CONVERSANDO SOBRE ALIMENTAÇÃO SAUDÁVEL: O PAPEL DOS ALIMENTOS ULTRAPROCESSADOS.

TALKING ABOUT HEALTHY EATING: THE ROLE OF ULTRA-PROCESSED FOODS.

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202501241346


Lavínia Helloar Mota Mendes; Ana Catarina Da Silva Costa; Ângela Maraiza Dantas Cavalcante; Gabriela da Silveira Machado; Lucas Coimbra de Souza; Nicole de Geus Cervi; Orientadora: Profª Doutora Rosangela Ziggiotti de Oliveira.


Resumo

Este estudo descreve uma experiência de educação em saúde sobre alimentos ultraprocessados, realizada por acadêmicos de medicina em uma Unidade Básica de Saúde (UBS) sediada em Curitiba, Paraná, voltada para uma população com alta vulnerabilidade social. Através de diálogos individuais com os usuários, buscou-se promover a compreensão sobre os impactos dos alimentos ultraprocessados na saúde e no meio ambiente. Os resultados indicam que, apesar do reconhecimento dos malefícios, o consumo desses alimentos é frequente, impulsionado por fatores como palatabilidade, conveniência e preço. A dificuldade em interpretar rótulos e a falta de conhecimento sobre os impactos ambientais também foram identificadas. A atividade revelou a necessidade de ações contínuas e multidisciplinares na comunidade para promover hábitos alimentares mais saudáveis, considerando as características socioeconômicas e culturais dessa população.

Palavras-Chave: Promoção da saúde. Educação em saúde. Alimentação saudável

INTRODUÇÃO:

Processamento de alimentos geralmente refere-se a qualquer ação que altere o alimento de seu estado natural, como secagem, congelamento, moagem, enlatamento, adição de sal, açúcar, gordura ou outros aditivos para saborização ou preservação1,2. A rápida substituição de alimentos in natura e minimamente processados por ultraprocessados nas dietas globais, marcada pela industrialização e padronização, tem levado a uma deterioração da qualidade nutricional com impactos significativos para a saúde e também danos ao meio ambiente. Essa tendência não apenas contradiz o direito humano à alimentação, mas também impacta negativamente a saúde pública2. É frequentemente impulsionada por fatores sociais, econômicos e culturais e desafia o princípio de que todos devem ter acesso a uma alimentação nutritiva que promova o bem-estar. Os relatórios internacionais sintetizam no conhecimento atual, evidências do efeito protetor da composição da dieta sobre a maioria das doenças crônicas não transmissíveis e na promoção da saúde2. Um estudo publicado no país estimou em 57.000 mortes prematuras por todas as causas atribuídas a ingestão destes alimentos 3,4. Um conjunto substancial e crescente de pesquisas tem constatado forte associação entre estes alimentos ao sobrepeso, obesidade, diabetes tipo 2, depressão, doenças cardiovasculares, cerebrovasculares e mortalidade por todas as causas1. Para a população, no entanto, as informações disponíveis sobre durabilidade, praticidade e sabor como estratégias de marketing dos ultraprocessados, podem gerar confusão e dificultar sua compreensão sobre os prejuízos do excesso deste consumo. Profissionais da saúde, estudantes de graduação e educadores possuem um papel crucial na promoção de hábitos alimentares saudáveis. Ao desmistificar conceitos errôneos sobre os alimentos, fornecer informações claras e objetivas, pode auxiliar a população a fazer escolhas mais conscientes e saudáveis. Este relato busca apresentar a experiência de acadêmicos do curso de medicina com usuários de um serviço de saúde, na promoção de educação alimentar com foco nos alimentos ultraprocessados.

Relato da Experiência:

Com auxílio de perguntas disparadoras, seis acadêmicos de medicina da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, campus de Curitiba-PR,  realizaram uma atividade de educação em saúde com ênfase em “alimentos ultraprocessados”, como parte integrante de uma disciplina que tem como foco a Atenção Primária à Saúde, na perspectiva da Saúde Planetária. Foi feita uma abordagem individual aos usuários que aguardavam algum tipo de atendimento na Unidade Básica de Saúde, campo de estágio dos acadêmicos. O serviço de saúde tem duas equipes da Estratégia de Saúde da Família e uma população cadastrada de aproximadamente 6000 pessoas de alta vulnerabilidade social. A atividade foi realizada em outubro de 2024, conforme proposto no plano de ensino, e abordou diversos aspectos relacionados à alimentação saudável. Dando início ao encontro, os acadêmicos realizaram uma breve apresentação e solicitaram aos participantes que compartilhassem suas expectativas em relação ao diálogo a ser desenvolvido. Em seguida, procederam à apresentação dos conceitos de alimentos in natura, minimamente processados, processados e ultraprocessados2,5, empregando exemplos práticos com uma linguagem clara e objetiva, a fim de tornar os conceitos mais compreensíveis para todos os participantes. (Figura 1). Após a discussão inicial, os acadêmicos convidaram os participantes a refletir sobre seus próprios hábitos alimentares. Com o auxílio de uma lista de exemplos (bolachas, biscoitos, salgados de pacote, chocolates, refrigerantes, macarrão instantâneo,fast food), foi possível identificar o consumo de alimentos ultraprocessados. Em seguida, de forma clara e objetiva, foram apresentados os impactos negativos desses alimentos para a saúde e o meio ambiente. A importância da leitura de rótulos foi enfatizada, e os participantes foram incentivados a desenvolver essa prática. Para finalizar, os acadêmicos entregaram um folder educativo com informações relevantes, para reforçar a escolhas alimentares mais conscientes e saudáveis.

Figura 1 – Quatro categorias de alimentos, definidas de acordo com o tipo de processamento empregado2,5

Figura 2 – Folder educativo para os participantes.

Resultados e Discussão:

Foram entrevistados 11 indivíduos, quatro homens e sete mulheres entre 22 e 87 anos, com idade média de 43,4. Com relação ao conceito dos ultraprocessados, quatro entrevistados maiores de 50 anos desconheciam o termo. O consumo diário foi citado por oito participantes e os preferenciais dessa classe foram respectivamente, bolachas, refrigerantes e os salgados de pacotes e como atrativos foram citados a palatabilidade, facilidade do preparo e por último o preço. A conveniência, a falta de tempo e custo podem representar barreiras para a adoção de melhores hábitos alimentares. Sabe-se que a ampliação da oferta destes produtos nos mais diversos locais de compras até mesmo os remotos, muitas vezes superam a de produtos tradicionais e impulsionam a venda. Alguns estudos sugerem que pessoas de menor escolaridade e renda têm consumo maior e que há uma associação inversa entre idade e ingestão destes alimentos3. Apenas dois participantes tinham idade maior do que 60 anos. O período noturno se destacou como o horário em que os entrevistados tinham maior chance de buscar estes alimentos, justificado pela rapidez do preparo e o cansaço após a jornada de trabalho. O Guia Alimentar para a População Brasileira4 já na sua primeira edição citava recomendação à população sobre dar preferência aos alimentos in natura ou minimamente processados e preparações culinárias com predomínio de alimentos vegetais, evitando os alimentos ultraprocessados. Além disso, o guia destaca que 80% da população brasileira não consome nutrientes essenciais2. Quanto aos impactos à saúde, oito participantes acreditam que o consumo excessivo pode ser prejudicial à saúde, mas essa percepção se baseia mais em opiniões gerais do que em conhecimento científico específico. Em relação ao meio ambiente, os entrevistados reconhecem que os alimentos ultraprocessados podem causar danos, principalmente devido ao descarte de embalagens. Um relatório publicado em 2020 citou no documento que dentre os maiores poluidores estão as transnacionais de bebidas açucaradas, incluindo os líderes de vendas de refrigerantes6,7. Outros aspectos relacionados ao meio ambiente não eram conhecidos pelos participantes.. Publicações recentes mostram que esses alimentos contribuem significativamente para as emissões de gases de efeito estufa, desmatamento e perda de biodiversidade6. Quanto ao rótulo, tem por função orientar o consumidor sobre os constituintes dos alimentos promovendo escolhas alimentares saudáveis8. No entanto, isto não significa que as pessoas estejam utilizando como uma ferramenta para essas escolhas. Nesse diálogo com os usuários do serviço de saúde, apenas quatro participantes liam os rótulos dos alimentos consumidos. É possível que a complexidade do vocabulário, desconhecimento da importância da leitura, tempo disponível e o tamanho das letras sejam limitações a este hábito. As limitações do relato de experiência dizem respeito ao número de usuários participantes, coleta em uma UBS com características específicas e a forma pontual de coletar as informações. Embora a abordagem individual permita maior contato com o usuário, pode ser menos efetiva que a comunitária.

Considerações finais:

A experiência de educação em saúde, conduzida por estudantes de medicina em usuários de um serviço de saúde, ilustra o papel fundamental dos futuros profissionais na promoção da saúde. Os resultados da atividade sugerem a necessidade de ações multidisciplinares, intersetoriais e contínuas na perspectiva de apoio de políticas públicas e regulamentações, para a promoção de hábitos alimentares mais saudáveis e sustentáveis junto à população.

Referências Bibliográficas

  1. UNC Global Food Research Program. (2021, maio). Alimentos Ultraprocessados: Uma Emergência Global. (Relatório). UNC Global Food Research Program. https://forum.wordreference.com/threads/do-make-a-report.1328255/. Acesso em 10 de novembro de 2024.
  2. BRASIL. Ministério da Saúde. Guia Alimentar para a População Brasileira: promovendo a alimentação saudável. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. Disponível em https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/guia_alimentar_populacao_brasileira_2008 Acesso em 10 de dezembro de 2024.
  3. NILSON, E. A. et al. Premature Deaths Attributable to the Consumption of 13 Ultra-Processed Foods in Brazil. American Journal of Preventive Medicine, v. 64, n. 1, p. 129-136, 2022a. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.amepre.2022.08.013. Acesso em 08 de novembro de 2024.
  4. LOUZADA, M. L. C. et al. Consumo de alimentos ultraprocessados no Brasil: distribuição e evolução temporal 2008–2018. Revista de Saúde Pública, São Paulo, v. 57, n. 14, abr. 2023. Disponível em: https://doi.org/10.11606/s1518-8787.2023057004744. Acesso em 12 de dezembro de 2024.
  5. MONTEIRO, Carlos Augusto et al. Uma nova classificação de alimentos baseada na extensão e propósito do seu processamento. Cadernos de saúde Pública, v. 26, n. 11, p. 2039-2049, 2010. Disponível em: https://www.scielo.br/j/csp/a/fQWy8tBbJkMFhGq6gPzsGkb/?lang=en. Acesso em 12 de novembro de 2024.
  6. Jornal da USP. Ciência e Saúde. (06 de janeiro de 2025). Consumo de ultraprocessados também pode contribuir para a degradação ambiental. [online]. Disponível em: https://www.usp.br/jornal-da-usp/redacao/2025/01/06/impactos-ambientais-do-consumo-de-alimentos-ultraprocessados. Acesso em o8 de janeiro de 2025.
  7. CHANGING MARKETS FOUNDATION. Talking trash: the corporate false playbook. [S.l.]: Changing Markets Foundation, 2020. Disponível em: https://changingmarkets.org/wp-content/uploads/2023/10/TALKING-TRASH-SPANISH-FINAL.pdf. Acesso em: 16 nov. 2024.
  8. CAVADA, G. S. et al. Rotulagem nutricional: você sabe o que está comendo? Braz. J. Food Technol. IV SSA, maio 2012, p. 84-88. Disponível em: http://scielo.br/j/bjft/a/N9jx4GpQXGfbcRb5r6fp5XQ/?format=pdf. Acesso em 07 de janeiro de 2025.