOUSKOU et al., 2021)

Polimorfismo da Apolipoproteína E e a relação com a Covid-19.

Em nossos estudos podemos analisar diferentes fontes de pesquisa que relacionam a infecção da Covid-19 com a Apolipoproteína E. Assim, uma metanálise acerca dos polimorfismos genéticos associados ao Covid-19, realizada no Rio Grande do Sul, Brasil, apontou em pelo meno 3 estudos a confirmação de que o alelo Ɛ4 está associado ao risco de infecção e gravidade relacionados à Covid-19, onde também relatou-se que a frequência do alelo Ɛ4 era mais predominante em afro-americanos, que tiveram aumento da mortalidade pela patologia, do que em populações caucasianas. (DIETER et al., 2022)

Outra metanálise, realizada na China, para elucidar a relação da entre o polimorfismo da ApoE com o aumento do risco de severidade na Covid-19, apresentou dados relevantes, confirmando a associação da ApoE Ɛ4 com o aumento não só da incidência, mas também com a severidade da infecção viral. Ademais, o mesmo estudo demonstrou que a ligação da ApoE com a enzima ECA2 é mais forte em Ɛ3, Ɛ4, Ɛ2, respectivamente. Além disso, o estudo também apontou que a ApoE, independente da isoforma, pode se ligar tanto a ECA2 sem a presença da proteína Spike (S), quanto a proteína S da SARS-Cov-2 mesmo sem a presença da ECA2. Um outro ponto abordado, seria que foi constatado que a superexpressão da ApoE4 reduz a expressão da ECA2, o que induz a uma redução da capacidade de infecção viral, assim, tornando-se um fator protetor, mas também pode levar a um aumento da desregulação do Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona (SRAA), ao passo que impede a transformação de Angiotensina 2 em Angiotensina 1-7, o que aumento o perfil pró-inflamatório, pró-oxidante, pró-fibrose, vasoconstritor e de extravasamento vascular. (CHEN et al., 2023)

Em uma pesquisa de investigação da frequência alélica do gene ApoE, realizado no Iraque, como uma tentativa de estabelecer uma possível causa para o surgimento de sintomas ou não na Covid-19, sugeriram que o alelo Ɛ4 poderia desempenhar um papel na infecção pelo patógeno, tendo em vista que teve uma frequência, entre o grupos de pessoas infectadas, acima do dobro do grupo controle do estudo (população em geral). Ademais, o estudo também trouxe outra funções da ApoE, advindas de outras pesquisas, como o possível papel protetor do alelo Ɛ3, por ter uma relação de controle de citocinas e ter uma relação inversa da sua frequência e as infecções por Covid-19; a relação existente entre a expressão de genes ApoE 4 por neurônios e astrócitos e o aumento da suscetibilidade a infecção por SARS-Cov-2. (AL-JAF et al., 2021)

Uma outra pesquisa, realizada no Irã, corroborou para o mesmo achado, ao passo que em uma análise de 201 pacientes com Covid-19 relacionados ao gene ApoE, observou-se que a presença de 1 alelo Ɛ4 aumentaria em 5 vezes a probabilidade de desenvolver sintomas graves associados a doença e a homozigose do alelo Ɛ4 aumentaria em até 17 vezes os riscos associados à gravidade. (SAFDARI LORD et al., 2022)

            Em uma revisão realizada na Grécia, constatou-se diferentes possíveis mecanismo que associaram a ApoE e a infecção por SARS-Cov-2, onde relatou-se que pessoas que tinham o gene Ɛ4/Ɛ4 apresentavam um risco 2 vezes maior de contrair a infecção e um risco 2 vezes maior de mortalidade do que pessoas com o gene Ɛ3/Ɛ3, em uma associação que independia de outras doenças presentes. Além disso, o mesmo estudo apresentou diferentes mecanismos utilizados para explicar essa piora relativa ao haplótipo Ɛ4. Um deles seria a o aumento do colesterol plasmático em indivíduos com Ɛ4, o que corrobora com o acúmulo de macrófagos cheios de lipídios no parênquima pulmonar de forma anormal na Covid-19 observado em outros estudos. Esse aumento de colesterol plasmático e de células carregadas de lipídios, pode induzir ao aumento do deslocamento do receptor ECA2, para os locais de entrada do vírus na célula, o que pode favorecer a capacidade de infecção viral. Além disso, também foi relatado o surgimento de jangadas lipídicas, que seriam microdomínios de membrana que foram enriquecidos pelo colesterol no monócitos de portadores de Ɛ3/Ɛ4, o que também poderia aumentar a infectividade. (GKOUSKOU et al., 2021)

            Ainda no mesmo estudo, sabe-se que a desregulação de colesterol pode desencadear uma série de mudanças metabólicas e celulares. Dito isso, associou-se a ideia de que a ApoE Ɛ4 poderia estar associada à maior ativação do inflamassoma NLRP3, pois cristais de colesterol poderiam funcionar como PAMPs e induzir a sua ativação, mas também os mesmos cristais podem induzir a liberação das armadilhas extracelulares dos neutrófilos (NETs). Além disso, observou-se que as jangadas lipídicas, teriam a capacidade de aumentar a sensibilidade dos receptores de membrana de linfócitos T, o que acaba por induzir uma maior proliferação dos mesmos, sobretudo a população Th17, sendo relatado pelo aumento de linfócitos T em pacientes que apresentaram pneumonia por Covid-19. Além do relatado acima, acredita-se que o poder antioxidante da ApoE, seria capaz também de evitar a proliferação de oxLDL (LDL oxidado), produto da oxidação de lipídios por espécies reativas de oxigênio, onde esse oxLDL poderia aumentar a patogenicidade do vírus, principalmente por compartilharem vias pró-inflamatórias semelhantes. Sendo que o fenótipo ApoE4 apresentou um poder antioxidante bem menor do que o ApoE3. (GKOUSKOU et al., 2021)

            Com base nestes achados, surgiram algumas relações farmacológicas e dietéticas na tentativa de tratamento da Covid-19 levando em consideração o gene ApoE, como o uso de Estatinas, medicação redutora de colesterol, que demonstraram efeitos benéficos em portadores da ApoE4 com Covid-19 e a dexametasona, que apresentou um efeito indutor de mediadores lipídicos pró-resolução. Além disso, dietas a base de gorduras monoinsaturadas e/ou carboidratos de baixo índice glicêmico por 24 semanas; consumo diário de 2 kiwis por 4 semanas; e consumo crônico de ácidos graxos poliinsaturados ômega-3 e de ácido docosahexaenoico reduziram a quantidade de colesterol e triglicerídeos plasmáticos em paciente portadores da ApoE4. (GKOUSKOU et al., 2021)

Já em um outro estudo de coorte realizado na Espanha, contrasta-se com aos demais estudos, ao medida em que, elaborou-se a hipótese de que a Covid longa (refere-se a presença de sintomas persistentes após a fase de infecção aguda), que ocorrem por volta de 3 meses após o contato e que duram por pelo menos 2 meses e não tem explicação aparentes para outros diagnósticos, seria afetada pelo polimorfismo genético da ApoE. O que, constatou-se como não ser verdade, ao passo que não houveram alterações significativas entre os 3 fenótipos (Ɛ2, Ɛ3, Ɛ4) na apresentação de sintomas persistentes à longo prazo. (FERNÁNDEZ-DE-LAS-PEÑAS et al., 2023)

Prevalências Associadas à gravidade da Covid-19 e a distribuição do gene ApoE.

            Durante a análise dos artigos desta revisão, pode-se observar um estudo de pesquisa de dados, utilizando o projeto Genotype-Tissue Expression (GTEx), onde foram elencadas 128 variantes da ApoE que tinham impacto significativo da mesma em tecidos pulmonares, levando em consideração que a maior presença da ApoE, foi apontada como fator protetor contra a infecção por Covid-19. No estudo em questão, as variantes foram divididas em blocos distintos para serem avaliadas quanto sua capacidade de diminuir a expressão da ApoE no tecido pulmonar, onde pode-se observar que na população europeia foi a que apresentou mais variantes que reduziram a expressão da ApoE, e no contrário, as populações africanas e do Leste Asiático foram as que tiveram menor frequência dessas variantes, o que corrobora para a explicar o porquê de pessoas de origem europeia tenham maior suscetibilidade a desenvolver sintomas graves de Covid-19. Entretanto, esse estudo não conseguiu analisar a relação do genótipo Ɛ4/Ɛ4, por ele estar ausente da lista de dados. (RODRIGUES et al., 2021)

Ligação da ApoE com a ECA2 associado à infecção por Covid-19.

Em nossa pesquisa, foi encontrado um estudo de pesquisa na China, que buscava encontrar a relação da ApoE com o receptor ECA2, em pacientes com Covid-19, relatou-se a existência de uma relação inversa entre a concentração de ApoE e os níveis de citocinas e quimiocinas pró-inflamatórias (GRO – proteína regulada pelo crescimento -ÿ, M-CSF – fator estimulador de colônias de macrófagos, MIF – fator inibitório de migração de macrófagos, TRAIL – fator de necrose tumoral ligante indutor de apoptose relacionado a TNF, IL-2, IL-8 e IL-15). O que fez surgir a sugestão de que ApoE em grandes concentrações pode inibir a resposta inflamatória por Covid-19. Onde, utilizando do sistema VSV-ÿG, para gerar pseudovírus da Covid-19 (sVSV-ÿG-SARS-CoV-2-EGFP) e um vírus controle (vírus VSV-ÿG-EGFP) que não  expressa proteína Spike por 24 h, notou-se que tanto a ApoE3 e a ApoE4 interagem com o receptor ECA2 reduzindo o acoplamento da proteína viral Spike, mediada pela ECA2, na superfície celular, sendo a ligação ApoE/ECA2 mediada pelo zinco, não o domínio D2. Além disso, também constatou-se que a ApoE 4 tem uma menor eficácia em realizar esse processo em comparação com a ApoE 3, tendo em vista que sua estrutura é mais compactada, pela sua maior interação com o seu domínio C-terminal, o que diminui sua capacidade de bloquear a ligação da SARS-Cov-2 com a ECA2, o que implica no aumento da suscetibilidade a doença em portadores de ApoE 4. Ademais, o mesmo estudo, observou que não houve mudanças significativas entre as concentrações de ApoE relacionadaos à idade e ao sexo. (ZHANG et al., 2022)

Interação da ApoE com outros genes na infecção por Covid-19.

Na leitura integral dos artigos selecionados, um artigo feito na Espanha realizou um estudo de coorte transversal, onde foram avaliados 26 genes associados à obesidade, perfil lipídico, inflamação e padrões de biorritmo e sua relação com a Covid-19. Dentro desses genes, a ApoE rs7412, que apresenta um alelo T (menor) e um alelo C (maior), e a ApoE2, foi observado um efeito protetor maior para cada alelo T apresentado. Além disso, no mesmo estudo também foi relatado o aumento do risco a infecção por SARS-Cov-2 associado a presença do alelo T (menor) do gene CLOCK rs3749474 e que quando analisado em conjunto com o Gene ApoE, apresentou-se um aumento do risco consideravelmente, o que abriu a possibilidade de uma interação de cooperação entre os genes no estabelecimento da infecção viral. (ESPINOSA‐SALINAS et al., 2022)

ApoE como Fator Protetor do Complemento na Covid-19.

Nas pesquisas dentro das bases de dados selecionadas, um estudo de coorte realizado no EUA, estabeleceu-se uma comparação da ativação do complemento mediante a infecção por Covid-19, sobretudo em pacientes graves, relacionando com os fatores protetores do complemento, como o Fator H do Complemento e a Apolipoproteína E (ApoE). Onde, observou-se que a ativação do complemento estava muito mais relacionada com a presença de lesão celular e necrose, do que uma relação direta com a viremia da Covid-19, ao passo que pacientes que tiveram uma interação mais precoce com dano tecidual associado ao vírus, tiveram um impulsionamento da da interação do Complemento. Além disso, notou-se que a piora na evolução da infecção relacionava-se mais a problemas de déficit de fatores protetores (FH e ApoE), do que relativos aos próprios fatores do complemento. Onde, a falta dessa proteção, possibilita uma ativação exacerbada do complemento, que também poderia levar a danos celulares (necrose e apoptose). Sendo mais específico, a ApoE tem o papel na formação de sC1q e TCC (Complexo Citolítico Total) e suprime a ativação de monócitos, sinergizando com o FH, mas também influenciando na taxa de dissociação das convertases C3 e C5. (LAUDANSKI et al., 2022)

Ademais, no mesmo estudo, também pode-se constatar que não se observou correlação da carga viral com e a ApoE. Além de que, o uso de Redesivir, fármaco usado no tratamento de casos moderados e graves de Covid-19, poderia coexistir com o FH durante o tratamento, o que permitiu ser levantada a hipótese de que ele reduziria o efeito citolítico da Covid-19, reduzindo o material necrótico, e, por conseguinte, reduzindo a ativação do complemento, consequentemente, diminuindo a necessidade de controle pela FH e pela ApoE. (LAUDANSKI et al., 2022)

Eventos Hemorrágicos  durante a infecção e Fadiga Pós-Covid associadas a ApoE.

Foram encontrados alguns artigos que remetem a possíveis danos relativos à infecção por Covid-19 em associação com a ApoE. Assim, um estudo de coorte realizado na Finlândia, que realizou uma pesquisa com 2 grupos distintos de pessoas com Covid-19, um grupo de pacientes que se recuperaram de uma infecção grave por Covid-19 (A) e outro grupo de pacientes que passaram por autópsias cerebrais com infecção por Covid-19 confirmada por RT-PCR (B), avaliou a relação de presença de micro hemorragias cerebrais e fadiga pós-Covid associados a ApoE. Onde, constatou-se que, no grupo A, tiveram resultados contrastantes, onde parte do grupo que esteve em internação (UTI ou Enfermaria) teve os escores de  fadiga elevados, mas não pode-se afirmar se houveram outros fatores que influenciaram o aparecimento dessa fadiga; e outra parte do grupo (que permaneceu em casa) não apresentou a fadiga de forma tão diferente dos grupos controle. Assim, levando a considerar a ApoE 4 como um fator de risco para a fadiga mental prolongada pós-Covid. Já no grupo B, notou-se que os portadores do fenótipo ApoE tiveram um maior grau de sangramentos do que os não portadores, sobretudo na região do cerebelo, seguido dos gânglios da base e da ponte, o que corroborou com estudos anteriores que lesões microvasculares estão associada a Covid-19. Porém, estatisticamente não houveram tantas diferenças entre o grupo controle e os portadores de ApoE 4 em dados gerais. (KURKI et al., 2021)

Já outra pesquisa realizada na Itália, relatou que as manifestações trombóticas em pacientes com Covid grave estavam possivelmente associadas aos efeitos citotóxicos diretos da SARS-Cov-2, como a vasculite, resposta imune desregulada, agregação plaquetária e ativação do complemento e eventos coagulantes, mas que ainda não haviam estudo que explicassem a presença desses eventos em alguns paciente e outros não. O que levou a elaboração do estudo em questão, que demonstrou que pacientes com Covid-19 complicados com embolia pulmonar apresentavam mais biomarcadores trombóticos, como o D-dímero (DD), na presença do gene ApoE T158C, onde os portadores de alelos C/C e T/C tinham níveis de DD significativamente maiores em comparação a pacientes infectados por covid grave sem embolia pulmonar. Levando a um maior entendimento sobre o assunto, porém limitado, pelas próprias condições de pesquisa, que não apresentou grupo controle e trabalhou com um grupo bem específico de pacientes. (FIORENTINO et al., 2023)

Acometimentos ao Sistema Nervoso Central (SNC) na Covid-19, relacionados a ApoE.

Foram observados muitos artigos que buscaram elucidar a relação da ApoE na infecção por SARS-Cov-2 em relação ao acometimento do SNC. Onde, em uma pesquisa realizada na Itália, surgiu-se a hipótese de que a paciente com Covid-19 portadores de ApoE4, que apresentaram sintomas de Anosmia ou disfunção olfativa, poderiam ter um risco aumentado para o surgimento de doenças neurodegenerativas, como a demência, a longo prazo. Sendo a hipótese justificada pela presença de receptores ECA2 no bulbo olfatório, enzima que funciona como receptor do vírus da Covid-19, onde esse vírus poderia ascender ao encéfalo, por intermédio do bulbo olfatório, tendo em vista a falta da camada meníngea dura-máter no par craniano. Além disso, outros estudos, presentes na mesma pesquisa, apontaram para os astrócitos como produtores principais de ApoE no cérebro, seguido também dos neurônios, o que acredita-se ser um fator que leva a danos neurológicos em pacientes pós-Covid. No entanto, a hipótese ainda não pode ser comprovada ou refutada, o que deixou a conclusão do estudo em aberto, tendo em vista que foram encontrados estudos que apontam para problemas neurológicos do Covid, mas nem um que tenha relatado pacientes com uma possível relação direta com a demência. (MANZO et al., 2021)

Em um artigo de opinião realizado no Ceará, Brasil, trouxe alguns achados relevantes de outros estudos, como o papel protetor que a ApoE4 apresenta em portadores jovens à doenças neurodegenerativas e também como um fator de risco em portadores mais velhos, à medida que a interação epigenética com o ambiente se passa ao longos dos anos, a ApoE4 pode gerar efeitos que desencadeiam doenças neurodegenerativas futuramente, tendo como premissa, o fato de no encéfalo haver uma grande síntese de ApoE, sendo apontado como o segundo maior local de produção, sendo produzida sobretudo pelos astrócitos, onde a infecção por Covid-19 atuaria preferencialmente. (CIURLEO et al., 2023)

Um estudo realizado em Fortaleza, Ceará, em uma tentativa de comprovar a relação da ApoE no surgimento de comprometimento cognitivo em paciente com Covid-19 longa, acabou por não conseguir chegar a dados mais conclusivos, devido a carência de mais ferramentas de pesquisa, não tendo encontrada uma relação direta da ApoE com o surgimento de tais sintomas comuns em certos casos de Covid. Contudo, o mesmo estudo levantou alguns pontos, onde pacientes que ficaram mais tempo internados em UTI, tendem a ter piores funcionamentos cognitivos, como o surgimento da depressão, mas que não foi possível de associar a ApoE, tendo em vista que poderia ter outras causas base, como a própria pandemia da SARS-Cov-2. Ademais, na pesquisa, constatou-se um achado que vai de encontro a outros estudos, quando foram encontrados uma relação inversa entre a anosmia e o comprometimento cognitivo. (TAVARES-JÚNIOR et al., 2022)

Foi realizado um acompanhamento de 1 ano em um hospital russo, onde realizou-se um treinamento cognitivo com um grupo de idosos, com o intuito de observar melhoras cognitivas e menos efeito da Covid longa, em um período de 1 anos após a infecção, assim, também foi elencado fator que o polimorfismo do gene ApoE poderia contribuir no andar do tratamento. Logo, os resultados do estudo demonstraram uma grande melhora do grupo de teste, que apresentavam sintomas de comprometimento cognitivo e que passaram pelo treinamento, em comparação ao grupo controle, tendo evoluções significativas no Mini-Exame do Estado Mental (MEEM). Ademais, não foram encontrados resultados estatísticos muito diferentes ao se analisar o polimorfismo da ApoE dentro dos grupos, embora haja uma diferença um tanto quanto significante, quando olhado os grupos em separado, o que aponta para uma relação independente existente entre o gene ApoE e as mudanças que ocorreram durante o tratamento. Ademais, ainda no estudo, 5 portadores de Ɛ4 não evoluíram para melhores pontuações no MEEM, independente de terem recebido o tratamento ou não. (ZORKINA et al., 2022)

Um outro estudo utilizando de células tronco pluripotentes humanas induzidas, foram geradas células de neurônio e astrócitos modificados, por meio da técnica de edição de CRISPR/Cas9, onde possibilitou-se a avaliação em isolado da infecção pelo vírus SARS-Cov-2, em cada uma dessas células do SNC. Assim, observou-se que a apresentação de receptores do tipo ECA2 e TMPRSS2, comuns para a invasão viral da Covid-19, não eram muito expressos pelos neurônios e astrócitos, o que indicou a possibilidade de outros receptores para mediar a infecção, como o NRP1, que é mais expresso nessas células. Ademais, demonstrou-se que ambas as células eram suscetíveis a infecção por SARS-Cov-2, sendo os astrócitos os mais afetados e sendo eles um possível fator de aumento da infecção dos próprios neurônios pelos vírus. Em continuidade, foi observado que astrócitos e neurônios que expressam ApoE Ɛ4 tiveram maior taxa de infecção e um efeito degenerativo de neurônios mais intenso do que aquelas com Ɛ3. No mesmo estudo, foi testado o Remdesivir, um inibidor da RNA polimerase contra a Covid-19, que demonstrou-se capaz de reduzir significativamente a fragmentação nuclear de astrócitos com ApoE4. (WANG et al., 2021)

Nova via de Infecção por Covid-19 e Imunoglobulina Neutralizante de ApoE.

Ao final da leitura dos artigos, foi observado um novo estudo realizado recentemente, no EUA, sendo feitas descobertas inovadoras acerca da infecção por Covid-19, onde foi revelado que a enzima ECA2, muito utilizada como receptor viral da SARS-Cov-2, na verdade não era expressa ou era muito pouco expressa em tecidos do pulmão, traqueia e dos brônquios, o que levantou a hipótese de que a infecção se dava por um outro receptor celular. No estudo em questão, desvendou uma possível nova rota de infecção, através da apolipoproteína E, onde o vírus SARS-Cov-2 sequestraria a ApoE e utilizaria a sua função de transporte e captação celular de lipídios e colesterol, para transportar partículas lipovirais pelos receptores específicos da ApoE, ficando em destaque o LDLR (receptor de lipoproteínas de baixa densidade), tendo em vista a composição lipídica dos vírions da Covid-19, assim a ApoE poderia se ligar aos lipídios da membrana viral. Para confirmar essa hipótese verificaram a possibilidade de infecção na presença de ApoE e ausência de ECA2; analisaram o aumento da infecção na presença de superexpressão de LDLR. Desse modo, chegando a dados expressivos, onde a infecção por Covid-19, poderia se estabelecer por meio da ApoE, mesmo em ausência da ECA2, sendo o LDLR um dos principais receptores dessa via. Ademais, também foram utilizados anticorpos contra a ApoE, na tentativa de barrar a infecção, o que demonstrou-se ser bastante eficaz, corroborando para a veracidade da via estudada, mas também colocando em vigor um possível novo tratamento para SARS-Cov-2, tendo em vista que a imunoglobulina contra a ApoE mostrou-se eficaz contra as principais variantes da Covid atualmente, a Delta e a Omicron. (CUI et al., 2023)

CONCLUSÃO

            Os dados encontrados ao longo de toda a avaliação permitiram encontrar diversa relações da ApoE, sobretudo do seu polimorfismo, associadas a infecção por SARS-Cov-2, tendo sido observadas diferentes relações, como a associação da ApoE com a enzima ECA2; com o Complemento; com o SRAA; com a ativação do sistema imune inato; com outros genes relacionados a Covid-19; com eventos hemorrágicos e efeitos da Covid longa; e com o transporte de partículas lipovirais. Além disso, associações com alguns fármacos utilizados como possíveis tratamentos futuros da Covid, como a dexametasona, as estatinas e imunoglobulinas anti-ApoE, e também foram relatadas algumas relações dietéticas, para melhorar o prognóstico da infecção.

            Assim, percebeu-se que a pesquisa dentro do assunto ainda é muito recente, tendo poucos estudos elucidando completamente as relações da ApoE com o SARS-Cov-2. Deste modo, sendo necessários estudos mais amplos e direcionados, com grupos mais heterogêneo de etnias e com grupos de controle melhores elaborados, sendo necessários pesquisas com intervalos de confiança mais bem estabelecidos e estudos de coorte longitudinais, que possam trazer resultados mais fidedignos aos achados já apresentados neste artigo, tendo em vista que muitos dos artigos analisados ainda apresentam  contradições acerca dos dados neles encontrados.

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¹ Discente da Faculdade Pitágoras de Codó (FPMC), Codó-MA  * Email: jota.arthur294@gmail.com

² Docente de Medicina da Faculdade Pitágoras de Codó (FPMC), Codó-MA