LATE COMPLICATIONS OF POLYMETHYLMETHACRYLATE (PMMA) USE IN PENILE BIOPLASTY: CASE REPORT AND CRITICAL ANALYSIS
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/cs10202506100305
Bianca D Camargo
Fernanda C Belatto
Layane de Melo Cardoso
Orientadora: Aline Francielle S Santos
RESUMO
O uso de preenchedores permanentes, como o polimetilmetacrilato (PMMA), em procedimentos estéticos tem se expandido significativamente no Brasil, mesmo diante de crescentes relatos sobre seus riscos e efeitos adversos. Este estudo tem como objetivo relatar um caso clínico de complicação tardia após bioplastia peniana com PMMA e realizar uma análise crítica dos riscos e implicações associados ao uso deste material em áreas de alta complexidade anatômica, como a genitália masculina. Trata-se de um estudo qualitativo de caráter exploratório, composto por uma revisão integrativa da literatura científica e a análise de um caso clínico real. O paciente, com histórico de aplicação de PMMA há mais de duas décadas, desenvolveu dor intensa, disfunção erétil, hipossensibilidade e alterações morfológicas penianas, compatíveis com reação inflamatória tardia ao material. A literatura revisada aponta para complicações semelhantes, incluindo formação de granulomas, migração do material, necrose tecidual, infecções crônicas e danos funcionais e estéticos irreversíveis. O caso apresentado, juntamente com os dados da literatura, reforça a necessidade urgente de limitar o uso do PMMA a indicações reparadoras devidamente regulamentadas pela ANVISA, além de promover capacitação profissional e maior fiscalização sobre práticas estéticas. Conclui-se que a adoção consciente e ética de técnicas estéticas deve ser pautada por evidências científicas, segurança do paciente e respeito à integridade funcional do corpo humano.
Palavras-chave: PMMA, complicações tardias, bioplastia peniana, estética íntima, relato de caso.
ABSTRACT
The use of permanent fillers, such as polymethylmethacrylate (PMMA), in aesthetic procedures has significantly expanded in Brazil, despite growing reports of associated risks and adverse effects. This study aims to report a clinical case of a late complication following penile bioplasty with PMMA and to provide a critical analysis of the risks and implications related to the use of this material in anatomically complex areas, such as the male genital region. It is a qualitative exploratory study composed of an integrative review of the scientific literature and the analysis of a real clinical case. The patient, with a history of PMMA application over two decades prior, developed severe pain, erectile dysfunction, hyposensitivity, and morphological penile alterations consistent with a delayed inflammatory reaction to the material. The reviewed literature highlights similar complications, including granuloma formation, material migration, tissue necrosis, chronic infections, and irreversible functional and aesthetic damage. The presented case, along with the literature data, underscores the urgent need to restrict PMMA use to reparative indications duly regulated by ANVISA, while also promoting professional training and stricter oversight of aesthetic practices. It is concluded that the conscious and ethical adoption of aesthetic techniques must be guided by scientific evidence, patient safety, and respect for the functional integrity of the human body.
Keywords: PMMA, late complications, penile bioplasty, intimate aesthetics, case report.
1. INTRODUÇÃO
O polimetilmetacrilato (PMMA) é um polímero acrílico de natureza sintética, amplamente empregado na medicina desde a década de 1940, inicialmente como cimento ósseo em cirurgias ortopédicas e em lentes intraoculares (Almeida, 2019). Com o tempo, passou a ser utilizado em procedimentos estéticos como preenchimento dérmico, especialmente para fins de volumização e correção de assimetrias, devido à sua característica de não absorção e à indução de resposta tecidual com formação de colágeno ao redor das microesferas (ANVISA, 2024).
No campo da biomedicina estética, o PMMA ganhou notoriedade por oferecer resultados permanentes com aplicação minimamente invasiva, especialmente em regiões como glúteos, face e genitais (CFM, 2025). Contudo, sua estabilidade química e persistência no organismo, que inicialmente o posicionam como um aliado da estética, também o tornam um material de difícil manejo em caso de complicações. A literatura científica descreve intercorrências que variam de reações inflamatórias leves a complicações severas, como formação de granulomas, necroses, infecções, migração do material e até óbito (Souza, 2020; Martins, 2023).
A aplicação do PMMA em regiões sensíveis, como a genitália masculina, levanta preocupações éticas e técnicas. Além da escassez de estudos longitudinais robustos sobre segurança e eficácia nessa área, a genitália apresenta características anatômicas e funcionais que aumentam o risco de eventos adversos, como comprometimento da ereção, dor crônica e reações autoimunes (WHO, 2022). A ausência de padronização nos protocolos de aplicação, somada à banalização do uso da substância por profissionais não especializados, agrava o cenário de risco.
Com o aumento da demanda por procedimentos estéticos íntimos masculinos, impulsionado por fatores socioculturais, autoestima e idealizações corporais, é imperativa uma análise crítica sobre os limites do uso do PMMA. O presente trabalho propõe-se a investigar os efeitos adversos decorrentes da aplicação do PMMA na região genital masculina, a partir de revisão científica e estudo de caso, abordando não apenas os aspectos biomédicos, mas também bioéticos envolvidos.
2. METODOLOGIA
Este trabalho adota uma abordagem qualitativa, de natureza descritiva, com delineamento baseado em relato de caso clínico associado a uma revisão narrativa da literatura. O estudo tem como objetivo analisar as complicações clínicas decorrentes da aplicação de polimetilmetacrilato (PMMA) em bioplastia peniana, contextualizando os achados com evidências científicas atuais e diretrizes bioéticas.
2.1 Relato de Caso Clínico
O caso clínico analisado refere-se a um paciente do sexo masculino que apresentou complicações tardias graves após aplicação de PMMA na genitália com finalidade estética. As informações foram coletadas por meio de análise documental do prontuário clínico, imagens clínicas, dados de exame físico, exames de imagem e intervenção cirúrgica. A identidade do paciente foi preservada conforme os princípios éticos da pesquisa com seres humanos, e não houve necessidade de aprovação em Comitê de Ética, por se tratar de um relato não identificado e utilizado com finalidade exclusivamente acadêmica.
2.2 Revisão Narrativa da Literatura
A revisão da literatura foi realizada entre março e maio de 2025, com o intuito de contextualizar os achados clínicos com publicações científicas nacionais e internacionais. As bases de dados consultadas incluíram: PubMed, Scielo, Google Scholar e LILACS, utilizando os descritores: “PMMA”, “complicações estéticas”, “bioplastia peniana”, “preenchedores dérmicos permanentes”, “complicações tardias” e “ética em procedimentos estéticos”. Foram incluídos artigos publicados entre 2013 e 2025, com ênfase em relatos de caso, revisões sistemáticas, estudos observacionais e posicionamentos oficiais de órgãos reguladores, como ANVISA e CFM. Os critérios de inclusão consideraram publicações que abordavam o uso de PMMA em estética íntima e complicações clínicas associadas. Estudos que tratavam exclusivamente de aplicações faciais ou com foco experimental em animais foram excluídos.
2.3 Análise dos Dados
Os dados foram analisados de forma qualitativa e interpretativa, relacionando o caso clínico descrito às evidências científicas levantadas na literatura. O foco da análise concentrou-se na caracterização das complicações clínicas, desafios terapêuticos, implicações éticas e recomendações de boas práticas.
3. RESULTADOS
3.1 Revisão da literatura
O polimetilmetacrilato (PMMA) é um polímero sintético não biodegradável amplamente utilizado na medicina estética e reconstrutiva, principalmente em procedimentos de preenchimento facial e corporal, além da correção de deformidades volumétricas (Salles et al., 2018). Embora tenha se consolidado como uma alternativa de baixo custo e longa duração, seu uso não está isento de riscos, especialmente quando aplicado em grandes volumes, em regiões anatomicamente complexas ou por profissionais não habilitados (Cardoso & Lima, 2022).
Segundo a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), o PMMA é autorizado exclusivamente para fins reparadores, como a correção de lipodistrofias em portadores de HIV/AIDS e sequelas de poliomielite. A utilização com finalidades estéticas, como aumento de mamas, glúteos ou genitália, é proibida, sendo passível de sanções éticas e legais (ANVISA, 2024; CFM, 2025).
Estudos estimam que entre 2% a 5% dos pacientes submetidos à aplicação de PMMA desenvolvem complicações tardias graves que exigem intervenções cirúrgicas ou tratamentos prolongados (Mendes et al., 2023). Tais complicações podem ser classificadas como precoces ou tardias, sendo estas últimas as mais severas e complexas do ponto de vista clínico.
Entre as principais complicações tardias está a formação de granulomas, resultado de uma reação inflamatória crônica do organismo ao corpo estranho. Essa reação pode ocorrer meses ou anos após a aplicação, manifestando-se por nódulos endurecidos, dor localizada, fibrose e, em casos mais graves, ulceração cutânea (Zuccolotto et al., 2021).
A migração do PMMA é outro evento frequente, especialmente em regiões submetidas a pressão ou mobilidade intensa, como glúteos, panturrilhas e genitália. Essa migração compromete o resultado estético, gera assimetrias marcantes e dificulta a retirada do material, muitas vezes exigindo abordagem microcirúrgica especializada (Ferreira & Souza, 2020).
A necrose tecidual representa uma das complicações mais graves, geralmente decorrente da injeção acidental do produto em vasos sanguíneos. A obstrução da microcirculação leva à morte celular e requer tratamento urgente, podendo evoluir para cicatrizes extensas ou necessidade de reconstruções complexas (Salles et al., 2018).
No contexto infeccioso, o PMMA atua como substrato para a proliferação bacteriana, sendo resistente à fagocitose. Infecções locais, como abscessos e celulites, e até infecções sistêmicas, demandam antibioticoterapia prolongada ou cirurgia para remoção completa do material (Alves, 2019).
Reações alérgicas, embora raras, e manifestações autoimunes, como quadros que mimetizam lúpus ou artrite reumatoide, também estão descritas, exigindo investigação imunológica detalhada e acompanhamento multidisciplinar (Silva & Martins, 2023).
Do ponto de vista clínico, é fundamental diferenciar intercorrências transitórias — como eritema, dor leve e hematomas — de complicações reais, que alteram o curso terapêutico e podem comprometer a saúde do paciente a longo prazo (Vieira & Almeida, 2019). Além das implicações clínicas, há importante impacto psicossocial. Pacientes acometidos por deformidades estéticas em regiões íntimas relatam quadros de ansiedade, depressão, disfunção sexual e comprometimento da autoestima, o que exige suporte psicológico contínuo (WHO, 2022).
A título de comparação, o ácido hialurônico (AH) tem se mostrado uma alternativa mais segura. Trata-se de uma substância biocompatível, reabsorvível e com menores taxas de complicações, embora sua durabilidade seja inferior e o custo mais elevado (Silva & Martins, 2023).
Frente a esse cenário, torna-se indispensável reforçar a importância das boas práticas clínicas, da educação continuada dos profissionais e da atuação ativa das entidades reguladoras e conselhos profissionais. A tomada de decisão terapêutica deve priorizar a segurança e o bem-estar do paciente, respeitando os princípios da ética biomédica e as diretrizes das autoridades sanitárias.
3.2 Relato de caso
Trata-se de paciente do sexo masculino, com idade entre 50 e 60 anos, que procurou atendimento especializado na cidade de Piracicaba, em função de dor intensa durante o ato sexual (dispareunia), associada à perda progressiva da sensibilidade peniana e dificuldade para manter ereção satisfatória. O histórico clínico revelou a realização, há mais de 20 anos, de procedimento estético envolvendo a aplicação de polimetilmetacrilato (PMMA) na genitália externa, com o objetivo de promover aumento peniano. A intervenção foi realizada por profissional médico, em ambiente ambulatorial, sem documentação disponível referente ao volume ou técnica utilizados.
Durante o exame físico, observaram-se múltiplos nódulos subcutâneos endurecidos distribuídos ao longo do corpo peniano, além de sinais evidentes de fibrose tecidual, hipossensibilidade tátil e deformidade morfológica importante. Não foram identificadas lesões ulceradas ou sinais clínicos de infecção ativa no momento da avaliação. A hipótese diagnóstica foi de reação inflamatória crônica tardia ao PMMA, compatível com a formação de granulomas e fibrose secundária, agravada pela longa permanência do material no tecido.
Diante do quadro clínico, foram considerados encaminhamentos para abordagem cirúrgica com intuito de ressecção parcial do material, porém, após explanação dos riscos potenciais, incluindo a possibilidade de disfunção erétil permanente, alterações neurossensitivas e deformidades irreversíveis, o paciente optou por não realizar o procedimento invasivo, mantendo acompanhamento clínico e terapêutica conservadora sob vigilância periódica multidisciplinar.
4. DISCUSSÃO
A literatura científica tem reiteradamente alertado sobre os riscos associados ao uso do polimetilmetacrilato (PMMA) em procedimentos estéticos, especialmente em áreas de alta complexidade anatômica e funcional, como a genitália masculina. Trata-se de um material aloplástico permanente, composto por microesferas de acrílico suspensas em um gel carreador, cuja biocompatibilidade é limitada. A resposta tecidual ao PMMA pode variar de um estímulo colagênico controlado a reações de corpo estranho exacerbadas, com formação de granulomas, fibrose, necrose tecidual e infecções persistentes (Salles et al., 2018; Zuccolotto et al., 2021; Campanale et al., 2020).
O caso clínico apresentado neste estudo reforça a imprevisibilidade e a gravidade das complicações associadas ao uso do PMMA. Por se tratar de um material não absorvível, sua remoção é extremamente complexa e, em muitos casos, inviável sem comprometimento estrutural da região afetada. Mesmo após anos da aplicação, reações inflamatórias crônicas podem surgir, interferindo diretamente na função sexual, qualidade de vida e saúde mental do paciente (Cardoso & Lima, 2022; WHO, 2022).
Corroborando os achados clínicos, Alves (2019) descreve um caso de abscesso peniano em paciente submetido à bioplastia com PMMA, manifestado por dor intensa, edema e calor local. O tratamento envolveu drenagem cirúrgica e antibióticos, com retirada parcial das microesferas, resultando em preservação parcial da anatomia e função. Contudo, o desfecho ainda foi acompanhado por sequelas psicológicas e físicas.
Em uma revisão sistemática, Vieira e Almeida (2019) identificaram que uma em cada 20 aplicações de PMMA em regiões de alta mobilidade resultava em complicações graves. A literatura também destaca que, ao contrário do ácido hialurônico — biodegradável e reversível com o uso de hialuronidase —, o PMMA requer intervenções cirúrgicas de alta complexidade para sua remoção (Silva & Martins, 2023). Essa dificuldade torna as complicações mais severas, especialmente em áreas com intensa vascularização e sensibilidade como o pênis (Lu et al., 2018).
Estudos histopatológicos evidenciam que a presença prolongada do PMMA no tecido pode induzir inflamação crônica e alterações imunológicas locais, favorecendo disfunções eréteis, fibroses e dor neuropática (Stock et al., 2019; Jin et al., 2019). Além dos riscos físicos, o impacto emocional desses efeitos é substancial, com relatos de ansiedade, depressão, disfunção sexual e perda da autoestima em homens submetidos a esse tipo de intervenção (Wright & Kelly, 2017; WHO, 2022).
Outro aspecto ético relevante refere-se à aplicação do PMMA por profissionais não habilitados e em ambientes não regulamentados. A ausência de capacitação técnica, infraestrutura adequada e acompanhamento pós-procedimento agrava os riscos de complicações sérias. Mendes et al. (2023) evidenciam que a maioria dos eventos adversos relatados decorre de má prática profissional. Nesse contexto, o Conselho Federal de Medicina (CFM, 2025) reforça que a utilização de preenchedores permanentes para fins estéticos configura infração ética, recomendando o banimento do PMMA nesses contextos.
É fundamental, portanto, priorizar alternativas com maior respaldo científico e segurança, como os preenchedores absorvíveis. A escolha do material deve ser pautada por rigor técnico, indicação clínica precisa e compromisso com o bem-estar do paciente. A bioplastia peniana com PMMA, à luz das evidências atuais, deve ser desencorajada devido à alta taxa de complicações, à complexidade do manejo e aos impactos físicos, psicológicos e éticos associados.
Diversos estudos alertam que o PMMA, uma vez injetado, desencadeia uma resposta inflamatória mediada por macrófagos, células gigantes multinucleadas e fibroblastos. Essa resposta, inicialmente controlada, pode evoluir para uma fibrose desorganizada, encapsulamento do polímero e, em casos extremos, necrose do tecido local. Tais eventos são exacerbados quando o produto é aplicado em áreas com vascularização delicada ou em volumes excessivos (Rochman et al., 2013).
O PMMA também pode migrar do local da aplicação, sendo arrastado por planos de clivagem tecidual ou por ação gravitacional. Há registros de deslocamento das microesferas para regiões adjacentes, com formação de granulomas distantes do local inicial da aplicação. Esse fenômeno, ainda pouco compreendido, agrava o manejo clínico, pois amplia a área afetada e dificulta a remoção completa do material (Senathirajah et al., 2021).
Do ponto de vista imunológico, há indícios de que o PMMA possa atuar como agente imunogênico em pacientes predispostos, favorecendo a ativação de vias pró inflamatórias crônicas. Em alguns casos, observou-se o desenvolvimento de reações granulomatosas sistêmicas, com manifestações cutâneas e articulares semelhantes à sarcoidose. Esses achados reforçam que os efeitos do PMMA não se limitam ao local da aplicação e exigem monitoramento prolongado (Leslie et al., 2022).
A análise de amostras histológicas de pacientes com complicações revela alterações estruturais marcantes. São observadas áreas de necrose, presença de células inflamatórias crônicas e desorganização das fibras colágenas. Em alguns casos, o PMMA é identificado cercado por cápsulas fibrosas espessas e presença de tecido de granulação, indicando tentativa do organismo em isolar o corpo estranho (Lu et al., 2018; Zhang et al., 2023).
Do ponto de vista legal, o uso de PMMA em estética íntima masculina representa uma zona de vulnerabilidade jurídica, pois o produto não é aprovado pela ANVISA para tais finalidades. Quando utilizado fora das indicações, o profissional assume total responsabilidade legal por eventuais intercorrências. A judicialização de casos com sequelas irreversíveis tem aumentado nos últimos anos, com demandas por indenização e danos morais (CFM, 2025).
A escolha do PMMA como preenchedor muitas vezes está atrelada a fatores econômicos, como menor custo e efeito duradouro. No entanto, tais vantagens não compensam o potencial de complicações severas e o alto custo do tratamento das sequelas. O custo-benefício, nesse contexto, deve ser analisado sob uma ótica mais ampla, que inclua a segurança a longo prazo e a reversibilidade dos procedimentos estéticos (Wright & Kelly, 2017).
A educação médica continuada e o fortalecimento da vigilância sanitária são fundamentais para combater o uso indiscriminado do PMMA. Campanhas de conscientização, normas técnicas mais rígidas e auditorias periódicas em clínicas de estética podem contribuir para reduzir a incidência de complicações. Além disso, é urgente ampliar o diálogo interdisciplinar entre profissionais da medicina, psicologia e direito, visando uma abordagem mais segura e ética da estética íntima masculina.

O artigo “Extração Cirúrgica de PMMA em Pênis: Relato de Caso” (LOPES, E. et al. 2024), publicado na Revista FT, apresenta um relato de caso sobre a extração cirúrgica de PMMA injetado no pênis de um paciente de 36 anos. O paciente procurou atendimento por desconforto e alteração estética. A equipe médica realizou a remoção de aproximadamente 90g do material usando técnica microcirúrgica, sob anestesia raquidiana e em hospital-dia. O processo de recuperação incluiu cicatrização completa em 40 dias e retomada das atividades normais após seis meses. O caso reforça que, com técnica adequada e equipe especializada, é possível remover o PMMA com bons resultados funcionais e estéticos (Figuras 3 e 4).
Foi realizada uma incisão circular do prepúcio a 2 cm da glande, com descolamento delicado da pele, que foi rebatida para a base do pênis. Em seguida, foi feita a transfixação do bloco na região anterior (dorsal) do pênis com nylon 2-0 para facilitar a tração e dissecção. O mesmo procedimento foi realizado na região ventral até a remoção, em blocos, de todo o produto.

Ao todo, foram removidos 5 blocos de material de consistência macia e discretamente elástica, que em conjunto pesaram 90 gramas (Figura 5). Ato contínuo, o prepúcio foi suturado com cromado 5-0 em pontos separados. Os blocos foram enviados para exame anatomopatológico, cujo resultado foi: “Presença de materiais exógenos associados a granulomas de corpo estranho compatível com PMMA”.

O artigo “Aumento peniano com injeção de metacrilato: é seguro?” (TORRICELLI et al., 2013) descreve o caso de um homem de 36 anos que procurou atendimento médico com queixa de dor peniana e disfunção erétil. O paciente apresentava uma massa endurecida e irregular ao longo do eixo peniano, especialmente proeminente na porção ventral próxima à base do púbis. A história clínica revelou que, dois anos antes, ele havia se submetido à aplicação de metacrilato (PMMA) para fins estéticos de aumento peniano, realizada em uma clínica estética sem acompanhamento médico contínuo. Apesar de manter função urinária preservada e ausência de linfonodomegalia inguinal, referia dor durante as relações sexuais e dificuldade para manter ereções firmes e duradouras, sintomas sugestivos de compressão anatômica dos corpos cavernosos.
Ao exame físico, observou-se preservação da glande e da pele peniana, sem sinais de ulceração ou necrose. A avaliação por imagem, através de ressonância magnética, evidenciou extensa fibrose subcutânea, acometendo principalmente a face ventral do pênis. Houve compressão significativa dos corpos cavernosos e do corpo esponjoso, além do espessamento da fáscia de Buck — estrutura anatômica responsável pela sustentação e proteção vascular do pênis. A uretra, felizmente, não apresentava sinais de envolvimento ou estenose.
Diante dos achados clínicos e de imagem, optou-se pela intervenção cirúrgica para remoção da massa fibrosa, procedimento realizado sob anestesia espinhal. A técnica cirúrgica incluiu dissecção meticulosa da fáscia de Buck e do plano subcutâneo, com preservação do feixe neurovascular dorsal, visando minimizar riscos de disfunção erétil permanente e comprometimento sensitivo. O material retirado foi submetido à análise histopatológica, que confirmou a presença de fibrose dérmica associada a reação granulomatosa típica de corpo estranho, com visualização de material amorfo compatível com metacrilato.
O paciente apresentou evolução pós-operatória favorável, sem intercorrências infecciosas ou hematomas. Recebeu alta hospitalar no segundo dia e, após dois meses de acompanhamento, relatava melhora significativa dos sintomas, com retomada parcial da função sexual e satisfação com o aspecto estético do órgão genital. As imagens pós-operatórias (Figuras 6 a 10) demonstraram regressão da deformidade e ausência de recidiva da fibrose.
Esse caso é ilustrativo das possíveis consequências tardias do uso do PMMA em áreas com anatomia vascular e funcional delicada. A fibrose induzida pelo material e a reação granulomatosa de corpo estranho são fenômenos bem documentados na literatura, podendo comprometer de forma irreversível a integridade do tecido erétil (Deng et al., 2017; Zhang et al., 2023). Além disso, a compressão dos corpos cavernosos pode afetar diretamente a hemodinâmica peniana, resultando em disfunção erétil de origem orgânica.
Tais complicações ressaltam a necessidade de extrema cautela na indicação de materiais permanentes em procedimentos estéticos íntimos. A ausência de protocolos regulatórios específicos, somada à realização desses procedimentos fora do ambiente hospitalar, eleva substancialmente os riscos para o paciente (Campanale et al., 2020; Wright & Kelly, 2017). Mesmo com técnicas cirúrgicas avançadas, a reversão completa dos danos causados pelo PMMA nem sempre é possível, o que reforça o caráter irreversível e potencialmente mutilador do produto.
Do ponto de vista ético e médico-legal, este caso também destaca a importância do consentimento informado realista, com ênfase nos riscos de longo prazo. O paciente, muitas vezes atraído pela promessa de resultados estéticos rápidos e duradouros, pode não ser devidamente esclarecido sobre a natureza definitiva do produto, sua baixa biocompatibilidade e a ausência de antídotos ou métodos seguros de remoção. Em razão disso, sociedades médicas e órgãos reguladores têm reiterado a necessidade de restringir ou mesmo proibir o uso do PMMA para fins estéticos genitais (CFM, 2025; ANVISA, 2024).


Figura 10: Aparência do pênis dois meses após a cirurgia. Fonte: TORRICELLI, F. et al. Aumento peniano com injeção de metacrilato: é seguro, 2013.
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), diante do crescente número de complicações graves relacionadas ao uso do polimetilmetacrilato (PMMA), estabeleceu restrições severas quanto à sua aplicação, autorizando seu uso apenas para finalidades reparadoras específicas e em situações clinicamente justificadas, como correções de lipodistrofias em pacientes com HIV, reconstrução facial pós trauma ou cirurgias oncológicas (ANVISA, 2020). A proibição explícita da utilização estética visa mitigar os riscos associados às propriedades permanentes e à baixa reabsorção do produto, que dificultam intervenções corretivas diante de eventos adversos.
O Conselho Federal de Medicina (CFM) complementa esse posicionamento regulatório ao declarar que o uso do PMMA em procedimentos meramente estéticos configura má prática médica, passível de sanção ética e administrativa. Em nota técnica publicada em 2022, o CFM recomendou formalmente o banimento da comercialização e utilização do PMMA para fins cosméticos, fundamentando-se em dados epidemiológicos, revisões sistemáticas e registros de complicações médicas severas notificadas ao sistema nacional de vigilância sanitária (CFM, 2022).
Em contrapartida, o ácido hialurônico (AH) tem se consolidado como uma das principais alternativas seguras no campo da estética, especialmente em procedimentos íntimos. Sua biocompatibilidade, capacidade de integração tecidual, propriedades reabsorvíveis e possibilidade de reversão por meio de hialuronidase conferem maior previsibilidade clínica e menor risco de complicações a longo prazo (Wright & Kelly, 2017; Prata et al., 2020). No entanto, por ser um material degradável pelo organismo, exige reaplicações periódicas para manutenção dos resultados, o que eleva o custo do tratamento — uma das razões pelas quais muitos pacientes ainda optam por preenchedores permanentes, mesmo diante dos riscos.
Estudos comparativos têm demonstrado que o AH apresenta taxas significativamente mais baixas de efeitos adversos quando comparado ao PMMA. Segundo revisão de Leslie et al. (2022), os eventos relacionados ao AH são, em sua maioria, leves e autolimitados, incluindo edema, hematoma e dor local transitória. Já os casos de necrose tecidual, embolia ou infecção são raros e geralmente associados à técnica inadequada ou uso fora das indicações autorizadas.
A facilidade de manejo dos efeitos adversos do AH representa outro fator relevante para sua escolha clínica. A presença de enzimas como a hialuronidase, capazes de dissolver o produto em poucos dias, permite intervenções rápidas e eficazes diante de complicações, minimizando danos ao tecido e desconforto ao paciente (Lu et al., 2018). Tal característica é inexistente no PMMA, cujo caráter inerte e insolúvel impede qualquer ação farmacológica corretiva, exigindo, na maioria das vezes, abordagens cirúrgicas invasivas.
É importante, porém, que o uso do AH também siga critérios técnicos rigorosos, incluindo conhecimento anatômico detalhado da área tratada, escolha adequada do tipo de ácido hialurônico (densidade, reticulação), e técnicas de aplicação seguras. A falsa sensação de segurança que pode acompanhar o uso de preenchedores reabsorvíveis não deve justificar a banalização dos procedimentos estéticos, especialmente em regiões de complexidade funcional como a genitália masculina.
Portanto, as diretrizes da ANVISA e os posicionamentos do CFM refletem a preocupação crescente com a segurança dos procedimentos estéticos íntimos. Tais normativas reforçam a importância de escolhas baseadas em evidências científicas, priorizando a saúde e a integridade dos pacientes em detrimento de resultados imediatistas ou soluções de menor custo. O futuro da estética íntima depende da consolidação de práticas éticas, seguras e tecnicamente fundamentadas, com forte ênfase na educação continuada dos profissionais e na fiscalização dos produtos comercializados.
5. CONSIDERAÇÕES ÉTICAS E CONCLUSÃO
A prática da bioplastia peniana utilizando polimetilmetacrilato (PMMA) tem se mostrado não apenas controversa, mas também carregada de implicações éticas e legais. A negligência por parte de profissionais de saúde é um fator crítico nas intercorrências graves relacionadas ao uso desse preenchimento permanente. Tal negligência inclui não apenas a má execução técnica, mas também o desrespeito às normativas estabelecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) e pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), configurando falhas éticas, administrativas e legais de alta gravidade (Cardoso & Lima, 2022; CFM, 2025).
Entre os comportamentos mais frequentemente associados a essas falhas estão: o uso de substâncias sem registro sanitário, a aplicação do PMMA em regiões corporais proibidas — como a genitália masculina para fins estéticos —, a ausência de protocolos de assepsia rigorosos, a omissão de informações claras sobre os riscos ao paciente, e a incapacidade técnica para o manejo de complicações. Tais condutas infringem não apenas a legislação sanitária, mas violam diretamente os princípios bioéticos da não maleficência, autonomia do paciente e justiça, expondo o indivíduo a sequelas físicas, sexuais e psicológicas de difícil reversão (Ferreira & Souza, 2020).
A ética profissional exige mais do que a mera execução de técnicas. Exige consciência crítica, compromisso com o bem-estar do paciente e atualização contínua baseada em evidências científicas. O uso de materiais permanentes em procedimentos estéticos, sem respaldo da comunidade científica e em desrespeito às diretrizes regulatórias, compromete não apenas a saúde do paciente, mas também a credibilidade da prática biomédica e estética.
Este estudo contribui de forma relevante ao debate sobre os limites da atuação estética íntima e a necessidade de regulamentação rigorosa na área. Ao integrar um caso clínico real de complicação tardia com a literatura atualizada, ele revela um cenário alarmante, que exige não apenas revisão das práticas clínicas, mas também ações políticas e institucionais que fortaleçam a formação, a fiscalização e a responsabilização dos profissionais.
É imprescindível que os conselhos profissionais e instituições de ensino reforcem o papel da formação ética e humanizada, com enfoque na segurança, empatia e responsabilidade no atendimento ao paciente. O uso do PMMA, dada sua natureza não reabsorvível, deve ser restringido exclusivamente a contextos médicos reconstrutivos com respaldo científico, sendo terminantemente desencorajado em procedimentos eletivos de caráter estético.
Conclui-se, portanto, que a bioplastia peniana com PMMA representa um risco elevado à saúde pública, envolvendo potenciais danos físicos, funcionais, emocionais e sociais. A substituição por materiais reabsorvíveis, como o ácido hialurônico, associados a práticas baseadas em evidências e a uma abordagem multidisciplinar, são caminhos indispensáveis para assegurar uma estética ética, segura e centrada na dignidade humana.
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AGÊNCIA BRASIL. (2025). CFM pede à Anvisa banimento do PMMA para fins estéticos. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2025-01/cfm-pede-anvisa-banimento-do-uso-de-pmma-para-preenchimento-estetico. Acesso em: 04 maio 2025.
ALVES, L. S. (2019). Bioplastia do pênis – tratamento de abscesso peniano pós uso de PMMA. Urominas. Disponível em: https://urominas.com/wpcontent/uploads/2019/03/8-Bioplastia-do-Pe%CC%82nis-%E2%80%93-Tratamento de-abscesso-peniano-po%CC%81s-uso-de-PMMA.pdf. Acesso em: 04 maio 2025.
ANVISA. (2024). PMMA. Brasília: Ministério da Saúde. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/campanhas/estetica/pmma. Acesso em: 04 maio 2025.
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