CORREÇÃO DA MORDIDA CRUZADA DE BRODIE COM ELÁSTICOS INTRAORAIS

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8145482


Antonio Carlos Farias Polesel Pizzello¹
Carlos Eduarde Bezerra Pascoal¹
Priscila Pinto Brandão de Araújo²
George Otto Florêncio Pereira¹
Débora Cristina Martins³
 Tiago Drumond Valadares Freitas¹


RESUMO

A mordida cruzada de Brodie é uma má oclusão estético funcional, caracterizada pela ausência de contato entre os dentes posteriores superiores e inferiores, com sobreposição inexistente entre eles, interferindo diretamente na função mastigatória e requerendo corretivo prévia ao seu diagnóstico. Estando presente em grande parte da população, possui várias alternativas e mecanismos de tratamento dependendo do caso e seu estágio. Este trabalho tem como objetivo, relatar as etapas do tratamento da mordida cruzada de Brodie, com uso de aparelho fixo e o auxílio de mecanismos secundários como botão de Nance, elásticos intraorais e análise de resultados, mostrando ter grande eficácia durante sua execução.

Palavras-Chave: Oclusão, Diagnóstico, Funcional.

ABSTRACT

Brodie’s crossbite is a functional aesthetic malocclusion, characterized by the absence of contact between the upper and lower posterior teeth, with overlap that does not exist between them, directly interfering with masticatory function and requiring correction prior to diagnosis. Being present in a large part of the population, it has several alternatives and treatment mechanisms depending on the case and its stage. This work aims to report the stages of Brodie’s crossbite treatment, using a fixed device and the aid of secondary mechanisms such as Nance button, intraoral elastics and results analysis, showing great efficacy during its execution.

Keywords: Occlusion, Diagnosis, Functional.

INTRODUÇÃO

As oclusopatias têm sido classificadas ao longo do tempo para facilitar o conhecimento de sua prevalência, etiologia e estabelecimento de novos e efetivos métodos de tratamento (BORGES et al., 2008).

Em artigo publicado por Edward Hartley Angle em 1899, onde pressupôs que a posição do primeiro molar superior permanente ocupava posição estável e pré-estabelecida na arcada, foi importante por proporcionar um marco decisivo no desenvolvimento da ortodontia até os dias atuais por classificar as oclusopatias a partir desse ponto de referência, e por definir de forma clara a oclusão normal da dentição natural (PINTO, 2008).

As más oclusões são classificadas quando existem desvios da normalidade nas arcadas dentárias, no esqueleto facial ou em ambos, afetando desde função do sistema estomatognático, bem como a autoestima do indivíduo (RIBEIRO, 2012).

A mordia cruzada por sua vez foi classificada em dois tipos: anterior e posterior, e a mordida cruzada posterior é entendida como a incapacidade de os arcos dentários ocluírem normalmente na relação vestíbulo-lingual do posicionamento dos dentes, levando a um desarranjo na região posterior da boca, pela posição dentária, crescimento alveolar ou ainda devido á discrepância óssea entre maxila e mandíbula (JANSON et al., 2004).

A partir da alteração clínica onde os dentes posteriores estão envolvidos na total ausência de contato dentário no sentido transversal, é então definida a síndrome da mordida de Brodie, onde existe um excesso de vestibularização dos dentes molares superiores e/ou lingualização dos dentes molares inferiores, sendo a sucessão de uma maxila extremamente larga transversalmente, de uma atresia severa da mandíbula ou uma junção de ambas (DAINESE et al., 2012).

A mordida de Brodie não tem uma etiologia específica, o que ocorre são desequilíbrios entre os sistemas em desenvolvimento que formam o complexo crânio facial, entre outros fatores, como o hábito de sucção prolongada de chupeta ou polegar (MOYERS, 1991).

A prevalência da mordida de Brodie tem sido observada especialmente em pacientes jovens, e se mantém constante na dentição decídua, mista ou permanente caso não seja interceptada com o passar do tempo (COHEN, 1979).

A importância do início imediato de tratamento dá-se por diversos aspectos, dentre eles pelo fato da mordida de Brodie não se corrigir espontaneamente, e a não intervenção imediata pode desencadear alterações das bases ósseas, musculares e dentárias, e a omissão do tratamento até a fase adulta torna o resultado mais difícil, acometendo problemas periodontais por trauma oclusal, e pela dificuldade no desenvolvimento e crescimento normais dos arcos dentários (PATEL et al., 2015).

Embora seja de fácil diagnóstico, o tratamento da mordida de Brodie é normalmente uma ação desafiadora diante das interferências oclusais causadas pela extrusão dentária, bem como pelas limitações biomecânicas de conseguir uma expansão mandibular e/ou de contração maxilar esqueléticas (ALMEIDA et al., 2012).

O objetivo desse trabalho visa apresentar através de caso clínico realizado na instituição CeproEducar, o resultado do tratamento da correção da mordida de Brodie unilateral com o uso de elásticos intraorais e botão de Nance, mostrando todas as etapas desde o diagnóstico através de exame clínico, imagem radiográfica e cefalométrica, o planejamento proposto com o paciente e o resultado obtido com o uso de dispositivos acessórios utilizados até o completo descruzamento da mordida de Brodie.

RELATO DE CASO

DIAGNÓSTICO

Paciente, gênero feminino, leucoderma, compareceu à clínica da CeproEducar procurando tratamento ortodôntico, para solucionar problema dentário que lhe causava incomodo desde a infância, relatando: “dentes tortos e mordida errada”.

Ao exame de imagem extrabucal, face sugestivo de paciente mesocefálico, apresentando  assimetria facial, com região do mento retraído em relação a maxila, formando um perfil convexo sugestivo de Classe II (Fig. 1, 2 e 3).

Sobre a análise de imagem intraoral, notou-se severa alteração dento-esquelética, apresentando dentição mista com desvio de linha média e mordida cruzada de Brodie unilateral, indicando uma Classe II divisão 1 (Fig. 4, 5 e 6).

Nas fotografias oclusais, pode-se observar o palato com profundidade e largura transversal alterada, configurando uma maxila transversalmente mais larga em comparação com a mandíbula (Fig. 7 e 8).

No exame radiográfico panorâmico observou-se ausência dos dentes 18, 13, 28, 32 e 42, notou-se agenesia do dente 45, presença do dente decíduo 85, além de giroversão do dente 15, também foi percebido diastemas entre os dentes 12, 11, 21 e 22 (Fig. 9).

Figura 9 – Radiografia panorâmica.

Através da telerradiografia lateral e do traçado cefalométrico (Fig. 10 e 11), foi analisado padrão característico de Classe II com retração mandibular como demonstrado através da tabela cefalométrica (Quadro 1).

Quadro 1 – Tabela Cefalométrica

PADRÃO DO ESQUELETO CEFALOMÉTRICO
     
FMA25°21°Tendência de crescimento horizontal
NS.Plo14°Tendência de crescimento horizontal
NS.GoM32°20°Tendência de crescimento horizontal
NS.GN67°64°Resultado do crescimento da mandíbula
    
SNA82°93°Maxila protruída
SNB80°85°Mandíbula Protruída
ANBMá relação entre maxilares (Classe II esquelética)
SND76°87°Protrusão mandibular
    
1.NA22°27°Incisivos superiores vestibularizados
1-NA4 mm7 mmIncisivos superiores protruídos
1.NB25°39°Incisivos inferiores vestibularizados
1-NB4 mm7 mmIncisivos inferiores protruídos
LINHA 10 mm-4 mmDiscrepância de -4mm
FMIA68°50°Relação angular de 50°
IMPA87°71°Incisivos inferiores inclinados para lingual
    
NAP0 a 2°Perfil ósseo convexo, relação de Classe II
H.NB9 a 12°20° 
H-Nariz9-11 mm0,5 mmPerfil de convexidade facial
Fonte: Do autor.

PLANEJAMENTO

Para o presente caso foi planejado um tratamento corretivo dento-esquelético, que devolvesse para a paciente uma harmonia estética e funcional, e para esse tratamento foi proposto inicialmente agir na correção da mordida cruzada de Brodie unilateral, pois entende- se que para atuar nos demais problemas, deve-se partir de uma oclusão com encaixe funcional adequado.

Como a paciente já havia iniciado um tratamento anterior, e por um longo período não conseguiu êxito em qualquer dos problemas que fora diagnosticado anteriormente, e como forma de garantir o correto planejamento desse tratamento, foi solicitado novos documentos atualizados, como fotografias intraorais (Fig. 12, 13 e 14) e as fotografias extraorais (Fig. 15, 16 e 17), além dos exames radiográficos panorâmico e telerradiografia, e nova colagem total do aparelho superior e inferior, esse planejamento teve a intenção de reavaliar o caso e prever quais serão as novas etapas do tratamento. Tendo definido o início do tratamento, foi incluído no planejamento meios que facilitassem as movimentações planejadas, e alguns dispositivos foram inseridos no tratamento para garantir de forma efetiva boas movimentações, são eles: botão de Nance modificado, barra transpalatina, botão lingual e uso de elásticos intraoral.

TRATAMENTO

O tratamento iniciou-se com a colagem de aparelho metálico na prescrição Capelozza Padrão II indicado para tratamentos da correção da Classe II (Fig. 18, 19 e 20).

Após a colagem completa do aparelho fixo, foi feita a seleção das bandas nos primeiros molares superiores para que fosse realizada a moldagem de transferência para a confecção do Botão de Nance associado a Barra Transpalatina (BTP), no laboratório de prótese (Fig. 21)

Figura 21 – Moldagem de transferência

Depois de receber o dispositivo finalizado, foi feita uma modificação na região do acrílico do botão de Nance, permitindo o encaixe dos dentes anteriores inferiores na região do batente destacado no círculo preto da imagem (Fig. 22), possibilitando um distanciamento suficiente das arcadas no momento da oclusão, e corrigindo o perfil facial anteroposterior em que se encontrava, além disso no botão de Nance foi associado uma Barra Transpalatina (BTP), que fez a estabilização da arcada superior no sentido transversal durante o movimento de descruzamento da mordida de Brodie.

Figura 22 – Modificação botão de Nance

Portanto o botão de Nance teve duas funções importantes durante o tratamento, inicialmente com função de batente para diminuição do contato vertical das arcadas na intercuspidação, e segundo para fazer uma projeção anterior da mandíbula para correção da Classe II, melhorando significantemente o perfil facial da paciente (Fig. 23, 24 e 25).

Foi utilizado para correção da mordida de Brodie, dois botões linguais que foram colados nos dentes 35 e 36 para que fosse possível a adaptação dos elásticos intermaxilares de tamanho 3/16 com força pesada, para que pudesse ser feita a força de descruzamento da mordida posterior. Os elásticos foram utilizados por 60 dias corridos, com trocas diárias removendo apenas para alimentação e higienização, possibilitando assim o descruzamento completo da mordida de Brodie (Fig. 26 e 27).

RESULTADO

Após dois meses de tratamento com uso dos dispositivos botão de Nance, elásticos intermaxilares e botão lingual exclusivamente na correção da mordida cruzada de Brodie unilateral, foi obtido resultado satisfatório tanto na descruzamento da mordida quanto no encaixe anteroposterior entre as arcadas como observado nos círculos em destaque nas imagens a seguir (Fig. 28 e 29).

Comparando as imagens obtidas antes, durante e após o tratamento, notou-se que o resultado, trouxe notoriamente uma melhora na qualidade funcional da mordida, além da assegurar melhora na autoestima, possibilitando também dar continuidade nas demais correções necessárias do tratamento. Ao verificar os resultados obtidos por meio da telerradiografia final, seu traçado cefalométrico e a sobreposição das imagens inicial e final (Fig. 30, 31 e 32), além dos dados inseridos e classificados na tabela de padrão do esqueleto cefalométrico (Quadro 2), nota-se que perceptivelmente houve uma positiva alteração no perfil facial e no esquelético da paciente apenas com o descruzamento da mordida de Brodie.

Quadro 2 – Tabela cefalométrica

  PADRÃO DO ESQUELETO CEFALOMÉTRICO
     
FMA25°17°Tendência de crescimento horizontal
NS.Plo14°11 °Tendência de crescimento horizontal
NS.GoM32°20°Tendência de crescimento horizontal
NS.GN67°58°Resultado do crescimento da mandíbula
    
SNA82°91°Maxila protruída
SNB80°90°Mandíbula Protruída
ANBMá relação entre maxilares (Classe II esquelética)
SND76°89°Protrusão mandibular
    
1.NA22°35°Incisivos superiores vestibularizados
1-NA4 mm9 mmIncisivos superiores protruídos
1.NB25°40°Incisivos inferiores vestibularizados
1-NB4 mm6 mmIncisivos inferiores protruídos
LINHA 10 mm-2 mmDiscrepância de -2mm
FMIA65°62°Relação angular de 62°
IMPA87°75°Incisivos inferiores inclinados para lingual
    
NAP0 a 2°Perfil ósseo convexo, relação de Classe II
H.NB9 a 12°17° 
H-Nariz9-11 mm6 mmPerfil de convexidade facial
Fonte: Do autor.

DISCUSSÃO

Existem diversas alternativas para o tratamento da correção da mordida de Brodie, e um diagnóstico diferenciado contribui para a escolha correta do mecanismo utilizado, pois existem controvérsias na literatura que dizem que apenas com a terapia de movimentação dentária pode- se atingir uma oclusão satisfatória, outros afirmam que se faz necessário a correção esquelética através de dispositivos expansores. De acordo com Faber (1981), o uso de elásticos cruzados 3/16” pesado, com auxílio de botão lingual para a correção da mordida de Brodie com envolvimento de poucos dentes de forma unilateral, é uma opção de eficaz de tratamento, contudo este método tem a desvantagem de depender da cooperação do paciente para o uso correto e substituição dos elásticos.

Para Lee (1978), alguns tratamentos podem necessitar a correção de vários dentes na arcada de forma uni ou bilateral, ou quando a movimentação dos dentes da mandíbula é indesejada, para esses casos o uso de aparelho removível com parafuso expansor (aparelho de Schwartz) com ativação de ¼ de volta a cada 5-7 dias é a melhor indicação, sendo importante orientar ao paciente a fazer a remoção do dispositivo apenas nas refeições ou para proceder com a higienização da peça.

Segundo Silva (1991), quando o diagnóstico indica alteração de origem dentária ou esquelética uni ou bilateral, pode-se lançar mão do uso de expansor fixo Quadrihélice, pois além de promover a inclinação dentária, auxilia também na abertura da sutura palatina na maioria dos casos, mas vale ressaltar que este tipo de aparelho é indicado nos estágios precoces do desenvolvimento da dentição, ou seja nas fases de dentição mista ou permanente jovem, e por promover uma expansão de forma lenta e principalmente por inclinação dentária, não é considerado um disjuntor.

Além destes dispositivos disponíveis e suas respectivas indicações, pode-se encontrar outras formas de tratamento como, expansor de Minnesota, expansor Hirax e expansor com placa acrílica palatina (disjuntor de Hass), o tratamento da mordida cruzada posterior é uma má-oclusão difícil de ser tratada, cada caso possui uma indicação apropriada, e a terapia de escolha reflete no resultado direto do tratamento, pois a probabilidade de comprometimento esquelético aumenta conforme envolvimento do maior número de dentes (HAYASAKI et al., 1998).

CONCLUSÃO

Pode-se concluir que a biomecânica por elásticos intraorais na correção da mordida cruzada de Brodie unilateral demonstrou bastante eficiência, e promoveu não só a correção funcional da oclusão, mas também ajudou significativamente na correção do perfil facial que a paciente se encontrava, agindo de forma simples, eficiente e em um período de tempo curto.

REFERÊNCIAS

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DAINESE, EA; Marin CAPP, Kawauchi MY, Valarelli FP, Costa SRMR. Mordida cruzada posterior invertida – tratamento em paciente adulto. Orthod Sci Pract. 2012;5 (19):444-449.

FABER, R.D. The differential diagnosis and treatment of crossbites. Dent. Clin. North AM, 22: (1).53-68. Jan,1981.

HAYASAKI, S.M.; CANTO, G.L.; HENRIQUES, J.F.C.; ALMEIDA, R.R.; A importância da correção precoce da mordida cruzada posterior. Revista Dental Press de Ortodontia e Ortopedia Facial, 3 (6): 30-4, nov/dez 1998.

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PINTO, E.M.; GONDIM, P.P.C.; LIMA, N.S.; Análise crítica dos diversos métodos de avaliação e registro das más oclusões. Rev Dental Press Ortod Ortop Facial. 2008 jan- fev;13(1):82-91. 28. Proffit WR. Ortodontia contemporânea. São Paulo: Pancast; 1991. p. 12- 23.

RIBEIRO, C. O. Maloclusões, tipo facial e avaliação muscular em escolares de 7 a 12 anos de idade. 22 ed. São Francisco do Conde, 2012. 77p.

SILVA FILHO, O. G.; OKADA, T.; QUEIROZ, G. V.; et. al. – Uma concepção realista do quadrihélice na ortodontia interceptativa. Ortodontia. 24: (3),32-40. 1991


¹Especialista em Ortodontia.
²Doutora em Ortodontia.
³Mestre em Ortodontia.