REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10114886
Fabiana Resende Rodrigues1
Dyego Mondego Moraes2
Diogo de Lima Henin3
RESUMO
INTRODUÇÃO: O câncer cervical, em 2021, foi diagnosticado em 604 mil mulheres e foi responsável por 341 mil mortes ao redor do mundo, sendo o quarto câncer com maior incidência e número de mortes. (BOGDANOVA; ANDRAWOS; CONSTANTINOU, 2022). Países sul-americanos enfrentam desafios na consolidação de modelos assistenciais alicerçados em uma APS abrangente. Além das diversidades socioeconômica, geográfica, cultural e étnica, a região possui diferentes estruturas de saúde com segmentação na oferta de serviços e problemas derivados de subfinanciamento (GIOVANELLA, 2021). No Brasil, excluídos os tumores de pele não melanoma, o câncer do colo do útero é o terceiro tipo de câncer mais incidente entre as mulheres. Para o ano de 2022 foram estimados 16.710 casos novos, o que representa um risco considerado de 15,38 casos a cada 100 mil mulheres (INCA, 2021) O exame citopatológico é o método de rastreamento do câncer do colo do útero, indicado para a população alvo de 25 a 64 anos, uma vez a cada três anos, após dois exames anuais consecutivos normais (INCA, 2021). Comprovadamente, a citologia é um método de rastreio eficaz, tendo reduzido a mortalidade e incidência do câncer cervical. Porém é propensa a subjetividades e em alguns casos carece de reprodutibilidade, uma vez que é operador-dependente, variando com a expertise. Por esta razão é importante o controle de qualidade laboratorial e reciclagem periódica dos profissionais envolvidos no processo (BOUVARD et al., 2021). OBJETIVO: Avaliar o grau de concordância entre o exame citopatológico e o exame histopatológico no diagnóstico de lesões cervicais de um Hospital Universitário da rede pública municipal de Saúde do Rio de Janeiro. MATERIAIS E MÉTODOS: Trata-se de estudo observacional, retrospectivo e analítico aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, com amostra de conveniência composta de 173 exames colpocitológico registrados no Serviço de Anatomia Patológica, no período de seis anos (2010 a 2015). RESULTADOS: Três tipos de diagnósticos histopatológicos foram observados: L-SIL (55 casos, 31,8%), H-SIL (79 casos, 45,7%) e Carcinoma (39 casos, 22,5%). A colpocitologia atingiu sensibilidade de 77.1% (IC95% = 68.3 – 84.1%) e especificidade de 87.3% (IC95% = 74.9 – 94.3%). A razão de verossimilhança positiva encontrada foi de 6.1 (IC95 = 3.0 – 12.2), enquanto que a razão de verossimilhança negativa foi de 0.26 (IC95% = 0.19 – 0.37). DISCUSSÃO: A sensibilidade do nosso estudo em relação aos citados, com o mesmo ponto de corte, apresentou-se significativamente maior (77.1%), enquanto a especificidade (87.3%) foi semelhante. Tendo em vista que o câncer cervical é uma doença grave e, por conseguinte, é imprescindível rastrear os casos positivos, infere-se que reduzir o ponto de corte de diagnóstico para L-SIL ou ASC-US seja uma estratégia eficaz para aumentar a sensibilidade do teste. CONCLUSÃO: Os indicadores são influenciados, por vários fatores que dizem respeito tanto ao procedimento citológico quanto ao histopatológico e correlação da citologia cervical com a análise histológica, embora permanece como o melhor método de medir a validade do exame de PAPANICOLAU estando os valores apresentados com concordância diagnóstica significativa.
PALAVRAS-CHAVE: CÂNCER CERVICAL, COLPOCITOLOGIA, EXAME HISTOPATOLÓGICO,
INTRODUÇÃO
O câncer cervical, em 2021, foi diagnosticado em 604 mil mulheres e foi responsável por 341 mil mortes ao redor do mundo, sendo o quarto câncer com maior incidência e número de mortes. (BOGDANOVA; ANDRAWOS; CONSTANTINOU, 2022). Países sul-americanos enfrentam desafios na consolidação de modelos assistenciais alicerçados em uma APS abrangente. Além das diversidades socioeconômica, geográfica, cultural e étnica, a região possui diferentes estruturas de saúde com segmentação na oferta de serviços e problemas derivados de subfinanciamento (GIOVANELLA, 2021). No Brasil, excluídos os tumores de pele não melanoma, o câncer do colo do útero é o terceiro tipo de câncer mais incidente entre as mulheres. Para o ano de 2022 foram estimados 16.710 casos novos, o que representa um risco considerado de 15,38 casos a cada 100 mil mulheres (INCA, 2021)
A patogênese do Câncer Cervical está associada a infecções por papilomavírus humano (HPV) e consiste em várias etapas que envolvem a proliferação celular fora dos mecanismos de controle do corpo humano. Este processo resulta em uma cascata de células transformadas malignamente na seguinte ordem: hiperplasia, displasia, carcinoma in situ e carcinoma invasivo(MARTÍNEZ-RODRÍGUEZ 2021). O Papilomavírus humano (HPV) é um vírus que possui uma fita dupla de DNA circular não envelopado, possui uma cápsula proteica com simetria icosaédrica. Possui uma vasta família com cerca de 150 tipos de vírus que infectam o homem, sendo eles divididos em baixo e alto risco. Os vírus de baixo risco, sendo os mais frequentes os tipos 6 e 11, em geral causam verrugas e condilomas genitais (Vasquez-Bonilla 2020). O HPV é um vírus sexualmente transmissível, mais comumente transmitido durante sexo vaginal, oral e anal. (SHAPIRO, 2022)
Na América do Sul e Central, a carga de doença associada ao CCU é alta, com taxas elevadas de incidência e taxas baixas de triagem, mesmo em países que possuem programas nacionais de rastreamento (Vale DB 2021). Por sua vez, os países europeus que alcançaram sucesso no controle do CCU implementaram ampla cobertura populacional de rastreamento organizado (OPAS 2021) e incorporaram um robusto programa de vacinação contra o papilomavírus humano (HPV, do inglês human papillomavirus) (Vale DB 2021). A cobertura nesses países também está relacionada à busca ativa das mulheres e ao acompanhamento longitudinal após um teste de triagem positivo (OPAS 2021). No Brasil, a taxa de mortalidade por câncer do colo do útero, ajustada pela população mundial, foi de 4,60 óbitos/100 mil mulheres, em 2020 (INCA, 2020).
O início do rastreio organizado remonta a 1968, quando Wilson e Jungner desenvolveram um catálogo de critérios que uma doença deve ter para ser rastreada. Na Europa, a data chave para o rastreio do cancro do colo do útero foi 1993, com a publicação das Directrizes Europeias para a Garantia de Qualidade no Rastreio do Cancro do Colo do Útero, que estabeleceram os princípios para o rastreio do Câncer de Colo de útero (Chrysostomou, A.C 2018) Em setembro de 1995, o Ministério da Saúde reconheceu a necessidade de um programa de âmbito nacional, visando ao controle do câncer do colo do útero. Uma equipe de técnicos do Ministério da Saúde, em parceria com organismos nacionais e internacionais, elaborou um estudo piloto que, mais tarde, subsidiaria o Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero (MS 2021). Em 21 de junho de 1998, o Ministério da Saúde instituiu o Programa Nacional de Combate ao Câncer de Colo do Útero através da Portaria GM/MS nº 3040/98. A primeira fase de intensificação ocorreu de agosto a setembro de 1998, com a adoção de estratégias para estruturação da rede assistencial, estabelecimento de um sistema de informações para o monitoramento das ações (SISCOLO) e dos mecanismos para mobilização e captação de mulheres, assim como definição das competências nos três níveis de governo. Nesta fase, mais de três milhões de mulheres foram mobilizadas para fazer o exame citopatológico (INCA 2021).
Felizmente, o câncer cervical é uma doença altamente prevenível (CROSIGNANI et al., 2013), seja por métodos primários ou secundários de prevenção. A forma primária de prevenção é a vacinação contra o HPV, a qual se estima possuir o potencial de reduzir entre 70 e 90% a incidência de todos os cânceres cervicais (SERRANO et al., 2018). O exame histopatológico, seja biópsia seja peça cirúrgica, ainda é considerado o padrão-ouro no diagnóstico de lesões cervicais (FERREIRA, 2018). Sendo assim, as principais formas de prevenção são com a vacinação profilática do HPV e a detecção baseada na triagem de DNA, RNA ou anormalidades citológicas detectadas no exame Papanicolau associadas ao HPV, o qual é capaz de identificar mais de 95% das lesões cervicais pré-cancerosas (COOK 2019).
O exame citopatológico é o método de rastreamento do câncer do colo do útero, indicado para a população alvo de 25 a 64 anos, uma vez a cada três anos, após dois exames anuais consecutivos normais (INCA, 2021). Essas recomendações visam garantir o balanço favorável entre riscos e benefícios do rastreamento. Comprovadamente, a citologia é um método de rastreio eficaz, tendo reduzido a mortalidade e incidência do câncer cervical. Porém é propensa a subjetividades e em alguns casos carece de reprodutibilidade, uma vez que é operador-dependente, variando com a expertise. Por esta razão é importante o controle de qualidade laboratorial e reciclagem periódica dos profissionais envolvidos no processo (BOUVARD et al., 2021). No Brasil, a cobertura do exame citopatológico do colo do útero nas capitais é alta e vem se mantendo perto de 80% na última década. Em 2020 e 2021, observa-se uma queda, provavelmente como repercussão dos anos anteriores atípicos em função da pandemia de Covid-19 (INCA, 2021).
Segundo o sistema de Bethesda, as lesões de colo uterino observadas devem ser reportadas em uma das seguintes classificações histopatológicas: lesão intra-epitelial de baixo grau (L-SIL), lesão intra-epitelial de alto grau (H-SIL), células escamosas atípicas de significado indeterminado (ASC-US), células escamosas atípicas não podendo excluir H-SIL (ASC-H), células glandulares atípicas (AGC) e carcinoma invasor (INCA 2021).
A partir do sistema de Bethesda, o Ministério da Saúde adota a seguinte conduta para periodicidade dos exames: quando o resultado da citologia é ASC-US ou L-SIL, a conduta é de repetição do teste após determinado período; quando o resultado é diferente (H-SIL, AGC, ASC-H e carcinoma), a conduta é de encaminhamento para a colposcopia, quando pode-se ou não ser realizada a biópsia dependendo do resultado e à critério do médico assistente (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2021)
O exame histológico é padrão-ouro para diagnosticar corretamente o câncer do colo do útero e, além disso, auxiliam a classificação quanto ao tipo e grau histológico dos tumores. Silva et al. (2018) afirmam que o exame histológico é fundamental para complementar os exames citológicos, pois assim, garantem diagnóstico mais seguro (Silva 2018).
Objetivo
Avaliar o grau de concordância entre o exame citopatológico e o exame histopatológico no diagnóstico de lesões cervicais de um Hospital Universitário da Rede pública municipal de Saúde do Rio de Janeiro.
Material e métodos
Trata-se de estudo observacional, retrospectivo e analítico aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, com amostra de conveniência composta de 173 exames colpocitológicos registrados no Serviço de Anatomia Patológica, no período de seis anos (2010 a 2015).
As informações das requisições registradas no Sistema de Informação do Controle do Câncer do Colo do Útero (SISCOLO) e os laudos colpocitológicos foram comparados com os resultados dos exames histopatológicos, e os resultados foram transferidos para planilha de Excel para posterior análise dos dados
Os critérios de inclusão foram pacientes com exames colpocitológico alterado e histopatológico concomitante. Os critérios de exclusão foram os casos que não possuem exames ou laudos concomitantes, bem como sem informações suficientes nas requisições médicas e/ou prontuários para a análise dos dados da pesquisa.
Após a análise dos exames concomitantes, foram considerados casos concordantes e agrupados da seguinte forma: (1) citologia de L-SIL ∕ ASC-US e biópsia de L-SIL; (2) citologia H-SIL ∕ ASC-H ∕ carcinoma e biópsia de H-SIL ∕ carcinoma ∕ sarcoma. Os casos discrepantes ou não concordantes foram considerados quando a citologia era de baixo grau de lesão (L-SIL ∕ ASC-US) e a biópsia de alto grau (H-SIL ∕ ASC-H ∕ carcinoma ∕ sarcoma). Os dados foram compilados e informatizados em planilha do programa Microsoft Excel, e posteriormente analisados em pacote estatístico SPSS (StatisticPackage for Social Studies). Foi considerado o p-valor com nível de significância de 5%.
Resultados
O diagnóstico de uma doença é feito mediante a história clínica e exames complementares, como os testes laboratoriais. Estes podem levar a resultados falso-positivos (quando o teste é positivo e o indivíduo não tem a doença) ou falso-negativos (quando o teste é negativo e a pessoa tem a doença). Portanto, a correta interpretação de um teste laboratorial vai além de checar o resultado obtido, sendo necessário conhecimento médico para avaliar as propriedades do teste por ele solicitado (MS 2019).
No estudo a amostra é composta de mulheres entre 14 e 91 anos (média = 47.8 anos; desvio padrão de ±15.6). s diagnósticos histopatológicos foram observados foram 55 (31.8%) casos de L-SIL, 79 (45.7%) de H-SIL e 39 (22.5%) de Carcinoma (Tabela 1). Dentre o diagnóstico de carcinoma, temos 16 (9.2%) de carcinoma de células escamosas, 21 (12.1%) de adenocarcinoma e 2 (1.2%) de carcinossarcoma. Entre os diagnósticos o ASC-US e a L-SIL foram os de maior concordância com a colpocitologia, com 48 (87.2%) dos 55 casos histopatológicos. Por outro lado, carcinoma foi o diagnóstico da biópsia de menor concordância com a colpocitologia, com 28 (71.8%) dos 39 casos totais nos quais a biópsia obteve o mesmo resultado da colpocitologia (Tabela 1).
Sabe-se que a sensibilidade de um teste diagnóstico corresponde ao percentual de resultados positivos dentre as pessoas que tem uma determinada doença ou condição clínica. A especificidade é a capacidade do mesmo teste ser negativo nos indivíduos que não apresentam a doença que está sendo investigada (INCA 2021). Para o cálculo de sensibilidade, especificidade e razão de verossimilhança, considerou-se como resultados validos os diagnósticos de: Carcinoma, H-SIL, AGC ou ASC-H, L-SIL e ASC-US. No presente estudo a sensibilidade da colpocitologia foi 77.1% (IC95% = 68.3 – 84.1%) e a especificidade foi 87.3% (IC95% = 74.9 – 94.3%)
TABELA I – CONCORDANCIA HISTOPATOLÓGICA E COLPOCITOLÓGICA NA AMOSTRA ANALISADA
COLPOCITOLOGIA | Total | |||||
Carcinoma | H-SIL, ASC-H e AGC | ASC-US eL-SIL | ||||
EXAME HISTOPATOLÓGICOS | Carcinoma | Contagem | 28 | 4 | 7 | 39 |
% dentro da Biópsia* | 71.8% | 10.2% | 17.9% | 100.0% | ||
H-SIL | Contagem | 1 | 58 | 20 | 79 | |
% dentro da Biópsia | 1.3% | 73.5% | 25.3% | 100.0% | ||
L-SIL | Contagem | 0 | 7 | 48 | 55 | |
% Dentro da Biópsia | 0% | 12.8% | 87.2% | 100.0% | ||
Total | 29 | 69 | 75 | 173 |
FONTE: PRÓPRIA
As Razões de Verossimilhança combinam sensibilidade e especificidade para quantificar o quão útil um novo teste diagnóstico é para mudar (aumentar ou diminuir) a probabilidade de ter uma doença em comparação com a prevalência dessa doença (probabilidade pré-teste) na população estudada. A RV Positiva é a probabilidade de um resultado positivo em pacientes com a doença dividida pela probabilidade de um resultado positivo em pacientes sem a doença, ao passo que a RV Negativa é a probabilidade de um resultado negativo em pacientes com a doença dividida pela probabilidade de um resultado negativo em pacientes sem a doença (Juliana Carvalho 2018). A Razão de Verossimilhança Positiva foi 6.1 (IC95 = 3.0 – 12.2), enquanto que a Razão de Verossimilhança Negativa foi 0.26 (IC95% = 0.19 – 0.37). Já a prevalência de resultados positivos obtidos pela biópsia no estudo foi 68.2% (IC 95% = 60.6 – 75%).
O Coeficiente Kappa pode ser definido como uma medida de associação usada para descrever e testar o grau de concordância (confiabilidade e precisão) na classificação e caracteriza diferentes faixas para os valores kappa, segundo o grau de concordância que eles sugerem. Assim, valores maiores que 0,75 representam excelente concordância. Valores abaixo de 0,40 representam baixa concordância e valores situados entre 0,40 e 0,75 representam concordância mediana (MS 2019). O Coeficiente Kappa encontrado foi de 0.587 (IC95% = 0.46 – 0.71), indicando uma concordância mediana entre as técnicas.
Discussão
O valor de prevalência encontrado (68.2%) de lesões de alto grau é extremamente alto, o que se justifica pelo fato de nossa amostra ser composta por casos que, em sua maioria, previamente apresentaram alterações epiteliais na análise colpocitológica. Contudo sabe-se que a prevalência de infecção por HPV no sexo feminino tem se mostrado de fato elevada conforme dados do ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO SOBRE A PREVALÊNCIA NACIONAL DE INFECÇÃO PELO HPV POP-BRASIL (INCA 2020) a prevalência de HPV geral foi de 53,6%, (presença de pelo menos um dos tipos de HPV analisado). Desses, 35,2% apresentaram pelo menos um HPV de alto risco (16, 18, 31, 33, 35, 39, 45, 51, 52, 56, 58, 59, 68) (Figura 11). De uma forma geral, 31.0% desta amostra apresentou múltipla, ou seja, mais de um tipo de HPV outros estudos evidenciaram a prevalência encontrada para a infecção por HPV nas pacientes analisadas atingiu o valor de 38.6% (78/202), considerado alto (MARTINS et al., 2022).
Foram reportadas a sensibilidade e a especificidade correspondentes a diferentes pontos de corte para diagnóstico positivo. Quando foi considerado como diagnóstico positivo a partir de H-SIL – assim como nosso estudo limitou-se a realizar -, obteve-se a menor sensibilidade (51,3%), porém a maior especificidade (86.5%) – em comparação com pontos de corte menores (L-SIL e ASC-US) para diagnóstico positivo. Em uma meta-análise (CHEN et al., 2012), observou-se o mesmo quadro: a menor sensibilidade (58%) e a maior especificidade (92%) é a de quando o ponto de corte para resultado positivo é o H-SIL. Isso demonstra a dificuldade em elevar, concomitantemente, a sensibilidade e a especificidade do teste, visto que, quando o ponto de corte para um diagnóstico positivo é menor, tem-se maior sensibilidade, porém menor especificidade. A sensibilidade do nosso estudo em relação aos citados, com o mesmo ponto de corte, apresentou-se significativamente maior (77.1%), enquanto a especificidade (87.3%) foi semelhante. Tendo em vista que o câncer cervical é uma doença grave e, por conseguinte, é imprescindível rastrear os casos positivos, infere-se que reduzir o ponto de corte de diagnóstico para L-SIL ou ASC-US seja uma estratégia eficaz para aumentar a sensibilidade do teste.
Além disso, os dados correspondem a situações de realização da biópsia quando o colpocitologico está alterado, e não em todos os exames citológicos. A prevalência desse diagnóstico citopatológico no Brasil foi de 0,26% de todos os exames realizados e de 9,1% de todos os exames alterados em 2013. Cerca de 70% a 75% das mulheres com laudo citopatológico de HSIL apresentam confirmação histopatológica desse grau de doença e em 1% a 2%, de carcinoma invasor (INCA 2021)
Infere-se que, caso fossem analisadas no nosso estudo biópsias tanto de citologias normais quanto de citologias alteradas, a sensibilidade encontrada poderia ser significativamente menor e a especificidade maior. Portanto, tendo encontrado um valor de sensibilidade de 77.1% para a sensibilidade provavelmente, o valor real da colpocitologia realizada no serviço de saúde é menor, enquanto que a especificidade seria maior do que 86.5%.
A principal limitação do estudo, portanto, foi a ausência de um grupo com biópsias em colpocitologias tanto alteradas quanto não alteradas, a fim de verificar os valores reais dos parâmetros analisados (sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo e valor preditivo negativo), e não apenas os valores correspondentes a colpocitologias alteradas.
Dentro da classificação de Bethesda, o ASC-US é em sua definição uma “anormalidade celular mais expressiva do que um processo inflamatório, mas insuficiente para diagnóstico de lesão intra-epitelial escamosa (SIL)” propicia subjetividades entre os observadores. Nesse sentido, o diagnóstico de ASCUS na citologia foi a origem de um número significativo de falso-negativos no estudo. Quase a metade (48,6%) dos casos reportados como ASCUS pelo papanicolau foram diagnosticados como H-SIL (11) ou como carcinomas (7). Esse número está muito acima do valor médio de 5 a 10% de ASCUS reportados no exame, seguidos por diagnóstico pela biópsia de lesões de alto grau (H-SIL) estipulado como média pela literatura (MCGRATH, 2002).
Essa é uma diferença preocupante, uma vez que a conduta divulgada pelo Ministério da Saúde frente ao diagnóstico de ASCUS pela citologia é de apenas repetir a citologia após determinado período, sendo que, para menores de 25 anos, esse período é de três anos (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2016), tempo no qual uma lesão de alto grau pode se desenvolver em uma neoplasia maligna ou até mesmo em um carcinoma não diagnosticado. Logo, é necessário despender grande atenção às pacientes com resultados de ASC-US na colpocitologia, visto que cerca de 12,8% delas apresentou, na histopatologia, diagnóstico de lesão de alto-grau, com chance importante de se desenvolver em uma neoplasia.
A especificidade (87,3%) encontrada para o exame colpocitológico no nosso estudo demonstrou-se alta, assim como no estudo supracitado. Ademais, como já exposto, a especificidade real, isto é, quando calculada em uma amostra tanto com citologias alteradas quanto com citologias normais, tende a ser maior ainda do que a encontrada. Isso demonstra a importância do teste em reduzir ao mínimo os diagnósticos falsos positivos de lesão cervical e, por conseguinte, tornar sua implantação sistemática viável em países com realidades socioeconômicas diversas.
Em relação ao coeficiente, ressalta-se que o Kappa alto confere maior segurança de que o teste a ser analisado – no presente estudo, a citologia cervical – não será excessivamente destoante do teste padrão-ouro – a histopatologia. Isso possui importância à medida que permite mensurar se uma ferramenta diagnóstica mais simples e de menor custo.
A razão de verossimilhança positiva encontrada (6.1) está acima do limite superior de 5 definido como indicativo de forte evidência de diagnóstico positivo, enquanto que a razão de verossimilhança negativa (0.26) está acima do limite inferior de 0.2 definido como indicativo de forte evidência de diagnóstico positivo. Logo, isso sugere que as citologias positivas reportadas apontam com forte evidência um verdadeiro positivo, enquanto que as citologias negativas indicam com menor probabilidade verdadeiros negativos.
CONCLUSÃO
Os indicadores são influenciados, por vários fatores que dizem respeito tanto ao procedimento citológico quanto ao histopatológico e correlação da citologia cervical com a análise histológica, embora permanece como o melhor método de medir a validade do exame de PAPANICOLAU estando os valores apresentados com concordância diagnóstica significativa. Reitera-se que novos estudos são necessários para analisar a sensibilidade e especificidade da citologia, sendo importante discutir precisão para detectar lesões precursoras, bem como para um diagnóstico correto do grau das lesões, uma vez que as diretrizes recomendam o seguimento a partir dos achados do exame de citologia.
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1Pós-doutorado, PhD, médica patologista (INCA-RJ) e professora do Departamento de Patologia (UFF-RJ)
2Médico-residente patologia (INCA-RJ)
3Academico de Medicina da Universidade Federal Fluminense – UFF