CONTROLES E INDICADORES DE DESEMPENHO DE UMA ESTAÇÃO DE TRATAMENTOS DE EFLUENTES INDUSTRIAIS – ESTUDO DE CASO

CONTROLS AND PERFORMANCE INDICATORS OF AN INDUSTRIAL WASTEWATER TREATMENT PLANT – CASE STUDY

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8092556


Flavia Caroline Halucha1
Gleyciane Martins Rodrigues2
Helen Bury3
Silvia Mara Haluch4
Sandro José Froehner5


RESUMO: Com o aumento da produção mundial e consequentemente a enorme geração de resíduos líquidos de diversos processos industriais, as Estações de Tratamentos – ETE’s necessitam ser altamente eficientes. Para isso, é necessário embutir controles dentre as etapas, a fim de garantir a melhor eficiência do processo. O objetivo desse trabalho é indicar alguns pontos de controle do processo e medição tanto para o tratamento físico e químico, como no processo de tratamento biológico e de polimento de uma estação de tratamento de efluentes industriais visando os Sistemas de Gestão da Qualidade e Meio Ambiente. Os resultados desse estudo trazem um parâmetro de controle em um reator biológico anaeróbio usando contagem celular, medição de pH, sólidos totais e sólidos totais voláteis, bem como uma simples coloração de gram para observar as formas bacterianas, investigando quais são a microbiota e assim atuar na inoculação de agentes biodegradadores. Coloração em azul traz a resposta de agentes Gram positivos, que são os ideais para reatores anaeróbios, como os Firmicutes e as Archeas. Coloração em vermelho são as Gram negativas constituídas quase por totalidade pelas Proteobacterias, nas quais se incluem as gamaproteobactérias que podem ser indesejadas para esse tratamento. Em contrapartida, os controles dos processos físicos e químicos estão nas medições de pH, DQO – Demanda química de oxigênio, jar test com a melhor seleção dos agentes coagulantes e floculantes, observando as melhores reduções x geração de lodo x clarificação. Para tratamentos de polimento pelo uso de filtros de areia filtrante e carvão ativado, que visam a remoção de 80%, medições do metal ferro, sólidos suspensos e sólidos sedimentáveis são ideais. Dessa forma, alguns simples controles, tornam-se excelentes indicadores de desemprenho de uma ETE e auxiliam nas rotinas de manutenções preventivas e corretivas. 

Palavras Chave: ETE, físico-químico, biológico, jar test, anaeróbio.

ABSTRAT: 

Abstract: With the increase in global production and consequently the enormous generation of liquid waste from various industrial processes, the Wastewater Treatment Plants (WWTPs) need to be highly efficient. To this end, it is necessary to embed controls within the stages to ensure the best process efficiency. The present study aims to raise some points of control and measurement in both physical and chemical processes, as in biological treatment and polishing processes in an industrial wastewaters treatment plant. The results of this study provide a control parameter in an anaerobic biological reactor using cell counting, pH measurement, total solids and volatile total solids, as well as a simple Gram staining to ascertain the Gram positive organisms and the bacterial forms, investigating which the microbiota is and, thus, enabling the inoculation of biodegrading agents. In contrast, the controls of the physical and chemical processes are under the pH measurements, COD (Chemical Oxygen Demand), jar test with the best selection of coagulants and flocculants, observing the best relations of reductions vs sludge generation vs clarification. For polishing treatments by the use of filtering sand and activated carbon, iron measurements, suspended solids and settleable solids become an excellent control parameter for preventive and corrective maintenance. 

Keywords: WWTP, physicochemical, biological, jar test, anaerobic

INTRODUÇÃO

Estudos de Estação de tratamento de efluentes – ETE existem há mais de 100 anos e em estão em contínuo aperfeiçoamento visando a melhor eficiência e custo economicamente viável (Garnier et al., 2018; Azevedo, 2020). Atualmente existe uma forte preocupação internacional sobre o tratamento dos efluentes de origem antrópica e seus impactos na qualidade de vida e na proteção ambiental. Com a publicação de legislações como Resolução CONAMA 430 e CONAMA 357 que visam à prevenção da poluição de rios, forçaram as indústrias e empresas, a instalarem estações de tratamento ou destinar os resíduos líquidos (Brasil, 2005; Brasil, 2011, Von Sperling, 2016).

Segundo as legislações ambientais nacionais representados pela Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 que trata da Política Nacional do Meio Ambiente, obriga aos poluidores a recuperar os dados produzidos ou indenizar os mesmos e a Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 sobre o direito de propriedade, trazendo a preservação da mesma, tanto a fauna, flora, equilíbrio, beleza e patrimônio social com preservação das aguas e ar. Ambas as leis buscam o equilíbrio ambiental com vistas ao desenvolvimento sustentável. A Lei N. 9.605, Brasil (1998), regulamenta condutas e dos crimes ambientais e descreve “Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora”.

Por fim, as legislações inerentes ao CONAMA – Conselho Nacional do Meio Ambiente visam atender às Políticas Nacionais estabelecidas e Gestão de Recursos hídricos e ocupação do solo com metas pautadas no “princípio da preservação” que está consagrado na Política Nacional de Meio Ambiente em seu artigo 2º, incisos I, IV, IX da Lei Federal N. 6.930 de 1981 (BRASIL, 1981; BRASIL, 2011).

Dessa forma, é necessário tratar os resíduos gerados de qualquer fonte poluidora antes de um descarte no rio, infiltração no solo ou na rede coletora pública, visando atender as políticas nacionais e regulamentos ambientais. Investimentos e aprimoramentos em ETEs se tornaram a chave para o sucesso no atendimento legal, visto que tudo está em transformação e os requisitos legislativos estão cada vez mais apertados (Cornelli et al, 2014). E para que ocorra sucesso e um bom tratamento, a escolha do processo a ser utilizado, deve estar em acordo com a tipologia do empreendimento e caracterização do efluente a ser tratado, sendo ideal a união de processos distintos, como por exemplo, a junção de operações físico-químicas, biológicas e de polimento a fim da garantia da melhor eficiência e atendimento legislativo (Von Sperling, 2016; Neves et al, 2019).

Tipos de tratamento

Os processos convencionais de tratamento físico e químico (FQ) de remoção e clarificação têm o objetivo de aglutinar partículas em suspensão (1 a 100 µm) contidas em efluentes domésticos e industriais, com a adição de coagulantes e/ou floculantes, para promover a redução de sólidos e coloides, nutrientes, carga orgânica, poluentes inorgânicos, transferindo-os para a formação de lodo a ser destinado (Cavalcanti, 2016).

O mecanismo técnico do tratamento físico-químico por coagulação/floculação compreende a aglomeração das partículas devido ao agente coagulante em meio aquoso de forma a desestabilizar partículas coloidais, reduzindo as forças que tendem a manter separados os sólidos em suspensão (Richter et al, 2007; Vaz, 2010).As partículas coloidais suspensas, que atribuem turbidez e cor, são carregadas na maioria das vezes com íons negativos. Portanto, a desestabilização dessas partículas pode ser alcançada com a adição de produtos químicos que possuem carga positiva (Rôla, 2016). Na floculação, geralmente uma etapa posterior à coagulação, um polímero hidrossolúvel é aplicado para adsorver-se sobre os as partículas ou coágulos e formar flocos que podem ser separados por sedimentação (Nunes, 2008).

Tratamento biológico

Os tratamentos biológicos são divididos em dois: aeróbios e anaeróbios, ambos com vantagens e desvantagens (Rocha, 2017). O aeróbio é ideal para redução de nutrientes, sendo um processo de tratamento rápido, condições ambientais menos rigorosas, alta taxa de produção de lodo. O anaeróbio é ótimo na redução de matéria orgânica, porém, com alta permanência do efluente, alto impacto de temperatura sob a microbiota, com baixa produção de lodo, requerendo menor custo de energia, com possibilidade de coleta de biogás.

O tratamento por lodo anaeróbio é um processo consolidado e usado há muitos anos na depuração de materiais com alta carga orgânica, aplicado principalmente nas empresas de tratamento de esgoto sanitário, que usam essa tecnologia para tratar efluente doméstico. Em vários estudos são propostos técnicas para avaliar a atividade microbiana e ainda não foram definidos protocolos acessíveis e com certa facilidade analítica, para procedimentos operacionais nas estações de tratamento de forma usual e corriqueira. Já o tratamento por lodos ativados, ou seja, de forma aeróbia são os mais aplicados no mundo inteiro, possuindo diversos trabalhos científicos e inúmeros controles de microscopia e análise de sólidos suspensos (Chermicharo, 2016; Von Sperling, 2016; Cavalcanti, 2016).

A análise do lodo constitui uma ferramenta necessária para a qualidade do efluente tratado e seus controles indicam os ajustes e manutenções preventivas e corretivas para aperfeiçoar o reator. Dessa forma, a escolha deve visar detalhes técnicos visando o melhor aproveitamento de cada tecnologia.

Tratamento de polimento por filtração

Sistemas de tratamento pelo uso de filtros são usados há muitos anos devido à eficiência de remoção de sólidos suspensos, cor, turbidez e metais. O filtro de areia, por exemplo, possuem custos baixos com enorme eficiência na remoção de sólidos, em contrapartida o carvão ativado, que possui um custo mais elevado, porém, altamente eficiente na remoção de alguns compostos orgânicos e excelentes na remoção de metais pesados (Tonetti, 2016). Os filtros são normalmente usados no processo final de uma estação de tratamento e possui seus benefícios visando o melhor descarte final.

MATERIAIS E MÉTODOS

LOCAL DO ESTUDO

A área de estudo foi na região do CIC – Curitiba – PR na ETE JDC Central de Tratamento de Resíduos Líquidos. A estação de tratamento de efluentes foi desenvolvida com as etapas de tratamento físico e químico (FQ) por coagulação e decantação, através de agentes coagulantes e polímeros de alta eficiência, posteriormente, a etapa de reatores anaeróbios (USAB) e a etapa de polimento com filtração com três filtros contendo areia e carvão ativado e um sistema de cloração antes do descarte em rede coletora pública. 

TESTES FÍSICO-QUÍMICOS 

Os ensaios realizados nas amostras de efluentes são padronizados pelo Standard Methods (APHA, 2023). Os parâmetros mensurados foram DQO (Demanda Química de Oxigênio), pH e ferro.  O ensaio de DQO foi realizado pela técnica de refluxo fechado, pela digestão em 148º C por 2 horas e medido em equipamento da ROCKER.

O ensaio ferro foi realizado pelo reagente Visocolor Eco MN e leituras no equipamento fotométrico PF12 Plus Macherey Nagel (MN). A medição de pH foi realizada no equipamento AKSO AK-88 possuindo compensação de temperatura.

A técnica de cromatografia utilizada foi a Cromatografia gasosa (CG) pelo uso de detector FID (flame ionization detector), coluna DB624, gás de arraste nitrogênio. Os gases usados consistem em hidrogênio, nitrogênio e ar sintético com alto grau de pureza. A técnica de extração realizada foi por Headspace (EPA 3890).

JAR TEST

Jar Test é um procedimento bastante comum em Estações de Tratamento, pois este ensaio determina a condição ótima para floculação, tempo e agitação necessária e a dosagem ótima dos coagulantes, ajustadores de pH e polímeros, proporcionando a eficiência desejada com um menor custo econômico. O procedimento é transferir nas cubas reacionais o efluente, verificar o pH,  corrigir se necessário com acidificantes ou basificantes, testar volumes diferentes de coagulantes e os polímeros, buscando a melhor tratabilidade para cada lote teste. 

ENSAIO BIOLOGICO

CONTAGEM CELULAR 

A contagem celular foi realizada pela confecção de meios de cultura sólido, ágar EMB – Eosina Azul de metileno, preparados em ambiente totalmente asséptico. As amostras foram inoculadas por semeadura com o volume de 1 mL. Após o estriamento, os meios foram incubados em atmosfera comum em temperatura de 35º C aproximadamente, por até 48 horas. Após a incubação, as placas seguiram para contagem e verificação de colônias tipicamente de características de decompositora, ou seja, coloração, crescimento da colônia visualmente anucleada ou nucleada, forma glutinosas e com mucilagem bem definida, sendo observado o tamanho e a alteração do meio. (Goodwin, 1996; Brooks, 2014, Tortora, 2017, APHA, 2023).

Coloração de GRAM

A coloração de Gram, procedimento clássico e altamente difundido em todos os laboratórios, foi utilizada como caracterização de formas de bactérias visando à forma e arranjo da mesma. Usando microscópio e objetiva de alcance de 1000x e as soluções de lugol, fucsina, iodo e álcool, o método criado por Hans Gram, em 1884, diferencia bactérias de gram positiva e negativa, e evidencia a estrutura, morfologia e arranjo das bactérias em estudo, sendo um artifício ideal em rotinas laboratoriais (Brooks, 2014, Tortora, 2017). 

RESULTADOS E DISCUSSÃO 

Controle de cargas

O controle de cargas é de extrema relevância no sucesso do tratamento e sua seleção visa orientar o destino das linhas de tratamento, focando a melhor eficiência. A entrada da carga necessita primeiramente separar sólidos grosseiros e medir a vazão correta para cálculos posteriores. Os tanques devem ser selecionados para receber a tipologia de efluentes de acordo com suas características e similaridades. Nesse momento, o recebimento é a chave para o sucesso de todas as próximas etapas, principalmente na orientação dos químicos aromáticos e agentes bactericidas para não seguem para a linha biológica.

Controle do físico-químico 

O tratamento físico e químico realizado no local do estudo possuem tanques de aço-carbono, com hélices orbitais e inoculação automática de produtos. Os tanques possuem capacidade para 30 m3 de efluente a ser tratado e cada lote é averiguado no laboratório interno por jar test. 

A realização de jar test é de extrema necessidade para se delinear se o tratamento segue pela via polimérica catiônica ou aniônica e o melhor coagulante a ser utilizado. Alguns tratamentos necessitam de correção de pH com hidróxido de sódio (soda), óxido de cálcio (CaO – cal), acidulantes como ácido sulfúrico. 

O controle de melhor tratabilidade está na clarificação com medição de turbidez, formação de lodo e decantação do mesmo, sendo observada a consistência, tempo de sedimentação e quantidade de produtos, conforme a figura 1.

Toda essa dinâmica é a chave do físico-químico em conjunto com o máximo rol de produtos de diversas linhas e fornecedores. Portanto, relatórios com a medição inicial e final de pH, DQO e outros parâmetros chave, que dependem da tipologia da indústria, como por exemplo, BTEX, metais e outros orgânicos e inorgânicos, somado com a quantidade de produtos a serem utilizados, é o controle gerencial do tratamento físico-químico convencional. 

Pelos dados obtidos do laboratório interno da ETE, os valores de eficiência estão entre 60 e 70% pela média dos últimos meses, sendo 230 tanques tratados de 30 m3 aproximadamente.

Figura 1. A: Efluente Bruto antes do tratamento; B: Efluente Tratado após o tratamento FQ. Fonte: Autores

Observando os tratamentos físicos e químicos nos últimos quatro meses, observamos que o maior uso de produtos está em sulfato de alumínio, como agente coagulante, cal como agente alcalinizante e polímero aniônico, como auxiliador e adensador do lodo a ser formado. Portanto, para a estação em estudo, mais de 90% dos tratamentos são pela via aniônica com o uso de compostos de alumínio como coagulante, conforme a Figura 2.

Figura 2. Ilustração do consumo de produtos no tratamento físico-químico
Fonte: Autores.

Controle do tratamento biológico

O reator de estudo é via anaeróbia, conhecido como reator USAB – Upflow Anaerobic sludge blanket do tipo fluxo ascendente, com câmera de reação onde forma a manta de lodo, local de maior concentração de organismos. O efluente atravessa essa manta de lodo, momento que a matéria orgânica e nutriente fica retidos como substrato e consequentemente ocorre a formação de gás carbônico, metano e outros. O efluente continua seu destino subindo em direção ao topo passando pela zona de decantação, onde os sólidos retornam e o líquido se mantém em direção ascendente e enfim chega ao separador trifásico, onde se separa os gases, local chamado de câmera de gás, e destina gases para o queimador e o efluente para a saída do líquido tratado. 

As bactérias ideais, para um reator anaeróbio, compreendem o grupo das fermentativas (hidrólise e acidogênese), as bactérias acetogênicas (acetogênese) e as metanogênicas (metanogênese), conhecidas como Arqueas bactérias, sendo a mais importantes a Metanosarcina sp e Methanosaeta sp. (Cavalcanti, 2016; Haluch, 2019). As bactérias com grande capacidade de hidrolítica, degradadora e fermentativa, podemos citar as firmicutes, Clostridium sp, Micrococcus sp e Staphylococcus sp,  Bacillus sp, Streptococcus sp, os lactobacilos, e de grande importância dentro de um reator, as leveduras, que são fungos dimórficos, sendo que todos os microrganismos citados são gram positivos, corando em azul pelo Gram (Haluch, 2019). 

No controle realizado na área de estudo semanalmente, foram evidenciadas na coloração de gram, grande quantidade de bactérias positivas, que são as ideais para tratamento anaeróbio, por serem decompositoras gerando como subproduto final metano, enquanto as gram negativas, coradas em vermelho, constituem em sua maioria as Proteobactérias, dentro delas as gamaproteobactérias, representada, por exemplo, pelas Enterobacterias, que são usualmente encontradas em lodos ativados, ou seja, com a introdução de níveis limítrofes de oxigênio, além das mesmas serem anaeróbias facultativas. Portanto, um simples controle laboratorial de gram é possível evidenciar, em microscópio, bacilos, cocos, sarcinas e leveduras gram positivas, (Figura 3) e comparar com seu crescimento celular por contagem.

Figura 3. A: Formato Sarcina (Metanosarcina sp);  B: Formato cocos (Micrococcus sp).
Fonte: Autores

A contagem celular é a realização de número de colônias crescidas em meio de cultura em ágar sólido, com as características padronizadas, conforme a figura a seguir (Figura 4). As bactérias róseas claras de formas glutinosas visualmente anucleadas são metanogênicas (Metanosarcina sp), enquanto as enegrecidas com evidência visual nucleada são acidogênicas e as com mucilagem definida, com colônia visualmente nucleada e de cor levemente violáceo, são as acetogênicas. Esse é o quadro ideal em um reator biológico do tipo anaeróbio.

Figura 4: Ilustração da cultura em meio de cultivo celular para contagem de bactérias.
Fonte: Autores

Em medições contínuas, é possível acompanhar momentos em que ocorrem alterações na comunidade biológica e passam a surgir microrganismos indesejáveis como helmintos, Enterobacterias e fungos filamentosos (Figura 5A e B).

Figura 5: A: Presença de fungos filamentosos.  B:  Evidencia de larvas de helmintos no lodo do reator.
Fonte: Autores.

No reator, parâmetros físicos e químicos, também são de grande valia no controle visando os melhores resultados, por exemplo, medição de pH – potencial hidrogênio iônico, visando a condição ideal para crescimento microbiano, sólidos totais e sólidos totais voláteis, podem traduzir no momento de descarte do lodo excedente, visando o fluxo ideal de líquido x sólidos e garantindo a eficiência máxima do tratamento.

O monitoramento foi realizado em duas alturas do reator, ou seja, coleta na base (ponto A) onde se encontra o lodo propriamente dito, e no topo (ponto C), onde se encontra a coluna de água. Os resultados dos monitoramentos semanais estão descrito na Tabela 1 a seguir:

Tabela 01: Resultados de pH, sólidos e contagem celular do reator 1 e 2

Fonte: Autores.

Segundo Chernicharo (2016), o valor ideal de pH em um reator anaeróbio é de 6,5 a 7,5 e sólidos totais voláteis em 2%, porém, os dados são referência para tratamento de esgoto sanitário, ou seja, de origem doméstica, ocorrendo uma lacuna quando se trata de efluentes industriais.

Pelos resultados da ETE teste, notamos que em média a contagem celular se aproxima de 105 cel. mL-1,  podendo, para a estação-caso, ser um indicador de desempenho do processo e um ponto de controle a ser monitorado e, com contagens abaixo dessa referência, entram na linha de observação do setor de qualidade e ao chegar em limites de 103, ações corretivas são necessárias, como uma inoculação externa que na maioria das vezes são Bacilos e cocos gram positivos, ou até mesmo leveduras, para averiguação de componentes nesse efluente que possam possuir substâncias bactericidas ou bacteriostáticas, ou até, falta de nutrientes necessários, sendo os macronutrientes  o nitrogênio, carbono, enxofre, oxigênio, fósforo e os micronutrientes ferro, cobalto, níquel e molibdênio outros, e o magnésio para crescimento celular, de forma a manter uma microbiota ideal, dados encontrados no manual do fabricante do reator.

A temperatura também é um fator limitante, pois se tratam de microrganismos mesófilos, temperatura ambiente, e necessitam de um range entre 20 e 40 graus, sendo que as bactérias formadoras de metano, arqueas bactérias, atuam de zero a 60º C , sem perda de qualidade de decomposição (Haluch, 2019). A maioria dos digestores anaeróbios é projetada para 30 a 35º C, porém podem atuar em 50 a 55º C, na faixa termófila (Chernicharo, 2016). Locais com invernos rigorosos precisam ter um manejo em outras etapas de tratamento ou outro processo auxiliar, visto que a eficiência de remoção será diminuída e pode impactar na qualidade do efluente final.

Pelo resultado no ponto contendo a contagem celular no valor de 4,8 x 103 UFC/mL, um impacto ocorreu na queda brusca e, portanto, o laboratório analisou o efluente de entrada no reator pela técnica de cromatografia gasosa, para pesquisa de voláteis e foram encontrados a presença de álcool propílico, etílico e fenóis, por se tratar de gráfica, Figura 6, e dessa forma, incluímos o controle de substâncias voláteis, no ponto de recebimento de cargas, dos clientes com indícios de presença de substâncias que possam impactar a qualidade do reator biológico.

Figura 6:  Cromatograma do efluente contendo álcoois, compostos fenólicos e BTEX. Tempo de retenção 1-Etanol; 2-Propanol; 3-Formol; 4-Benzeno; 5,6,7,8- Fenol e compostos; 9 –m,p xilenos; 10 – o-xileno.

De acordo com Freire (2000) e Speece (1996), diversas substâncias químicas reduzem a atividade dos organismos anaeróbios. Segundo os estudos de redução microbiana, as substâncias testadas em pequenas quantidades, reduzem em 50% a carga em um reator, sendo elas: cloropropeno e cloropropano, nitrobezeno, acroleina, formaldeído, ácido láurico, acrilatos, acetatos de vinil e etila, acetaldeidos, ácido acrílico, catecol, fenóis e seus compostos, anilina, resorcinol, propanol e outros álcoois e compostos aromáticos como os BTEX (benzeno, tolueno, etilbenzeno e xilenos), os HPAs (hidrocarbonetos policíclicos aromáticos) e os compostos organoclorados. 

Outro ponto chave em um reator biológico é a adaptação bacteriana com o efluente a ser tratado. É evidente que inoculações sucessivas devem ser realizadas com cautela, a fim de promover uma adaptação natural e seleção no reator. Em medições durante o período de estudo, observamos uma bactéria (Metanosarcina sp),  que se tornou a “alfa”  no reator, devido à formação de um halo de toxina na placa de cultivo, que a mesma produzia, Figura 7, sendo um mecanismo adaptativo e de seleção natural, evitando seja ingerida por uma levedura, por exemplo.

Figura 7: Halo de formação de toxina da bactéria Metanosarcina sp.
Fonte: Autores

Os sólidos totais servem como parâmetro de monitoramento para averiguar a mineralização do lodo em comparação com os sólidos voláteis. Os sólidos voláteis é um parâmetro diretamente ligado à avaliação da biomassa (Von Sperling, 2005).  A coluna de lodo deve seguir a ordem de maior concentração da base para o topo, e se o topo apresentar concentrações acima de 1% indica que deve ser feito um imediato descarte de lodo excedente. Em contrapartida, quando se trata da base do reator, as porcentagens, para tratamento de efluente de origem industrial, dependem mais da eficiência e manejo do lodo, sendo que o comportamento depende das características do efluente a ser tratado e principalmente da adaptação biológica e acondicionamento que ocorre naturalmente e isso, não deve ser desprezado. 

Quando o reator apresenta um teor de sólidos totais altos e voláteis baixo, ocorre o fenômeno de mineração, ou seja, a permanência de sais dissolvidos, que atrapalham a dinâmica e eficiência do reator. Em alguns casos, o esgotamento e destinação do lodo podem ser necessários e nova inoculação deve ser realizada. Tudo isso depende da eficiência de remoção do poluente, como por exemplo, DQO, nitrogênio, fósforo ou outro. Também é bem importante acompanhar entradas de efluentes contendo bactericidas e agentes bacteriostáticos, pois os mesmos podem inviabilizar a biomassa e causar morte celular e consequentemente, perda de eficiência e novos recomeços para o lodo. Por fim, controle de queima de metano é necessário para fins de atendimento ambiental das legislações em vigor, com simples planilhas de automonitoramento e registros de conformidades voltadas à área da qualidade e meio ambiente. 

Controles de polimento

O tratamento de polimento, com o areia filtrante e carvão ativado, também necessita de controle, visto que é muito incerta a validade da atividade do carvão. O intuito do mesmo é reter partículas finas, reter alguns parâmetros inorgânicos e orgânicos, bem como reter metais em geral. Um simples de indicador de desempenho é a adoção de um parâmetro chave, como por exemplo, análise de ferro ou alumínio, visto que a maioria dos coagulantes utilizados no tratamento físico e químicos é a bases desses metais. Portanto, medir ferro antes e depois da passagem do filtro ou colocar um valor de referência, que podem ser o valor máximo permitido pela norma local, controlado por carta-controle, pode definir o momento ideal para a troca e renovação do processo, conforme a Figura 8 a seguir:

Figura 8: Exemplo da carta controle. Fonte: Autores

Na figura, notamos que o valor medido de dezembro já ultrapassou o valor máximo permitido, ou seja, deve ser adaptada a manutenção da troca do material filtrante, quando os valores não superam 2S, ou seja, em valores tendenciosos até resultados em 1S do valor mediano, conforme padrão do Standard Methods (APHA, 2023).

Observações visuais dos operadores como materiais flutuantes e óleos e graxas virtualmente presentes são controles imediatos dentro do processo de tratamento, podendo ser uma ferramenta de ação de correção, evitando descartes acima do limite especificado. A análise de sólidos suspensos e sólidos sedimentáveis é um excelente controle visando à troca dos constituintes filtrantes, sendo o valor máximo permitido da própria licença, como parâmetro de referência.

Os filtros são excelentes removedores de metais pesados e pelos testes tivemos remoção entre 60 a 80%. Após um tempo de uso podemos observar em microscópio a adsorção dos metais na superfície do carvão ativado conforme a figura 9.A. Outro ponto para a melhor eficiência de um filtro é seu preenchimento. Filtros com areia devem ser preenchidos com pelos menos três tamanhos distintos, figura 9.B, sendo que a areia mais fina deve estar em maior proporção, em torno de 50 a 60% de preenchimento. Para esse ponto chave, é necessário seguir as recomendações do fabricante se ocorrerá o preenchimento total ou até a capacidade máxima planejada visando as retrolavagens. O carvão ativado deve ser o mais fino possível, para aumentar a capacidade de adsorção, respeitando as malhas do filtro para que não ocorra arraste. No estudo usamos o carvão 12 x 25 mesh /Astm com trocas ocorrendo de forma semestral. Para evitar arraste o uso de feltros de polipropileno ou poliestireno podem ser bem úteis.

Figura 9: A: Visualização da superfície do carvão ativado após uso. B: Ilustração dos tamanhos de areia.
Fonte: Autores.

Controles de descarte de efluente final 

A eficiência global da estação de tratamento é realizada através do controle dos parâmetros legislados nas licenças e cartas de anuências expedidas pelos órgãos regulamentadores através de laudos de laboratórios externos, no caso, laudos do  O2+ Laboratório e Meio Ambiente Ltda, evitando conflitos de interesse. Com os parâmetros controlados de forma mensal, quinzenal, semanal é possível delinear os pontos de melhoria e ações corretivas dentro de todo processo de operação. Portanto, controles laboratoriais é a chave para contínuo aperfeiçoamento ponto a ponto da estação.

Exemplos de parâmetros a serem monitorados no efluente final amostrados na saída do tratamento, ou seja, no ponto de lançamento para rede coletora pública ou para envio a corpo receptor ou infiltração no solo, estão descritas na tabela 2 a seguir:

Tabela 2 – Resultados de monitoramentos do efluente final de laudos de laboratórios externos.

Fonte: Autores.

Como a ETE recebe diversas tipologias de efluentes é possível observar valores distintos, por exemplo, valores de DQO de 153 a 1289 mg.L-1; zinco de 0,017 a 0,155 mg/L-1 ,sulfeto de 0,05 a 0,82 mg.L-1; boro de 0,001 a 1 mg.L-1; benzeno de 0,002 a 0,5 mg.L-1; tolueno de 0,0018 a 0,12 mg.L-1; boro de 0,001 a 0,16 mg.L-1 e os demais apresentam em certa mediana de dados. 

O controle de efluente de saída deve ser adotado o critério de exclusão: atende ou não atende o valor máximo permitido e, em caso de não atendimento, ações corretivas são necessárias para identificar a causa raiz e tratar as não conformidades evidenciadas. 

Controle de destinação de lodo gerado

Estações de tratamento produzem enormes quantidades de lodo normalmente classificado como classe um Perigoso, pois possuem benzeno, fenóis, metais e outros componentes que traduzem em toxicidade, patogenicidade, reatividade, inflamabilidade, sendo necessária uma caracterização anual segundo a NBR 10.004 ou outras normas locais. O controle atualmente é gerado pelos dados nacionais do programa SINIR (Sistema Nacional de informações sobre a gestão dos resíduos sólidos) e pelo gerador como quantidades geradas, acondicionamento, destinação e disposição final mais adequada para cada tipo de resíduo gerado. O local de estudo possui uma centrífuga de alta potência que reduz a umidade do lodo e consequentemente reduz o impacto ambiental de destinação do resíduo.

CONCLUSÕES

Diante dos resultados obtidos foi possível indicar parâmetros de controles e indicadores do processo que possam auxiliar a ETE e a gestão da qualidade. Podemos concluir que a junção de vários tipos de processos dentro de uma estação de tratamento complexa, necessita de operações complexas, para atingir o fim pretendido e as legislações nacionais.

Porém, com o foco em melhoria contínua, é necessário sempre visar melhoramentos nas etapas e a introdução de novas tecnologias como, por exemplo, processos oxidativos avançados, com células de ozônio, extensões de reações FQ com introdução de novos produtos e ultrafiltração. Portanto, novos estudos são necessários para contínuo aperfeiçoamento dessa estação de tratamento que já é satisfatória e eficiente.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a JDC Central de tratamento de Efluentes Industriais (CTLI Ambiental) pelo fornecimento dos dados e resultados descritos neste. Agradecemos a Goldlab Ciência e Tecnologia por incentivar a pesquisa e tecnologia e orientar os ensaios técnicos.  

REFERÊNCIAS 

APHA, AWWA, WEF in: L.S. Clesceri, A. E.; Greenberg, A. D. Eaton (Eds.), Standard Methods for the Examination of Water and Wastewater, 23th ed., American Public Health Association, American Water Works Association, Water Environment Federation,Washington, DC, USA, 2023.

Azevedo, P. G. F.; Oliveira, D. C. S.; Cavalcanti, L. A. P. Processos físicos e químicos para o tratamento de efluentes: uma revisão integrativa. Revista Brasileira de Gestão Ambiental e Sustentabilidade, 2020.

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1Estudante de Biomedicina da UPP – Universidade Pequeno Príncipe. Microbiologista e toxicologista da Goldlab Ciência e Tecnologia Ltda

2Química Especialista em Química Ambiental

3Engenheira Ambiental Especialista em Qualidade

4Mestre em Ciências, Biomédica, Química e Biotecnologia. Pesquisadora, Auditora e Consultora.

5PhD em Engenharia Ambiental da Universidade Federal do Paraná – UFPR.