CONTRIBUIÇÃO DA FAMÍLIA, DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE E DO ESTADO NO DIAGNÓSTICO PRECOCE DO TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA TEA

CONTRIBUTION OF FAMILY, HEALTH PROFESSIONALS AND THE STATE ON AUTISM SPECTRUM DISORDER (ASD) PRECOCIOUS DIAGNOSTIC

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cl10202504301129


Mylena Costa Rezende1
Francis Sharaym Melo de Carvalho2
Ingrid Schweter Ganda3


RESUMO 

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é entendido como um transtorno do neurodesenvolvimento que apresenta comprometimento nas áreas da comunicação e interação social, e presença de comportamentos e/ou interesse restritos e repetitivos. Apesar do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mentais – DSM-5, feito pela Associação Americana de Psiquiatria (APA), instruir o diagnóstico clínico do TEA, muitos são os fatores que interferem no diagnóstico precoce deste transtorno. A partir do diagnóstico, intervenções medicamentosas e terapêuticas podem ser adotadas visando a qualidade de vida, autonomia e funcionalidade desses indivíduos. O objetivo deste estudo foi analisar como a família, a qualificação dos profissionais de saúde e as políticas públicas podem contribuir ou postergar o diagnóstico do TEA. Trata-se de uma revisão integrativa de literatura com artigos originais em idioma português ou inglês, disponíveis na íntegra e de livre acesso nas bases de dados SCIELO e PUBMED. O primeiro grupo social que tem contato com paciente autista é a família, ela que identifica os primeiros sinais do transtorno, sendo fundamental para o diagnóstico precoce. Quanto aos profissionais de saúde, observa-se que o conhecimento sobre TEA interfere crucialmente no encaminhamento especializado e no diagnóstico. No âmbito das políticas públicas nota-se a presença de legislações que asseguram esse público, entretanto existe uma dificuldade no conhecimento de tais na esfera médica e familiar, dificultando a prática. O diagnóstico concreto do TEA garante um melhor prognóstico e qualidade de vida para os pacientes, e por meio dele, o tratamento efetivo e as leis que asseguram essa população serão garantidos. 

Palavras-Chave: Transtorno do espectro autista, Família, Profissionais de saúde, Estado, Diagnóstico Precoce, Autismo 

ABSTRACT 

Autism Spectrum Disorder (ASD) is understood as a neurodevelopmental disorder that presents impairment in the areas of communication and social interaction, and the presence of restricted and repetitive behaviors and/or interests. Although the Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM-5, made by the American Psychiatric Association (APA), instructs the clinical diagnosis of ASD, there are many factors that interfere with the early diagnosis of this disorder, however, when faced with the diagnosis of ASD, medicinal and therapeutic interventions can be adopted aiming at the quality of life, autonomy and functionality of these individuals. Therefore, the objective of this study was to analyze how the family, the qualifications of health professionals and public policies can contribute to or delay the diagnosis of ASD. This is an integrative literature review with original articles in Portuguese or English, available in full and freely accessible in the SCIELO and PUBMED databases. The first social group that comes into contact with an autistic patient is the family, which identifies the first signs of the disorder, but there is difficulty in this identification. In the analysis of health professionals, it is observed that the lack of knowledge on the subject crucially interferes with the diagnosis. In the scope of public policies, there is the presence of legislation that ensures this public, however there is a difficulty in knowing about these in the medical and family spheres, making practice difficult. The concrete diagnosis of Autism Spectrum Disorder guarantees a better prognosis and quality of life for patients, and through it, effective treatment and laws that ensure this population will be guaranteed. 

Keywords: Autism spectrum disorder, Family, Health professionals, State, Early Diagnosis, Autism. 

INTRODUÇÃO 

O transtorno do espectro autista (TEA) é uma condição cuja definição passou por transformações significativas ao longo do tempo, refletindo o avanço das investigações clínicas e científicas na área. O termo “autismo” foi introduzido em 1908 pelo psiquiatra suíço Eugen Bleuler, que o utilizou para descrever uma tendência de retraimento extremo da realidade, observada em pacientes com esquizofrenia¹. Já em 1943, o psiquiatra Leo Kanner publicou a obra “Autistic Disturbances of Affective Contact”, na qual analisou 11 casos de crianças que apresentavam comportamentos marcados por isolamento social severo e um desejo obsessivo pela manutenção de padrões motores repetitivos. A partir dessas observações, Kanner propôs a noção de “autismo infantil precoce”, reconhecendo o quadro como uma condição distinta, e não apenas como um sintoma da esquizofrenia². Seu trabalho pioneiro estabeleceu as bases para a conceituação do autismo como um transtorno específico, influenciando diretamente os critérios diagnósticos adotados até os dias atuais. Nas décadas seguintes, diversos estudos foram conduzidos com o objetivo de ampliar a compreensão sobre o espectro autista. Em 1981, a psiquiatra britânica Lorna Wing introduziu o conceito de autismo como um espectro de condições, contribuindo de forma decisiva para a reformulação da abordagem clínica e diagnóstica do transtorno. Seu trabalho teve repercussão mundial e consolidou a ideia de que o autismo abrange uma ampla variedade de manifestações, o que culminou nas classificações contemporâneas adotadas nos manuais internacionais¹ 

Atualmente, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) é compreendido como um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por déficits persistentes na comunicação e na interação social, além da presença de padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades³. Essa definição foi sistematizada no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, quinta edição (DSM-5), publicado pela Associação Americana de Psiquiatria (APA), com o objetivo de padronizar os critérios diagnósticos das condições que afetam a saúde mental.³ 

Estudos epidemiológicos realizados nas últimas cinco décadas indicam um aumento na prevalência global do TEA. Diversas hipóteses têm sido propostas para explicar esse crescimento, entre elas o maior conhecimento sobre o transtorno, a ampliação dos critérios diagnósticos, o desenvolvimento de instrumentos mais sensíveis para avaliação e a melhoria nos sistemas de notificação e registro de casos.¹ 

Entretanto, o diagnóstico do TEA ainda representa um desafio significativo, especialmente no que se refere à detecção precoce. Diversos fatores contribuem para essa dificuldade, como a ampla variabilidade fenotípica do transtorno, que dificulta o reconhecimento dos sinais iniciais por parte da família, a carência de formação específica dos profissionais de saúde sobre o tema, e a ausência de políticas públicas eficazes voltadas para o diagnóstico precoce.² Esses entraves impactam diretamente o prognóstico das crianças com autismo, uma vez que intervenções precoces, conduzidas por equipes multiprofissionais, aumentam consideravelmente as chances de desenvolvimento da autonomia, da socialização, da inclusão escolar e de outros aspectos fundamentais para a promoção da saúde biopsicossocial da criança e de seus cuidadores.18 

CONTRIBUIÇÃO DA FAMÍLIA NO DIAGNÓSTICO DO TEA 

A família é o primeiro grupo social a influenciar a formação emocional, intelectual e psicológica do indivíduo. No contexto do Transtorno do Espectro Autista (TEA), fatores genéticos e ambientais influenciam um papel fundamental no desenvolvimento da condição. 

Estudos indicam que o TEA possui uma alta herdabilidade, com estimativas superiores a 90%, indicando que a genética tem um impacto significativo na sua manifestação.

Diversos genes já foram associados ao TEA, incluindo SHANK3, NLGN4 e NRXN1, que desempenham papéis cruciais na comunicação neuronal e no funcionamento das sinapses. Alterações nesses genes podem levar a dificuldades na comunicação, interação social e padrões de comportamento repetitivos. Além disso, mutações de novo, variações no número de cópias genéticas e polimorfismos de nucleotídeo único (SNPs) foram identificados como fatores que podem aumentar o risco de desenvolvimento do transtorno.

Além dos fatores genéticos, as influências ambientais também podem contribuir para o desenvolvimento do TEA. Estudos apontam que a idade avançada e condição de saúde dos pais na concepção, o nascimento prematuro, o baixo peso ao nascer e a negligência extrema nos cuidados podem impactar o desenvolvimento psicomotor infantil. No entanto, essas influências atuam frequentemente em conjunto com predisposições genéticas, tornando o TEA uma condição complexa e multifatorial.

O processo de diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA) é longo e deve ser encarado com cautela. É necessário que os pais identifiquem nos seus filhos sintomas de alerta para que possam ser relatados ao profissional da saúde. Diante disso, uma forma de tentar buscar o diagnóstico precoce, é justamente observar o comportamento dessa criança e saber identificar ações que não fazem parte de sua personalidade. Existem alguns aspectos que contribuem precocemente, nos primeiros anos de vida, no diagnóstico do TEA, dentre eles destacam-se: mudança na interação coletiva, falta do sorriso social, atenção abolida, diminuição do tônus muscular, não apontar o dedo como forma de partilhar interesse ou mostrar algo, gestos e comportamentos repetitivos, a dificuldade no contato ocular e alterações sensoriais (como a hipersensibilidade à luz). Comumente, nessa faixa etária, a criança de risco para TEA não atende ao ser chamada pelo nome e tende a se afastar.7 De maneira geral a criança com TEA não apresenta característica colaborativa, ou seja, não designa com o outro uma relação recíproca e de resposta ao convívio. Em faixas etárias mais avançadas observa-se a capacidade de dividir com outra pessoa uma ideia similar, sendo esse um modo de conhecimento de linguagem e entendimento do propósito de outra pessoa. Outro aspecto que deve ser observado também é a maneira com que essa criança lida com os obstáculos do dia a dia e com as pessoas ao redor.6 Por vezes, essa criança apresenta dificuldades em trocar de tarefas, birras e condutas afrontosa, gostos particulares por determinados objetos, dificuldade em distinguir emoções, comportamento sensorial anômalo, alterações na fala, vocabulário restrito e uso de frases descontextualizadas.19 Todas as situações mencionadas devem ser cuidadosamente analisadas no ambiente familiar, uma vez que esses sinais podem surgir precocemente na vida da criança e nem sempre são facilmente identificados durante uma consulta médica. Além disso, a forma como a família interpreta os sinais e comportamentos da criança com TEA é fundamental para o diagnóstico precoce. A identificação inicial dos sintomas é realizada com os pais ou cuidadores, que acompanham o desenvolvimento da criança no dia a dia. Por isso, é essencial que estejamos atentos e capacitados para reconhecer esses sintomas, possibilitando uma intervenção mais rápida e eficaz. 

CONTRIBUIÇÃO DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE NO DIAGNÓSTICO DO TEA E SUAS DIFICULDADES 

Nos últimos anos, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem sido amplamente debatido devido ao aumento no número de diagnósticos. Esse crescimento está relacionado a uma maior conscientização, avanços nas pesquisas e aprimoramento dos critérios diagnósticos. ¹ Antes de se chegar a um diagnóstico definitivo de TEA, muitas crianças podem inicialmente ser enquadradas em categorias como a Síndrome de Asperger ou Transtornos Globais do Desenvolvimento Não Especificado (TGD-NE), classificações anteriormente utilizadas, mas que foram incorporadas ao espectro autista na quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5).² 

Um dos principais desafios na identificação precoce do TEA é a falta de capacitação de profissionais da saúde para reconhecer os sinais iniciais do transtorno. Muitos médicos, especialmente aqueles que atuam na atenção primária, não recebem treinamento adequado para avaliar indicadores clínicos sutis do TEA ou para utilizar instrumentos de rastreamento padronizados. Como resultado, o diagnóstico pode ser retardado, postergando o início das intervenções terapêuticas, que são essenciais para o desenvolvimento da criança.² 

Entre os instrumentos de rastreamento do Transtorno do Espectro Autista (TEA), um dos mais amplamente utilizados é o M-CHAT (Modified Checklist for Autism in Toddlers). Essa escala pode ser aplicada por qualquer profissional de saúde e é recomendada para identificar sinais do transtorno em crianças entre 18 e 24 meses de idade. O M-CHAT é altamente sensível e específico, consistindo em uma entrevista estruturada com os pais. Por meio de perguntas sobre o comportamento da criança, suas brincadeiras, interação social e o alcance de marcos do desenvolvimento, como responder ao chamado pelo nome ou iniciar a locomoção, esse instrumento auxilia na detecção precoce do TEA.10 

No contexto da identificação precoce, pesquisas indicam a existência de 31 Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil (IRDI), observáveis nos primeiros 18 meses de vida. O conhecimento desses marcadores, aliado à compreensão dos parâmetros do desenvolvimento típico por parte dos profissionais de saúde, é essencial para viabilizar um diagnóstico precoce e assertivo do TEA.16 

Entre os principais parâmetros do desenvolvimento infantil, destacam-se o desenvolvimento sociocognitivo, abordagem do neurodesenvolvimento e a vigilância do desenvolvimento na atenção primária. A utilização desses instrumentos e abordagens contribui significativamente para a identificação precoce do TEA, possibilitando intervenções mais eficazes e melhorando o prognóstico das crianças dentro do espectro. 

Apesar da existência desses instrumentos e diretrizes, a falha na aplicação prática por parte dos profissionais de saúde ainda é um grande desafio. Muitos profissionais da saúde da atenção primária não são devidamente treinados para reconhecer os primeiros sinais do TEA ou para utilizar escalas padronizadas como o M-CHAT e o IRDI de maneira sistemática. A falta de conhecimento sobre o desenvolvimento típico da criança e a ausência de protocolos bem estabelecidos nas unidades de saúde contribuem para o atraso no diagnóstico, comprometendo a eficácia das intervenções precoces.20 

Além disso, a alta demanda nos serviços públicos e a sobrecarga dos profissionais dificultam a realização de avaliações mais detalhadas. Muitas vezes, sintomas iniciais do TEA são erroneamente atribuídos a fatores como timidez, atraso leve na fala ou dificuldades emocionais passageiras, retardando o encaminhamento para especialistas.² 

Na atenção básica, o médico é o principal responsável por levantar suspeitas diagnósticas e encaminhar a criança para um especialista, quando necessário. No entanto, esse processo levanta um questionamento fundamental sobre a formação médica no Brasil, especialmente no que se refere ao diagnóstico e manejo do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Estudos indicam que ainda há uma lacuna significativa na abordagem do autismo nos cursos de medicina, refletindo-se na dificuldade de muitos profissionais em identificar precocemente os sinais do transtorno. Um artigo publicado em 2022, que analisou a formação médica em 31 instituições de ensino superior, tanto públicas quanto privadas, revelou que o tema autismo é abordado de forma superficial, restrita a dois momentos específicos da graduação: nas disciplinas de psiquiatria e saúde da criança.12 

Essa abordagem limitada não é suficiente para preparar adequadamente os profissionais para o diagnóstico e manejo do TEA, resultando em dificuldades na triagem e encaminhamento precoce dos pacientes. A ausência de uma formação mais aprofundada sobre o TEA impacta diretamente a qualidade do atendimento na atenção primária, retardando o diagnóstico e, consequentemente, o início das intervenções necessárias para o desenvolvimento da criança. Para melhorar esse cenário, torna-se essencial a revisão curricular dos cursos de medicina, com a inclusão de disciplinas e capacitações específicas sobre neurodesenvolvimento, permitindo que os profissionais estejam mais bem preparados para reconhecer os sinais do autismo e oferecer um atendimento mais qualificado.² 

Além disso, é necessário investir na capacitação contínua dos profissionais de saúde, implementar diretrizes claras para a triagem do TEA em consultas de rotina e ampliar o acesso a avaliações multidisciplinares.  Somente com um diagnóstico precoce eficiente será possível proporcionar às crianças com TEA um desenvolvimento mais adequado e uma melhor qualidade de vida. 

POLÍTICAS PÚBLICAS E A CONTRIBUIÇÃO DO ESTADO NO DIAGNÓSTICO PRECOCE DO TEA 

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem apresentado um crescimento significativo no número de diagnósticos em todo o mundo, levantando debates sobre a possibilidade de uma “epidemia de autismo”. No entanto, especialistas apontam que esse aumento está relacionado, principalmente, à ampliação dos critérios diagnósticos, ao maior acesso à informação e à crescente conscientização sobre o transtorno.¹ De acordo com um relatório do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), publicado em março de 2023, 1 em cada 36 crianças aos 8 anos de idade é diagnosticada com TEA. Esse dado representa um aumento considerável em relação a anos anteriores, refletindo avanços na identificação precoce e no reconhecimento das diferentes manifestações do espectro. 

Com o objetivo de sensibilizar a população e promover maior inclusão e acesso a tratamentos adequados, a Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu, em 2007, o Dia Mundial da Conscientização do Autismo, celebrado anualmente em 2 de abril. Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), aproximadamente 70 milhões de pessoas no mundo são afetadas pelo TEA, reforçando a necessidade de políticas públicas voltadas ao suporte e à inclusão dessa população.14 Antes da criação de leis específicas para garantir os direitos das pessoas com TEA, crianças e adolescentes autistas já possuíam proteções legais asseguradas pela legislação geral. (Tabela 1) 

Somente em 2012, o Ministério da Saúde instituiu a Rede de Cuidados à Saúde da Pessoa com Deficiência no SUS (Portaria nº 793/2012). No mesmo ano, em 27 de dezembro, o governo brasileiro promulgou a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, por meio da Lei Berenice Piana (Lei nº 12.764/2012), garantindo direitos específicos para pessoas autistas. Apesar de ter sido implementada tardiamente, essa lei representou um marco fundamental na inclusão e proteção dos direitos das pessoas com TEA, assegurando-lhes maior acesso a serviços especializados e promovendo sua dignidade e cidadania.17 

Com essa legislação, ficou assegurado o acesso ao diagnóstico precoce, além de tratamento, terapias e medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A lei também garante direitos fundamentais, como educação, proteção social, inclusão no mercado de trabalho e acesso a serviços que promovam a igualdade de oportunidades para as pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). 17 

Em dezembro de 2012, foi realizado o Movimento Psicanálise Autismo e Saúde Pública (MPASP), reunindo profissionais de diversas áreas, como psicanalistas de diferentes correntes, fonoaudiólogos, psicólogos, psiquiatras, pediatras, neurologistas, terapeutas ocupacionais e psicopedagogos. Além disso, acadêmicos de universidades de todo o Brasil também participaram do evento, ampliando a discussão sobre a atenção à infância e adolescência no contexto do Transtorno do Espectro Autista (TEA)17. Durante o encontro, foi anunciada a Consulta Pública, programada para o início de 2013, referente ao documento “Linha de Cuidado para a Atenção às Pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo e suas Famílias na Rede de Atenção Psicossocial do SUS”, elaborado pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2015). A construção desse documento teve início em 2011 e foi conduzida ao longo de um ano (2011-2012), até ser apresentada para debate público. 

A Consulta Pública, disponibilizada no site do Ministério da Saúde nos três primeiros meses de 2013, permitiu um amplo diálogo com a sociedade civil, possibilitando a coleta de contribuições relevantes para seu aprimoramento. Esse processo garantiu que o documento fosse elaborado de forma democrática e participativa, refletindo a pluralidade de perspectivas e necessidades da população afetada pelo TEA. 

No ano seguinte, com a divulgação dos documentos, foi promulgado o Decreto nº 8.368/2014, que regulamentou a Lei nº 12.764/2012, conhecida como a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Esse decreto estabeleceu diretrizes importantes para a identificação e o atendimento das pessoas com TEA, adotando como base o CID-10 (Classificação Internacional de Doenças, da Organização Mundial da Saúde) e a CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde). 12 

Ao utilizar essas classificações, o decreto integrou critérios da saúde mental e da reabilitação como referências para o diagnóstico e a formulação de políticas públicas, garantindo um olhar mais abrangente sobre as necessidades das pessoas autistas. Essa regulamentação representou um avanço significativo na consolidação de direitos e no acesso a serviços especializados, promovendo uma abordagem mais inclusiva e eficiente no atendimento ao TEA. 

Em 2015, o Ministério da Saúde elaborou o documento “Linha de Cuidado para a Atenção às Pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo e suas Famílias na Rede de Atenção Psicossocial do SUS”. Esse material reforça a importância da diversidade de ofertas de tratamento, recomendando a adoção de múltiplas abordagens e técnicas para o cuidado das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). 

Além disso, o documento destaca que as famílias desempenham um papel essencial no desenvolvimento do Projeto Terapêutico Singular (PTS) de cada indivíduo com autismo. Dessa forma, devem ter liberdade de escolha quanto às estratégias terapêuticas adotadas, garantindo um atendimento mais personalizado e alinhado às necessidades específicas de cada pessoa no espectro.  

Apesar dos avanços significativos nas leis brasileiras voltadas à proteção e inclusão das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA), ainda há grandes desafios na implementação prática dessas normativas. A falta de conhecimento sobre os direitos das pessoas autistas e a escassez de políticas públicas eficazes comprometem a divulgação de informações essenciais sobre o TEA, dificultando o reconhecimento precoce dos sinais do transtorno por parte das famílias. 

Embora, em 2015, o Ministério da Saúde tenha elaborado o documento “Linha de Cuidado para a Atenção às Pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo e suas Famílias na Rede de Atenção Psicossocial do SUS”, reforçando a diversidade de ofertas de tratamento e recomendando múltiplas abordagens terapêuticas, a falta de treinamento adequado dos profissionais de saúde ainda é uma barreira para a aplicação efetiva dessas diretrizes. 

Além disso, o documento enfatiza o papel essencial das famílias no desenvolvimento do Projeto Terapêutico Singular (PTS), assegurando-lhes liberdade de escolha quanto às estratégias terapêuticas mais adequadas para cada indivíduo. No entanto, sem a devida capacitação dos profissionais da saúde e ações de conscientização voltadas à sociedade, muitas famílias permanecem desinformadas sobre os sinais precoces do autismo, atrasando o diagnóstico e o acesso ao tratamento especializado 

CONCLUSÃO 

A revisão da literatura evidenciou um aumento expressivo no número de diagnósticos do Transtorno do Espectro Autista (TEA), atribuído, em grande parte, à ampliação do acesso à informação e à maior conscientização da população, o que tem favorecido a busca ativa pelo diagnóstico, mesmo diante da heterogeneidade clínica do transtorno. Características anteriormente interpretadas como traços de personalidade passaram, com o tempo, a ser reconhecidas como possíveis critérios diagnósticos. Alguns sinais de alerta incluem alterações na interação social, ausência do sorriso social e diminuição ou abolição da atenção compartilhada. 

Dois fatores são fundamentais para um diagnóstico precoce e preciso: a sensibilidade da família na identificação dos primeiros sinais e o preparo dos profissionais de saúde quanto ao reconhecimento do TEA. Embora os critérios diagnósticos estejam bem estabelecidos no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), ainda há desafios significativos em sua aplicação prática. 

No que se refere ao rastreamento, destaca-se a Modified Checklist for Autism in Toddlers (M-CHAT), um instrumento amplamente utilizado que pode ser aplicado por qualquer profissional da saúde e que permite identificar sinais sugestivos de autismo em crianças entre 18 e 24 meses. Além disso, os Indicadores Clínicos de Risco para o Desenvolvimento Infantil (IRDI) também se mostram eficazes na detecção precoce do transtorno. 

Apesar da existência de ferramentas diagnósticas e critérios bem definidos, persistem falhas ao longo do processo diagnóstico, muitas delas associadas à desinformação e à insuficiente capacitação dos profissionais de saúde. Estudos revelam que, na formação médica, o tema costuma ser abordado superficialmente, restrito a módulos de pediatria e, ocasionalmente, de psiquiatria, o que contribui para um conhecimento limitado sobre o espectro autista. No âmbito das políticas públicas brasileiras, observa-se que, na última década, houve avanços significativos na proteção dos direitos das pessoas com TEA. A promulgação da Lei nº 12.764/2012, conhecida como Lei Berenice Piana, representou um marco ao assegurar o direito ao diagnóstico precoce, ao tratamento e à inclusão social. Nesse mesmo ano, o TEA passou a ser reconhecido nas classificações internacionais de doenças, como a CID-10 (Classificação Internacional de Doenças) e a CIF (Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde). 

Como parte das ações governamentais, o Ministério da Saúde publicou, em 2015, a Linha de Cuidado para a Atenção às Pessoas com Transtornos do Espectro do Autismo e suas Famílias na Rede de Atenção Psicossocial do SUS, documento que estabelece diretrizes recomendações para a atenção integral à pessoa com TEA.6 

Diante da crescente prevalência do transtorno, torna-se urgente o investimento na formação continuada de profissionais da saúde, bem como o fortalecimento de políticas públicas que promovam o diagnóstico precoce, o tratamento adequado e a efetiva inclusão social das pessoas com TEA. 

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  21. UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA. Conhecer e interagir: transtorno de déficit de atenção e hiperatividade e transtorno do espectro autista [Internet]. João Pessoa: UFPB, 2015. Disponível em: https://repositorio.ufpb.br/jspui/bitstream/123456789/1211/1/TAS19092016.pdf.

ANEXO:

Tabela 1: Legislações que asseguram Crianças e Deficientes em Geral

Lei 7.853/1989Dispõe sobre o apoio às pessoas com deficiência, sua integração social, proteção judicial para os interesses coletivos e individuais, regulamenta o desempenho do Ministério Público e tipifica crimes.
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90)Assegura por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Lei 8.742/93Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), que oferece o Benefício da Prestação Continuada (BPC).
Lei 10.098/2000Estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.
Lei 10.048/2000Prioriza o atendimento de pessoas com deficiência e outros casos.

1UNIVERSIDADE TIRADENTES – Av. Murilo Dantas, nº 300, Bairro Farolândia, Aracaju-SE, Brasil. CEP:49032-490
2Tel. +55 (79) 99851-2101. Email – sharaym37@hotmail.com