CONCESSÃO UNILATERAL DE BENEFÍCIOS FISCAIS DO ICMS PELOS ESTADOS E O FENÔMENO DA GUERRA FISCAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10892792


Isabelle Fernandes Leite
Orientador: Professor Marlon Marcelo Murari


RESUMO

O presente trabalho tem como objeto de estudo principal o fenômeno da Guerra Fiscal do ICMS no Brasil. Por meio da metodologia de revisão bibliográfica, o trabalho passou por uma análise das obras de autores consagrados na área do Direito Tributário e do Direito Constitucional, bem como artigos científicos específicos sobre o tema e pesquisas legislativa e jurisprudencial. O trabalho objetiva o estudo do aludido fenômeno, para demonstrar o que consiste a Guerra Fiscal, como esta surge no Brasil e sua relação com a busca desenfreada dos Estados por investimentos em seu território, por meio de benefícios fiscais concedidos ao arrepio da legislação constitucional e também infraconstitucional. O desenvolvimento do trabalho se deu por uma breve explanação a respeito do Federalismo, a forma como o país adotou para se organizar politicamente em forma de federação e o modo como se distribuiu a competência tributária aos entes federativos. Em seguida, passou-se ao estudo dos benefícios fiscais, como são concedidos, as suas principais modalidades e os limites para a sua concessão. Por fim, o artigo expõe a relação entre a instauração da guerra fiscal e o ICMS, as suas consequências e as medidas existentes que são tendentes a solucionar o problema. 

Palavras-chave: Pacto Federativo; Federalismo Fiscal; Benefícios Fiscais; Guerra Fiscal; ICMS.

ABSTRACT

This work has as main object of study the phenomenon of the ICMS Tax War in Brazil. The work went through an analysis using the bibliographic review methodology of the works of renowned authors in the area of Tax Law, Constitutional Law, specific scientific articles and legislative and jurisprudential research. The work emphasizes the study of the phenomenon, to demonstrate what the Fiscal War consists of, how it arises in Brazil and its relationship with the search of States for investments in their territory, through tax benefits granted in violation of constitutional and also infraconstitutional legislation. The development of the work took place through an explanation about Federalism, the way the country adopted to organize itself politically in the form of a federation and the way in which tax competence was distributed to federative entities. Then, the study of the tax benefits, how they are granted, their main modalities and the limits for their granting was studied. Finally, the article exposes the relationship between the establishment of the fiscal war and the ICMS, its consequences and the existing measures that tend to solve the problem.

Keywords: Federative Pact; Fiscal Federalism; Tax benefits; Fiscal War; ICMS

INTRODUÇÃO

O Brasil adotou a forma federativa de Estado, conforme está previsto na Constituição Federal de 1988, inclusive com o status de Cláusula Pétrea, de modo que é expressamente proibida a proposta de emenda constitucional tendente a aboli-la.

De acordo com princípio federativo, o Estado se subdivide em diversos entes subnacionais, os quais são dotados de autonomia governamental própria, inclusive financeira. Todavia, apesar de possuírem suas personalidades jurídicas e serem autônomos, esses entes são despidos de soberania, a qual é perfectibilizada pelo Estado Federal, composto pela união de vontades de todos os membros da Federação. 

A fim de garantir a autonomia financeira dos entes federativos, a Constituição Federal outorga competências tributárias próprias, bem como estabelece critérios de repartição das receitas entre eles, o que se chama de federalismo fiscal. 

Ocorre que, tendo em vista que o ICMS é um imposto de competência Estadual, os Estados possuem determinada liberdade para arrecadá-lo. Desta forma, dependendo do interesse de cada Estado-membro ou Distrito Federal, estes concedem a certas empresas privadas benefícios fiscais, tais como isenções ao recolhimento deste tributo, modificação da base de cálculo, reduzindo o valor do ICMS para que, assim, recebam maiores investimentos privados em seu território. 

Assim, verifica-se que, em razão das buscas desenfreadas dos Estados por investimentos em seu território, benefícios e incentivos fiscais são concedidos pelos Estados para que as empresas ali se instalem, dando início ao fenômeno conhecido como guerra fiscal. Em que pese os inúmeros dispositivos constitucionais, não foi possível evitar tais controvérsias, pois foi exatamente após a promulgação da Constituição Federal de 1988 que se criou o ambiente favorável à instauração da guerra fiscal.

Deste modo, utilizando-se do método bibliográfico e histórico, com a revisão teórica, livros, pesquisas bibliográficas, legislativas e jurisprudenciais, este trabalho objetiva o estudo do aludido fenômeno, para demonstrar no que consiste a guerra fiscal, como esta surge no Brasil, e suas relações com as buscas desenfreadas dos Estados por investimentos em seu território, operacionalizadas por benefícios e incentivos fiscais que acarretam as diminuições do valor a ser pago a título de ICMS.

Nesse sentido, o primeiro capítulo deste trabalho tende a identificar os conceitos de Estado Federal e Soberania. Em seguida, será feito um breve apanhado sobre o pacto federativo e sobre o federalismo fiscal no Brasil. Após, demonstrar-se-á como é feita a distribuição de competência tributária pelo Estado Federal a cada um dos entes políticos.

No segundo capítulo, será identificado o perfil jurídico do ICMS, que é considerado o de maior arrecadação do país e um dos mais complexos do sistema tributário brasileiro. Inicialmente, será apresentado o histórico e as fases pelas quais passou o referido imposto, até chegar no tributo que conhecemos hoje.

Ademais, serão abordadas algumas de suas principais características, como a não-cumulatividade, que encontra-se insculpida na Constituição, não podendo ter seu alcance diminuído ou anulado por outras normas infraconstitucionais.

Por conseguinte, no terceiro capítulo, intitulado “a concessão de benefícios fiscais”, ingressar-se-á mais afundo no objetivo principal deste trabalho, qual seja identificar os aspectos jurídicos que circundam a guerra fiscal entre entes da mesma Federação.

Primeiramente, será dado espaço para uma breve explicação sobre a extrafiscalidade e sua relação com os benefícios fiscais. Em seguida, será feita a conceituação dos benefícios fiscais e a diferenciação entre as suas principais modalidades, como a isenção, anistia, remissão, concessão de crédito presumido, entre outros.

Logo após,  será o momento de tratar das limitações à capacidade de concessão de incentivos fiscais no ordenamento jurídico pátrio. Aqui, será feita uma divisão entre os limites constitucionais, legais e jurisprudenciais.

A própria Constituição Federal aponta algumas restrições, assim como a Lei Complementar no 24/75 e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Item importante neste tópico, também, é a atuação dos tribunais, em especial o Supremo Tribunal Federal, na contenção às outorgas de incentivos fiscais, de modo que estes não representem verdadeiros malefícios aos entes políticos, representando tão somente renúncia de receita por parte destes.

No capítulo quarto, demonstrar-se-á como a concessão desenfreada de benefícios fiscais pelos Estados, em desacordo com o ordenamento jurídico brasileiro, com a finalidade de angariar investimentos do setor privado para seus territórios, provoca tensões nas relações federativas, culminando no fenômeno chamado guerra fiscal, que é pauta no meio tributário há décadas, principalmente no que diz respeito ao ICMS.

Uma das previsões constitucionais é de que caberá à Lei Complementar regular a forma como os benefícios fiscais serão concedidos e revogados, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal. 

A regulamentação se dá por meio da Lei Complementar 24/75, anterior à Constituição de 1988, que determina a necessidade de decisão unânime dos Estados para concessão de benefícios fiscais do ICMS.

A deliberação unânime é realizada via Convênio celebrado no âmbito do CONFAZ – Conselho Nacional de Políticas Fazendárias, órgão do Ministério da Fazenda composto por Secretários Estaduais da Fazenda ou cargos equivalentes. 

A primeira dificuldade é obter uma decisão unânime, o que acaba resultando na concessão unilateral dos benefícios pelos Estados, mesmo que para tanto desrespeitem a exigência contida na Lei Complementar.

Assim, os Estados lesados com os benefícios outorgados sem a observância da legislação pertinente, a fim de expurgar a lei de outros Estados que conferem benefícios à revelia do CONFAZ, ajuízam Ação Direta de Inconstitucionalidade junto ao STF ou glosam os créditos fiscais dos contribuintes ativos situados em seu território.

Desse modo, visto como se opera o referido fenômeno, serão identificadas e analisadas as consequências da instauração de uma guerra fiscal entre os membros da Federação, devendo-se verificar a necessidade de seu combate pelo Estado Federal brasileiro. 

Entre as referidas consequências, pode-se citar o prejuízo na competitividade entre os Estados, aumento das desigualdades regionais, redução generalizada nas receitas públicas, interferência na livre concorrência, insegurança jurídica, entre outras.

No último capítulo, serão apresentadas, de forma breve, algumas medidas tendentes a solucionar a guerra fiscal: a Lei Complementar nº 160/2017 e o Convênio ICMS nº 190/2017, a Proposta de Súmula Vinculante nº 69/STF e as PECs 45/2019 e 110/2019.

Com tal delineamento, será possível observar a busca incontrolável dos Estados e do Distrito Federal por investimentos privados em seu território, demonstrando brevemente seu efeito no âmbito tributário, de modo a entender o que é o fenômeno da Guerra Fiscal do ICMS no Brasil e os prejuízos por ela causados à Nação e aos próprios contribuintes, bem como as medidas que tendem a solucionar o problema. 

CAPÍTULO I – O PACTO FEDERATIVO E A DIVISÃO DE COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA NO BRASIL

1.1 Estado Federal e Soberania

Quando se fala em pacto federativo, obrigatoriamente, se remete ao Estado Federal, tendo em vista que este se encontra no topo deste sistema.

O sistema do federalismo, adotado pelo Brasil, tem previsão no art. 1º da Constituição Federal de 1988, que estipula que o Brasil é uma República Federativa formada pela União indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituindo um Estado Democrático de Direito.

Não é possível chegar a um conceito definitivo, universal e inalterável de Federação, como alguns buscam fazer, de modo que supõem, erroneamente, que a Federação possui forma única, geométrica, recortada de acordo com um molde inflexível. (CARRAZZA, 2019, p. 115)

Apesar disso, pode-se dizer que Federação se trata de uma associação entre os Estados-membros, que, ao seu unirem, dão lugar a um novo ente soberano, chamado de Estado Federal, diverso daqueles que o integram. 

Com efeito, ainda que permaneçam com suas personalidades jurídicas, os Estados Federados acabam por perder algumas de suas prerrogativas em benefício da União, dentre elas, a soberania, uma vez que esta, por meio do sistema de governo escolhido (federalismo), passa a ser da União, mais precisamente desse novo Estado criado (Estado Federal).

Desse modo, cabe dizer que soberania é a faculdade que, num dado ordenamento jurídico, aparece como suprema. Tem soberania quem possui o poder supremo, absoluto e incontrastável, que não reconhece, acima de si, nenhum outro poder. (CARRAZZA, 2019, p. 116)

Dessa forma, no Federalismo, só quem possui soberania é o Estado Federal, uma vez que é independente da vontade de qualquer outro sujeito. Segundo Kelsen (apud CARRAZZA, 2019, p. 117), o Estado é soberano porque, senhor de sua conduta, só ele decide sobre a eficácia de seu Direito. 

Importante mencionar que a soberania é inerente à própria natureza do Estado, uma vez que se este deixasse de possuir um efetivo poder sobre os demais entes federados que o compõem, não seria Estado. 

Cabe dizer, ainda, que a soberania é una, originária, indivisível e inalienável, como ensina CARRAZZA (2019, p.117), in verbis:

“Una, porque exclusiva, já que, num mesmo Estado, não podem habitar duas ou mais soberanias. Originária, porque ela tem sua própria fonte e, destarte, não se apoia, direta ou indiretamente, em ordenamentos superiores ou anteriores, que a estabelecem ou podem modificá-la ou abroga-lá. Indivisível, porque, fracionada, desaparece. E inalienável, porque o Estado não a pode renunciar; não, pelo menos, em circunstâncias totalmente desvantajosas.” 

O professor e jurista Celso Ribeiro de Bastos (1994) analisa a soberania brasileira da seguinte forma:

“Ter a soberania como fundamento do Estado brasileiro significa que dentro do nosso território não se admitirá força outra que não a dos poderes juridicamente constituídos, não podendo qualquer agente estranho à Nação intervir nos seus negócios.”

Portanto, é possível concluir que a principal característica de um Estado Federal é a soberania. Outra importante característica do Estado Federal é a participação dos Estados-membros na formação da federação, por meio dos órgãos federais, participando de suas decisões. 

Importante ressaltar ainda que, no sistema federativo, os Estados-membros, apesar de não possuírem soberania, possuem autonomia, a qual permite que criem suas próprias Constituições, desde que observados os princípios e diretrizes fixados na Lei Maior do Estado Federal. Por isso, trata-se de uma autonomia relativa, e não absoluta. Sendo assim, os Estados Federados também criam suas próprias leis, harmonizadas com a soberania e com os princípios do ente mencionado alhures.

Por conseguinte, o federalismo é um sistema organizacional compreendido na junção de vários Estados-membros e seus Municípios com o intuito de criar uma federação, dando ensejo ao ente supremo desta, que é o Estado Federal, que exercerá sua soberania por meio da Constituição Federal. Logo, compete ao Estado Federal regulamentar harmonicamente as suas relações com todos os entes federados e destes uns com os outros.

1.2 O Pacto Federativo no Brasil

O Brasil optou por ser organizar e dividir em forma de Federação. Portanto, o Estado Brasileiro, como dito anteriormente, é um Estado Federal, dotado de soberania perante os entes federados que a ele deram origem.

Pode-se dizer que o Brasil tem uma vocação histórica para o federalismo, pois, como lembra Ferreira Filho (apud OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p. 170), é um

“País de uma verdadeira imensidão territorial, é sem dúvida alguma uma nação continental. A diversidade de suas condições naturais obrigada naturalmente a uma descentralização, que está à base do regime federativo.”

O texto constitucional de 1988, efetivamente, organizou o Estado Brasileiro e deu as linhas mestras de sua atuação, descentralizando o exercício do poder dentro do seu território, atribuindo, expressamente, autonomia política, administrativa e financeira aos três entes federativos. 

Dessa forma, pode-se falar que há três ordens jurídicas autônomas no Brasil: uma ordem central (União), ordens regionais (Estados-membros) e ordens locais (Municípios). (OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p. 174)

Isso significa dizer, portanto, que o poder não é centralizado no Governo Federal, e que os Estados e Municípios possuem governo próprio e autonomia relativa nos assuntos locais, de modo que estão unidos numa parceria que visa o bem comum.

Nessa seara, tamanha a importância para o país que essa estrutura está consagrada no art. 60, §4º, inciso I da Constituição Federal e possui o status de Cláusula Pétrea, de modo que é expressamente proibida a proposta de emenda constitucional tendente a abolir a forma federativa do Estado:

“Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
(…) 
§4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado”

Desse modo, os Estados Federados que se uniram numa Federação não podem, à sua revelia, ser divididos, desmembrados ou incorporados uns aos outros. Deve-se atentar para o fato de que a União e os Estados-membros ocupam, juridicamente, o mesmo plano hierárquico. Dessa forma, a diferença entre eles está nas competências que receberam da própria Constituição Federal, a qual traçou campos de ação autônomos e exclusivos para cada uma destas entidades políticas. (CARRAZZA, 2019, p. 126)

Por força disso, os Estados-membros possuem autonomia e capacidade para se auto-organizarem, devendo seguir os mandamentos da Lei Maior, em obediência ao pacto federativo, de acordo com o art. 25, caput da Constituição Federal: “Art. 25. Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição.”

Além das competências expressamente enunciadas na Constituição brasileira, aos Estados também foram conferidas as competências não atribuídas à União, aos Municípios e ao Distrito Federal, chamadas de residuais ou remanescentes.

Nesta toada, os Estados possuem competências próprias e autoridades (legislativas, executivas e judiciárias) que decidem, com autonomia, sobre os assuntos locais. Além disso, tributam livremente, respeitado somente o texto constitucional e são juridicamente iguais entre si.

Importante mencionar também que o princípio federativo veda tratamentos jurídicos que criem distinções ou preferências, inclusive tributárias, entre as pessoas políticas. Assim, os entes federados devem, enquanto tributam, adotar condutas de fidelidade em suas relações recíprocas, em ordem a manter o pacto federativo (CARRAZZA, 2019, p. 127)

Nas palavras de Geraldo Ataliba (1980, p. 9 e 10): 

“Federação implica igualdade jurídica entre a União e os Estados, traduzida num documento (constitucional) rígido, cuja principal função é discriminar competências de cada qual, de modo a não ensejar violação da autonomia recíproca por qualquer das partes.”

Há de se ressaltar que os Estados-membros não são autônomos apenas em relação à União, mas também entre si. Não importa o seu tamanho, riqueza ou população, todos devem ser tratados isonomicamente, possuindo as mesmas prerrogativas e obrigações e participando, de igual modo, na formação da vontade nacional.

Portanto, por serem autônomos, cada ente federativo deve prover suas necessidades, sem interferências federais ou estaduais. Para tanto, a Constituição Federal conferiu a todos o direito de regular suas despesas e de instituir e arrecadar, privativa e exclusivamente, os tributos que as atenderão.

1.3 Federalismo Fiscal Brasileiro

Como já bem explicitado acima, o federalismo se caracteriza pela forma de Estado que origina entes autônomos, os quais possuem a capacidade de se autogovernar, com autonomia política e competência para elaborar suas próprias ordens jurídicas, sempre em respeito à Constituição Federal. 

Por óbvio, a autonomia governamental deve abranger a autonomia financeira, uma vez que sem recursos, a liberdade é reduzida. Pertinente é a lição de Hugo Machado Segundo (2010, p. 51), que diz: 

“De nada adianta conferir autonomia federal aos entes periféricos, caso estes dependam da boa-vontade do poder central em lhes repassar recursos financeiros. Estes últimos serão repassados conforme o governante do ente periférico siga as diretrizes impostas pelo governo central, desaparecendo a autonomia do ente federativo correspondente.”

A previsão constitucional de recursos financeiros é a pedra de toque de uma Federação, pois é a medida de autonomia dos entes federados. (FERREIRA FILHO, 2001, p. 58)

Esse fenômeno que concede aos entes federados sua autonomia financeira é chamado de federalismo fiscal. O autor Regis Fernandes de Oliveira (2010, p. 42) assim conceitua o federalismo fiscal:

“[…] o federalismo fiscal significa a partilha dos tributos pelos diversos entes federativos, de forma a assegurar-lhes meios para atendimento de seus fins. Não só dos tributos, no entanto, mas também das receitas não tributárias, como as decorrentes da exploração de seu patrimônio (preço), da prestação de serviços através da concessão ou da partilha de produto da produção de energia elétrica e da produção mineral, na forma do § 1.º do art. 20 da Constituição. Faz-se um bolo arrecadatório, destinado a fornecer os meios para que o Estado cumpra suas finalidades, podendo atender aos serviços públicos, exercitando o poder de polícia, intervindo no domínio econômico, preservando situações através de documentos e mantendo sua estrutura, tais como adquirindo imóveis (por compra ou expropriação), móveis, objetos artísticos, monumentos, alugando imóveis, mantendo seu pessoal etc.”

Conforme definição de Afrânio Menezes de Oliveira Júnior (2016, p. 179):

“O federalismo fiscal é a forma pela qual as receitas e os encargos públicos são distribuídos entre os entes federativos, para que estes possam cumprir satisfatoriamente suas finalidades constitucionais e legais. Se há desarmonia nessa distribuição, possivelmente haverá desigualdades e conflitos entre os entes da Federação. Sendo assim, conhecer o sistema constitucional de discriminação de rendas é premissa indispensável para compreender as razões do conflito fiscal no âmbito do ICMS.”

A discriminação de rendas é um ponto crucial na organização do Estado Federal, tendo em vista que assegura a independência financeira e garante a real autonomia dos entes federativos. Além disso, tem por finalidade também equalizar os níveis de desenvolvimento e de distribuição de riqueza entre o ente central e os entes subnacionais. (OLIVEIRA JUNIOR, 2016, p. 180)

É possível dizer, ainda, que essa discriminação de rendas divide-se em discriminação pela fonte e discriminação pelo produto.

Nas palavras de Antônio Roberto Sampaio Dória (1972, p. 19 e 20),

“Da primeira, diz-se ser originária porque toda legislação material […] provém do órgão que efetua a arrecadação e se apropria do resultado, dentro dos parâmetros traçados pela constituição. A última se pode qualificar como derivada, porquanto a entidade beneficiada não recebe poder tributário direto, mas sim o produto de seu exercício atribuído à competência alheia. Aquela, naturalmente, confere grau maior de autonomia financeira do que esta, dependente como é de providências de outro poder.” (grifo do autor)

Sendo assim, a discriminação de rendas consiste na partilha das fontes de receitas, atribuindo-se competência tributária a cada um dos entes federativos, e na partilha do produto das receitas arrecadadas, garantindo-se ao ente inferior a participação na receita do ente superior. (OLIVEIRA JUNIOR, 2016, p. 180)

 A primeira se caracteriza pela própria divisão do poder de tributar entre os entes federados, a qual é feita pela Constituição Federal, permitindo a obtenção de recursos necessários ao exercício da autonomia. 

Segundo Celso de Barros Correia Neto (2010, p. 203), a discriminação de rendas por meio da atribuição de competência tributária é:

“[…] uma regra que indica quem pode tributar, o que pode ser tributado e como se pode fazê-lo. A primeira diz respeito aos entes que serão competentes para instituir tributos. A segunda, ao campo da incidência tributária que é concedido a cada ente político. A terceira se refere às espécies tributárias incidentes (p.ex., taxas, impostos e contribuições), isto é, o modo de instituição de exações.” 

Já a partilha do produto da arrecadação é uma estratégia normativa que busca distribuir as receitas arrecadadas por um ente a outros entes da Federação.

No texto constitucional de 1988, as regras e os mecanismos necessários à fiel execução dessa modalidade foram fixados nos arts. 157 à 162, garantindo aos entes subnacionais a participação direta e a participação indireta por meio de fundos financeiros constitucionais. (OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p. 184) 

O ente central é quem institui e administra os tributos, partilhando aos entes federados o montante arrecadado. Essa divisão garante maior eficácia ao combate às desigualdades regionais ao compensar a desvantagem gerada pelo sistema de competências tributárias, que apresenta certo desequilíbrio na redistribuição de recursos nos casos em que falta substrato econômico para tributação nas regiões mais pobres. (FERREIRA FILHO, 2001, p. 61)

Portanto, apesar da descentralização financeira por meio das transferências intergovernamentais promovida pela Constituição Federal, ainda há desequilíbrios graves no modelo de federalismo fiscal adotado no Brasil.

Os desequilíbrios federativos são explicados pela diversidade de fontes que compõem os orçamentos subnacionais, assim como pela sobreposição de diferentes critérios utilizados para efetuar as transferências intergovernamentais, os quais mostram-se inadequados para avaliar as reais capacidades e necessidades de cada ente subnacional. Ademais, tem-se observado que as transferências promovidas pelos fundos de participação desencorajam a busca de receitas tributárias próprias pelos Estados, Distrito Federal e Municípios e refletem negativamente na responsabilidade fiscal e no aumento da ineficácia destes entes. (RUBINSTEIN apud OLIVEIRA JUNIOR, 2016, p. 190)

Dessa forma, possível concluir, em suma, que o atual modelo de federalismo fiscal brasileiro ainda provoca desequilíbrios nas relações federativas. Entre tais desequilíbrios, um dos mais relevantes é a competição acirrada e deletéria entre os entes da Federação, na busca de desenvolvimento socioeconômico. 

1.4 Divisão de Competência Tributária no Brasil

No Brasil, por força de uma série de disposições constitucionais, não há falar em poder tributário (incontrastável, absoluto), mas, tão somente, em competência tributária (regrada, disciplinada pelo Direito). (CARRAZZA, 2019, p. 424)

Assim, não se pode dizer, tecnicamente, que as pessoas políticas possuem poder tributário, mas sim competência tributária. Isso porque, com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o poder tributário retornou ao povo (detentor de soberania).

As pessoas políticas possuem uma série de competências. Dentre elas, ocupa posição de destaque a competência tributária, que é a faculdade de editar leis que criem, in abstracto, tributos. Essa competência é chamada de originária, pois busca seu fundamento de validade na própria Constituição. (CARRAZZA, 2019, p. 425)

A Constituição Federal, no Brasil, é a lei tributária fundamental, por conter as diretrizes básicas aplicáveis a todos os tributos. Também a Constituição brasileira contém normas que disciplinam a produção de outras normas. São as “normas de estrutura”. Pertencem a esta categoria as que tratam das competências tributárias, especificando quem pode exercitá-las. Tais normas autorizam os Legislativos da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal a criarem, in abstracto, tributos, bem como a estabelecerem o modo de lançá-los e arrecadá-los, impondo a observância de vários postulados que garantem os direitos dos contribuintes. (CARRAZZA, 2019, p. 425)

Competência tributária, portanto, é a possibilidade jurídica de criar tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas. (CARRAZZA, 2019, p. 426) Dessa forma, o ordenamento jurídico delimita os tributos que cada ente poderá criar, não podendo cada qual invadir, anular ou usurpar a competência do outro.

Importante destacar que a competência tributária não se limita à criação do tributo, consiste também na possibilidade de aumento ou minoração, parcelamento e isenção, no todo ou em parte, remissão e anistia de infrações fiscais e até na possibilidade de não tributação, tudo de acordo com as diretrizes constitucionais.

Após a criação do tributo, dá-se lugar à chamada capacidade tributária ativa, que consiste no direito de arrecadá-lo após a ocorrência do fato imponível. Ou seja, a competência tributária esgota-se na lei.

Pode-se dizer, portanto, que a competência tributária, uma vez exercitada, cede passo à capacidade tributária ativa. Segundo Luciano Amaro (2019, p. 119), a doutrina discrimina três modalidades de competência tributária, sendo elas: privativa, residual e comum: 

“Designa-se privativa a competência para criar impostos atribuída com exclusividade a este ou àquele ente político; assim, o imposto de importação seria de competência privativa da União, o ICMS pertenceria à competência privativa dos Estados e do Distrito Federal; o ISS comporia a competência privativa dos Municípios e do Distrito Federal. Diz-se residual a competência (atribuída à União) atinente aos outros impostos que podem ser instituídos sobre situações não previstas. Seria comum a competência (referente às taxas e contribuições de melhoria) atribuída a todos os entes políticos: União, Estados, Distrito Federal e Municípios.”

Assim, cabe, brevemente, demonstrar a competência distribuída pelo Estado Federal a cada um dos entes políticos. 

Os Municípios possuem competência para criar os impostos contidos no art. 156, incisos I a III da Constituição Federal, sendo eles o Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU), o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) e o Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN).

Por sua vez, o Distrito Federal, dentro de seu território, é competente para criar os mesmos impostos concedidos aos Estados-membros e aos Municípios, de acordo com os arts. 155, caput e 147, in fine da Constituição Federal.

A União poderá instituir os tributos contidos no art. 153 da Carta Magna e também, conforme art. 154 da Constituição, outros tributos não previstos no artigo anterior, por meio de lei complementar, desde que sejam não cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados pela Constituição Federal. Trata-se da competência residual da União. 

Por fim, aos Estados-membros compete instituir os impostos descritos no art. 155, incisos I a III da Constituição Federal, quais sejam: Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD), Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA) e o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços Interestaduais e Intermunicipais e de Comunicação (ICMS). 

É possível verificar que a Constituição Federal, além de descrever os tributos a serem criados, também determinou a forma como os entes públicos e políticos deverão fazer. Uma vez que o ICMS é um imposto de competência exclusiva dos Estados e do Distrito Federal, cabendo a estes entes descrever os fatos imponíveis.

CAPÍTULO II – O PERFIL JURÍDICO DO ICMS

Inicialmente, cabe salientar que as primeiras exações que tributaram o consumo surgiram na França e na Alemanha durante a Primeira Guerra Mundial. No Brasil, a União, por meio da Lei 4.625 de 31/12/1922, criou o Imposto sobre Vendas Mercantis – IVM, para atender às exigências das Associações Comerciais. (OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p. 103 e 104)

A partir da Constituição de 1934, o imposto foi estendido às consignações, surgindo, então, o Imposto sobre Vendas e Consignações – IVC. Mais tarde, com a reforma tributária de 1965 e o advento da Emenda Constitucional nº 18/65, foi instituído o Imposto sobre Circulação de Mercadoria – ICM, tornando-se o primeiro imposto, em escala mundial, com competência estadual e com incidência em toda a cadeia econômica de circulação, da produção ao consumo, mediante a técnica da não-cumulatividade. (COSTA, 2004, p. 84 e 85)

O Código Tributário Nacional, que surgiu no ano de 1966, estabeleceu normas básicas de estruturação do ICM. Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, o ICM foi substituído pelo Imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços de transportes interestaduais e intermunicipais e de comunicação – ICMS, o qual, atualmente, é o imposto que possui a maior arrecadação no país.

O ICMS é um dos impostos mais complexos do sistema tributário brasileiro. Isso porque sua legislação é extensa, começando pelo art. 155, inciso II e seus longos §§ 2º a 5º da Constituição, passando por Resoluções do Senado que estabelecem alíquotas máximas e mínimas para determinadas situações, seguindo com a intermediação de lei complementar que uniformiza diversos pontos do seu regime jurídico (art. 155, § 2º, XII, da CF, LC nº 97/96) e envolvendo também convênios entre os Estados (Convênio Confaz) que especificam os benefícios fiscais que podem ser concedidos. Além também das leis instituidoras do tributo em cada Estado, nos regulamentos e na plêiade de outros atos normativos infralegais que detalham sua aplicação concreta. (PAULSEN, 2020, p. 426)

A Constituição prevê que é um imposto de competência dos Estados. Apesar disso,  possui algumas características federais: 

“Apesar do ICMS ser de competência estadual, possui características nacionais, tendo em vista que questões importantes são resolvidas de comum acordo entre os Estados e o Distrito Federal, quando não pela lei complementar, ou pela Resolução do Senado Federal na fixação de alíquotas.” (CASSONE, 2011, p. 342)

Os impostos são devidos posteriormente à ocorrência de um fato gerador. Neste caso, a circulação de mercadorias e a prestação de determinados serviços (transporte interestadual, comunicação, etc) precede a tributação do ICMS, o qual será devido somente quando estes fatos o gerar. (SABBAG, 2011, p. 1007)

O ICMS é um imposto de função predominantemente fiscal, ou seja, sua função principal é arrecadar, carrear recursos para os cofres públicos, mesmo que também tenha outros reflexos de forma secundária. Entretanto, importante destacar que pode ser utilizado igualmente com função extrafiscal, que é a característica responsável por fomentar a guerra fiscal entre os Estados, conforme será exposto no presente trabalho.

Pode-se perceber que a norma de competência (art. 155, II, CF) apresenta materialidades de natureza distinta, permitindo a cobrança de impostos sobre operações relativas à circulação de mercadorias, de um lado, e sobre a prestação de determinados serviços, de outro. (PAULSEN, 2020, p. 427)

Operações são negócios jurídicos; circulação é transferência de titularidade, e não apenas movimentação física; mercadorias são bens objeto de comércio. (PAULSEN, 2020, p. 427)

De fato, o aspecto nuclear do ICMS é representado pela mercadoria e, por isso, importante analisar seu conceito:

“As coisas móveis, objeto de circulação comercial, são chamadas de mercadorias. E há outras coisas móveis que não são consideradas mercadorias para fins de tributação. A diferença, entre mercadorias e outras coisas que não são mercadorias, é de destinação.” (CASSONE, 2011, p. 342) 

Nessa mesma toada, o STF, mediante voto do Ministro Cunha Peixoto, teve a oportunidade de se manifestar acerca do que consiste a mercadoria, adotando, para tanto, os conceitos de Carvalho de Mendonça e Fran Martins (CASSONE, 2011, p. 342):

“A coisa, enquanto se acha na disponibilidade do industrial, que a produz, chama-se produto manufaturado ou artefato, passa a ser mercadoria logo que  é objeto de comércio do produto ou do comerciante por grosso ou a retalho, que a adquire para revender a outro comerciante ou a consumidor; deixa de ser mercadoria logo que sai da circulação e se acha em poder do consumidor.” (RE 79.951-SP, RTJ 78/2015)

Assim, é possível considerar a mercadoria como objeto do nuclear do ICMS tendo em vista que sem ela a tributação não incidirá, vez que, para isso, os fatos geradores aludidos devem acontecer, os quais, em sua maior parte, estão intrinsecamente ligados à mercadoria, como a circulação e os transportes de mercadoria entre os Estados e Municípios.

As prestações de serviços sujeitas ao ICMS, nos moldes do artigo 155, inciso II, da Carta Magna de 1988, são exclusivamente aqueles de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. 

De acordo com Hugo de Brito Machado (2010, p. 391 e 392) a incidência do imposto se dá apenas sobre aqueles serviços de caráter oneroso, seja de transporte ou de comunicação, de modo que exclui-se o transporte de carga própria e a comunicação feita a ouvintes ou telespectadores das emissoras de rádio e televisão.

Por fim, no tocante aos “bens destinados a consumo”, estes não são mercadorias. Sobre o tema, ensina Hugo de Brito Machado (2010, p. 392):

“Com a redação que lhe deu a Emenda Constitucional n. 33, de 11.12.2001, ficou estabelecido pelo artigo 155, § 2º, inciso IX, alínea “a”, da Constituição Federal que o ICMS incide também “sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade, assim como sobre o serviço prestado no exterior, cabendo o imposto ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço.”

Assim, com o advento da Emenda Constitucional, definiu-se que sobre qualquer importação de bens, ainda que não seja feita por comerciantes, ou seja, independentemente da caracterização de mercadoria, há incidência do ICMS. Incumbe destacar que, em um primeiro momento, houve uma discussão acerca das operações interestaduais: de quem seria a arrecadação quando a operação fosse realizada por contribuintes de diferentes Estados?

A primeira solução favoreceu os Estados produtores, os mais desenvolvidos. Já a segunda, favorecia também os Estados adquirentes, onde ocorreria o consumo, de modo a incrementar a arrecadação dos Estados menos desenvolvidos e diminuir as desigualdades regionais.

O Senado Federal, por meio da Resolução 22 de 19/05/1989, criou um regime misto de compartilhamento da receita do ICMS proveniente das operações interestaduais. Nesse sistema misto, parte do ICMS é pago ao Estado de origem da mercadoria, e parte para o Estado de destino. 

Para a partilha do imposto, foram adotadas duas regras que levam em consideração o desenvolvimento das regiões brasileiras: a) uma regra geral, em que foi fixada, para as operações e prestações interestaduais, a alíquota de 12% para o Estado de origem e de 5% para o Estado de destino; b) uma regra especial, em que se estabeleceu, para as operações e prestações realizadas nas Regiões Sul e Sudeste com destino às Regiões Norte, Nordeste, Centro-Oeste e ao Estado do Espírito Santo, a alíquota de 7% para origem e de 10% para o Estado de destino. (OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p. 111)

Vislumbra-se, portanto, que cabe ao Senado Federal a possibilidade de editar resoluções reguladoras, a fim de limitar o poder de tributar, evitando-se eventuais abusos. Todavia, as alíquotas continuam sendo estabelecidas pelo legislador ordinário estadual.

Quanto à base de cálculo, trata-se do valor que derivar a saída da mercadoria, por incidir sobre uma operação mercantil. Entre as principais características do ICMS está a não-cumulatividade, que encontra-se insculpida no art. 155, §2º, I da Constituição Federal. 

Tal princípio é considerado pela Lei Maior como uma das marcas características do ICMS, motivo pelo qual não pode ter seu alcance diminuído ou anulado por outras normas infraconstitucionais. Por estar contido na Carta Magna, o princípio traz uma regra a ser seguida, não abrindo margem para que o Poder Legislativo infraconstitucional deixe de segui-lo, ou seja, trata-se de uma ordem, a qual deve ser devidamente observada em cada caso de incidência do imposto em análise.

Com efeito, nota-se que o aludido princípio traz um benefício ao contribuinte (de direito e de fato), não podendo ser limitado, seja pelo Poder Legislativo, seja pelo Poder Executivo, visto que este implica na redução dos preços finais da mercadoria antes tributada.

De acordo com esse princípio, o valor do imposto devido em cada operação poderá ser compensado com o valor do imposto cobrado na operação anterior. (OLIVEIRA JUNIOR, 2016, p. 111 e 112) Logo, significa dizer que em cada operação subsequente é assegurado ao contribuinte o direito de abatimento do valor do ICMS cobrado, em virtude do que já fora recolhido anteriormente.

Sendo assim, o imposto já devidamente recolhido pelos demais contribuintes da cadeia tributária, será compensado ao que ainda deverá recolher, de maneira que este não exceda a alíquota de cada Estado. Essa técnica de tributação faz com o que os tributos não onerem em cascata o mesmo produto, de modo a neutralizar a tributação ao longo da cadeia econômica.

Por outro lado, conforme prescreve o art. 155, §2º, II da Constituição Federal, quando houver isenção do imposto em operações posteriores, o crédito relativo às operações anteriores não será compensado, salvo se a legislação do Estado da situação do contribuinte permitir. 

Neste último caso, porém, observa-se que o constituinte criou uma exceção à regra da não-cumulatividade e da neutralidade do imposto, de modo que este limite constitucional se deu com a finalidade de evitar a denominada guerra fiscal (OLIVEIRA JUNIOR, 2016, p.112)

No que tange à guerra fiscal, esta terá início a partir das operações interestaduais, quando os Estados federados concedem isenções ou reduções em sua base de cálculo, anulando ou diferenciando as alíquotas, levando à redução ou até mesmo a não tributação do ICMS, no intuito de atrair investimentos privados.

CAPÍTULO III – A CONCESSÃO DE BENEFÍCIOS FISCAIS

3.1 Extrafiscalidade

Inicialmente, para adentrar o estudo sobre os benefícios fiscais, revela-se necessário abordar o tema da extrafiscalidade, uma vez que, o Estado contemporâneo é essencialmente fiscal, de modo que a principal fonte de arrecadação de que dispõe para implementação de suas políticas públicas tem por origem o tributo, em especial, o imposto. Como todos que possuem capacidade contributiva devem contribuir para a satisfação dos encargos públicos, a exclusão de determinados contribuintes deste encargo tem que ter aprovação social. (SALES, 2018, p. 21)

Com efeito, a fiscalidade acaba por refletir o objetivo primordial dos tributos, que é servir de fonte de renda ao ente político, para que este possa ativar o funcionamento da prestação de serviços públicos. Todavia, o Estado utiliza-se da função extrafiscal do tributo para alcançar objetivos diversos da arrecadação – como o que ocorre com os benefícios fiscais, que podem ser concedidos para alcançar outros objetivos (sociais, políticos, econômicos, entre outros). (SALES, 2018, p. 21)

Importante trazer à baila que o uso do tributo com finalidades não arrecadatórias ganhou relevância a partir do advento do Estado social e passou a ser utilizado como importante instrumento de intervenção na atividade privativa, ou seja, como indutor de condutas na busca de objetivos econômicos. (OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p. 41)

Assim, conforme ensina Paulo de Barros Carvalho (2012, p. 290):

“[…] vezes sem conta a compostura da legislação de um tributo vem pontilhada de inequívocas providências no sentido de prestigiar certas situações, tidas como social, política ou economicamente valiosas, às quais o legislador dispensa tratamento mais confortável ou menos gravoso. A essa forma de manejar elementos jurídicos usados na configuração dos tributos, perseguindo objetivos alheios aos meramente arrecadatórios, dá-se o nome de extrafiscalidade.”

A tributação tem sido concebida como um importante instrumento de indução econômica e de remodelação da estrutura social. Essa forma de manejar os elementos estruturais do tributo para atingir metas não arrecadatórias, porém, não é livre, nem pode ser arbitrária. Não é qualquer conduta que deve ser estimulada ou desencorajada por meio da tributação; há limites bem definidos no sistema jurídico constitucional. (OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p. 51)

Outrossim, a Constituição Federal, na atribuição de competência para tributar, determina quais as situações permitidas ao exercício do poder de exonerar, ou seja, de exercer a extrafiscalidade.

A extrafiscalidade é um fenômeno amplo, que se pode figurar sob duas facetas: a primeira, sendo um aspecto positivo (estímulo) e a segunda, sendo um aspecto negativo (desestímulo), ambas com propósitos de direcionar as condutas sociais para alcançar determinadas metas impostas pelo ente político.

Neste ponto, os benefícios fiscais são considerados estímulos fiscais, tendo em vista que os contribuintes são estimulados a fazerem algo conveniente, interessante ou oportuno à ordem jurídica. 

Assim, pode-se dizer que os benefícios fiscais estão inseridos em um contexto de política de intervenção estatal da ordem socioeconômica como instrumentos jurídico-tributários para concretizar o ideário extrafiscal. (OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p. 57)

3.2 Conceito dos Benefícios Fiscais

A conceituação de benefícios fiscais pode ser considerada uma tarefa complexa, uma vez que a doutrina nacional não é uníssona quanto à matéria. Além do mais, tal dificuldade pode ser considerada também resultado da falta de um instrumento normativo que defina os contornos conceituais e que regule a matéria.

Mencione-se, em tempo, que no Brasil, em regra, não se costuma fazer distinção entre as expressões “benefícios fiscais” e “incentivos fiscais”, isso porque tanto na Constituição Federal, quanto na legislação infraconstitucional há referência aos dois termos, isoladamente ou colocados na mesma frase, como modo de alusão a um termo genérico, motivo pelo qual, neste trabalho, optou-se por não fazer distinção do uso dessas expressões. 

De acordo com Geraldo Ataliba e José Artur Lima Gonçalves (apud VOGAS, 2011, p. 55 e 56), os incentivos fiscais são mecanismos cujo fim é impulsionar ou atrair os particulares para a realização das atividades que o Estado define como prioritárias, fazendo com que sejam participantes e colaboradores das metas postas como desejáveis e do desenvolvimento econômico e social por meio da ação do comprometimento ao qual são condicionados.

Eusébio González García (apud AQUINO, 2012, p. 11) assim ensina:

“Os benefícios fiscais são minorações incentivadoras baseadas em razões alheias ao fundamento do tributo, que produzem uma dispensa total ou parcial de obrigação tributária. O estabelecimento de benefícios fiscais responde à consecução de fins extrafiscais, de caráter econômico e social, com o propósito de incentivar a realização de determinados comportamentos considerados desejáveis pelo legislador.”

Para o doutrinador português José Cassalta Nabais (apud MURARO, 2005, p.29), os benefícios fiscais são medidas de caráter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes e que sejam superiores aos da própria tributação que impedem.

A partir da análise dos conceitos acima apresentados, é possível perceber alguns itens em comum, vejamos: diminuição da carga tributária parcial ou total; satisfação a fins extrafiscais; busca por atrair investidores e objetivo de desenvolvimento econômico e redução das desigualdades regionais.

Todavia, a concessão de benefícios fiscais não pode entrar em conflito com os objetivos definidos pela Carta Magna. Caso seja implementada desconsiderando objetivos de interesse coletivo, é considerada privilégio odioso, proibido pelo art. 150, II, da CF/1988. (SALES, 2018, p. 21 e 22)

Pode-se classificar os benefícios fiscais em dois grupos: (I) gerais, não onerosos, incondicionais e (II) específicos, onerosos, condicionais. Os benefícios fiscais incondicionais beneficiam certas pessoas, coisas, atos ou situações, sem exigir do interessado o preenchimento de requisitos especiais ou determinadas contraprestações. São atribuídos, por exemplo, com o objetivo de inserir o deficiente ao convívio social, garantido-lhe mobilidade e acessibilidade (isenção de ICMS a implementos equipamentos e veículos adaptados para o uso dos portadores de deficiência). (SALES, 2018, p. 22)

Já os condicionais não são favores nem privilégios. Na verdade, são uma decisão política que visa fomentar certas atividades de interesse coletivo. Comportam riscos e, às vezes, exigem investimentos vultosos de dinheiro e técnica. Geralmente atribuídos com a finalidade de atrair investimentos e recursos a territórios. (SALES, 2018, p. 22)

Os incentivos fiscal-tributários operam no âmbito da receita (direito tributário), seja por meio de redução ou exclusão do crédito tributário, seja via facilitação de seu recolhimento, ou ainda pela redução ou liberação de cumprimento de deveres instrumentais. (OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p. 64)

No que concerne ao ICMS, os benefícios fiscais são qualquer redução ou eliminação do respectivo ônus tributário concedida a determinado sujeito passivo, que o diferencia dos demais contribuintes, com a finalidade de alcançar objetivos sociais, políticos, econômicos ou outros de interesse coletivo. Por conseguinte, serão identificadas as principais características de cada um dos principais benefícios fiscais. 

3.3. As Principais Formas de Concessão de Benefícios Fiscais

3.3.1. Isenção

A Constituição brasileira, ao mesmo tempo em que discriminou as competências tributárias entre as pessoas políticas, deu-lhes a faculdade de não as exercitar, inclusive pela utilização do sistema de isenções. 

Dessa forma, por integrarem o sistema constitucional tributário brasileiro, elas precisam também submeter-se aos seus princípios diretores (legalidade, igualdade, segurança jurídica etc.). (CARRAZA, 2019, p. 763 e 764)

De acordo com Rubens Gomes de Sousa (1975, p. 97), a isenção é a dispensa legal do pagamento do tributo, considerando que há a ocorrência do fato gerador in concreto e consequentemente o nascimento da obrigação tributária que é dispensada de seu cumprimento por meio de lei.

Em outras palavras, a isenção tributária nada mais é que um benefício concedido ao sujeito passivo, desonerando-o da obrigação de pagar determinado imposto ou parte dele. Daí o motivo pelo qual de ser uma das hipóteses de exclusão do crédito tributário, conforme se depreende da análise do art. 175, I do CTN.

A isenção tributária encontra fundamento na falta de capacidade econômica do beneficiário ou nos objetivos de utilidade geral ou de oportunidade política que o Estado pretende venham alcançados. (CARRAZZA, 2019, p. 765)

Ademais, as isenções podem ser concedidas por meio de lei de ordinária, lei complementar, tratado internacional, devidamente aprovado, ratificado e promulgado e também por decreto legislativo estadual ou distrital, em matéria de ICMS.

Quanto às isenções de ICMS, têm-se que essas possuem uma série de peculiaridades. Unilateralmente, nem os Estados nem o Distrito Federal podem concedê-las. Não há, portanto, isenções autonômicas em matéria de ICMS.

A leitura do art. 155, §2º, XII, “g” da Constituição brasileira nos permite entender que, no que concerne ao ICMS, a lei complementar pode dispor sobre a forma de deliberação interestadual para a concessão de isenções, incentivos e benefícios fiscais. 

A forma de deliberação interestadual para a concessão de isenções em matéria de ICMS é o convênio. Dessa forma, os Estados e o Distrito Federal podem conceder (ou revogar) isenções, em matéria de ICMS, não por meio de lei ordinária, mas de decreto legislativo, ratificando convênio entre eles firmado. Só após aprovados, legislativamente, os convênios que concedem isenções de ICMS passam a ter eficácia. Tal aprovação deve ser feita por meio de decreto legislativo. (CARRAZZA, 2019, p. 783)

A Constituição exige que todos (unanimidade) os Estados-membros da Federação, bem como o Distrito Federal, se coloquem de acordo, mediante convênio, para que as isenções de ICMS surjam ou sejam abolidas. 

A intenção deste ditame é evitar a guerra fiscal entre as diversas regiões do país, que são muito díspares, já que, algumas, são industrializadas, outras não; poucas são prósperas; a maioria, nem tanto. Só o consenso entre as pessoas políticas interessadas – consubstanciado no convênio – abre caminho à outorga ou retirada de isenções de ICMS. (CARRAZZA, 2019, p. 784)

3.3.2 Remissão e Anistia

A remissão representa o perdão legal de dívidas tributárias, total ou parcial, que deve ser autorizado por lei do ente tributante e tem como fundamento, por exemplo, a situação econômica do contribuinte e a condição peculiar de certas regiões do seu território, conforme previsto no art. 172 do CTN1, importando numa causa extintiva do crédito tributário, nos moldes do art. 156, IV do mesmo Código.

De acordo com Roque Antonio Carrazza (2019, p. 806), a remissão faz desaparecer o tributo já nascido e só pode ser concedida por lei da pessoa política tributante, baseando-se no princípio da indisponibilidade do interesse público.

A remissão não modifica a regra matriz de incidência tributária, pois atua após a incidência da norma impositiva, perdoando crédito devidamente constituído. Trata-se de um incentivo fiscal-tributário que não altera nem o antecedente nem o consequente: está alojada fora da regra matriz impositiva. (OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p. 82)

Assim, para a remissão ser enquadrada como modalidade de exclusão de crédito tributário, há, necessariamente, que existir um crédito devidamente lançado, que possa, em seguida, ser excluído. 

Já a anistia é uma causa de exclusão do crédito tributário, conforme definido pelo art. 175 do CTN2. Como leciona Hugo de Brito Machado (2016, p. 239): 

“Anistia é a exclusão do crédito tributário relativo a penalidades pecuniárias. O cometimento de infração à legislação tributária enseja a aplicação de penalidades pecuniárias, multas, e estas ensejam a constituição do crédito tributário correspondente. Pela anistia, o legislador extingue a punibilidade do sujeito ativo infrator da legislação tributária, impedindo a constituição do crédito. Se já está o crédito constituído, o legislador poderá dispensá-lo pela remissão, mas não pela anistia. Esta diz respeito exclusivamente à penalidade e há de ser concedida antes da constituição do crédito.”

De acordo com o art. 180 do CTN, a anistia abrange exclusivamente infrações cometidas anteriormente à vigência da lei que o concedeu; não se aplica a atos qualificados como crimes ou contravenções, àqueles praticados com dolo, fraude ou simulação, assim como às infrações resultantes de conluio, salvo, neste último caso, se houver disposição de lei em contrário. (OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p. 82 e 83)

Cumpre mencionar que parte da doutrina critica o uso desse instituto, em especial no que concerne ao aspecto econômico da medida, pois os efeitos produzidos pela figura exonerativa são o inverso dos do incentivo fiscal, já que acaba por estimular o descumprimento de obrigações tributárias. (OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p. 83)

Portanto, as remissões e as anistias só poderão ser concedidas por meio de lei editada pela pessoa jurídica tributante. Só quem tributou – tendo competência constitucional para fazê-lo – pode remitir ou anistiar. (CARRAZZA, 2019, p. 807)

3.3.3 Crédito Presumido

O crédito presumido também é conhecido como fictício ou outorgado. Podese dizer que a sua concessão caracteriza instrumento indireto de exoneração do tributo.

É utilizado, normalmente, nos tributos sujeitos à sistemática da não cumulatividade, como o IPI, o ICMS, o PIS e a CONFINS. O ente tributante concede um crédito, por presunção legal, ficto, em substituição ao crédito normal ou juntamente com este, que será abatido do débito proveniente das operações mercantis subsequentes, reduzindo, com isso, a carga tributária na operação. (OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p. 76 e 77)

De modo a facilitar o entendimento do que é o crédito presumido, importante saber como é feita a apuração do ICMS de acordo com a Constituição Federal de 1988.

Uma das características mais importantes do ICMS é a não cumulatividade, prevista na Constituição, em seu art. 155, II, §2, I, e reproduzida no art. 19 da Lei Complementar 87/1996, que consiste em compensar o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação com o montante cobrado nas operações anteriores pelo mesmo Estado ou por outro. (SALES, 2018, p. 31)

Sendo assim, ao contribuinte garante-se o direito de creditar-se do valor que foi pago nas operações anteriores com o mesmo ou por outro Estado com o valor levado a débito por ocasião das operações de saída. Faz-se um controle de contacorrente da conta ICMS e somente a diferença é arrecadada aos cofres dos Estados e Distrito Federal. (SALES, 2018, p. 31)

Dessa forma, no crédito presumido, em vez de o contribuinte fazer a contacorrente do ICMS, deduzindo do valor do ICMS nas operações de saída o valor correspondente às entradas das mercadorias, substituirá o regime normal de apuração do ICMS, conhecido como “débito x crédito”, e aplicará, opcionalmente, o crédito presumido concedido pelo Estado ou Distrito Federal, que consiste em percentual estipulado pelo ente tributante. (SALES, 2018, p. 31)

Assim, do valor levado a débito da conta de ICMS, por ocasião das vendas de mercadorias e serviços, se abaterá o crédito fixado pelo ente tributante (crédito presumido) em substituição ao valor levado a crédito de ICMS por ocasião das compras. (SALES, 2018, p. 31)

3.3.4 Redução de Alíquota

A redução de alíquota ocorrerá quando houver um decréscimo na quantia a ser recolhida aos cofres públicos, em virtude da aplicação de alíquota menor que a usual sobre a base de cálculo. A redução da alíquota opera apenas em relação ao critério quantitativo da norma de incidência tributária, acarretando diminuição do valor do tributo a ser pago pelo sujeito passivo. (SALES, 2018, p. 32)

O art. 155, §2º, IV da Carta Magna atribui ao Senado Federal a competência para fixar as alíquotas aplicáveis às operações e às prestações interestaduais e de exportação incidentes sobre o ICMS, através de resolução.

A Constituição estabelece ainda que as alíquotas internas, regra geral, não poderão ser menores que as interestaduais, sendo permitida a redução de alíquota neste caso apenas se os Estados e o Distrito Federal entrarem em consenso, ou seja, com a aprovação do CONFAZ. (SALES, 2018, p. 33)

Por outro giro, a redução total da alíquota, também chamada de alíquotazero, não deve ser encaixada nessa espécie de benefício fiscal, tendo em vista que representa uma isenção mascarada. 

Conforme Hugo de Brito Machado (2010, p. 249), o instituto da alíquota-zero não passa de “uma forma encontrada pelas autoridades da Administração Tributária para fugir ao princípio da legalidade, segundo o qual a isenção somente por lei pode ser concedida”.

Dessa forma, entende-se que a diminuição deve ser necessariamente parcial, não se podendo admitir a redução total da alíquota por meio de decreto, conforme autoriza o art. 153, § 1º da Constituição Federal, sob pena de se mascarar uma isenção e, por conseguinte, violar o previsto do art. 150, § 6º da Lei Maior.

3.3.5 Redução de Base de Cálculo

De acordo com Paulo de Barros Carvalho (apud SALES, 2018, p. 33), do mesmo modo que a regra de isenção investe contra um ou mais dos critérios da regra-matriz de incidência, reduzindo parcela da hipótese de incidência, a redução de base de cálculo opera apenas em relação ao critério quantitativo da norma jurídica de tributação, sem, no entanto, eliminá-lo por completo, como ocorre com a isenção.

Segundo Aliomar Baleeiro (apud SALES, 2018, p. 34), a base de cálculo tem três funções: quantificar o dever tributário, adaptar o dever à capacidade contributiva do sujeito passivo e definir a espécie tributária. Ela dá a exata dimensão da hipótese tributária, estabelecendo uma correlação entre o fato descrito na norma com a prestação tributária, quem tem cunho essencialmente patrimonial. 

A base de cálculo pode ser definida como o valor das mercadorias e/ou o preço dos serviços de transporte interestadual/intermunicipal e de comunicações. Flavia Rodrigues Breda (apud SALES, 2018, p. 34) define, sucintamente, redução de base cálculo como um benefício fiscal que tem por objetivo reduzir a carga tributária de determinados setores da economia, diminuindo o montante a ser pago aos cofres públicos. 

A redução só será considerada incentivo tributário se o veículo introdutor da norma incentivadora prescrever uma base de cálculo inferior ao constante na norma tributária padrão. (OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p. 75)

O objetivo da redução de base de cálculo é diminuir o valor a ser recolhido aos cofres públicos, tornando a carga tributária mais leve para determinado setor da economia. (SALES, 2018, p. 34)

3.3.6 Diferimento 

O diferimento, em regra, é utilizado para os tributos plurifásicos, não cumulativos, como o IPI e o ICMS. Importante salientar que é um instituto que não está previsto expressamente na Constituição Federal, nem na legislação infraconstitucional, vindo a ser mencionado apenas em regulamentos do ICMS de alguns Estados Federados.

Hugo de Brito Machado (2010, p. 236) entende que diferimento: 

“Não se trata de isenção nem não-incidência, mas sim de simples adiamento. O efeito da norma tributária que incidiu é adiado para uma ocasião futura, que em regra deve ocorrer normalmente quando se trata de imposto plurifásico, ensejando a incidência do imposto.”

A tradicional jurisprudência do STF encara a figura do diferimento do ICMS como mero adiamento no recolhimento do valor devido, não implicando qualquer dispensa de pagamento do tributo ou outra forma de benefício fiscal3.

Se for observado o elemento comum de cada benefício fiscal (isenção, anistia, crédito presumido, redução de base de cálculo e alíquota, por exemplo), verifica-se que todos eles afetam diretamente o pagamento do tributo. O diferimento de prazo para pagamento de tributo em longo prazo constitui uma vantagem dada ao contribuinte, até mesmo quando há atualização e cobrança de juros compatíveis com o mercado, devido à desvalorização da moeda, à capitalização e ao custo de oportunidade que esses contribuintes recebem. (SALES, 2018, p. 36 e 37)

Assim, a concessão de longo prazo para se recolher o ICMS, por exemplo, poderia ser considerada um benefício fiscal, por constituir uma vantagem que, indiretamente, afeta o pagamento do tributo a recolher. (SALES, 2018, p. 37)

3.4  Limites à concessão dos benefícios fiscais

No item anterior, discorreu-se sobre o conceito aplicável aos benefícios fiscais e identificou-se as principais formas de sua concessão em nosso ordenamento jurídico. 

Neste sentido, foi possível concluir que os benefícios fiscais não devem ser concedidos ao bel-prazer do ente político, sem comparação entre a receita a ser abdicada e o fim para o qual se destina, sob pena de se tornarem verdadeiros “malefícios fiscais”.

Esses desagravamentos podem ter origem tanto por uma falha no estudo prévio da concessão do benefício fiscal, quanto por motivos de mau uso do poder político, no que diz respeito à corrupção e troca de favores entre governantes e particulares.

Por esse motivo, é importante a imposição de mecanismos que limitem o poder de concessão de benefícios fiscais pelos Estados e pelo Distrito Federal, de modo a garantir o bom emprego das medidas extrafiscais. 

Corroborando tal entendimento, Paulo de Barros Carvalho (2012, p. 291) assim adverte: 

“Consistindo a extrafiscalidade no emprego de fórmulas jurídico-tributárias para a obtenção de metas que prevalecem sobre os fins simplesmente arrecadatórios de recursos monetários, o regime que há de dirigir tal atividade não poderia deixar de ser aquele próprio das exações tributárias. Significa, portanto, que, ao construir suas pretensões extrafiscais, deverá o legislador pautar-se, inteiramente, dentro dos parâmetros constitucionais, observando as limitações de sua competência impositiva e os princípios superiores que regem a matéria, assim os expressos que os implícitos.”

Assim, no ordenamento jurídico brasileiro, há limitações de ordem constitucional, legal e jurisprudencial, as quais serão a seguir expostas. 

3.4.1 Limitações Constitucionais

Durante a vigência da ordem constitucional antecedente era usual as três entidades políticas (União, Estados e Distrito Federal e Municípios) concederem incentivos, principalmente, os de natureza tributária no bojo de uma lei genérica cuidando de diversas matérias, o que facilitava a ação dos lobistas interessados na redução ou exoneração da carga tributária. Não havia, pois, transparência nesse tipo de renúncia de receita pública, que nem sempre atendia ao interesse público.

Na Constituição Federal de 1988, as normas de limitação ao poder de conceder incentivos fiscais decorrem, basicamente, de dois princípios constitucionais: o princípio da legalidade tributária e o princípio da isonomia tributária.

Diante disso, no tocante ao princípio da legalidade, o legislador constituinte inseriu o §6º no art. 150, com a seguinte redação:

“§6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. (BRASIL, 1988)”

Verifica-se, portanto, que apenas uma lei específica pode conceder incentivos fiscais ou tributários, de modo a garantir transparência e a segurança jurídica, livrando o aplicador da lei da tarefa de manusear infindáveis normas espalhadas na legislação ordinária.

Lei específica significa que a ementa da lei deve indicar, em destaque, o incentivo fiscal ou tributário objeto da concessão. Da mesma forma, a revogação do incentivo, quando cabível, deve ser feita por lei específica. (HARADA, 2011, p. 13) 

Como exceção a essa regra, tem-se a redução de alíquota de alguns impostos, autorizada pelo art. 153, §1º da Constituição Federal de 1988, que pode ser feita por meio de decreto do Poder Executivo.

Além disso, o próprio artigo em comento excepciona as isenções do ICMS, as quais devem seguir a prescrição de lei complementar, conforme disposto no art. 155, §2º, XII, “g” da Carta Magna. Ademais, a Lei Complementar nº 24/1975, que dispõe sobre convênios para a concessão de isenções do ICMS, foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988.

Quanto ao princípio da isonomia, este deve ser aplicado visando a instituição, cobrança ou desoneração dos tributos de maneira uniforme para aqueles que estejam em situação jurídica idêntica e de maneira desigual em relação aos que estejam em circunstâncias desiguais, com o intuito de alcançar o desenvolvimento dos entes menos favorecidos.

Esse princípio é refletido na atribuição de competência para a fixação de alíquotas em relação ao ICMS ao Senado Federal, por meio de resoluções, as quais estabelecerão as alíquotas aplicáveis às operações interestaduais e de exportação, além de facultar a fixação de alíquotas internas máximas e mínimas, nos termos do art. 155, §2º, IV e V da Constituição Federal. 

Conforme ensina Rosíris Vogas (2011, p. 94) essa imputação visa a manter a unidade e a ordem nacionais, evitando-se a adoção de políticas fiscais múltiplas e contraditórias, que acabam por prejudicar a harmonia da economia. Portanto, tratase de igualdade aos que se encontram em condições idênticas. 

Em contrapartida, além de unificar as alíquotas para operações interestaduais, o presente mecanismo pode servir de fomento aos estados menos desenvolvidos da federação.

Uma vez que, conforme a Resolução nº 22/89, a alíquota é de 12% para as operações interestaduais, mas de 7% para aquelas realizadas na região Sul e Sudeste, destinadas às regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste e ao Espírito Santo.  De acordo com Ricardo Pires Calciolari (2006, p. 20) 

“(…) com tal mecanismo, os Estados destinatários recebem a mercadoria com menor tributação e, consequentemente, com menor crédito a ser abatido nas operações posteriores que se realizarão no seu interior” 

Ou seja, o que aumenta a arrecadação dos estados de destino, reduzindo as desigualdades regionais. Dessa forma, pode-se dizer que representa o outro lado da moeda do princípio da isonomia.

3.4.2 Limitações Legais

3.4.2.1 Lei de Responsabilidade Fiscal

A Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (Lei Complementar nº 101) tem o condão de aperfeiçoar a arrecadação tributária e estabelecer condições às concessões de incentivos fiscais, objetivando a redução do déficit público e a estabilização do montante da dívida pública.

Diz-se que serve de instrumento básico para a consolidação do Programa de Estabilização Fiscal reclamado por organismos internacionais, sob a coordenação do FMI. 

De um lado, introduziu mecanismos de combate a duas grandes despesas tradicionais: despesas com pessoal e despesas com serviços da dívida que absorvem a maior parte das receitas, pouco deixando para as despesas de capital, notadamente, as de investimentos, comprometendo a qualidade da vida das gerações futuras. (HARADA, 2011)

Por outro lado, visou aperfeiçoar o mecanismo de arrecadação tributária e condicionar a concessão de incentivos tributários que vinham sendo concedidos desordenadamente, sob diferentes modalidades, os quais, às vezes, tinham aplicação no próprio exercício em que introduzidos, concorrendo para o desequilíbrio das contas públicas. (HARADA, 2011)

Importante ressaltar aqui que, apesar de ter sido editada pela União, as determinações da Lei de Responsabilidade Fiscal dirigem-se a todos os entes da Federação. Ou seja, além da União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios também devem observar e respeitar tais comandos.

Desse modo, em seu art. 14, a LRF limita a ação do legislador na concessão dos incentivos de natureza tributária, in verbis:

“Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições: 

I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias; 

II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.”

Ademais, nos moldes do § 1º deste artigo, tal restrição abrange as seguintes espécies de benefícios tributários: anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo.

O objetivo do artigo supramencionado é alcançar as metas previstas no art. 1º da LRF, por meio de uma gestão fiscal responsável, planejada e transparente, com o intuito de prevenir situações de desequilíbrio orçamentário. Por esse motivo, impõe limites e condições para a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício que implique renúncia de receita pública.

Como se vê, não há vedações à outorga de benefício fiscal pelos entes federativos, “a Lei de Responsabilidade Fiscal apenas disciplina a sua concessão, estabelecendo requisitos para que eventual renúncia de receita não comprometa o alcance das metas orçamentárias”. (VOGAS, 2011, p. 108)

3.4.2.2 Lei Complementar nº 24/1975 e a Atuação do CONFAZ nas Limitações à Concessão de Incentivos Fiscais Relativos ao ICMS

Conforme dito no item anterior, a outorga de incentivos fiscais em relação ao ICMS deve observar, além do artigo 150, § 6º, o disposto no artigo 155, § 2º, XII, g, da Constituição Federal, segundo o qual seria de competência de lei complementar regular a forma como se concedem ou se revogam os benefícios fiscais, mediante deliberação dos Estados e Distrito Federal.

Porém, no §8º do art. 34 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias há autorização para que, se no prazo de sessenta dias da promulgação da Constituição de 1988 não fosse editada a referida lei, o ICMS seria regulado provisoriamente, por meio de convênios, nos termos da Lei Complementar 24/75. Contudo, no §5º do art. 34 do ADCT, o texto constitucional também exigiu que houvesse compatibilidade da legislação anterior ao novo sistema tributário constitucional. (OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p. 117)

Como a Lei Complementar 87/96, mais conhecida como Lei Kandir, que instituiu as normas gerais em matéria de ICMS, em razão de um acordo político, não regulamentou a matéria dos incentivos fiscais, ainda hoje a LC 24/75 regula o tema, ou seja, o que deveria ser provisório se tornou definitivo. (OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p. 117)

A LC 24/75, em seu art. 1º, estabelece que as isenções relativas a este imposto só devem ser concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal. Além disso, exige decisão unânime dos Estados representados para concessão de benefícios e, pelo menos, ⅘ dos representantes presentes para sua revogação total ou parcial, conforme previsão do §2º do art. 2º. (SALES, 2018, p. 39)

Cumpre mencionar que a exigência de unanimidade foi questionada no Supremo, mediante Ação de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 198/DF, Rel. Min. Dias Toffoli), na qual se sustenta ofensa ao art. 1º da

Constituição de República, bem assim aos postulados da “autonomia dos Estados federados”, da “supremacia da vontade da maioria”, do princípio federativo, o princípio democrático e do princípio da proporcionalidade. (SALES, 2018, p. 39)

A referida Lei Complementar determina que os benefícios fiscais serão concedidos ou revogados nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos Estados e pelo Distrito Federal. 

O Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ) é o órgão cujo tem como finalidade

“Promover ações necessárias à elaboração de políticas e harmonização de procedimentos e normas inerentes ao exercício da competência tributária dos Estados e do Distrito Federal na concessão, revogação e regulamentação de benefícios fiscais referentes ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços.4” 

Assim, os convênios serão celebrados em reuniões para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito Federal. A reunião será presidida por representante do Ministério da Fazenda ou pelo representante por ele indicado, podendo ser realizada com a presença de representantes da maioria das Unidades da Federação, e a concessão dos benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados, sendo que sua revogação, total ou parcial, dependerá de aprovação de, pelo menos, ⅘ dos representantes presentes. (SALES, 2018, p. 42)

Dentro de 10 (dez) dias após a reunião, será publicada a resolução no Diário Oficial da União, e os Estados e o Distrito Federal têm 15 (quinze) dias contados da publicação para ratificar ou não, por meio de decreto, no Diário Oficial da União, os convênios celebrados os quais serão considerados ratificados tacitamente se os entes não o fizerem no prazo determinado. Contados 10 (dez) dias dessa data, será publicada a ratificação ou a rejeição do convênio no Diário Oficial da União. E, após 30 (trinta) dias de sua publicação, os convênios celebrados entrarão em vigor, inclusive para os entes tributantes que não compareceram à reunião convocada. (SALES, 2018, p. 42)

Os convênios são ratificados por meio de Decreto Executivo de cada ente tributante, todavia, existe a controvérsia em torno da necessidade de lei específica para se tornarem válidos internamente. 

Roque Antônio Carrazza (2000, p. 150) entende que há necessidade de manifestação do Poder Legislativo para internalizar os convênios:  

“Os Estados e o Distrito Federal devem, para conceder isenções de ICMS, firmar entre si convênios. Não são estes, porém, que as fazem nascer. Apenas integram o processo legislativo necessários à concessão destas desonerações tributárias. Elas surgem ou deveriam surgir do decreto legislativo que ratifica o convênio interestadual.”

Conclui-se, portanto, que o convênio não concede a isenção de ICMS, ele apenas autoriza o Poder Legislativo de cada Estado e do Distrito Federal a fazê-lo, permitindo autonomia aos entes tributantes para aprovar apenas os benefícios fiscais que atendam suas políticas públicas e suas diferenças econômicas. 

Assim, para cumprimento do art. 150, §6º, c.c o art.155, §2º, XII, “g” da Constituição, e da LC 24/75, há necessidade de prévio consenso entre os Estados e o Distrito Federal, manifestado através de convênio ratificado por decreto executivo, porém, para internalizá-lo, faz-se necessária a aprovação da Câmara Legislativa de cada ente tributante. (SALES, 2018, p. 44)

Nesse sentido, verifica-se que está estabelecida a regra da unanimidade no que concerne aos convênios autorizadores de concessão de incentivos fiscais em relação ao ICMS.

Essa regra pode ser considerada como uma grande limitação ao poder de concessão de incentivos fiscais, desautorizando os entes políticos a outorgarem sem moderação. 

O grande problema é que, como será melhor discutido adiante, os Estados têm concedido benefícios fiscais de ICMS totalmente à revelia do CONFAZ, de forma unilateral, o que acaba por ensejar a instauração da guerra fiscal entre os entes da Federação.

3.4.3 Limitações Jurisprudenciais

A Constituição Federal prevê a existência de um órgão superior de controle de constitucionalidade das leis e atos normativos produzidos no país. No ordenamento jurídico brasileiro, de acordo com o art. 102 da Constituição Federal de 1988, o STF é guardião precípuo da Constituição, cabendo-lhe julgar e processar a ação direta de inconstitucionalidade – ADI, a ação declaratória de constitucionalidade – ADC, a ação direta de inconstitucionalidade por omissão – ADO e a arguição de descumprimento de preceito fundamental – ADPF. (OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p. 199)

O STF também é órgão judicial responsável pela composição dos litígios que envolvem os entes da Federação brasileira, nos termos do art. 102, I, “e” da CF/88; assim, é de sua competência realizar o controle formal e material dos instrumentos normativos que concedem incentivos fiscais do ICMS. (OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p. 199)

Desse modo, pode-se dizer que o STF possui papel importante na definição dos limites que devem ser observados na concessão de benefícios fiscais pelos entes, tendo em vista que muito comumente os Estados concedem esses benefícios violando as normas constitucionais que tratam dessa matéria.

Quando ocorre a referida violação, o instrumento cabível é a ação direta de inconstitucionalidade – ADI, cuja função precípua é a defesa da ordem constitucional, possibilitando a extirpação de lei ou ato normativo inconstitucional do sistema jurídico. (SALES, 2018, p. 63)

Nesse sentido, é pacífica a jurisprudência do STF quanto à inconstitucionalidade de benefício fiscal concedido sem prévia celebração de convênio entre os Estados e o Distrito Federal, por violação aos arts. 150, §6º e 155, §2º, XII, alínea “g” da Constituição. 

Tal entendimento resta evidente no seguinte julgado: 

“1. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Objeto. Admissibilidade. Impugnação de decreto autônomo, que institui benefícios fiscais. Caráter não meramente regulamentar. Introdução de novidade normativa. Preliminar repelida. Precedentes. Decreto que, não se limitando a regulamentar lei, institua benefício fiscal ou introduza outra novidade normativa, reputa-se autônomo e, como tal, é suscetível de controle concentrado de constitucionalidade.     2. INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Decreto nº 27.427/00, do Estado do Rio de Janeiro. Tributo. Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS. Benefícios fiscais. Redução de alíquota e concessão de crédito presumido, por Estado-membro, mediante decreto. Inexistência de suporte em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, nos termos da LC 24/75. Expressão da chamada “guerra fiscal”. Inadmissibilidade. Ofensa aos arts. 150, § 6º, 152 e 155, § 2º, inc. XII, letra “g”, da CF. Ação julgada procedente. Precedentes. Não pode o Estado-membro conceder isenção, incentivo ou benefício fiscal, relativos ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS, de modo unilateral, mediante decreto ou outro ato normativo, sem prévia celebração de convênio intergovernamental no âmbito do CONFAZ.5

Outras decisões, em relação a diferentes Estados, confirmam o entendimento pacífico no STF, podendo-se citar a ADI nº 4276/MT, a ADI nº 3794/PR, a ADI nº 3702/ES, a ADI nº 4635/SP e a ADI nº 4259/PB, todas julgadas procedentes. 

Portanto, percebe-se que o STF corrobora a LC nº 24/75, garantindo a segurança jurídica e a proteção do art. 150, § 2º, XII, “g” da Carta Magna, declarando a inconstitucionalidade das normas concessivas de benefícios fiscais sem a aprovação do CONFAZ levadas à análise do juízo.

As decisões definitivas de mérito proferidas pelo STF nas ações diretas de inconstitucionalidades, regra geral, produzem efeitos ex tunc (efeitos retroativos), porém podem ser superadas quando não se tratar da melhor técnica para assegurar a supremacia da Constituição como um todo. Nesse caso, os efeitos poderão ser ou ex tunc (a partir da data da publicação do julgamento no Diário Oficial) ou, ainda, ex tunc com efeitos prospectivos determinados em sentença. (SALES, 2018, p. 65)

Nesse sentido, no caso da análise da constitucionalidade dos instrumentos normativos que concedem benefícios fiscais do ICMS, a efetividade e a tempestividade das decisões do Poder Judiciário são elementos essenciais para resolver ou, pelo menos, amenizar o problema da guerra fiscal. Acontece que, no controle por meio de ADI, observou-se a ausência de um posicionamento mais firme da Corte, no que diz respeito ao artifício político de revogar a legislação questionada, para manter o incentivo fiscal com a subsequente aprovação de outro instrumento normativo, demonstra claramente a falta de efetividade das decisões do STF. (OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p. 217)

Além disso, é possível afirmar também que, em matéria de guerra fiscal do ICMS, as decisões do STF mostram-se intempestivas, mesmo existindo entendimento pacífico do STF no sentido de que os incentivos do ICMS devam ser concedidos por meio de convênio. (OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p. 218)

Nesse diapasão, constata-se que a lentidão, a superficialidade das decisões e a falta de interesse para resolver a questão da guerra fiscal permitem que renúncias fiscais irregulares prejudiquem as finanças públicas dos Estados, do Distrito Federal e do país, desequilibrem as relações federativas, assim como contribuam para a insegurança jurídica nas relações entre Fisco e contribuintes. (OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p. 218)

CAPÍTULO IV – A INSTAURAÇÃO DA GUERRA FISCAL

Conforme se buscou expor neste trabalho, a Constituição Federal de 1988 descentralizou o poder e outorgou competências tributárias aos entes federados, de modo que os autorizou a criar e modificar determinados tributos, por meio de isenções, redução ou elevação de alíquotas, entre outros benefícios fiscais, os quais já foram conceituados anteriormente. Por outro lado, a Carta Magna estipulou determinadas limitações ao poder de tributar e de conceder esses benefícios fiscais.

Acontece que, nem sempre, as normas limitativas de concessão dos benefícios fiscais são devidamente observadas e respeitadas pelos entes da Federação, violando-se os preceitos constitucionais, legais e também o princípio federativo. 

Dessa forma, a busca individualizada por investimentos privados, em desacordo com o ordenamento jurídico, acaba por criar uma situação de disputa entre os Estados, provocando tensão nas relações federativas, enfraquecendo o poder público e aumentando o poder de barganha de investidores que poderiam investir até mesmo sem nenhum benefício fiscal. (SALES, 2018, p. 45)

Essas práticas em desacordo com o ordenamento jurídico acabam por gerar a chamada guerra fiscal entre as diversas regiões do país, que são muito díspares, já que, algumas, são industrializadas, outras não; poucas são prósperas; a maioria, nem tanto. (CARRAZZA, 2019, p. 784)

4.1 Caracterização da Guerra Fiscal

Em se tratando de guerra fiscal, faz-se relevante iniciar o assunto com a sua conceituação. O fenômeno da “Guerra Fiscal” trata-se, em termos econômicos, da disputa fiscal no contexto federativo, ou seja, refere-se à intensificação de práticas concorrenciais extremas e não-cooperativas entre os entes da Federação, no que diz respeito à gestão de suas políticas industriais. (FERNANDES; WANDERLEI, 2000, p. 6)

Para Sérgio Prado e Carlos Eduardo Cavalcanti (apud OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p. 195), a guerra fiscal é 

“Um caso de uma classe geral de fenômenos que emergem quando iniciativas políticas de governos subnacionais adquirem conotações negativas e geram efeitos econômicos perversos em decorrência do caráter insuficiente ou conjunturalmente inoperante do quadro político institucional que regula os conflitos federativos, o qual se revela incapaz de garantir um equilíbrio mínimo entre interesses locais para evitar efeitos macroeconômicos e sociais perversos.”

Conforme bem destacado por Afrânio Menezes de Oliveira Júnior (2016, p. 194), a guerra fiscal trata-se de uma situação de conflito, cuja arma mais importante é o exercício da competência exonerativa. 

Destaque-se que nessa competição fiscal, os entes subnacionais, na tentativa de atrair novos investimentos ou de fortalecer o que já existem em seus territórios, buscam nos incentivos fiscais, especialmente nas isenções, nas reduções tributárias, nas remissões e anistias, uma forma de incrementar sua arrecadação e desenvolver, isoladamente, a economia local. 

Diante dessas definições, é possível identificar as duas principais características responsáveis pela instauração da guerra fiscal: (i) a criação desordenada de renúncias de receitas, com a concessão dos benefícios fiscais em desrespeito às limitações impostas pelo ordenamento jurídico e pela jurisprudência pátria e (ii) a avidez por atrair investimentos privados para seus territórios.

Dessa forma, percebe-se que os entes federados acabam por promover a fragmentação dos interesses da Federação, pois a competição acaba indo de encontro à lógica do federalismo cooperativo. 

Outra questão que fomenta a guerra fiscal é o histórico de abismo social e econômico entre as regiões brasileiras, situação que acaba enfraquecendo o federalismo, pois leva os Estados menos favorecidos a atrair, por meio dos incentivos fiscais, investimentos da iniciativa privada. (SCAFF apud OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p.195)

Nesse palmilhar, cabe destacar que o ICMS é a maior receita dos Estadosmembros e Distrito Federal, motivo pelo qual, quando um Estado concede benefícios e incentivos ao ICMS, outros entes federados também o fazem na incessante busca de recursos para seu território:

“Outro fator importante para o início dos conflitos entre os entes públicos é a abismal diferença de desenvolvimento entre eles. Hoje a República Federativa do Brasil possui Estados muito à frente dos demais, no que se refere aos aspectos econômicos e sociais. Visando a equilibrar ou, quando menos, diminuir a diferença que os separam, entes com menor 21 desenvolvimento buscam, com todos os meios de que dispõem, atrair aos seus domínios territoriais empresas teoricamente capazes de alavancar o seu crescimento. Portanto, são essas disparidades econômica, social e política, tão visivelmente encontradas no seio da nossa Federação, que movem as pessoas políticas de direito público a instaurar disputas tributárias, objetivando sempre, desenvolvimento e maior arrecadação. (MARQUES, 2010, p. 128)”

Por consequência, sentindo o impacto da fuga dos grandes contribuintes, os Estados mais ricos acabam por recorrer ao Judiciário para pleitear a inconstitucionalidade dos benefícios não conveniados ou também publicam, de maneira unilateral, normas de incentivo.

Desta forma, em que pese o Estado “vencedor” da batalha por investimentos privados conseguir gerar empregos, arrecadação e desenvolvimento econômico, o país todo deixa de gerar receitas que deveriam ser utilizadas em outros importantes segmentos. Logo, todos acabam perdendo.

Assim, após conceituar a guerra fiscal como uma disputa entre os entes periféricos, gerada por meio da concessão desmedida de benefícios fiscais, almejando a atração de investimentos privados para seus territórios, passa-se a uma breve análise histórica desse fenômeno.

Sem dúvidas, a guerra fiscal não é um problema recente na Federação brasileira, estando há muitas décadas entre os assuntos tributários de maior interesse nacional.

Diante disso, alguns estudiosos fazem uma divisão em três períodos da evolução histórica da guerra fiscal no Brasil. O primeiro, de 1965 a 1975, com a instituição do CONFAZ; o segundo, até 1988, com o advento da atual Constituição e  a ampliação da competência tributária dos Estados com a criação do ICMS; e o terceiro, desde então, que compreende o período de acirramento da guerra fiscal, com a concessão predatória e desordenada dos benefícios fiscais.

Segundo Guilherme de Camargo (2004, p. 204), “durante o regime militar, em virtude da centralização financeira e política, o fenômeno da guerra fiscal ficou sob controle do governo central, a quem competia decidir sobre política industrial e desenvolvimento econômico”. 

Todavia, foi nessa época que o Sistema Tributário Nacional sofreu fortes mudanças, entre elas o surgimento do ICM, em substituição ao IVC, e o próprio Código Tributário Nacional (Lei 5.172/1966).

O primeiro período foi marcado pelas fortes alterações na ordem tributária nacional, mas sempre sob o controle da União, o que se reflete inclusive na edição da Lei Complementar nº 24 de 1975, que instituiu o CONFAZ e estabeleceu a necessidade de ratificação de todos os Estados para se poder outorgar incentivos fiscais.

O segundo período foi marcado por uma explosão inflacionária, com a crise econômica dos anos 80, que fez com que fossem reduzidos drasticamente os investimentos do setor privado, juntamente com os benefícios fiscais concedidos. (FERNANDES; WANDERLEI,  2000, p. 8)

O terceiro período, com o advento da Constituição de 1988, consolidou o processo de descentralização, minimizou o poder central e ampliou a autonomia financeira e tributária dos Estados e Municípios. 

Essa autonomia  induziu o processo de indisciplina fiscal dos Estados e incrementou as iniciativas de disputas entre os mesmos para atração de investimentos e geração de empregos. (FERNANDES; WANDERLEI,  2000, p. 9)

Ademais, pode-se dizer também que este período marcado pela grande atuação do Supremo Tribunal Federal, diante das inúmeras Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI), que buscavam eliminar do ordenamento jurídico as normas estaduais concessivas de benefícios  fiscais à revelia do CONFAZ.

4.2 A Guerra Fiscal no Âmbito do ICMS

O ICMS é o principal imposto incidente sobre o consumo, consubstanciandose em importante fonte de receita para os Estados. Consequentemente, no âmbito estadual, é o principal imposto ensejador da guerra fiscal. 

O fenômeno da guerra fiscal pode ser considerado um dos resultados de políticas fiscais equivocadas, como a decisão de criar um imposto sobre o consumo de competência estadual ao invés de federal, que é o caso do ICMS. 

Além disso, em que pese a Constituição não estabelecer expressamente a sistemática da tributação na origem, a divisão de receitas valorizou os Estados de origem, já que com a permissão de aproveitamento de créditos nos Estados de destino, foi criado o ambiente ideal para que os primeiros concedessem benefícios da maneira que melhor entendessem, mesmo diante dos limites impostos pela Lei Complementar 24/75. 

Guilherme de Camargo (2004, p. 207) ressalta que:

“Pela sistemática atual de tributação na origem, mesmo uma empresa que exportasse a outros Estados toda a sua produção, deixaria no Estado onde estivesse localizada uma parcela significativa da arrecadação do ICMS, fato este que possibilitaria a concessão dos benefícios às empresas dispostas a se transferir de um Estado para outro. Assim, sendo o ICMS um imposto cuja arrecadação parcial se dá no Estado de origem da mercadoria, um dos mecanismos usuais para a atração de empresas é a redução direta de alíquotas e base de cálculo.”

Portanto, a guerra fiscal do ICMS se trata de um problema que extrapola o âmbito do direito e invade o campo da economia. De acordo com Tercio Sampaio Ferraz Junior citado por Afrânio Menezes de Oliveira Júnior (2016, p. 197):

“A concessão irregular de incentivos fiscais cria distorções na concorrência entre as empresas, visto que os concorrentes de outros Estados são forçados a suportar uma carga tributária maior do que seria desejável num ambiente de livre concorrência.”

Importante mencionar que a concessão de alguns incentivos do ICMS traz efeitos macroeconômicos positivos para o Estado incentivador, como o aumento do consumo, do número de empregos e da renda interna. Todavia, há também incentivos que trazem visíveis prejuízos financeiros, tanto para o Estado-membro como para a Federação. (OLIVEIRA JÚNIOR, 2016, p. 197)

Assim, além da tributação realizada na origem, vislumbra-se também como motivo para a concessão desmoderada de benefícios fiscais por parte dos Estados, a característica da não-cumulatividade do ICMS, que, por vezes, é mal aplicada.

Alguns Estados impõem óbices à utilização de créditos obtidos em operações que descumprem a norma constitucional, isso com base no art. 8º da Lei Complementar 24/1975, que determinada como punição a não utilização do crédito fiscal, por ter sido o benefício concedido unilateralmente, sem aprovação do CONFAZ. (SALES, 2018, p. 47)

Essa punição é uma das maneiras encontradas pela Lei Complementar de inibir a ilegalidade, pois contribuinte não poderá abater do ICMS das operações seguintes o crédito correspondente às operações anteriores, em razão de o benefício concedido pelo Estado de origem ter sido concedido unilateralmente. Nesse caso, não tem aplicação o princípio da não cumulatividade do ICMS, em razão de a lei concessiva estar em desacordo com o determinado pela Lei Complementar 24/1975, contrariando, consequentemente, o previsto na Constituição da República. (SALES, 2018, p. 46)

Dessa maneira, a glosa de créditos de ICMS encontra óbice no art. 155, §1º da Constituição federal, o que determina que a punição prevista no art. 8º da Lei Complementar é inconstitucional, não podendo prevalecer esse tipo de sanção ao Estado de origem das mercadorias e ao próprio contribuinte do Estado de destino. 

4.3 Consequências da Guerra Fiscal

Uma vez concedida autonomia aos entes federativos, a competição fiscal torna-se inerente à Federação. Entretanto, a guerra fiscal é considerada uma competição exagerada, não havendo cooperação e repercutindo negativamente na economia nacional e causando desequilíbrios federativos.

Fato é que as políticas de guerra fiscal não são determinantes para as empresas privadas implementarem seus investimentos, tendo em vista que, em muitos casos, elas já estavam decididas a investir no país, de modo que passam a fazer uma série de exigências e a negociar o incentivo como em um “leilão”, a fim de determinar a localidade onde será feito o investimento. 

Como bem pondera Guilherme Bueno de Carvalho citado por Afrânio Menezes de Oliveira Júnior (2016, p. 198), em virtude da competição predatória, as empresas acabam optando pelo Estado que oferecer maiores condições de infraestrutura para sua atividade econômica, já que os incentivos fiscais serão concedidos em qualquer hipótese. Ou seja, o efeito indutor da renúncia fiscal acaba sendo anulado. 

Sendo assim, com o cenário de disputa fiscal instaurado, os benefícios outorgados deixarão de ser decisivos para o local de implantação dos investimentos, dando lugar a observância de outros fatores, como a existência de mão de obra qualificada, mercado consumidor e infraestrutura, a depender da natureza do empreendimento e suas especificidades. 

Não basta, portanto, oferecer apenas benefícios fiscais, mas também é necessário oferecer fatores de produção de qualidade para que o tributo seja um dos critérios de desempate. Dessa forma, não se pode relacionar diretamente a concessão de incentivos fiscais com a possibilidade de desconcentração industrial. 

De acordo com Sérgio Guimarães Ferreira citado por José Maurício Conti (2004, p. 211):

“A guerra fiscal não contribuiu para reduzir as desigualdades regionais da produção industrial. A análise por Estado parece indicar exatamente o oposto. Estados que praticaram intensamente isenções tributárias na maior parte dos casos foram justamente aqueles onde o processo de desindustrialização relativa foi mais intenso.”

No fim das contas, a generalização da guerra fiscal acaba por beneficiar exatamente aqueles Estados mais desenvolvidos e que possuem fatores de produção mais adequados ao empreendimento em questão, não havendo, portanto, uma relação direta entre a concessão de benefícios fiscais e a desconcentração industrial do país. (CONTI, 2004, p. 211)

Por outro flanco, as disputas fiscais também possuem efeito direto sobre as finanças públicas. Como exposto acima, mesmo se não houvesse nenhuma concessão de incentivo fiscal, as empresas investiriam em determinado Estado. Assim, com o oferecimento desmedido de benefícios, há uma perda global de arrecadação.

Todavia, o pior efeito é o que ocorre a longo prazo. As empresas não agraciadas com os benefícios fiscais ficam em evidente situação de desvantagem competitiva com as empresas beneficiadas e passam a pressionar o Poder Público para que lhe sejam estendidos os benefícios, sob pena de migrarem a outros Estados que ofereçam incentivos. (CONTI, 2004, p. 212)

Desse modo, esses outros entes federativos obrigam-se a igualar seus incentivos fiscais, com receio de perder os investimentos implantados em seus territórios. No fim, o suposto incentivo fiscal concedido, não passa de renúncia de receita.

Enfim, resumidamente, os efeitos da guerra fiscal nas finanças públicas são divididos em duas etapas, os que ocorrem em curto prazo, e aqueles decorrentes de maior lapso temporal.

No curto prazo, quase sempre não há comprometimento nas finanças do ente que deflagrou a guerra fiscal, mas há efeitos negativos tanto para o Estado perdedor, quanto para a Federação. No longo prazo, entretanto, a tendência é de generalização dos prejuízos na mesma proporção em que se generaliza a competição, havendo assim uma queda global da capacidade de arrecadação do ICMS de todos os Estados da Federação. (CONTI, 2004, p. 213)

Outro ponto que merece destaque entre as consequências de uma guerra fiscal, consiste na falta de acuidade com a vocação econômica de cada região do país, que requer investimentos diferenciados, de acordo com suas próprias características.

Dessa maneira, os benefícios são concedidos indiscriminadamente, sem qualquer planejamento, a fim de levar ao verdadeiro desenvolvimento econômico, resultando nas chamadas situações artificiais de desenvolvimento.

Portanto, o Estado Federal deve buscar o desenvolvimento regional por meio de incentivo às reais vocações econômicas de cada lugar, preferencialmente junto a pequenas e médias empresas, de modo que essas possam continuar a atividade mesmo com o encerramento da outorga de benefícios, contribuindo verdadeiramente para a geração de empregos e sem perda de arrecadação tributária.

Além disso, a guerra fiscal também interfere na livre concorrência. Conforme Ricardo Pires Calciolari (2006, p. 24):

“[…] uma empresa beneficiada por tais políticas tem um diferencial no que tange à concorrência, o que invariavelmente alterará os preços relativos da economia ao alvedrio dessas políticas não cooperativistas.”

Destarte, não pairam dúvidas acerca da nocividade da guerra fiscal à livre concorrência, de modo que o ordenamento jurídico brasileiro precisa de instrumentos hábeis com o intuito de interromper as intervenções nesse direito constitucional.

Por último, tem-se a consequência da glosa de créditos do ICMS, imposto não cumulativo. Conforme explica Rosíris Vogas (2011, p. 122 e 123), vários Estados da Federação tem vedado o aproveitamento do crédito do imposto que corresponder à vantagem econômica decorrente de qualquer tipo de benefício fiscal, ainda que destacado em nota fiscal, concedido pelo estado de origem da mercadoria sem a chancela do CONFAZ.

Continua, ainda, a referida autora:

“A consequência prática disso é que, verificada a concessão unilateral de favores fiscais pelo estado de origem, isto é, sem amparo em convênio firmado entre todas as unidades federativas, o estado de destino poderá não só glosar eventuais créditos de ICMS apropriados pelo contribuinte adquirente sediado em seu território, como, também, exigir o valor respectivo acrescido de multas e juros. (2011, p. 123)”

Nesse caso, se um Estado identifica a circulação de mercadorias em seu território que ali chegaram beneficiados por incentivos fiscais concedidos unilateralmente no Estado de origem, sem aprovação do CONFAZ, este transmite ao adquirente daquela mercadoria e que pretendia revender nesse Estado de destino, logo contribuinte do ICMS naquele território, o ônus de ter comprado produtos subsidiados, glosando o crédito de ICMS que pretendia usar e cobrando a diferença incentivada, em total violação ao princípio constitucional da não cumulatividade. 

Trata-se, portanto, do efeito mais reprovável da guerra fiscal, visto que atinge diretamente o direito dos contribuintes, que sofrem as consequências das disputas entre os Estados, afrontando drasticamente o próprio princípio federativo, o qual sempre buscou a ampliação da democracia, normalmente minimizada num Estado unitário.

Incontestavelmente, a disputa da guerra fiscal traz inúmeras consequências negativas para a Federação e para o mercado, como o aumento das desigualdades regionais, a redução nas receitas públicas, o desperdício de dinheiro público, uma maior dependência de repasses da União, bem como interferências na livre concorrência e insegurança jurídica nas relações entre Fisco e contribuintes, conforme exposto acima.

CAPÍTULO V – MEDIDAS PARA SOLUCIONAR A GUERRA FISCAL

5.1 A LEI COMPLEMENTAR Nº 160/17 E O CONVÊNIO ICMS Nº 190/17

O fato de o ICMS ser o tributo responsável pela maior arrecadação do país, consequentemente, o torna o tributo mais contemplado com regras constitucionais, de forma a evitar ou solucionar controvérsias, já que é muito importante para os Estados menos desenvolvidos.

Como visto, uma das contemplações constitucionais é de que caberá à Lei Complementar regular a forma como as isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados, mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal.

A regulamentação se deu por meio da Lei Complementar 24/75, que determina a necessidade de decisão unânime dos Estados por meio de convênio celebrado no âmbito do CONFAZ.

Todavia, visando a atração de empreendimento do setor privado para seus territórios, muitos Estados, aproveitando-se da autonomia concedida pela Constituição Federal de 1988, passaram a conceder benefícios fiscais unilateralmente, culminando na guerra fiscal.

Em que pese as sequelas econômicas e o desgaste político, a guerra fiscal vive um novo momento com a publicação da Lei Complementar nº 160/17 e o Convênio ICMS nº 190/17, editados com a finalidade de minimizar os efeitos negativos da concorrência fiscal estadual, mas sem descuidar da segurança jurídica e expectativa legítima despertada nos contribuintes.

A Lei Complementar nº 160/17 convalida os incentivos fiscais que foram concedidos no passado pelos Estados a empresas e indústrias, sem aprovação do Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ).

A lei permite ainda aos Estados e ao Distrito Federal prorrogar os benefícios fiscais já concedidos por até 15 (quinze) anos, conforme o tipo de atividade econômica, devendo ser validados pelo CONFAZ num prazo de 180 (cento e oitenta) dias. O quórum de votação para aprovação desses benefícios fiscais foi alterado, exigindo-se voto favorável de, no mínimo, ⅔ das unidades federadas (18) e de ⅓ de cada uma das cinco Regiões do país (3 votos no caso do Nordeste, que é formada por 9 Estados). (SALES, 2018, p. 53)

Além disso, a concessão ou ampliação de incentivo com base nesse convênio não precisará cumprir requisitos previstos na Lei de Responsabilidade Fiscal, como estimativa do impacto orçamentário-financeiro de três exercícios financeiros; demonstração de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária e que não afetará as metas de resultados fiscais; e criação de medidas de compensação da perda de receita. (SALES, 2018, p. 53)

Os Estados que não cumprirem os requisitos previstos na lei e forem denunciados, caso a denúncia seja aceita pelo Ministério da Fazenda, terão como penalidade a interrupção de transferências voluntárias de outros entes da federação e a proibição de contratar operações de crédito. (SALES, 2018, p. 53)

Os Estados ainda poderão aderir aos programas de incentivos elaborados por seus vizinhos dentro da mesma região, sem a necessidade de autorização do CONFAZ, enquanto tais benefícios estiverem vigentes.

Entretanto, a concessão de novos incentivos sem a anuência unânime do CONFAZ continua vedada, pois a flexibilização apenas é aplicável a incentivos preexistentes e de acordo com o rito estabelecido na legislação.

A referida Lei Complementar foi seguida do Convênio ICMS n° 190/17, o qual condicionou a fruição da anistia ou remissão à desistência de ações judiciais e processos administrativos, bem como determinou a publicação dos atos concessivos ou normativos de benefícios, dando transparência ao mercado quanto às empresas beneficiadas por esse tipo de incentivo.

5.2 A Proposta de Súmula Vinculante nº 69/STF

Diante de tantas ADIs ajuizadas envolvendo guerra fiscal, o Ministro Gilmar Mendes do Supremo Tribunal Federal apresentou a Proposta de Súmula Vinculante nº 69/2012, com o seguinte enunciado:

Qualquer isenção, incentivo, redução de alíquota ou de base de cálculo, crédito presumido, dispensa de pagamento ou outro benefício fiscal relativo ao ICMS, concedido sem prévia aprovação em convênio celebrado no âmbito do CONFAZ, é inconstitucional.

O Ministro entende que a medida se revela adequada, necessária e razoável para pôr fim à guerra fiscal firmada entre os entes federativos. Entretanto, as súmulas vinculantes têm eficácia imediata, significando que todas as regras estaduais e distritais que concedem benefício de ICMS sem prévia autorização em convênio aprovado pelo CONFAZ serão consideradas inconstitucionais, sem modulação de efeitos, e o Estado está legitimado a cobrar o ICMS que deixou de ser arrecadado em função da regra. (SALES, 2018, p. 52)

O STF, contudo, poderá modular os efeitos temporais e materiais de sua decisão por deliberação de ⅔ dos seus membros, para restringir os efeitos vinculantes ou decidir que só tenha eficácia a partir de outro momento, tendo em vista as razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse público (Lei 11.417/2006, art. 4º).  (SALES, 2018, p. 52)

A aprovação dessa Súmula resolveria, em definitivo, a prática corriqueira dos Estados, que, após a declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo, editam outra lei, igualmente inconstitucional, para manter os benefícios concedidos a título de ICMS.

A questão de fundo, contudo, que exige acurada análise, se devidamente enfrentada, resultaria na não edição da Súmula. Isso porque envolve a própria constitucionalidade da Lei Complementar 24/75.

O requisito da aprovação unânime dos Estados e Distrito Federal, constante na Lei Complementar 24/75, ofenderia o princípio da legalidade tributária inaugurada pela Constituição Federal de 1988, que exige lei formal para instituição e exoneração de tributos.

Em sentido contrário à aprovação da súmula, argumenta-se, preliminarmente, a necessidade de sobrestamento do feito até o julgamento da ADPF 198, que discute o quórum para a aprovação de convênios que tratam da concessão de benefícios fiscais. Naquele julgado, o arguente afirmou que a exigência de decisão unânime para a aprovação dos referidos benefícios fiscais contraria o princípio democrático, inscrito no Preâmbulo e no art. 1º da Constituição Federal, por desconsiderar a vontade da maioria.  (SALES, 2018, p. 52)

Outro argumento é que a Constituição não exige unanimidade para aprovação de qualquer dos diplomas legais que compõem o processo legislativo, sendo possível a revogação da própria Lei Complementar 24/75 por maioria absoluta. Alegou-se também que tais normas da Lei Complementar 24/75 vulneram o princípio federativo, porque interferem na autonomia dos Estados-membros, conferindo mais poderes a um ente federativo que aos demais, haja vista a possibilidade de uma única manifestação contrária à concessão do benefício sobressair-se à vontade dos outros. (SALES, 2018, p. 52 e 53)

O Procurador-Geral da República, em sentido oposto aos argumentos contrários, apresentou, no dia 31.03.2014, parecer pela aprovação da Proposta de Súmula Vinculante nº 69: 

“Também não prosperam os argumentos contrários à proposta de que a interrupção abrupta dos incentivos implicará, para a maioria dos estados brasileiros, problemas como desemprego, insolvência de empresas, aumento da violência e degradação dos serviços públicos mantidos pela arrecadação do ICMS. 

Toda política para reequilibrar desequilíbrios regionais, em matéria tributária, só pode ser de responsabilidade da União, como se verifica da leitura do art. 151, I, da Constituição. Estados, Distrito Federal e Municípios não tem tal responsabilidade, a não ser que concordem, por unanimidade, com uma política comum de incentivos.”

Dessa maneira, somente a União pode estabelecer políticas que afetem a competitividade, a fim de garantir o desenvolvimento regional previsto constitucionalmente.

Apesar de todas as considerações feitas, tanto favoráveis quanto contrárias à edição da Súmula Vinculante nº 69, o que existe, conforme já exposto acima, é a parcimônia do legislador, que não editou a Lei Complementar prevista no artigo 155, §2º, XII, g da Constituição Federal. 

Além disso, inobstante a inconstitucionalidade da Lei Complementar nº 24/75, esta permanece em vigor e a doutrina entende que a Lei Complementar foi recepcionada pela Constituição de 1988, considerando que o Supremo Tribunal Federal enfrentou, mesmo que indiretamente, a matéria nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade nºs 1.179, 2.823, 2.439 e 2.376, entre outras. 

5.3 PECS da Reforma Tributária: PEC 45/2019 e PEC 110/2019

A PEC 45, da Câmara e a PEC 110, do Senado são duas propostas de emenda à Constituição que já estão tramitando no Congresso desde 2019. A PEC da Câmara aguarda parecer do relator na comissão especial e a PEC do Senado ainda está na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), pronta para ser votada a sua admissibilidade.

As propostas são semelhantes nos seus objetivos, mas diferentes no conteúdo – abrangência, prazos de transição e grau de autonomia de União, Estados e Municípios de fixarem alíquotas de impostos, taxas e contribuição. (COSTA, 2020)

As duas PECS propõem a unificação dos principais impostos sobre o consumo e serviços (ICMS, ISS, PIS/COFINS), na forma de tributos do tipo IVA (Imposto sobre Valor Agregado), de competência da União Federal, com o intuito de repartir o produto da sua arrecadação com os Estados e Municípios, para que desempenhem as suas funções.

Para acabar com a guerra fiscal, as duas propostas adotam o princípio da tributação no destino. Ou seja, a receita será recolhida e arrecadada pela unidade da Federação ao qual o produto se destina e não onde é produzida. (COSTA, 2020)

Em todo caso, tratando-se de resolver os problemas que surgem internamente com o ICMS, em especial a guerra fiscal entre os Estados, uma reforma no sistema tributário e adoção deste princípio apresentaria verdadeira eficiência, especialmente se feita aos poucos, reduzindo-se a alíquota interestadual paulatinamente, para minimizar suas consequências negativas.

CONCLUSÃO

No presente trabalho, foi possível realizar um panorama geral de todos os aspectos jurídicos que envolvem a guerra fiscal, desde o seu surgimento, em razão da autonomia financeira concedida aos entes subnacionais pelo federalismo, passando pelas suas consequências e possíveis soluções.

Viu-se que o Brasil adotou o federalismo como forma de Estado, o que está, inclusive, positivado logo no artigo 1º da Constituição Federal de 1988. A Federação se caracteriza pela união de estados-membros com determinada autonomia políticoorganizacional, inclusive financeira, os quais, por outro lado, abrem mão da soberania para a criação de um novo ente, o Estado Federal.

Observou-se que o financiamento dos entes federativos pode ocorrer de duas formas, com a repartição das competências tributárias e a divisão das receitas tributárias. A primeira se caracteriza pela própria divisão do poder de tributar entre os entes federados, a qual é feita pela Constituição Federal. Trata-se do efetivo federalismo fiscal brasileiro.

Já a divisão das receitas tributárias trata da repartição de parte do montante arrecadado pela União para os estados e municípios, além da divisão de parte da importância tributada pelos estados-membros com os municípios que o integram. Isso permite maior eficácia no combate às desigualdades regionais dentro de uma própria Federação, trazendo a vantagem de propiciar aos entes periféricos mais pobres maior receita para aplicação em seu próprio território.

Com a divisão alhures mencionada, coube aos Estados-membros e Distrito Federal o importante papel de criação, instituição e cobrança do ICMS em seus respectivos territórios.  

Com efeito, a partir dessa competência conferida pela Constituição Federal, foram traçadas características e peculiaridades a esse imposto, tais como sua nãocumulatividade e a maneira como este seria tributado, sendo adotada no Brasil, nas operações interestaduais, a forma de tributação no Estado de origem da mercadoria.  

Deste modo, quando escolhido tal modelo de tributação para o ICMS, iniciou-se uma enorme disputa entre os Estados e o Distrito Federal com o intuito de conseguirem investimentos privados para seus territórios. A essa disputa foi dado o nome de guerra fiscal.  

Nessa seara, tem-se que a guerra fiscal nada mais é que a disputa por investimentos de empresas privadas entre os entes federativos, para que estas venham a se instalar em seu território.  

Desse modo, a fim de convencer as empresas que o seu território é mais lucrativo que os demais, os Estados oferecem benefícios fiscais na tributação do ICMS, de forma desmoderada e ao arrepio do ordenamento jurídico.

A fim de sanar o problema, o Senado Federal criou o CONFAZ, de modo que, a partir daí, todos os benefícios fiscais oferecidos devem, obrigatoriamente, ser concedidos com a chancela deste órgão, por meio dos convênios firmados entre os Estados e o Distrito Federal, sob pena de serem considerados ilegais e inconstitucionais.  

Contudo, mesmo com a criação do CONFAZ, os entes federativos competentes para instituição e cobrança do ICMS, concedem isenções e benefícios à margem do aludido órgão, contribuindo, assim, com o surgimento da Guerra Fiscal do ICMS.

Conclui-se, portanto, que é ínsita ao federalismo a competição, não a competição predatória, mas aquela em que aos concorrentes sejam asseguradas condições mínimas para competir.  

Dessa forma, tem-se que a guerra fiscal é uma das graves consequências da desvirtuação do pacto federativo. A concessão de incentivos fiscais de forma arbitrária, sem cooperação e coordenação, tem como consequência o desequilíbrio na concorrência, a insegurança jurídica e a desarmonia na Federação.

Em que pese o problema da guerra fiscal se dar por conta da inobservância dos entes às regras previstas na Constituição e na Lei Complementar 24/75, não se limita a isso. Como pode ser visto, há falhas institucionais que dificultam a harmonia federativa. A lentidão, o excesso de formalismo e a superficialidade das decisões do STF, por exemplo, são fatores que demonstram a falta de aptidão e de interesse do guardião da Federação para resolver o problema.

Apesar da existência de medidas que ensejam o fim a essa prática, como a Lei Complementar nº 160/17 e o Convênio ICMS nº 190/17, a proposta de Súmula Vinculante nº 69 e as PECS 45 e 110, ainda não há nada tão eficiente capaz de acabar com essa prática, que ainda é realidade no Brasil.

Em suma, o fim da guerra fiscal depende de controle efetivo dos incentivos fiscais, de soluções conjuntas dos três entes federativos e de reformas tributária e financeira amplas.


1Art. 172. A lei pode autorizar a autoridade administrativa a conceder, por despacho fundamentado, remissão total ou parcial do crédito tributário, atendendo: I – à situação econômica do sujeito passivo; II – ao erro ou ignorância excusáveis do sujeito passivo, quanto a matéria de fato; III – à diminuta importância do crédito tributário; IV – a considerações de eqüidade, em relação com as características pessoais ou materiais do caso; V – a condições peculiares a determinada região do território da entidade tributante. Parágrafo único. O despacho referido neste artigo não gera direito adquirido, aplicando-se, quando cabível, o disposto no artigo 155.

2Art. 175. Excluem o crédito tributário: […] II – a anistia.

3BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 2056/MS. Rel. Min. Gilmar Mendes. Tribunal Pleno. DJ 30.05.2007. DJe-082 17.08.2007.

4Disponível em: <https://www.confaz.fazenda.gov.br/>. Acesso em: 09 de ago. 2020.

5BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3664/RJ.

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