CONTROLE DA CAVIDADE DE CÁRIE EM DENTINA: RELATO DE CASO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7646838


Jamille Albuquerque Teixeira1
Maria Lucia de Oliveira Gesta2
Luis Alfredo Athayde Fernandes 3
Carlos Eduarde Bezerra Pascoal 4
Priscila Pinto Brandão de Araujo 5
Diana Aparecida Athayde Fernandes6


RESUMO

Atualmente, a odontologia de mínima intervenção é enfatizada como a melhor forma de manejo da cárie dentária. A partir desta filosofia, a abordagem não restauradora vem ganhando destaque, especialmente nos casos de crianças de baixa idade e comportamento difícil. Assim, o objetivo deste estudo é mostrar que uma lesão de cárie que acomete a dentina nem sempre necessita de tratamento invasivo desde que seja possível realizar o controle da dieta e uma adequada higiene bucal pelo paciente ou pelo cuidador, no caso de inabilidade motora do supracitado. Abordamos o caso de uma paciente na primeira infância com lesões de cárie ativa em dentina nos dentes 74, 75, 84 e 85. O tratamento proposto foi o controle das lesões cariosas. O núcleo familiar recebeu as devidas orientações sobre a importância da dieta e controle do biofilme, assim como foram orientados sobre as consultas de retorno para o controle clínico e radiográfico das lesões, as quais não foram possíveis por razões inerentes ao comportamento da criança. O controle clínico mostrou que o tratamento proposto foi eficaz no caso apresentado já que, após 1 ano e 3 meses, as lesões se mostraram remineralizadas e sem nenhum episódio de dor e/outra alteração durante o período.

Palavras-chave: cárie dentária; dente decíduo; higiene bucal.

ABSTRACT

Currently, minimal intervention dentistry is emphasized as the best way to manage dental caries. Based on this philosophy, a non-restorative approach has been gaining prominence, especially in cases of young children with difficult behavior. Thus, the objective of this study is to show that a caries wound that affects the dentin does not always require an invasive treatment, as long as it is possible to control the diet and provide adequate oral hygiene by the patient or the caregiver, in case of motor disability of the aforementioned. The case of a patient in early childhood with active carious lesions in dentin on teeth 74, 75, 84 and 85 was approached. The proposed treatment was to control the various wounds. The family nucleus received proper guidance about the importance of diet and biofilm control, as well as guidance on return appointments for clinical and radiographic control of the lesions, which were not possible for reasons inherent to the child’s behavior. The clinical control showed that the proposed treatment was effective in the presented case since after 1 year and 3 months the wounds were remineralized and without any episode of pain and/or other changes during the period.

Keywords: dental caries; tooth, deciduous; oral hygiene;

INTRODUÇÃO

A cárie dentária é a doença crônica mais comum na infância. Embora seu progresso em suas formas de prevenção seja reconhecido, além de poder ser controlada e até mesmo revertida, a cárie continua sendo a doença da cavidade oral predominante no mundo, afetando aproximadamente 600 milhões de crianças. Sendo assim, constitui-se como um problema para a saúde pública mundial2.

A cárie que acomete crianças na primeira e segunda infância recebeu no ano de 2019 a denominação de Cárie na Primeira Infância (CPI), pela International Association Paediatric Dentistry (IAPD), na Declaração de Bangkok12.  Neste documento, a doença foi definida como um processo carioso que apresenta uma ou mais superfícies cariadas (cavitadas ou não) perdidas ou restauradas em qualquer dente decíduo de uma criança com menos de seis anos de idade. 

De natureza multifatorial, a cárie advém de interações simultâneas de fatores biológicos, comportamentais, psicossociais e ambientais11. Logo, a sua complexa etiologia direciona o tratamento da doença não apenas para as suas sequelas, mas para a intervenção dos fatores etiológicos antes que os sinais clínicos da doença “mancha branca” se manifestem    clinicamente11

Por conseguinte, trata-se de uma doença grave que pode resultar na perda de elementos dentários precocemente e produzir alterações do ponto de vista estético e funcional, a exemplo da repercussão na oclusão, mastigação, deglutição e fonação, além de gerar sucessivas consultas de emergência odontológica, distúrbios de sono, faltas à escola e consequente repercussão negativa no aprendizado escolar 3;14, influenciando negativamente a qualidade de vida das crianças acometidas1.

Assim, o diagnóstico e o tratamento da doença em idades precoces tornam-se fundamentais para o desenvolvimento adequado da criança. Nesse sentido, o tratamento da CPI deve ser baseado em sua etiologia, variando de acordo com o estágio em que a doença se encontra, bem como na atuação do profissional durante o gerenciamento do comportamento da criança. 

A FDI World Dental Federation apoia a Odontologia de Mínima Intervenção como a maneira contemporânea de gerência frente a cárie dentária6. Com isso, o tratamento da CPI inclui, para as crianças e seus cuidadores, orientações referentes às técnicas de escovação, tipos de escova, uso de fio dental, uso de dentifrícios fluoretados e diminuição do consumo de açúcar na dieta5. Além disso, o tratamento em questão também prevê o uso de materiais como verniz fluoretado, cariostáticos, infiltrantes, selantes de fissuras em molares suscetíveis e tratamento operatório preservando a estrutura dentária5, utilizando o Cimento ionômero de vidro e/ou resina composta.

No presente estudo, o principal objetivo é descrever o protocolo clínico para o tratamento de lesões de cárie ativas em dentes decíduos através da abordagem não restauradora, baseada no controle da cavidade de cárie em dentina.

RELATO DE CASO CLÍNICO

Uma criança de 02 anos e 9 meses, sexo feminino, compareceu na Clínica de Odontopediatria da Universidade da Amazônia, acompanhada de sua mãe para uma avaliação odontológica, com queixa de sangramento na gengiva durante a escovação.

No decorrer da anamnese, a mãe da paciente relatou ausência de doenças sistêmicas, dieta rica em açúcares e carboidratos, uso de mamadeira para ingestão hídrica, amamentação no peito, livre demanda e inexistência de dor e/ou sensibilidade nos dentes. 

O exame clínico extraoral não mostrou nenhuma alteração, porém o intraoral revelou uma higiene bucal insatisfatória e constatou-se que o sangramento relatado pela mãe era a consequência de um trauma no periodonto, o qual foi provocado pela escova dental com cerdas de rigidez média que se encontravam todas abertas (figura 1); os dentes 74, 75, 84 e 85 (dentina ou esmalte) apresentavam lesão de cárie ativa nas faces oclusais (figura 2). Durante o atendimento, a paciente não se mostrou cooperativa, impossibilitando a obtenção de um exame clínico intraoral detalhado, exames radiográficos (periapicais e/ou panorâmica) e fotografias satisfatórias. 

Na segunda consulta de retorno, os mesmos procedimentos da 1ª consulta foram realizados (figura 3 e 4), com reforço nas orientações de higiene e dieta. Nesse momento, a universidade entrou em recesso e, quando retornou com as suas atividades, entramos em contato com a família para que a criança continuasse o tratamento e, mesmo com as diversas tentativas de contato de nossa parte com a família, está só voltou a nos procurar 1 ano e 3 meses após o início do tratamento. Nesse retorno, a genitora relatou que estava seguindo todas as recomendações. A criança agora com 3 anos e 2 meses de idade, já com uma maturidade melhorada, permitiu um exame clínico intra oral e fotografia, mas não o exame radiográfico periapical e/ou panorâmico. Nessa avaliação clínica, observou-se uma melhora significativa na escovação, com controle das lesões cariosas, as quais se encontravam inativas (figura 5) e sem nenhum episódio de dor e/outra alteração durante o período. Consultas de gerenciamento de comportamento estão sendo realizadas;

Plano de tratamento

O plano de tratamento baseou-se em: evidenciação de placa bacteriana; orientações à dieta e hábitos de higiene oral (duas vezes ao dia); aplicação tópica de verniz fluoretado (4 aplicações, 1 vez por semana) e consultas de retorno quinzenal no primeiro mês, mensal por mais 2 meses e, posteriormente, trimestral.

Tratamento

O tratamento iniciou a partir da evidenciação de placa bacteriana, seguido de instruções ao núcleo familiar sobre as técnicas de escovação, demonstradas em manequim e na própria paciente, orientações para uso de escovas de cerdas macias “Curaprox infantil®”, fio dental infantil com suporte “Kids’ Flossers®” e creme dental fluoretado “Elmex Anticarie®”. Também foi realizada a aplicação de verniz com flúor “Duoflorid®”. Devido a criança chorar muito e morder a escova durante a higienização da cavidade oral, solicitamos aos pais a troca da escova sempre que as cerdas começarem a abrir. As orientações sobre os hábitos alimentares foram baseadas no diário alimentar da criança, incluindo o não aleitamento materno em livre demanda, substituição da mamadeira pelo copo e evitar o consumo de carboidratos e açúcares, especialmente a sacarose.

DISCUSSÃO 

Na literatura, foram encontrados diversos protocolos de tratamento minimamente invasivos, por meio de aplicações de verniz fluoretado, cariostáticos, aplicação de selantes de fissuras em molares suscetíveis para paralisação de lesões cavitadas5 e, para o tratamento operatório, preserva-se a estrutura dentária como o Tratamento Restaurador Atraúmatico (ART)9 e Hall Technique13. 

A odontologia de mínima intervenção vem se destacando como a melhor forma de manejo da cárie dentária6. Dentro dessa filosofia, o tratamento não restaurador vem apresentando evidências científicas por sua forma simples, prática e eficaz no controle de lesões cariosas 9, especialmente em crianças de baixa idade e comportamento difícil. Baseando-se nesta evidência, realizamos o tratamento em uma criança na primeira infância infectada por cárie. Apesar da ausência nas consultas de acompanhamento, a técnica conservadora foi bem-sucedida.

No caso apresentado, a escolha terapêutica considerou a impossibilidade de realização de restauração devido a pouca idade da criança, o que contribuiu para a falta de colaboração durante o atendimento, e, também, o comprometimento dos pais. Nesse sentido, o tratamento indicado foi o controle das lesões de cárie. 

Um método eficaz para reduzir a cárie é a escovação que remove mecanicamente a placa bacteriana4. Assim, utilizamos a técnica de escovação correta associada ao creme dental fluoretado e ao uso de fio dental para prevenção e tratamento da cárie4;8.

Ainda, a aplicação de verniz fluoretados compreende uma medida eficaz frente a paralisação ou reversão de lesões de cárie devido sua atividade e capacidade de remineralização após algumas aplicações, não deixando de considerar a interação dos fatores sociais na sua etiologia 13. No caso apresentado, o verniz de flúor também foi utilizado com o intuito de remineralizar as lesões.

A dieta/alimentação é um importante fator do desenvolvimento do processo carioso, uma vez que a criança com dieta rica em carboidratos refinados e usuária de mamadeira, especialmente no período noturno, apresentam maior predisposição a adquirirem a doença7. No caso apresentado, o controle da dieta também foi considerado e orientado a partir do diário alimentar da criança.

Embora o tratamento não restaurador tenha sua aplicabilidade comprovada, a indicação ainda é bastante criteriosa, uma vez que o tratamento não recupera totalmente a função fisiológica do dente acometido pela cárie, mas obtém o controle da lesão, e, consequentemente, preserva o espaço até a erupção do dente permanente evitando maiores danos a oclusão e qualidade de vida do paciente13.

CONCLUSÃO

O tratamento não restaurador proposto através do controle de cavidades de cárie em dentina mostrou-se eficaz. Houve a remineralização das lesões cariosas em dentina e sem nenhuma outra alteração clinicamente visível nos tecidos duros e tecidos moles dos dentes envolvidos. Do mesmo modo, não houve relato de dor durante o período de 1 ano e 3 meses. O tratamento permite que o paciente de baixa idade atinja sua maturidade para colaborar com procedimentos mais complexos, se necessário.

APLICAÇÃO CLÍNICA

O tratamento não restaurador de lesões de cárie em dentina passíveis de controle do biofilme, através da escovação mecânica e controle da dieta, pode ser acompanhado clínica e radiograficamente, sem necessidade de preparo cavitário e restauração, favorecendo, assim, o tratamento de crianças de baixa idade e não colaboradoras, além do baixo custo monetário.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 

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  3. DA SILVA DIAS, Thais Kely; DE CARVALHO FERREIRA, Gabriela; DE ALMEIDA, Luiza Helena Silva. Cárie na primeira infância e qualidade de vida de pacientes de zero a 3 anos. Revista Uningá, v. 56, n. S3, p. 192-201, 2019. 
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  5. DE MELO, Marcos Vinicius Rodrigues et al. Cárie na primeira infância (CPI): um grande desafio da odontopediatria: casos clínicos. Revista Odontológica do Brasil Central, v. 30, n. 89, p. 260-272, 2021.
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  8. MENEZES, M. L. F. V. de; MACEDO, Y. V. G. de; FERRAZ, N. M. P.; MATOS, K. de F.; PEREIRA, R. O.; FONTES, N. M.; BATISTA, M. I. H. de M.; PAULINO, M. R. A importância do controle do biofilme dentário: uma revisão da literatura. Revista Eletrônica Acervo Saúde, n. 55, p. e3698, 13 ago. 2020
  9. MONNERAT, A.F.; SOUZA, M.I.C.; MONNERAT, A.B.L. Tratamento restaurador atraumático. Uma técnica que podemos confiar? Rev Bras Odontol, v.70, n.1, p.33-36,2013. Disponível em: <http://revodonto.bvsalud.org/pdf/rbo/v70n1/a08v70n1.pdf>. Acesso em: 06/011/2022.
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1Graduanda de Odontologia
2Graduanda de Odontologia
3Especialista em Odontopediatria
4Especialista em Ortodontia
5Mestre e Doutora em Ortodontia
6Especialista em Odontopediatria e Mestre em Ortodontia