COMUNICAÇÃO ENFERMEIRO – FAMÍLIA NO PROCESSO DE DOAÇÃO DE ÓRGÃOS: REVISÃO INTEGRATIVA

NURSE-FAMILY COMMUNICATION IN THE ORGAN DONATION PROCESS: AN INTEGRATIVE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202412041624


Vivian Aragão Carvalho


RESUMO

Introdução: A comunicação com a família do potencial doador no que concerne a entrevista familiar do processo de doação de órgãos e tecidos, é fundamental para a tomada de decisão esclarecida. Porém, trata-se de um processo delicado, pois é no momento de fragilidade emocional, de tristeza e dor, que as famílias são cercadas quanto à possibilidade de doação. Objetivos: conhecer na literatura as estratégias do enfermeiro na comunicação com a família do potencial doador de órgãos durante a entrevista familiar bem como evidenciar e discutir os principais resultados encontrados. Metodologia: Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, na qual foi construída através da análise de artigos indexados nas bases de dados de revistas disponibilizadas on-line e periódicos como Google Acadêmico e Scielo. Resultados: Evidenciou-se que as estratégias dos enfermeiros estão baseadas no manejo das situações difíceis enfrentadas na entrevista familiar. Conclusão: São escassos os achados na literatura que tratam da compreensão e o comportamento dos enfermeiros membros da Central de Notificação, Captação, Distribuição de Órgãos (CIHDOTT) ou da Organização de Procura de Órgãos (OPO) no momento da entrevista familiar, apesar de ser inquestionável os obstáculos enfrentados.

Descritores: Família; entrevista; obtenção de órgãos e tecidos; enfermagem.

ABSTRACT

Introduction: Communication with the family of a potential organ and tissue donor, particularly during the family interview process, is essential for informed decision-making. However, it is a delicate process, as families are approached during a time of emotional vulnerability, sadness, and grief, regarding the possibility of donation. Objectives: The aim is to explore the strategies used by nurses in communicating with the family of a potential organ donor during the family interview, as well as to highlight and discuss the key findings. Methodology: This is an integrative literature review, built through the analysis of articles indexed in online databases and journals such as Google Scholar and Scielo. Results: The findings show that nurses’ strategies are based on managing the difficult situations encountered during the family interview. Conclusion: Literature on the understanding and behavior of nurses who are members of the Notification, Capture, and Distribution Center of Organs (CIHDOTT) or the Organ Procurement Organization (OPO) during the family interview is scarce, despite the undeniable obstacles they face.

KEYWORDS: Family; Interview; Tissue and Organ Procurement; Nursing

INTRODUÇÃO

Os transplantes de órgãos representam uma alternativa vital para pacientes com condições crônicas, promovendo uma maior expectativa de vida. Com a demanda por órgãos crescendo desproporcionalmente ao número de doadores, o Brasil se destaca como o segundo país no mundo em número de doações, segundo a ABTO. Nos últimos anos, cerca de 3.500 doadores efetivos têm sido registrados anualmente, embora haja ainda disparidades regionais, especialmente no Maranhão, onde a taxa de conversão de doadores potenciais para efetivos permanece baixa. Dados recentes apontam que a recusa familiar continua como um dos principais fatores, seguido por contraindicações médicas, paradas cardíacas e a confirmação incompleta de morte encefálica (REER, 2021).

Estudos de Costa et al. (2021) e Lopes et al. (2019) indicam que uma comunicação efetiva dos profissionais de saúde, especialmente dos enfermeiros, pode diminuir as taxas de recusa familiar. Como principais interlocutores, enfermeiros desempenham um papel central, explicando o diagnóstico de morte encefálica e o processo de doação de maneira clara e sensível, aspectos que são essenciais para que a família se sinta segura na tomada de decisão. Fatores culturais, religiosos e socioeconômicos também influenciam a decisão, exigindo que as equipes de saúde abordem esses temas com sensibilidade e respeito (COSTA et al., 2021).

Legislações como o Decreto Federal Nº 9.175/2017 estabelecem que a decisão final sobre a doação de órgãos cabe aos familiares, colocando-os em uma posição de responsabilidade significativa. Nesse contexto, a formação dos enfermeiros na comunicação de más notícias é destacada como crucial para permitir que os familiares façam escolhas informadas, minimizando a pressão emocional e promovendo uma decisão autônoma e consciente. Tais entrevistas familiares, realizadas muitas vezes no contexto de luto, são consideradas etapas decisivas e devem ser conduzidas com técnicas que combinam acolhimento e humanização para otimizar as taxas de consentimento (LOPES et al., 2019).

Portanto, este estudo visa evidenciar o papel essencial do enfermeiro na comunicação com familiares de potenciais doadores, desde o acolhimento até a entrevista final, enfatizando a importância da empatia, da preparação cultural e da comunicação transparente para reduzir as taxas de recusa.

Tendo em vista a relevância e delicadeza que guarda este passo dentro da doação de órgãos, objetivou-se com este estudo conhecer a atuação do enfermeiro na comunicação com a família do potencial doador de órgãos e tecidos a começar do acolhimento familiar até o momento da entrevista no processo de doação de órgãos e tecidos para transplante.

METODOLOGIA

Para o alcance do objetivo do estudo, optou-se pelo método de revisão integrativa da literatura, visto que ele possibilita concentrar as pesquisas já publicadas e obter conclusões a partir do tema proposto. Uma revisão integrativa (RI) exige os mesmos critérios de rigor, clareza e replicação utilizada nos estudos primários.

A pesquisa foi realizada de acordo com as seguintes etapas: 1) seleção da pergunta norteadora, objetivos da pesquisa e descritores; 2) definição dos critérios de inclusão, exclusão; 3) busca na literatura, com identificação dos estudos pré-selecionados; 4) representação dos estudos selecionados no programa Excel, para categorização das características em comum; 4) análise e interpretação dos resultados; 5) apresentação da revisão e síntese do conhecimento. 

Para a elaboração da questão norteadora da pesquisa, utilizou-se a estratégia PICO (acrônimo para patient, intervention, comparison, outcomes). O uso dessa estratégia possibilita a formulação dos descritores, as quais auxiliam na localização de estudos primários relevantes nas bases de dados. Assim, levantou-se a seguinte pergunta norteadora: “Quais as evidências científicas quanto às estratégias do enfermeiro na comunicação a família do potencial doador de órgãos e tecidos no processo de doação de órgãos?”.

Nela contempla, o primeiro elemento da estratégia (P) Família do potencial doador de órgãos; o segundo (I), as estratégias do enfermeiro no acolhimento e entrevista familiar; e o quarto elemento (O) Há evidências científicas sobre a atuação do enfermeiro na entrevista familiar do processo de doação de órgãos e tecidos. Ressalta-se que, de acordo com cada método de revisão, não se emprega todos os elementos da estratégia PICO. Neste estudo, o terceiro elemento, ou seja, a comparação (C), não foi utilizada.

A estratégia de identificação e seleção dos estudos indexados aconteceu no mês de novembro de 2024, nas bases de dados Scientific Electronic Library Online (SciELO), portais Biblioteca Virtual em Saúde (BVS/BIREME), e outros periódicos publicadas entre o período de 2019 a 2024, mediante aos descritores “Família; Entrevista; Obtenção de órgãos e tecidos; Enfermagem”, através do operador boleano AND. Para a obtenção dos estudos, foi utilizado o portal periódico do CAPES através do link disponibilizado pela biblioteca universitária da Universidade Ceuma – UNICEUMA.

Porém, com o objetivo de encontrar publicações mais recentes, que atendessem aos objetivos propostos e tivessem sido publicadas a época anterior e assim atualizar a RI, realizou-se uma segunda procura entre o período de março a abril de 2018, nas bases de dados utilizadas anteriormente.

A coleta obedeceu aos seguintes critérios de inclusão: textos publicados na íntegra entre o período de 2019 a 2024, onde foi realizado a primeira e segunda busca, em formato de artigo, escritos em português, espanhol e inglês. Excluiu-se os estudos não publicados na integra ou repetidos nas bases de dados.

A primeira análise se deu pela leitura seletiva dos 1500 artigos encontrados nas quatro bases de dados. Após leitura por título, 802 artigos foram excluídos ao serem aplicados os critérios de exclusão, resultando 1021 que foram analisados por meio do resumo. Do material obtido, 40 estudos procederam à leitura minuciosa, destacando aqueles que responderam ao objetivo proposto por este estudo, a fim de organizar e tabular os dados. Assim, compuseram a amostra da revisão integrativa xxx artigos.

A coleta de informações se deu com base em um instrumento, executado pelos pesquisadores e avaliado por dois docentes, que permitiu avaliar as evidências a partir das seguintes informações: Título do estudo, autor, ano, revista, base de dados, objetivos, metodologia utilizada e resultados, para uma análise mais criteriosa e posterior discussão dos resultados. Sendo assim, a análise foi realizada de forma descritiva através de categorias temáticas possibilitando ao leitor a avaliação da aplicabilidade da revisão integrativa efetuada.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados dos artigos analisados foram organizados e apresentados no quadro abaixo. A metodologia variou entre abordagens qualitativas e revisões de literatura, sendo a predominância das abordagens qualitativas indicada pela busca por compreender em profundidade a visão de familiares, os desafios enfrentados pelos profissionais de saúde e a motivação nas decisões relacionadas à doação de órgãos.

Quadro 1: Característica dos estudos

AUTOR (ES)TÍTULOBASES DE DADOSANOPERIÓDICOS
1.RAMOS et al.O enfermeiro no processo de doação e transplante de órgãos. RECIEN2019Revista Recien – Revista Científica de Enfermagem,
2.GIRÃO et al.Dificuldades na comunicação entre o enfermeiro e a família no processo de doação de órgãos: um relato de experiênciaRSD Journal2020Research, Society and Development.
3.GONZAGA, M., TREVISANO, R., ALMEIDA, C.Percepções de profissionais de saúde e familiares no processo da doação de órgãos para transplante  SCIELO2021  Scire Salutis
4.LIMA, D.; FREITAS, V.; ARAUJO, M.Ações De Enfermagem No Processo De Doação De Órgãos E TecidosSciELO2024Contemporary Jornal.
5.MAGALHÃES et alDesafios da enfermagem no processo de doação para transplante de órgãos: revisão integrativa  Google Acadêmico2020Rev eletrônica Acervo Saúde
6.SANTOS et alAtuação do enfermeiro na doação e transplante de órgãos: revisão integrativa de literaturaRECIEN2021Rev. Cientifica de enfermagem
7.MARQUES, Murichane.; PORTO, Priscila.Recusa Familiar Frente À Doação De Órgãos E Tecidos Em Unidades De Terapia Intensiva Adulto: Revisão IntegrativaRevista FT2023RevistaFT
8.OMIZZOLO, J.; CARDOSO, E.; MUNIZ, Meline.Atuação Do Enfermeiro Frente Aos Processos De Morte Encefálica E Captação De Órgãos: Revisão Integrativa De LiteraturaPeriódics UNESC2021Inova Saúde

O processo de doação de órgãos envolve múltiplos desafios, tanto do ponto de vista da comunicação quanto da atuação dos profissionais de saúde. Segundo a ABTO (2021), os dados sobre transplantes no Brasil entre 2019-2021 revelam uma taxa de recusa familiar significativa, impactando diretamente as possibilidades de doação. Batista Ramos et al. (2019) destacam o papel essencial dos enfermeiros nesse processo, abordando questões éticas e técnicas envolvidas na doação e transplante de órgãos. A comunicação eficaz entre equipes de saúde e famílias é fundamental, como relatado por Costa et al. (2021), que enfatizam a importância de fatores determinantes na decisão familiar.

Gonzaga, Trevisano e Almeida (2021) analisam as percepções de profissionais e familiares, ressaltando a importância de uma abordagem sensível e empática. Já Lopes et al. (2019) discutem o papel da enfermagem no apoio emocional durante o luto, enquanto Lima, Freitas e Araujo (2024) exploram ações práticas da enfermagem durante a doação de órgãos. A revisão de Magalhães et al. (2020) aponta os principais desafios enfrentados pela enfermagem nesse contexto, incluindo a falta de preparo das equipes para lidar com situações de alta carga emocional.

A recusa familiar, analisada por REER (2021) no Maranhão, revela que fatores culturais e falta de informação ainda são barreiras significativas para a doação de órgãos, o que reflete a necessidade de campanhas educativas mais eficazes e uma comunicação mais clara sobre a importância da doação.

As vivências dos enfermeiros na entrevista familiar no processo de doação de órgãos foram categorizadas e exemplificadas pelos discursos existentes nos estudos analisados. Sendo assim, emergiram-se as seguintes categorias: “Obstáculos enfrentados na entrevista familiar”, subdividido entre as subcategorias “Meio educativo”, “Apoio emocional”, “Local da entrevista”, “Assistência prestada ao PD e família” e “Estratégias de comunicação com a família do potencial doador de órgãos na concepção dos enfermeiros”.

Para melhor entendimento, o quadro 2 revela os principais achados em cada pesquisa.

Quadro 2: Resumo das obras

AUTOR (ES)OBJETIVOSTIPOS DE PESQUISARESULTADOS
1.RAMOS et al.Descrever o papel do enfermeiro no processo de doação e transplante de órgãos.Estudo qualitativo, pesquisa bibliográfica.O estudo mostra que a atuação do enfermeiro é crucial em todas as etapas do processo de doação, desde a identificação do potencial doador até o acompanhamento pós-transplante, destacando a necessidade de capacitação técnica e emocional.
2.COSTA et al. (2021).Identificar fatores que influenciam a decisão das famílias no processo de doação de órgãos.Estudo qualitativo, análise de entrevistas.A pesquisa destaca a importância da comunicação clara e empática, com foco na confiança estabelecida entre os profissionais de saúde e as famílias, fator determinante para a aceitação ou recusa da doação.
3.GONZAGA, M., TREVISANO, R., ALMEIDA, C. (2021)Analisar as percepções de profissionais de saúde e familiares no processo de doação de órgãos.Estudo qualitativo, entrevistas.Os resultados apontam para uma diferença significativa nas percepções dos profissionais de saúde e das famílias sobre o processo de doação, sugerindo a necessidade de melhorar a comunicação e o apoio emocional.
4.LIMA, D.; FREITAS, V.; ARAUJO, M.(2024)Avaliar as ações de enfermagem no processo de doação de órgãos e tecidos.Estudo de caso, análise de práticas de enfermagem.O estudo mostra que as ações de enfermagem são fundamentais para garantir que o processo de doação aconteça de forma ética e eficiente, com destaque para o cuidado e acompanhamento das famílias.
5.LOPES et al. (2019)Explorar a comunicação do enfermeiro em situações de luto e perda.Pesquisa qualitativa, análise de dados de entrevistas.O estudo revela que o enfermeiro desempenha um papel importante no apoio emocional, contribuindo para o processo de luto das famílias e facilitando a aceitação da doação de órgãos.
  6.SANTOS et alAtuação do enfermeiro na doação e transplante de órgãos: revisão integrativa de literaturaRECIEN2021
 7.LUCILENE DOS SANTOS et al. (2021).Revisar a literatura sobre a atuação do enfermeiro no processo de doação de órgãos e transplantes.Revisão integrativa de literaturaO estudo sintetiza as principais práticas do enfermeiro, destacando a necessidade de treinamento contínuo e o papel central na comunicação com as famílias, contribuindo para a decisão de doação.
8.MAGALHÃES et al. (2020)Analisar os desafios da enfermagem no processo de doação de órgãos.Revisão integrativa, análise bibliográfica.A pesquisa identifica os principais desafios enfrentados pelos enfermeiros, como a falta de preparo emocional e as dificuldades na comunicação com as famílias, e propõe soluções para melhorar a capacitação da equipe.

a. Obstáculos enfrentados na entrevista familiar

O processo de doação de órgãos, no Brasil e em outros países, tem sido considerado uma das maiores vitórias da medicina moderna. No entanto, apesar dos avanços no campo médico, ainda existem desafios importantes a serem enfrentados, especialmente em relação à recusa familiar, que representa um dos maiores obstáculos para a realização de transplantes (Costa et al., 2021). A comunicação eficaz entre os profissionais de saúde, especialmente os enfermeiros, e os familiares dos potenciais doadores é essencial para superar esses obstáculos e garantir que a doação aconteça de forma ética e respeitosa.

O enfermeiro tem um papel crucial não apenas no manejo técnico e assistencial do processo de doação, mas também na comunicação com as famílias dos doadores. Segundo Lima et al. (2024), os enfermeiros desempenham uma função de apoio emocional, ajudando as famílias a lidar com o luto e fornecendo informações claras e sensíveis sobre o processo de doação de órgãos. O processo de doação é, na maioria das vezes, um evento inesperado e traumático para as famílias, que precisam tomar decisões complexas e emocionais em um momento de grande dor. Por isso, a habilidade de comunicação é indispensável para garantir que as famílias compreendam as implicações da doação e possam tomar uma decisão informada, de acordo com a vontade do doador, quando possível.

O estudo de Gonzaga, Trevisano e Almeida (2021) reforça a importância de uma abordagem holística, que leve em consideração as emoções, as crenças culturais e os valores das famílias durante o processo de doação. A comunicação deve ser estabelecida com empatia, de modo a criar um ambiente de confiança e compreensão. A forma como as informações são transmitidas pode impactar diretamente na decisão dos familiares de autorizar ou não a doação de órgãos. É fundamental que os profissionais de saúde, especialmente os enfermeiros, sejam treinados para lidar com essas situações delicadas de maneira eficaz e ética.

Além da comunicação, a conscientização pública sobre a importância da doação de órgãos também desempenha um papel significativo na redução da recusa familiar. A ABTO (2021) destaca que o Brasil enfrenta uma taxa de recusa relativamente alta, especialmente em estados com menores taxas de conscientização. Isso indica que, apesar dos avanços na medicina e na realização de transplantes, ainda existe uma necessidade de sensibilizar a população e os profissionais de saúde sobre os benefícios da doação e a importância de respeitar a vontade do doador. A educação e a formação contínua dos enfermeiros, nesse contexto, são fundamentais para melhorar a qualidade da comunicação com os familiares e aumentar a taxa de aceitação da doação.

A atuação do enfermeiro no processo de doação de órgãos também envolve o cuidado técnico, que inclui a manutenção da função dos órgãos do doador até que a doação seja realizada. A revisão integrativa de Lucilene dos Santos et al. (2021) mostra que os enfermeiros devem ser altamente capacitados para lidar com os aspectos técnicos da doação, incluindo a manutenção dos órgãos, monitoramento dos sinais vitais do doador e a preparação do corpo para o transplante. Contudo, os desafios não se limitam apenas ao aspecto técnico; a comunicação eficaz com os familiares e o apoio emocional também são componentes essenciais que devem ser abordados durante o processo de doação.

Em um contexto mais amplo, a recusa familiar continua sendo um dos maiores obstáculos para a realização de transplantes. Estudos como o de Magalhães et al. (2020) e da REER (2021) observam que a recusa, muitas vezes, está relacionada ao desconhecimento ou a desinformação sobre o processo de doação de órgãos. Para superar essas barreiras, é necessário que os enfermeiros atuem como mediadores eficazes, oferecendo informações claras e respeitando os sentimentos e o processo de luto das famílias. Nesse sentido, a comunicação precisa ser adaptada às necessidades emocionais e culturais de cada família, o que exige uma formação profissional sólida e empática.

A importância da comunicação em situações de luto e perda também é enfatizada por Lopes et al. (2019), que abordam a forma como os enfermeiros podem atuar durante o processo de luto. Ao fornecer apoio psicológico e esclarecer as dúvidas dos familiares, os enfermeiros podem contribuir para que a família se sinta mais confortável e confiante ao tomar a decisão de autorizar a doação de órgãos. A qualidade da comunicação, portanto, tem um impacto direto na taxa de recusa e na eficácia do processo de transplante.

O envolvimento das famílias no processo de doação de órgãos também pode ser influenciado por fatores culturais e sociais, que variam de região para região. Em estados como o Maranhão, por exemplo, a recusa familiar pode estar relacionada a questões culturais que influenciam as crenças e valores sobre a morte e o processo de doação. A análise de dados feita pela REER (2021) aponta que a recusa de doação de órgãos em determinadas regiões pode ser reduzida com estratégias locais de sensibilização e educação. Assim, a atuação dos enfermeiros precisa ser adaptada às realidades locais, respeitando as especificidades culturais de cada comunidade.

Em conclusão, o papel do enfermeiro no processo de doação e transplante de órgãos vai além do cuidado técnico e envolve uma comunicação eficaz e sensível com as famílias. A capacitação contínua, o suporte emocional e a educação sobre a doação de órgãos são fundamentais para reduzir a recusa familiar e melhorar a taxa de sucesso dos transplantes no Brasil. Portanto, os enfermeiros devem ser vistos como agentes-chave nesse processo, desempenhando um papel fundamental tanto na execução dos cuidados quanto no apoio emocional e na comunicação com as famílias.

Estratégias de comunicação com a família do potencial doador de órgãos na concepção dos enfermeiros

O processo de doação de órgãos no Brasil enfrenta diversos desafios, sendo um dos mais significativos a recusa familiar, que impede a concretização da doação de órgãos mesmo em casos onde o potencial doador tenha manifestado seu desejo anteriormente (Costa et al., 2021). A comunicação desempenha um papel central neste cenário, sendo de responsabilidade dos enfermeiros a mediação do processo de esclarecimento e apoio às famílias. Neste capítulo, exploramos as estratégias adotadas pelos enfermeiros para comunicar-se com as famílias dos potenciais doadores e o impacto dessas estratégias na decisão familiar.

O enfermeiro, no contexto da doação de órgãos, deve ser capaz de estabelecer uma comunicação clara e sensível com as famílias, oferecendo informações completas sobre o processo de doação e respondendo às dúvidas de maneira precisa e respeitosa. Estudos como o de Lima et al. (2024) demonstram que a forma como os profissionais comunicam as informações sobre a doação influencia diretamente a percepção das famílias e pode reduzir a taxa de recusa. Além disso, a comunicação deve ser adaptada ao momento emocional das famílias, pois a perda de um ente querido é uma situação marcada pelo sofrimento e pela angústia. Portanto, estratégias que envolvem escuta ativa, empatia e paciência são fundamentais para que a comunicação seja eficaz (Gonzaga et al., 2021).

A abordagem dos enfermeiros deve, ainda, considerar as especificidades culturais e sociais das famílias. De acordo com Magalhães et al. (2020), a recusa familiar pode estar relacionada a fatores culturais que influenciam as crenças e valores acerca da morte e da doação de órgãos. Em regiões do Brasil com menor índice de conscientização sobre a doação, como o Maranhão, o papel do enfermeiro na educação e esclarecimento sobre o processo de transplante é ainda mais relevante. Para que a comunicação seja bem-sucedida, é necessário que o enfermeiro compreenda a realidade social e cultural de cada família e utilize essa compreensão para adaptar suas estratégias de comunicação (ABTO, 2021).

Além disso, a comunicação também envolve o cuidado contínuo e o apoio emocional. A revisão de Lucilene dos Santos et al. (2021) sobre a atuação do enfermeiro na doação de órgãos revela que os enfermeiros são frequentemente os responsáveis por ajudar as famílias a lidar com o luto, oferecendo apoio emocional e mantendo uma linha de comunicação aberta e constante durante todo o processo de doação. Isso permite que as famílias tomem decisões informadas, com mais clareza e menos angústia, reduzindo a chance de arrependimentos ou recusa após a solicitação de doação.

No entanto, é importante ressaltar que a comunicação no processo de doação de órgãos não se limita à entrega de informações técnicas. Ela deve ser construída de forma a transmitir confiança e respeito pela dor das famílias. A pesquisa de Lopes et al. (2019) sublinha que a comunicação, quando realizada de forma empática, pode contribuir significativamente para que os familiares percebam a doação de órgãos não como uma imposição, mas como um gesto de solidariedade e esperança. O apoio emocional e a clareza nas informações, portanto, são elementos-chave para que a família se sinta confortável e confiante na decisão de autorizar a doação.

O treinamento de enfermeiros para atuar em situações como essas também se mostra uma medida importante. A capacitação profissional deve incluir não apenas os aspectos técnicos relacionados ao processo de doação de órgãos, mas também as habilidades de comunicação, manejo do luto e sensibilização para a diversidade cultural. A ABTO (2021) destaca a importância de programas de treinamento que integrem esses aspectos, promovendo uma atuação mais humanizada e eficaz dos profissionais de saúde. A formação contínua dos enfermeiros, por meio de workshops, cursos e discussões em grupos, é uma estratégia que visa aprimorar as práticas de comunicação e aumentar a taxa de sucesso da doação.

Portanto, as estratégias de comunicação adotadas pelos enfermeiros no processo de doação de órgãos são múltiplas e envolvem uma combinação de habilidades técnicas e emocionais. A capacidade de ouvir, compreender e adaptar a comunicação às necessidades da família pode ser determinante para o sucesso do processo. Além disso, a conscientização da população sobre a importância da doação de órgãos é um fator que contribui para reduzir as taxas de recusa, e os enfermeiros, ao atuarem como educadores, têm um papel crucial nesse processo.

CONCLUSÃO

O enfermeiro quando vivencia os aspectos da doação de órgãos e identifica os obstáculos que os envolve, absorvem guias seguros para interpretar a realidade social, permitindo mudar os paradigmas de suas ações, humanizando a assistência aos familiares do doador falecido, bem como aumentar a doação de órgãos e salvar vidas. Diante disso, reitera-se ser indispensável o treinamento e capacitação desses profissionais para vivenciarem o processo solicitação da doação.

A vivência dos Enfermeiros na realização da entrevista familiar no processo de doação de órgão é marcada por obstáculos, como demonstrado pelos estudos. Diante disso, evidenciou-se que o as estratégias utilizadas na comunicação com a família do potencial doador de órgãos, são baseadas no manejo dessas situações que facilitam ou dificultam o diálogo. Observou também que, não somente utilizam recursos técnicos para o enfrentamento desses obstáculos, mas próprios e subjetivos.

Além disso, concluiu-se serem escassos os achados na literatura que tratam da compreensão e do comportamento dos enfermeiros membros da CIHDOTT ou da OPO no momento da entrevista familiar, apesar de ser inquestionável os obstáculos enfrentados.

A comunicação no processo de doação de órgãos é uma prática complexa e desafiadora, que exige dos profissionais de saúde, especialmente dos enfermeiros, habilidades técnicas e emocionais. A maneira como os enfermeiros se comunicam com as famílias dos potenciais doadores é determinante para o sucesso do processo, influenciando diretamente na decisão de autorização da doação. A escuta ativa, a empatia e a capacidade de transmitir informações de forma clara e respeitosa são fundamentais para que as famílias possam tomar decisões informadas em um momento de grande sofrimento e vulnerabilidade emocional.

A formação dos enfermeiros, que deve incluir não apenas aspectos técnicos da doação de órgãos, mas também a capacitação para lidar com situações de luto e diversidade cultural, é essencial para garantir uma comunicação eficaz e humanizada. Além disso, o papel do enfermeiro vai além de fornecer informações; envolve também apoiar emocionalmente as famílias, estabelecendo um vínculo de confiança que possa facilitar a tomada de decisão.

Os dados de diversas pesquisas mostram que a recusa familiar à doação de órgãos é um dos maiores obstáculos enfrentados pelo sistema de transplante, sendo a comunicação um dos principais fatores que contribui para essa recusa. No entanto, ao adotar estratégias de comunicação adequadas e sensíveis, os enfermeiros têm o potencial de minimizar essa recusa e maximizar as chances de que mais vidas possam ser salvas através da doação.

Portanto, é evidente que a atuação do enfermeiro na doação de órgãos vai muito além de um simples processo técnico. Trata-se de uma prática que envolve aspectos éticos, emocionais e culturais, e a construção de um relacionamento de confiança com a família do potencial doador. A capacitação contínua dos profissionais de saúde é crucial para que a doação de órgãos no Brasil seja cada vez mais uma opção viável e respeitada, contribuindo para salvar vidas e promover a solidariedade entre os cidadãos.

REFERÊNCIAS

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