CONDOMÍNIO FECHADO, CONDOMÍNIO DE FATO OU LOTEAMENTO DE ACESSO CONTROLADO: DIREITOS E DEVERES DESTA ESPÉCIE ATÍPICA DE CONDÔMINO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7607490


Fernando Henrique Panontin1


RESUMO: O presente trabalho busca examinar a construção jurídica dos empreendimentos imobiliários conhecidos como “Condomínio Fechado”, também  conhecidos por Condomínio de fato, Loteamento fechado ou Loteamento com  acesso controlado. Parte-se da análise dos tipos de condomínios e os seus objetivos  à luz da Lei n. 4.591/64, norma de regência do sistema condominial no direito  brasileiro, debruçando-se sobre o sistema legal de estipulação dos direitos e  deveres dos proprietários de um imóvel em caráter condominial. Em um segundo  momento, estuda-se as premissas do regime regulatório condominial no direito  brasileiro, e as possíveis implicações das regras condominiais para os Loteamentos  de acesso controlado. Por fim, o trabalho se propõe a analisar quais são os direitos  e deveres dos “condôminos” proprietários de imóveis ou terrenos nestes loteamentos fechados, sobretudo para analisar à luz da recente legislação do  Estatuto das Cidades e decisão da Suprema Corte se as regras do Estatuto e do  regimento interno destas espécies de condomínio fazem lei para os proprietários e  se estes têm o dever de contribuir nas despesas comuns geradas pelas Associações  de moradores, analisando inclusive o fundamento constitucional da liberdade de se  associar ou se desassociar. 

Palavras-chave: Condomínio fechado; Loteamento de acesso controlado; deveres  dos condôminos; Associação de moradores; estatuto e regimento interno; direito de  se associar; dever de contribuir; dever de observar o estatuto. 

ABSTRACT: This work aims to examine the legal construction of real estate projects known as “Gated Community”, also known as Condominium in fact, gated allotment  or allotment with controlled access. It is based on the analysis of the types of  condominiums and their objectives in the light of Law n. 4.591/64, the rule of regency  of the condominium system in Brazilian law, looking at the legal system of stipulating the rights and duties of the owners of a condominium property. In a second moment,  we study the premises of the condominium regulatory regime in Brazilian law, and the possible implications of condominium rules for controlled access allotments. Finally,  the work aims to analyze what are the rights and duties of the “dwellers” of owners of real estate or land in these gated allotments, especially to analyze in the light of the recent legislation of the Statute of cities and the decision of the Supreme Court if the rules of the Statute and the internal rules of these condominium species they make law for the owners and whether they have the duty to contribute to the common expenses generated by the residents’ Associations, even analyzing the constitutional foundation of the freedom to associate or disassociate.  

Keywords: Gated community; Controlled access allotment; duties of the  condominos; Residents’ association; statute and bylaws; right to join; duty to contribute; duty to observe the statute. 

INTRODUÇÃO 

Em que pesem os séculos de história do direito brasileiro, a normatização para alguns temas, ainda se apresenta de modo incipiente. No que se refere à regulação do sistema condominial, bem como o partilhamento do solo para fins  regularizar urbanisticamente e socialmente o aspecto da moradia no contexto  urbano, o cenário legislativo com frequência tem se apresentado aquém das  demandas da realidade fática. 

Especialmente quando se considera o grande crescimento desse mercado,  diversas empresas do ramo têm atuado na lacuna legislativa e, diante dessa  situação, o poder público reduz suas atividades à regulamentação das questões que  já se tornaram conflituosas e pouco prospectivas diante de futuros desafios. 

Num rápido remonte histórico, no início do século XX, criava-se o pano de  fundo para a formulação do Código Civil brasileiro de 1916. Naquele contexto, as  capitais começavam a ganhar um novo formato urbano, com um grande nó de  complexidades.  

De um lado, notava-se um progressivo aumento da instalação de indústrias,  gerando pólos de desenvolvimento. De outro, o crescimento desordenado das  cidades produzia inúmeros problemas urbanos. Uma parcela esmagadora destas  grandes cidades carecia de infraestrutura e não possuía um planejamento adequado.  

Notório e crescente era o êxodo em direção aos grandes centros urbanos, contudo não se viam políticas ajustadas e planejadas para a distribuição do solo e  para a habitação. 

Exatamente sob este panorama, ocorreu o advento do primeiro Código Civil  brasileiro. Objetivando preencher esta lacuna, trouxe um disciplinamento  sistemático da propriedade, sua aquisição e extinção, e do direito de vizinhança, aí  incluso o direito de construir, e exatamente neste ponto, disciplinava a figura do condomínio

À luz da definição apresentada no Art. 623 do Código Civil de 1916, condomínio era sinônimo de propriedade comum ou com propriedade. Este referido  diploma legal trazia de forma estruturada, o disciplinamento dos direitos e deveres  dos condôminos (arts. 623 a 634), da administração do condomínio (arts. 635 a  641) e do condomínio em paredes, cercas, muros e valas (arts. 642 a 645). 

Entretanto, no tocante ao sistema de condomínios de prédios, edificações,  ou casas no plano horizontal, o Novel Civil de 1916 simplesmente silenciou, e de  igual modo silenciou sobre a incorporação e suas características tão singulares. 

Assim, em que pese todo o esforço para a elaboração de um Código Civil, é  plausível mencionar que no tocante ao tema de condomínios e parcelamento de solo, sempre estivemos desatualizados, isto desde o surgimento do primeiro Códex civilista brasileiro. 

Não se olvida alguns esforços realizados nas décadas seguintes para suprir  algumas lacunas, destacando-se neste sentido o Decreto 5.481/1928, o Decreto-lei 5234/1943 e a Lei 285/1948, entretanto, extremamente precário se encontrava em  nosso ordenamento jurídico a regulação do sistema condominial. 

No romper da década de 1960, o país se encontrava num contexto de  explosão demográfica nos grandes centros, extrema elevação dos preços dos  terrenos, aumento exponencial dos preços de materiais, bem como um déficit significativo de moradia.  

Como aponta Caio Mario da Silva Pereira (2018, p. 33), o modelo de edifício  de apartamento surgia, então, como uma nova técnica de melhor aproveitamento  de espaços e melhor distribuição dos encargos econômicos, motivo pelo qual a  construção de edifícios passa a desempenhar relevante função social, a requerer atenção especial do poder estatal. Neste contexto, aprovou-se a Lei 4.591/1964, conhecida como a Lei dos Condomínios e Incorporações. 

Seguramente foi um marco histórico, especialmente quando considerada a  escassez de dispositivos Constitucionais ou Infraconstitucionais que se propunham a  regular estes institutos jurídicos.  

Na sequência, altamente influenciado pela Lei dos Condomínios e pelo  frescor do tema no ambiente jurídico, foi promulgado o Decreto-lei 271/1967, cuja temática central é o parcelamento do solo e uma diretriz regulatória quanto aos loteamentos urbanos. 

É exatamente desta figura dos loteamentos urbanos, que surge o Loteamento com acesso controlado, popularmente conhecidos como “Condomínio Fechado”,  sendo este instituto jurídico o tema central deste trabalho. 

Vale ainda destacar que a Lei 6.766/69 deu maior abrangência à crescente  figura dos loteamentos urbanos e as repercussões urbanísticas e de direitos que o parcelamento do solo naturalmente provoca.

Assim, a proposta deste trabalho é estudar os ditames legais de constituição  e gestão do chamado “Condomínio Fechado” ou Loteamento com acesso  controlado, de modo a compreender melhor esta Instituição tão presente em nossa  sociedade na atualidade, bem como ponderar sobre os direitos e deveres destes  milhares de “condôminos” que inevitavelmente estão vinculados com o tema. Nesse contexto, o presente trabalho busca examinar a construção jurídica da  figura do dito “Condomínio Fechado”, para então face a esta compreensão enfrentar as possíveis rotas jurídicas das obrigações e direitos dos condôminos deste modelo  de moradia tão difundido em nosso país. 

O principal problema a ser enfrentado é se a alternativa adotada pelos  “Condomínios Fechados” de criarem uma Associação de moradores como ente  jurídico gestor dos espaços internos condominiais e as obrigações daí decorrentes  (conservação, limpeza, manutenção, segurança, fornecimento de água, regras de  urbanização e convivência e etc), pode gerar obrigações àqueles que decidiram  livremente não se associarem. 

Parte-se da hipótese de que o arcabouço regulatório no ordenamento jurídico  brasileiro tem como premissa básica que as fontes geradoras de obrigação no direito  civil são a lei ou a manifestação da vontade. Dito de outro modo, em análise  perfunctória, somente dispositivo de lei ou a clara manifestação de vontade poderia  criar a obrigação legal desta espécie de “condômino” se submeter às regulações  convencionadas e ao dever de concorrer com as despesas deste sistema. 

Assim, com o propósito de averiguar os desdobramentos teórico-normativos  desta sistemática criada pelos “Condomínios Fechados” em face do regime jurídico  da Código Civil, da Lei de Condomínios e Incorporações e Lei dos Loteamentos  urbanos, este trabalho abordará o tema em três capítulos, com a utilização do  método de procedimento monográfico. 

O desenvolvimento da temática irá observar a técnica de documentação indireta, envolvendo a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental. Será utilizado  os métodos de abordagem dedutivo e indutivo. Inicialmente, para a compreensão  dos institutos jurídicos, utilizar-se-á o método dedutivo. Após, em vistas a delimitar  uma concepção mais acurada do ente “Condomínio Fechado” e a traçar as  hipóteses que se desdobram uma vez realizado o devido enquadramento, utilizar-se-á o método indutivo. 

No primeiro capítulo, examina-se os tipos de condomínio existentes em nosso  ordenamento jurídico pátrio, à luz da Lei n. 6.766/79, norma de regência da  incorporação imobiliária e dos condomínios no direito brasileiro. No segundo  capítulo, estuda-se as bases legais do regime regulatório de condomínios e os seus  meandros obrigacionais. Por fim, no terceiro capítulo, procede-se à análise dos  efeitos práticos da aplicação ou não da lei de condomínios em relação aos proprietários de imóveis/terrenos nos ditos “Condomínios Fechados”, ou  Loteamentos de acesso restrito. 

O instituto apresenta enorme importância atualmente, sobretudo após o  advento do cenário pandêmico mundial, onde as relações nos imóveis em  condomínio ganharam contornos mais assíduos dado aos lockdowns decretado por  prolongados períodos pelo ente público. 

Assim, tendo em vista que uma grande quantidade de pessoas passou a viver nos chamados condomínios horizontais ou verticais, por razões de comodidade e/ou segurança, a temática das obrigações dos proprietários destes imóveis ganham  bastante relevância, especialmente pelo crescente número de pessoas que se  recusam a livremente contribuir com as despesas comuns bem como seguir os regulamentos internos.

1 DAS MODALIDADES DE CONDOMÍNIO 

O termo Condomínio vem do latim condominum, cujo significado indica que “o  mesmo bem pertence a mais de uma pessoa, cabendo a cada uma delas igual  direito, idealmente, sobre o todo e cada uma de suas partes” (DINIZ, 2005, p. 906). 

Para a finalidade do nosso estudo, condomínio pode ser definido como um  espaço dividido por diversos proprietários, que também compartilham áreas em  comum. Cada proprietário possui sua unidade privativa, de acordo com as  especificações feitas no momento da compra. 

O tema hodiernamente encontra-se regulado pela Lei 4591/1964, e pelo  Código Civil de 2002 no Capítulo VI e Capítulo VII, mais precisamente do artigo  1.314 ao artigo 1.358-A, que apresenta uma abordagem ostensiva sobre o tema. É possível perceber que a sistematização adotada pelo legislador brasileiro disciplina o  condomínio geral (tradicional ou comum), que pode ser voluntário ou necessário  (Arts. 1.314 a 1.330), e o condomínio edilício (arts. 1.331 a Art. 1.358-A). 

Nesse sentido, Flávio Tartuce (2013, p. 945-946) ensina que podem ser  classificados os condomínios a partir de três importantes critérios: origem, quanto ao  conteúdo e quanto à forma. 

1.1 Classificação dos condomínios quanto à origem, forma e conteúdo 

Quanto à origem, o condomínio pode ser voluntário, quando “decorre do  acordo de vontade dos condôminos, nasce de um negócio jurídico bilateral ou  plurilateral, como exercício da autonomia privada”. O exemplo clássico aqui  encontrado é de um grupo de amigos que investem conjuntamente na compra de imóvel  para investimento. Se não houver especificação diferente, a propriedade é dividida  em partes iguais. 

Ainda em relação à origem, o condomínio pode ser eventual quando sua  origem se dá por motivos alheios à vontade das pessoas, como no caso do  recebimento de herança por duas pessoas. E, por fim, existe o condomínio  necessário, que ocorre nas situações estabelecidas pela lei, como no direito de  vizinhança previsto a partir do Art. 1.327, do Código Civil.

Quanto à forma, os condomínios podem ser divisíveis ou indivisíveis, conforme a  possibilidade de se determinar a fração real de cada condômino, ou, se diante da  impossibilidade, cada condômino tem apenas uma fração ideal. A primeira situação é exemplificada pela parte autônoma em um condomínio edilício, enquanto a parte  comum no condomínio edilício exemplifica a segunda situação. 

Quanto ao conteúdo do condomínio, ele pode ser classificado como  condomínio universal, ou condomínio particular. O condomínio universal é o mais comum de ser encontrado, “compreende a totalidade do bem, inclusive os seus acessórios, caso de frutos e benfeitorias” (TARTUCE, 2013, p. 946), enquanto o  condomínio particular tem seus efeitos delimitados em seu estabelecimento. 

1.2 Dos Condomínios Edilícios ou Horizontais 

O Art. 1.331 do Código Civil identifica como condomínio edilício as edificações  que apresentam partes de propriedade exclusiva e outras partes de propriedade  comum dos condôminos. 

Trata-se de um condomínio constituído como resultado de um ato de  edificação, sobre um mesmo terreno, passam a existir áreas de uso comum,  indivisíveis e inalienáveis (ou seja, que não podem ser vendidas separadamente), e  áreas de uso privativo, que são registradas em matrículas autônomas e podem ser  livremente alienadas por seus proprietários. 

Esta divisão de um todo em unidades autônomas e partes comunitárias “é  admitida juridicamente sob a forma em que se combinam regras de propriedade  individual e do Condomínio. A situação caracteriza-se pela justaposição de  propriedades distintas, perfeitamente individualizadas, ao lado do condomínio de  partes do edifício, forçadamente comuns” (GOMES, 2009, p. 249). 

Configuram um bom exemplo disto os edifícios de apartamentos ou salas  comerciais, que além de estarem configuradas como unidades autônomas, cada  proprietário também possui uma fração ideal do terreno e de todas as áreas comuns. 

Tal modalidade tem ocupado crescente espaço na sociedade moderna, tanto  em regiões urbanas quanto rurais, fruto de pressão populacional, preço do solo  urbano e as modernas técnicas da construção civil fazem com que prédios e  condomínios de casas nos seus diversos tamanhos, dominem a arquitetura das cidades no Brasil e no mundo. O fenômeno até pouco tempo restrito às grandes  megalópoles, hoje já está presente em praticamente todas as cidades (VENOSA,  2011, p. 359). 

Os condomínios horizontais representam uma outra identificação dos condomínios edilícios e, como o próprio nome sugere, são formados quando existem duas ou mais edificações pertencentes a pessoas distintas, em um mesmo terreno,  no plano horizontal. Em muito se assemelham aos condomínios edilícios, pois neles  também existem partes de uso exclusivo e partes de uso comum. 

No Brasil, pode-se dizer que a propriedade horizontal não era estranha à lei  pátria. Entretanto, a sua regulamentação percorreu um longo caminho dentro do  regime jurídico nacional. O código de 1916 não contemplava a propriedade  horizontal e aceitava somente a divisão por planos verticais, que geravam as “casas  de parede meia”, as quais se atribuam as normas reguladoras do direito de  vizinhança (PEREIRA, 2018, p. 106). 

Pontue-se aqui que se o incorporador, ao projetar o empreendimento, decide  desmembrar o terreno em várias matrículas, registrando uma incorporação em cada  um, não estaremos diante de um condomínio horizontal. 

Se o projeto eventualmente for composto apenas por casas, as partes do  terreno originário que cada edificação venha a ocupar, bem como seus quintais,  varandas, jardins e demais partes acessórias, serão de propriedade e utilização  exclusiva. No que se refere às demais partes do terreno originário, haverá o  condomínio por fração ideal. 

A busca constante por segurança, conforto e otimização dos custos tem  projetado a procura por este tipo de condomínio país afora. No plano jurídico, tais  espécies de Condomínio encontram amparo sobretudo na Lei 4591/64, conhecida  como Lei de Condomínios e Incorporações imobiliárias, conforme previsto no artigo  8º da referida lei: 

Art. 8º Quando, em terreno onde não houver edificação, o  proprietário, o promitente comprador, o cessionário dêste ou o promitente cessionário sôbre êle desejar erigir mais de uma  edificação, observar-se-á também o seguinte: 

a) em relação às unidades autônomas que se constituírem em  casas térreas ou assobradadas, será discriminada a parte do  terreno ocupada pela edificação e também aquela  eventualmente reservada como de utilização exclusiva dessas casas, como jardim e quintal, bem assim a fração ideal do todo  do terreno e de partes comuns, que corresponderá às unidades; 

b) em relação às unidades autônomas que constituírem edifícios de dois ou mais pavimentos, será discriminada a parte do terreno  ocupada pela edificação, aquela que eventualmente fôr reservada como de utilização exclusiva, correspondente às unidades do edifício, e ainda a fração ideal do todo do terreno e de partes comuns, que corresponderá a cada uma das unidades; 

c) serão discriminadas as partes do total do terreno que poderão ser utilizadas em comum pelos titulares de direito sôbre os vários tipos de unidades autônomas; 

d) serão discriminadas as áreas que se constituírem em passagem  comum para as vias públicas ou para as unidades entre si. (Grifos não presentes no original) 

Este modelo condominial, por estar inserido na Lei de Condomínios e Incorporações, exige para a aprovação de seu projeto arquitetônico o planejamento  prévio de edificação das casas ou prédios projetados. Isto é, a formação de um Condomínio nesta modalidade demanda minimamente todo o projeto das casas ou prédios que serão construídos. 

Tal requisito, engessa sobremaneira o aspecto comercial do empreendimento,  considerando que boa parte das pessoas objetivam um imóvel personalizado e  adequado às suas próprias necessidades. 

Exatamente por causa desta problemática, que esta previsão legal do  condomínio horizontal era bastante utilizada, até o advento da Lei 13.465/2017, para  justificar a aprovação de condomínios de lotes. 

1.3 Dos condomínios de Lotes 

Condomínio de Lotes é a nomenclatura que se dá ao condomínio de  terrenos em que não se estabelece necessariamente o planejamento para  construção de casas, sendo que cada lote será considerado como unidade  autônoma, a ele atribuindo-se uma fração ideal da gleba e coisas comuns, sendo  que nesse todo existirão também as áreas e edificações de uso comum,  configurando como uma subespécie do Condomínio Edilício. 

Neste sentido, boa lição nos legou KERN (2019, p. 21): 

O condomínio de lotes consiste em uma modalidade de condomínio edilício fechado em que os lotes (porções de terra individualizadas e demarcadas) constituem as unidades autônomas, e as vias públicas, praças e outros espaços livres constituem propriedade comum dos condôminos.

Representam vantagem sobre os condomínios deitados previstos no artigo 8º da Lei n. 4.591/1964, porque não estão vinculados a  eventuais construções erigidas no lote, de modo que o condômino  tem plena liberdade para construir como lhe aprouver sem  necessidade de observar projeto de construção previamente definido  pelo incorporador e sem necessidade de se alterar a especificação  condominial cada vez que haja alteração na área construída no lote. 

Com muita frequência confunde-se o Condomínio de lotes com os  Loteamentos clássicos. Nos Loteamentos clássicos não há de se falar em partes  da propriedade em comum, só havendo propriedades exclusivas de cada titular  sobre o seu próprio lote (PEREIRA, 2021, p. 227). 

Conforme leciona Flavio Tartuce (2020, p. 451), a inovação legal  oficialmente institui a possibilidade de haver um Condomínio formado  exclusivamente de terrenos, sendo partes designadas como lotes de propriedade  exclusiva e partes do todo maior como propriedade comum dos condôminos, tal  qual como funciona no regime de condomínio edilício. 

A Lei 13.465/17 reconheceu a existência das figuras jurídicas denominadas  “Condomínio de Lotes”, contudo pode-se afirmar com certa segurança, que a figura  do condomínio de lotes é muito anterior à edição desta Lei, que apenas formalizou o  que já se verificava em larga escala no mercado imobiliário nacional. 

O recorte deste novel referente aos Condomínios de lotes foi inserido no  Código Civil, com a redação abaixo: 

Art. 1.358-A. Pode haver, em terrenos, partes designadas de  lotes que são propriedade exclusiva e partes que são  propriedade comum dos condôminos. 

§ 1º A fração ideal de cada condômino poderá ser proporcional à  área do solo de cada unidade autônoma, ao respectivo potencial  construtivo ou a outros critérios indicados no ato de instituição. 

§ 2º Aplica-se, no que couber, ao condomínio de lotes o disposto  sobre condomínio edilício neste Capítulo, respeitada a legislação  urbanística. 

§ 3º Para fins de incorporação imobiliária, a implantação de toda a  infraestrutura ficará a cargo do empreendedor. 

Entretanto, pode-se afirmar que a origem do instituto, não é a lei federal, mas  as diversas leis municipais que, com uma ou outra roupagem, admitiam muito  anterior a Lei 13.465/2017 a criação de terrenos por meio de instituição de condomínio sem exigir que o empreendedor projetasse e/ou construísse, de fato,  casas ou prédios no local. 

E qual era o fundamento dos que defendiam essa possibilidade antes da  promulgação da lei federal? De forma bem sintética, frequentemente lançava-se  mão de uma interpretação sistemática do artigo 8º da Lei de Incorporações  (4.591/1964) com o artigo 3º do Decreto-Lei 271, de 1967, que in verbis, prevê: 

Art 3º Aplica-se aos loteamentos a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, equiparando-se o loteador ao incorporador, os compradores de lote aos condôminos e as obras de infra-estrutura à construção da edificação. 

De qualquer modo, ainda que não se possa desconsiderar o avanço obtido  com a positivação do Condomínio de Lotes, é de fácil percepção que ainda há um  longo caminho a percorrer para regulamentar o referido modelo condominial. 

1.4 Condomínio em Multipropriedade 

É o regime de condomínio no qual cada um dos proprietários de um mesmo  imóvel é titular de uma fração de tempo, à qual corresponde a faculdade de uso e  gozo, com exclusividade, da totalidade do imóvel, a ser exercida pelos proprietários  de forma alternada. 

Esta modalidade, “surgiu inicialmente, nos anos 1960, nos Estados Unidos  sob a forma societária, e na França, sob a forma de condomínio” (LÔBO, 2020,  p.276), e começou a se alastrar mundo afora.  

No Brasil, o regime da multipropriedade teve suas primeiras operações já na  década de 1980, sendo comum a prática de contratos dentro dos moldes da  multipropriedade entre investidores do meio imobiliário, empresas do ramo turístico,  empreendimentos imobiliários, imobiliárias intermediadoras e afins.2 

Sobre o tema, ponderou Paulo Lôbo (2020, p. 227) nos seguintes termos: 

A natureza jurídica da multipropriedade sempre foi controvertida. A  jurisprudência dos tribunais convergiu para entendê-la como  fracionamento temporal da propriedade, análogo ao condomínio edilício, não configurando direito real limitado específico. Em decisão tomada em 2016, o STJ (REsp 1.546.165) fez opção explícita pelo  condomínio, seguindo lição de Gustavo Tepedino, que sustentou  primeiramente na doutrina brasileira tal natureza, a qual também  adotamos. 

Embora a realidade fática antecipou-se em muitos anos a positivação legal,  no ano de 2018 foi inserido em nosso ordenamento jurídico a Lei 13.777/2018,  chamada de Lei da Multipropriedade.  

A opção do diploma foi pelo regime jurídico de condomínio, fazendo acrescentar título específico no Código Civil, a partir do art. 1358-B, intitulado de  “condomínio em multipropriedade”, especificando que cada um dos condôminos é  titular de uma fração de tempo para gozo com exclusividade, da totalidade do imóvel, podendo igualmente das instalações de uso comum na fração de tempo que  lhe competir a titularidade, e concorrendo com as despesas na respectiva quota  parte a qual é proprietário. 

1.5 Do Condomínio Fechado 

É o termo popular utilizado para loteamentos que obtiveram autorização do  poder público municipal para cercar o perímetro com a construção de muros e/ou cercas, estabelecer portaria para controle de acesso de pessoas e veículos, e  comumente até fazer a restrição de acesso. 

São também conhecidos como Condomínios de fato ou como Loteamento  com acesso controlado, sendo este último a nomenclatura utilizada pelo Estatuto  das Cidades. 

Esta modalidade já é bem antiga no país, e tem avançado ao passo que o  número de loteamentos se multiplica pelas cidades. O surgimento é fruto de uma  adaptação do mercado imobiliário, diante da necessidade de se controlar o acesso aos loteamentos, com vistas a se atender à maior demanda dos proprietários e  moradores por segurança e qualidade de vida, o que permitia, ainda, inclusão de  mais espaços de lazer e outras melhorias nos loteamentos. 

Embora popularmente conhecido como “Condomínio Fechado”, “antes do  advento de algumas leis municipais e da própria modificação da Lei 6.766/1979, pela Lei 13.465/2017, o Loteamento de acesso controlado como modalidade de empreendimento não era previsto em lei federal.

Bem da verdade, a luz de uma análise crítica-textual, tal modelo de  parcelamento de solo não poderia ser chamado de ‘condomínio’, uma vez que não resta preenchido o requisito básico para o enquadramento como condomínio, que  seria a titularidade de parte da propriedade em caráter privativo, e parte da  propriedade em caráter comum. 

Com brilhantismo à frente do seu tempo, o renomado doutrinador Caio Mario,  sobre o tema, vislumbrava muito antes do advento da Lei 13.465/2017 quando  ponderou que “Uma vez mais a realidade venceu o legislador e o novo modelo de  loteamento com controle de acesso é hoje tolerado, até mesmo pelos Poderes  Públicos, que reconheceu sua incapacidade” (SILVA, 2021, p. 233). 

A previsão do jurista acabou por ecoar nos ouvidos do legislador. Com  bastante atraso e com parcos dispositivos, o Estatuto das Cidades veio para  minimamente preencher a lacuna. Referido diploma enxertou na Lei 6.766/1979, os  dispositivos abaixo: 

Art. 2. O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante  loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta  Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes.
 (…) 
§ 8o Constitui loteamento de acesso controlado a modalidade de loteamento, definida nos termos do § 1o deste artigo, cujo controle de acesso será regulamentado por ato do poder público Municipal, sendo vedado o impedimento de acesso a pedestres ou a condutores de veículos, não residentes, devidamente  identificados ou cadastrados. gn 

Art. 36-A. As atividades desenvolvidas pelas associações de  proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em  loteamentos ou empreendimentos assemelhados, desde que não  tenham fins lucrativos, bem como pelas entidades civis organizadas  em função da solidariedade de interesses coletivos desse público  com o objetivo de administração, conservação, manutenção,  disciplina de utilização e convivência, visando à valorização dos  imóveis que compõem o empreendimento, tendo em vista a sua  natureza jurídica, vinculam-se, por critérios de afinidade, similitude e  conexão, à atividade de administração de imóveis. gn 
Parágrafo único. A administração de imóveis na forma do caput deste artigo sujeita seus titulares à normatização e à disciplina constantes  de seus atos constitutivos, cotizando-se na forma desses atos para  suportar a consecução dos seus objetivos.

Com a referida lei, de modo bem sucinto, o constituinte derivado propôs  nome oficial ao dito ‘’Condomínio Fechado’’, passando desde então a responder  pela alcunha de “Loteamento com acesso controlado”. Entretanto inúmeras lacunas  não receberam qualquer disciplina, fato que não passou despercebido por boa parte  dos juristas. 

Urge uma vez mais dizer, que como diziam os romanos, o Direito nasce dos  fatos. Portanto, embora se reconheça que sob a letra da lei a espécie que  conhecemos como ‘Condomínio Fechado’ não se enquadre nos ditames legais de  um condomínio propriamente dito, dado ao comportamento por décadas como um  ‘Condomínio de Fato’, neste trabalho, tal modelo condominial encontra-se alocado  como uma espécie de condomínio. Nesta linha já se posicionou o STF: 

Associação de moradores. Mensalidade. Ausência de adesão. Por  não se confundir a associação de moradores com o condomínio disciplinado pela Lei 4.591/1964, descabe, a pretexto de evitar  vantagem sem causa, impor mensalidade a morador ou a proprietário  de imóvel que a ela não tenha aderido. Considerações sobre o  princípio da legalidade e da autonomia da manifestação de vontade – artigo 5.º, incisos II e XX, da Constituição Federal” (STF, RE 432106,  Rel. Min. Marco Aurélio, 1.ª Turma, j. 20.09.2011).

2 A CONSTITUIÇÃO E ENQUADRAMENTO JURÍDICO DO CONDOMÍNIO  FECHADO OU LOTEAMENTO COM ACESSO CONTROLADO 

O Loteamento de acesso controlado não recebeu maior regramento na  legislação federal. A Lei n. 13.465/2017 apenas inseriu o § 8º do art. 2º da Lei n.  6.766/1979, declarando seu conceito e deixando clara a possibilidade de sua  instituição, ao mesmo tempo que vedou a interdição absoluta do acesso de  terceiros, cadastrados ou identificados, ao interior do empreendimento.  

Historicamente falando, o parcelamento do solo urbano, que transforma o  terreno originário (gleba) em diversas unidades, os lotes, efetiva-se, ordinariamente,  das seguintes formas: o loteamento e o desmembramento.  

As definições de loteamento e de desmembramento, como espécies do  gênero parcelamento do solo, estão previstas nos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei n.  6.766/79. Ambos os dispositivos legais fazem referência à “subdivisão da gleba em  lotes destinados à edificação”, sendo, então, o caráter distintivo entre as espécies de  parcelamento a abertura, modificação ou transformação do sistema viário.  

Os primeiros preceitos da lei de parcelamento do solo surgiram com o  Decreto Lei 58/1937, cujo enfoque maior eram questões de direito civil, contratual e  registral, escanteando preocupações urbanísticas ou de infraestrutura. Já no fim da  década de 70, contexto de proliferação de invasões e de loteamentos clandestinosmotivados pelo déficit de moradia, migrações regionais e aglomeração populacional  nos grandes centros urbanos, foi que sobreveio a Lei 6766/1979. 

Já em seu artigo terceiro, a Lei do parcelamento instituiu: 

Art. 3º Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal. gn 

No dispositivo seguinte ficou consignado o dever do loteador de doar percentual mínimo 35 % da gleba para o Município, de modo a ser feito os  chamados equipamentos urbanos e comunitários. Posteriormente a Lei 9.785/99,  alterou a redação, dando liberdade ao município quanto ao percentual. 

O Art. 5º, por sua vez desdobra um pouco mais o princípio e a finalidade da  obrigatoriedade de doação de parte da gleba ao município:

Art. 5º. O Poder Público competente poderá complementarmente  exigir, em cada loteamento, a reserva de faixa non aedificandi  destinada a equipamentos urbanos. 

Parágrafo único – Consideram-se urbanos os equipamentos públicos de abastecimento de água, serviços de esgotos, energia elétrica, coletas de águas pluviais, rede telefônica e gás canalizado. 

Isso significa, nos termos do § 1º do mesmo artigo 24, que a lei federal (como  é o caso da Lei 6.766/79) deve se limitar a estabelecer normas gerais. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu uma importante atribuição que  toca esta matéria, aos municípios: 

Art. 30. Compete aos Municípios: 
I – legislar sobre assuntos de interesse local; 
II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; 
(…) 
VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial,  mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; 

Ainda sobre a doação de áreas ao Município, é importante observar que, por  força do artigo 22 da Lei 6766/79, a transferência da propriedade é feita no ato do  registro do projeto aprovado de parcelamento no Cartório de Registro de Imóveis. 

Dessa forma, mesmo que o empreendedor deixe de executar as obras de  infraestrutura do empreendimento (ressalvada a hipótese de cancelamento, que  precisa de autorização do Município), as áreas destinadas no projeto às vias de  circulação, equipamentos urbanos e comunitários ou qualquer outro uso público  serão irreversivelmente perdidas para o Município. 

Portanto, sob o ponto de visto jurídico, um Loteamento de acesso controlado  nada mais é que um loteamento comum, dotado de vias de circulação públicas, num novo bairro recém formado pelo processo de loteamento urbano, cujo em torno de viabilização do bairro (praças, canteiros, vias, escola,etc), pertencem ao ente  municipal e portanto são áreas públicas e de livre acesso a todos. 

Apenas se distinguem pelas guaritas, cercas ou muros construídos, fruto de  uma autorização da municipalidade, podendo em suas portarias apenas controlar o  acesso de pedestres e carros a pessoas e veículos devidamente identificados,  porém não pode restringir a entrada. 

Se, de um lado, isso retira dos proprietários de lotes o ônus futuro de  manutenção dessas áreas comuns do empreendimento (obrigação que será do  Município), de outro ele impede, a princípio, a execução de medidas destinadas a  garantir a segurança dos ocupantes, bem como limita o poder da entidade de impor aos ‘condôminos’ o dever de concorrer com as despesas de manutenção.

3 OS DIREITOS E DEVERES DO ‘CONDÔMINO’ DE UM LOTEAMENTO DE  ACESSO CONTROLADO 

A premissa básica da formação de um condomínio é a positivação dos  direitos e deveres de cada condômino, de modo que a regulamentação promova a  paz social, e uma sociedade mais justa e igualitária, ainda que no formato de um microssistema. 

O condomínio traz consigo a outorga de uma série de direitos aos seus  titulares, porém em face da existência da pluralidade de sujeitos, o respeito aos  direitos recíprocos dos condôminos impõe a cada um restrições que criam direitos e  deveres em caráter sucessivo (DINIZ, 2009, p.210). 

“Os proprietários de unidades autônomas têm obrigações positivas ou  negativas, comuns ou privativas. Entre as obrigações positivas, salienta-se por seu  caráter de permanência, a de concorrer com as despesas do condomínio, com  importância rateada conforme a fração ideal” (GOMES, 2002, p.229), que lhe  competir do condomínio. Trata-se de um ônus real, que lhe incumbe suportar  enquanto tiver a coisa no seu domínio. 

Nesta senda, preciosa lição nos deixou o lendário Pontes de Miranda: 

A priori,é fundamental destacar que o direito de propriedade possui características subjetivas, ou seja, as relações jurídicas que a  norteiam geram uma ou mais pretensões, sendo esta última o poder de impor determinada prestação. (MIRANDA, 1955, p.5) 

Em nossa seara constitucional, o Direito de propriedade está precipuamente  insculpido como um dos direitos fundamentais. Entretanto tal conceito é muito  anterior a qualquer Constituição elaborada. Nesta linha preleciona Fabio Ulhoa  Coelho: 

Uma coisa é certa, porém: a noção de propriedade (isto é, a de que homens e mulheres são donos de algumas coisas) antecede em muito a mais embrionária forma de organização social a que se poderia chamar ordem jurídica. A história não registra nenhuma  etapa da evolução humana em que houvesse Direito, mas não o  direito de propriedade. Mesmo as experiências inspiradas na utopia  marxista – como a da estrutura econômica vivenciada na União Soviética entre a Revolução Russa (1917) e a queda do Muro de Berlim (1989) – não implicaram a completa abolição da propriedade privada. Marx acreditava que o exame científico da história  possibilitava antever a superação do capitalismo por meio da revolução social patrocinada pela classe proletária – ou, como  defendido pelas variações leninistas do marxismo, liderada pelo  partido político proletário –, que conduziria ao fim da propriedade  privada dos meios de produção (fábricas, terras produtivas, bancos  etc.), mas não dos de consumo. Pelo menos enquanto a humanidade  não pudesse escrever em suas bandeiras “de cada um segundo sua potencialidade a cada um segundo sua necessidade”, moradia,  roupas, alimentos e outros bens continuariam objeto de propriedade privada. As experiências históricas inspiradas no marxismo não  conseguiram extinguir sequer a propriedade privada de todos os  bens de produção. Não há, enfim, registro de sociedade juridicamente organizada que desconheça o direito de propriedade. (COELHO, 2020, s/n).

No mesmo diapasão, em consonância com o extrato da finalidade da propriedade que permeia o nosso texto Constitucional, é de grande valia o conceito  proposto pelo renomado constitucionalista, André Ramos Tavares: 

Propriedade, em sentido amplo, é entendida como a qualidade  inerente aos corpos. Nesse caso, implica as características  essenciais que compõem algo. Mas essa noção é puramente  fenomenológica, o que demonstra que a noção de propriedade, para  o Direito, é resultante de uma criação. A etimologia, contudo, já  ressalta um conteúdo mais próximo do que o Direito pretende  exprimir. 
O termo “propriedade” advém do vocábulo latino “proprietas”, de  “proprius”, significando, pois, a qualidade do que é próprio. Verificar se-á que, historicamente, caminhou-se de uma concepção coletiva  da propriedade, considerada como bem comum de todos, para a  ideia de um direito individual e absoluto até se alcançar a concepção  atual de que, embora assegurada individualmente, a propriedade  deverá atender a sua função social.
Houve, pois, mais recentemente, uma relativização desse direito (de  propriedade), que deixou de considerar-se absoluto. Essa mudança  de concepção caminhou paralelamente ao deslocamento do instituto  do Direito Privado para o Direito Público. Houve a  constitucionalização do direito de propriedade e a consequente  explicitação constitucional do conteúdo desse direito. (TAVARES,
2020, p.346). 

Assim, em que pese em tempos atuais o termo propriedade referir-se há um  determinado bem que seja de caráter exclusivo de alguém, o conceito de  Condomínio configura uma exceção legal a este quadro característico da  propriedade. E fruto deste caráter excepcional, a propriedade em condomínio traz  consigo algumas outras peculiaridades. 

Com efeito, encontra-se consolidado na doutrina e na jurisprudência que cada  condômino tem como dever basilar o zelo pela parte privativa conjuntamente com a  parte em comum, respeitar o regramento da Convenção e do regimento interno, bem como concorrer com as despesas do Condomínio na proporção da quota parte que é  proprietário.  

É uma obrigação chamada de propter rem, onde há a vinculação a um direito  real, ficando a determinada coisa de que o devedor é proprietário ou possuidor atrelado a obrigação. Em outras palavras, o dever acompanha a coisa, inadimplindo  o proprietário com os seus deveres, a coisa responde pelo dever, inclusive novos  adquirentes. 

Tal dever tem seu lastro insculpido na Carta Magna: 

Art. 5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…).
II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei; gn

Em continuação a cadeia legal, o Código Civil prevê: 

Art. 1.333. A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser  subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais  e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre  as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção. 

Art. 1.336. São deveres do condômino: 
I – contribuir para as despesas do condomínio na proporção das suas frações ideais, salvo disposição em contrário na convenção; 

Em caráter muito similar, a Lei dos Condomínios (Lei 4591/1964) preceitua: 

Art. 9º Os proprietários, promitentes compradores, cessionários ou  promitentes cessionários dos direitos pertinentes à aquisição de  unidades autônomas, em edificações a serem construídas, em
construção ou já construídas, elaborarão, por escrito, a Convenção  de condomínio, e deverão, também, por contrato ou por deliberação  em assembléia, aprovar o Regimento Interno da edificação ou  conjunto de edificações. 
Art. 12. Cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos previstos na Convenção, a quota-parte que  lhe couber em rateio. 

Portanto, não resta dúvidas quanto ao dever dos condôminos de que a  Convenção e o regimento se faz lei aos condôminos, e que todos devem concorrer  com as despesas do condomínio e seguir as regras convencionadas.

Entretanto, como já amplamente mencionado neste trabalho, o Loteamento de  acesso controlado, embora popularmente conhecido como “Condomínio Fechado”,  em sua essência não é um condomínio. Surge então a pergunta: Aplica-se aos  Loteamentos de acesso restrito os dispositivos legais acima citados? Há caminhos  legais para equiparar um Loteamento de acesso controlado a um Condomínio  Edilício? 

Em resposta a esta pergunta, Arnaldo Rizzardo (2019, p.49) leciona: 

Existia a corrente que defendia a legalidade dos chamados ‘condomínios fechados’, desde que obedecida a legislação da Lei n. 4.491/1964 e a do loteamento, consubstanciada na Lei n.6.766/1979. Ou seja, impõe-se a obediência as duas leis, que disciplinam institutos completamente distintos.

Até mesmo na I jornada de Direito Civil foi construído e aprovado o  enunciado abaixo: 

Enunciado 89 CJF/STJ – O disposto nos arts. 1.331 a 1.358 do novo Código Civil aplica-se, no que couber, aos condomínios assemelhados, tais como loteamentos fechados, multipropriedade imobiliária e clubes de campo.

Entretanto, tal corrente encontra-se em franco declínio há mais de uma  década. “Seja como for, o Loteamento de acesso controlado é efetivamente  loteamento, ou seja, modalidade de parcelamento do solo regido, portanto, pela Lei  n. 6.766/79 e pelas eventuais leis estaduais e municipais que tratem do tema” 
(KERN, 2019, p.104). 

A celeuma é antiga, e como precisam de soluções imediatas devido a  manutenção do sistema, os “Condomínios Fechados” começaram a se organizar juridicamente na forma de Associação de moradores (TARTUCE, 2013, p.312). Em  suma, o ente jurídico popularmente conhecido como “Condomínio Fechado” efetivamente está registrado como uma Associação de moradores. Neste ponto, Flavio Tartuce levanta questionamentos chaves: 

No tocante à cobrança da taxa condominial por parte dos loteamentos fechados e seus efeitos temos acirradas controvérsias.
Seriam os proprietários obrigados a arcar com tais despesas?
Em não ocorrendo pagamento, ter-se-ia de obrigação propter rem?
(TARTUCE, 2012, p.312).

Adiciona-se ainda a pergunta: As convenções e o regimento interno das  Associações de moradores vinculam os não associados? 

Na prática, por se configurarem, juridicamente, como Associação, as  entidades de moradores de loteamentos vinham sendo contestadas judicialmente,  por alguns associados que, embora fossem proprietários de lotes, ou participassem  daquela coletividade na condição de moradores, não aceitavam se associar, nem se 

submeter ao regimento ou regras estatutárias e, sobretudo, se negavam a pagar a taxa mensal de manutenção que era cobrada pelas Associações. O embasamento legal para tanto era o artigo 5º, XX, da Constituição da  República, que diz o seguinte: 

ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado. 

Por contraponto, as associações alegam que ninguém pode se enriquecer ilicitamente a custa dos outros e que a vida em sociedade pressupõe o respeito às decisões da coletividade. Aduzem que há a prestação de serviços de conservação,  limpeza, manutenção e segurança, e que não se afigura justo nem jurídico que  alguns se beneficiem dos serviços prestados e das benfeitorias realizadas sem a  devida contraprestação. 

A jurisprudência nacional não era uniforme no sentido de se permitir ou não a  cobrança da taxa de associação e de se obrigar a adesão de proprietários das  unidades individuais à associação de moradores. 

O Superior Tribunal de Justiça, ainda que não majoritariamente entendia ser irregular a cobrança daqueles associados que decidiam não ingressar à Associação  de moradores, mas alguns tribunais regionais do país, a exemplo do TJSP e do TJMG, em diversas ocasiões, se posicionaram no sentido de que o associado era,  sim, obrigado a pagar as taxas cobradas pelas associações. 

Esse posicionamento de obrigatoriedade se apoiava no fato de que o  associado era beneficiário dos serviços internos ao loteamento, rateados pela  coletividade, de modo que a não contribuição configuraria um enriquecimento ilícito do morador/proprietário e, ainda, aumentaria as despesas daqueles de, de fato, decidiram se associar. 

A questão poderia ter ficado mais clara com a entrada em vigor da Lei 13.465/2017, que incluiu, na Lei 6.766/79, o artigo 36-A, que definiu que “as atividades desenvolvidas pelas associações de proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos ou empreendimentos assemelhados, tendo em vista a sua natureza jurídica, vinculam-se, por critérios de afinidade, similitude e conexão, à atividade de administração de imóveis”. 

Tristemente o legislativo perdeu uma oportunidade de ouro de propiciar as devidas diretrizes para o tema por ocasião da confecção do Estatuto das Cidades. Recentemente, em dezembro de 2020, a partir do julgamento proferido no RE nº 695.911/SP, a Corte Suprema objetivou colocar uma pá de cal na discussão ao  definir a seguinte tese: 

É inconstitucional a cobrança por parte de associação de taxa de manutenção e conservação de loteamento imobiliário urbano de proprietário não associado até o advento da lei 13.465/17, ou de anterior lei municipal que discipline a questão, a partir da qual se torna possível a cotização dos proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos de acesso controlado, que i) já possuindo lote, adiram ao ato constitutivo das entidades equiparadas a administradoras de imóveis ou (ii) sendo novos adquirentes de lotes, o ato constitutivo da obrigação esteja registrado no competente Registro de Imóveis.

Notoriamente, com o advento da Lei 13.465/2017, permitindo o Loteamento  de acesso controlado como uma modalidade regular de parcelamento do solo e a  consequente criação de associação de moradores para a gestão do  empreendimento, seguida da recente decisão do Supremo Tribunal Federal, há, em algum grau, maior segurança jurídica a associações e loteadores no tocante à  cobrança de rateio de despesas dos associados. 

Entretanto, há de se observar que, na esteira da tese fixada pelo pretório  Excelso, associações já existentes continuarão não podendo cobrar contribuições de proprietários não associados, nem mesmo exigir-lhes submissão às disposições do Estatuto ou cumprimento do regimento interno. 

No que se refere a novos proprietários, cuja adquirência tenha ocorrido após  11/07/2017, a cobrança será admitida, desde que o ato constitutivo da Associação de moradores encontre-se registrado à margem da matrícula de cada lote do empreendimento

Prudente ainda lembrar que, a regulação urbana é matéria de legislação municipal, que, por ser mais específica, prevalece em relação à legislação federal.

Devido a isto, alguns municípios com geografia, topografia e perfil para atrair  empreendimentos de condomínios de lotes e loteamentos fechados, as leis  municipais como Planos Diretores e leis de uso e ocupação do solo urbano já foram  elaboradas prevendo essas modalidades de empreendimento imobiliário, os  considerando regulares, legitimando, inclusive, a constituição de Associação de  moradores a ser aderida por todo aquele que residir no empreendimento ou adquirir  unidade, com atos constitutivos registrados no cartório de imóveis. 

Nesta senda, em sintonia com a decisão do Supremo Tribunal Federal, para  os novos loteamentos, posteriores à Lei 13.465/2017, datada de 11/07/2017, ou posteriores à lei municipal autorizadora da modalidade, basta o registro do Estatuto Social da Associação no cartório de registro de imóveis competente, aliado à previsão, no memorial descritivo do empreendimento, de que o loteamento será de acesso controlado, com benefícios, regras e serviços comuns e que, por isso, será criada associação da qual todos os moradores e proprietários deverão fazer parte, inclusive com o dever de cumprir as normas regulamentares, bem como de concorrer com as despesas da instituição contribuindo com as despesas da instituição. 

Nesse caso, os associados, ainda que se desvinculem da associação posteriormente, serão e continuarão obrigados a contribuir. 

Entretanto, para loteamentos que sejam anteriores à dita lei federal, ou  anteriores à lei municipal autorizadora, a situação vai depender do seguinte: proprietários que já tenham adquirido suas unidades antes da autorização legal à imputação da associação deverão se associar livremente, sendo vedada a imposição de qualquer taxa sem a adesão deles ao Estatuto social; e moradores que adquiram unidades posteriormente à autorização legal, desde que informados e regularmente registrados os atos constitutivos da Associação, contanto que as obrigações comuns esteja devidamente registrada na matrícula da propriedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

O Direito tem como propósito central promover a paz social, sempre  procurando encontrar a resposta mais justa e equânime diante de um conflito  procedimental legal, e assim extrair uma exegese justa e equilibrada, sob o senso  que “justiça é dar a cada um a exata medida do que é justo”. 

Seguramente é um dever precípuo do operador do direito, pautar-se pela  Função Social do Direito. Assim, uma vez extraído o melhor direito, justo, equânime  e aplicável a estas relações, seguramente cumprirão com mais propriedade sua  Função Social.  

O Loteamento com acesso controlado é uma realidade cada vez mais  presente em nosso plano urbanístico, raros são os municípios que não tem em seu  território pelo menos uma incidência deste modelo de habitação. 

Ao mesmo tempo em que a formalização do instituto pela Lei 13.465/2017 atendeu a uma necessidade antiga e generalizada dos milhares de Loteamento com  acesso controlado país afora, muitas dúvidas de outrora ainda não foram sanadas e  novas questões conceituais foram instaladas, dificultando o alcance de um consenso  sobre a natureza jurídica, a eficácia dos Estatutos e regimentos internos sobre os  não Associados, e sobretudo sobre o dever de concorrer com as despesas de conservação, limpeza e segurança. 

Mais recentemente, o STF, no julgamento do RE nº 695.911/SP, em dezembro de 2020, decidiu que ao ‘condômino’ de um Loteamento de acesso  controlado, é conferido o direito de associação ou desassociação a qualquer tempo. Na mesma assentada, ainda que simploriamente, promoveu sistematização sobre o dever de contribuição com as despesas comuns da associação, no tocante ao  pagamento de funcionários, limpeza, segurança, vigilância, conservação e outros  serviços em prol do Loteamento de acesso controlado. 

A matéria, todavia, ainda permanece complexa, uma vez que o direito da  associação ou do associado, de, respectivamente, cobrar taxa dos moradores e  exigir cumprimento do Estatuto e regimento interno ou se desassociar da entidade,  sem arcar com as despesas comuns e não se submeter às normas do Estatuto e  regimento interno, dependerão de variáveis, a exemplo da data de constituição da  associação, da data de adesão do associado, da data de criação do loteamento em si, do momento da aquisição da unidade pelo proprietário e da legislação municipal  aplicável. 

Por fim, a conclusão que se chega é que tanto a Lei 13.465/2017 quanto a  decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento do Tema  1042, assertivamente propuseram um caminho sobre os Loteamentos constituídos  após o advento da Lei (11/07/2017), bem como sedimentou-se os deveres e direitos  daqueles proprietários que já eram associados.  

Neste condão, tanto aquele proprietário que já tenha se associado anteriormente à vigência da Lei 13.465/2017 quanto aquele que tenha adquirido lote inserido em Loteamento de acesso controlado, posteriormente à vigência da lei, tendo sido regularmente informado da existência da Associação, deverão permanecer respeitando as normas comuns da associação e contribuindo com as despesas da instituição. 

Entretanto ainda permanece uma grande lacuna no tocante aqueles  moradores/proprietários que não se associaram ou que tenham se associado, porém se desassociaram anteriormente à vigência da lei federal ou municipal autorizadora, uma vez que não podem ser coagidos a se associar novamente, após o início da  vigência da norma. 

O fato é que, dado ao enorme lapso temporal entre o surgimento da  problemática e a positivação na Lei, uma gama enorme de “Condomínios Fechados” já existentes antes do Estatuto das Cidades, estão diante deste impasse.  

Ainda que um proprietário alegue desinteresse em se associar ou permanecer associado, ele, inevitavelmente, se relaciona juridicamente com a Associação,  porque, ao possuir um imóvel que se encontra dentro do loteamento, recebe dela  todos os benefícios, tirando proveito dos serviços de limpeza, segurança, guarda,  manutenção, conservação e outros que são prestados. 

A solução que se apresenta mais plausível a meu sentir é aquela que pode vir  do Poder Legislativo, criando um dever positivado em lei. Quer seja na esfera federal  ou municipal, propiciar um caminho legal para que o dever de submissão as normas  coletivas e de concorrer com os custos seja estabelecido por lei, tal qual como  preconiza o art. 5, II da Constituição Federal.

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1 Bacharel em Teologia, Bacharel em Direito, Especialista em Docência Universitária,  mestrando em Função Social do Direito Civil.