COMPARAÇÃO DA QUALIDADE DO SONO DE ADULTOS PRATICANTES E NÃO PRATICANTES DE CROSS TRAINING: UM ESTUDO OBSERVACIONAL

COMPARISON OF SLEEP QUALITY IN ADULTS WHO PRACTICE AND DO NOT PRACTICE CROSS TRAINING: AN OBSERVATIONAL STUDY

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11044202


Júlio César de Carvalho Martins1; Eder Magnus Almeida Alves Filho1; Matheus Santos de Sousa Fernandes2; Leila Fernanda dos Santos1; Hortência Reis do Nascimento1; Isabela Reis do Nascimento3; Felipe J. Aidar1,3; Raphael Fabrício de Souza1,3


Introdução: A qualidade do sono é um aspecto crucial para o bem-estar físico e mental, sendo afetada por diversos fatores, incluindo a prática do exercício físico. Este estudo aborda os efeitos do cross training na qualidade do sono, destacando os impactos negativos da privação do sono e dos distúrbios do sono na saúde e na rotina diária, tendo em vista que o impacto específico do cross training na qualidade do sono ainda não foi explorado na literatura.

Objetivo: Comparar a qualidade do sono de adultos praticantes e não praticantes da modalidade cross training.

Métodos: Foi conduzido um estudo observacional transversal com abordagem quali-quantitativa, envolvendo 40 adultos, sendo 20 praticantes de cross training e 20 não praticantes. Utilizou-se o questionário PSQI para avaliar a qualidade do sono e o IPAQ para estimar o nível de atividade física. Para análise, o teste de Shapiro-Wilk verificou a normalidade dos dados, o teste de U-Mann Whitney foi realizado para comparar os grupos e o teste qui-quadrado para as variáveis categóricas. Foi adotado p<0,05.

Resultados: Os resultados indicaram que praticantes de cross training apresentaram melhor qualidade subjetiva do sono, duração do sono, eficiência do sono e menor uso de medicamentos para dormir em comparação com não praticantes. Embora não tenha observado significância nos outros componentes, a pontuação global do PSQI mostrou uma melhoria estatisticamente significativa na qualidade do sono dos praticantes.

Conclusão: Conclui-se que a modalidade cross training promove resultados positivos acerca da qualidade do sono dos seus praticantes.

Palavras-chave: exercício físico, cross training, qualidade do sono, adultos.

Original Article

Abstract

Introduction: Sleep quality is a crucial aspect of physical and mental well-being, being affected by several factors, including physical exercise. This study addresses the effects of cross training on sleep quality, highlighting the negative impacts of sleep deprivation and sleep disorders on health and daily routine, considering that the specific impact of cross training on sleep quality has not yet been determined. explored in the literature.

Objective: Compare the quality of sleep of adults who practice and do not practice cross training.

Methods: A cross-sectional observational study was conducted with a qualitative and quantitative approach, involving 40 adults, 20 of whom were cross training practitioners and 20 were non-practitioners. The PSQI questionnaire was used to assess sleep quality and the IPAQ to estimate the level of physical activity. For analysis, the Shapiro-Wilk test verified data normality, the U-Mann Whitney test was performed to compare the groups and the chi-square test was performed for categorical variables. p<0.05 was adopted.

Results: The results indicated that cross training practitioners had better subjective sleep quality, sleep duration, sleep efficiency and less use of sleeping medications compared to non-practitioners. Although no significance was observed in the other components, the overall PSQI score showed a statistically significant improvement in the quality of sleep of practitioners.

Conclusion: It is concluded that the cross training modality promotes positive results regarding the quality of sleep of its practitioners.

Keywords: physical exercise, cross training, sleep quality, adults.

Introdução

O sono apresenta-se como um dos temas mais relevantes na sociedade atual. Estudos relatam que a privação do sono provoca alterações metabólicas e inflamatórias no indivíduo, além de outros tipos de repercussões negativas(1). De maneira geral, o sono é um essencial processo fisiológico que promove diversos benefícios ao indivíduo, como o descanso físico e mental, bem-estar, recuperação da energia e restauração das funções do organismo(2,3).

Quanto à qualidade do sono, constitui-se como o nível de satisfação do indivíduo em relação à experiência do sono. A quantidade e continuidade do sono e a sensação de acordar restaurado são elementos que compõem a experiência do sono(4).

Segundo estudo de Drager et al.(5) publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que avaliou a qualidade do sono da população brasileira geral por meio de protocolo validado, observou-se que 65,5% dos indivíduos brasileiros apresentam má qualidade do sono atrelada a dificuldade para dormir (insônia), principalmente em adultos jovens do sexo feminino.

Os distúrbios do sono, como insônia, apneia obstrutiva do sono e sonolência diurna excessiva, resultam da desregulação entre fatores ambientais, comportamentais e fisiológicos do sono. Eles prejudicam a saúde e a rotina diária, aumentando a morbidade e os custos com saúde. A redução na quantidade e qualidade do sono está associada a síndromes metabólicas, hipertensão, diabetes, depressão, doença coronariana e maior mortalidade(1,6)

Um dos fatores que contribuem negativamente para a qualidade do sono são os baixos níveis de atividade física(7), sendo atribuído ao sedentarismo e comportamento sedentário que estão diretamente ligados à redução da qualidade de vida(8). A atividade física e/ou exercício físico, segundo estudos, são fortes combatentes da insônia e relacionam-se, de forma geral, com a melhora da qualidade do sono(7).

Além disso, a prática regular de exercícios, dependendo da FITT (frequência, intensidade, tempo e tipo de exercício), auxilia na diminuição do uso de substâncias farmacológicas, sendo caracterizado como uma terapia não farmacológica no aumento da qualidade do sono e diminuição da sonolência diurna excessiva(7).

Exercícios físicos regulares, especialmente de intensidade moderada a vigorosa, como o cross training, melhoram a qualidade do sono em adultos de meia-idade(9). O cross training envolve movimentos funcionais variados e intensos, intercalados por breves períodos de recuperação, combinando exercícios aeróbicos e de resistência. Essa prática promove o condicionamento físico através de Workouts of the Day (WOD), adaptados aos objetivos de cada indivíduo(10).

No entanto, por ser uma modalidade que tem ganhado maior espaço e visibilidade nos últimos anos, o cross training é pouco citada nos estudos que investigaram os efeitos do treinamento de alta intensidade sobre a qualidade do sono(2,10,11), especificamente, a relação da qualidade do sono e a prática da modalidade.

Nesse sentido, o presente estudo tem o objetivo de comparar o nível de qualidade do sono entre indivíduos praticantes e não praticantes de cross training. Foi levantada a hipótese de que o treinamento de Cross Training eleva a qualidade do sono dos praticantes da modalidade em comparação com indivíduos que apresentam baixos níveis de atividade física. 

Métodos

Desenho de estudo e amostra

Trata-se de um estudo observacional transversal com abordagem quali-quantitativa que objetivou comparar a qualidade do sono de indivíduos adultos praticantes e não praticantes de cross training no município de Lagarto/SE. O presente estudo foi realizado no box Alquimia Cross Training no período entre junho e julho de 2023.

Inicialmente, 58 indivíduos foram recrutados para compor o estudo (GCT, n = 22 participantes; GC, n = 36 participantes). A alta quantidade de participantes no GC ocorreu por motivos de seleção dos indivíduos com baixos níveis de atividade física, visto que alguns dos selecionados apresentaram divergências quanto a quantidade semanal de atividade física, na qual, impreterivelmente, o GC deveria apresentar uma quantidade semanal de atividade física menor em relação ao GCT. Assim, 16 foram excluídos por atingirem os níveis de atividade física recomendado pelo IPAQ. Em relação ao grupo GCT, 2 indivíduos foram considerados excluídos da pesquisa, pois não atingiram os níveis ideais de atividade física para os critérios de seleção do grupo. A amostra final foi composta por 40 participantes (GCT, n = 20; GC, n = 20), cujas características de frequência e duração semanal de atividade física são apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1. Classificação dos níveis de atividade física de ambos os grupos (GCT e GC) conforme os dados do IPAQ.

F: frequência (dias)

D: duração (minutos)

S: sedentário

I.A.: insuficientemente ativo

A: ativo

M. A.: muito ativo

Os participantes da pesquisa foram incluídos através dos seguintes critérios: 1) ter idade entre 20 a 45 anos; 2) participar espontaneamente da pesquisa assinando um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE); 3) responder aos questionários propostos (PSQI e IPAQ); 4) apresentar baixos níveis de atividade física (Grupo controle: insuficientemente ativo e/ou sedentário). 

Considerou-se excluído da pesquisa: 1) indivíduos que não estavam presentes no momento da aplicação do questionário; 2) indivíduos que divergiram dos critérios de inclusão estabelecidos.

Aspectos éticos

Todos os indivíduos da pesquisa assinaram o TCLE, antes das coletas dos dados e após serem informados quanto aos objetivos do estudo. O desenvolvimento da pesquisa garantiu a privacidade dos dados e informações dos participantes, conforme regulamenta a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde. 

Variáveis de estudo

O estudo baseou-se na utilização do questionário PSQI (Índice da Qualidade do Sono de Pittsburgh) para avaliar e classificar a qualidade do sono de ambos os grupos. Segundo Passos et al.(12), o PSQI constitui um instrumento autoaplicável que mensura os aspectos multidimensionais da qualidade do sono e os possíveis distúrbios no indivíduo adulto durante o último mês, propiciando uma ampla visão da gravidade do distúrbio. O questionário analisa sete competências relacionadas ao sono, dentre elas estão: qualidade subjetiva do sono, latência do sono, duração do sono, eficiência do sono, distúrbios do sono, uso de medicamentos ao dormir e sonolência diurna. Cada competência apresenta um escore que diverge de 0 a 3 pontos, podendo atingir até 21 pontos. Os indivíduos que pontuam acima de 5 pontos manifestam má qualidade do sono (0 – 4 = boa qualidade do sono; 5 – 10 = ruim qualidade do sono; > 10 = péssima qualidade do sono). 

Segundo João et al.(13), em cada componente são atribuídas pontuações pré-estabelecidas que foram listadas abaixo: 

  • Qualidade subjetiva do sono: muito bom (0), bom (1), ruim (2) e muito ruim (3); 
  • Latência do sono: 0 (0), 1-2 (1), 3-4 (2) e 5-6 (3); 
  • Duração do sono: >7 horas (0), 6-7 horas (1), 5-6 horas (2) e <5 horas (3); 
  • Eficiência do sono: >85% (0), 75-84% (1), 65-74% (2) e <65% (3); 
  • Distúrbios do sono: 0 (0), 1-9 (1), 10-18 (2) e 19-27 (3); 
  • Uso de medicação para dormir: nenhuma vez (0), menos de 1 vez/sem (1), 1-2 vezes/sem (2) e 3 vezes/sem ou mais (3); 
  • Sonolência diurna: 0 (0), 1-2 (1), 3-4 (2) e 5-7 (3).

Em relação aos níveis de atividade física dos participantes, utilizou-se o IPAQ com o objetivo de estimar do gasto energético semanal em atividades físicas que exigem esforço físico de intensidade leve, moderada e vigorosa, bem como distinguir os indivíduos ativos (GCT) e com baixos níveis de atividade física (GC). O questionário é propagado em duas versões: versão curta e versão longa(14). Para o estudo, foi usado a versão curta, visto a sua aceitabilidade por parte dos participantes(15).

Além disso, também foi realizada a avaliação antropométrica a fim de determinar os níveis de massa corporal, estatura e índice de massa corporal (IMC). Quanto aos instrumentos antropométricos, foi utilizado o estadiômetro standard da marca Sanny – ES2030 e balança digital antropométrica BK-200fan da marca Balmak.

Para a coleta de dados, foi realizada uma pré-seleção dos participantes com base nos critérios adotados para a pesquisa. A convocação dos participantes ocorreu em espaços públicos (grupo controle) e no box de Cross Training (grupo cross training) e, em seguida, foi apresentada a proposta do estudo. Uma vez selecionados, os participantes receberam o TCLE e, após assinatura, foram coletadas as medidas antropométricas, bem como responderam aos questionários de forma voluntária.

Procedimento experimental

Os indivíduos do GCT, durante 6 meses, no box Alquimia Cross Training, realizaram sessões de treinamento com frequência entre 3-5 vezes por semana. As sessões de treinamento duraram em torno de 50 minutos. Levando em consideração o dinamismo e as diversas variações de estímulos do treinamento de cross training(10), as sessões foram organizadas de forma diversificada com base no objetivo do dia, sendo dividida em parte inicial (aquecimento geral e específico; 10-20 minutos), parte principal (WOD; 10-30 minutos) e parte final (alongamento; 5-10 minutos).

Análise estatística

No tratamento estatístico, a distribuição dos dados foi verificada a partir do teste de Shapiro-Wilk. Os dados foram tabulados com uso do software Microsoft Excel 2019 e analisados através da estatística descritiva (média e desvio padrão), além da diferença percentual obtida entre os grupos GCT e GC. Foi adotado o teste de U-Mann Whitney na comparação dos grupos, tendo em vista a distribuição não normal dos componentes do PSQI. Para as variáveis categóricas (pontuação global), utilizou-se o teste qui-quadrado através do software Jamovi (versão 2.3). Para as devidas análises, foi adotado p<0,05. 

Resultados

A amostra deste estudo foi constituída por 40 participantes adultos de ambos os sexos conforme caracterizados na Tabela 2, sendo 20 considerados praticantes de Cross Training, regularmente matriculados e fisicamente ativos (11 masculinos e 9 femininos) e 20 não praticantes, considerados com baixos níveis de atividade física (9 masculinos e 11 femininos) a partir do Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ).

Tabela 2. Caracterização amostral dos grupos cross training e controle expressos em média e desvio padrão.

ParâmetrosGCT (n=20)GC (n=20)
Idade (anos)31,6 ± 5,6632,7 ± 7,47
Massa corporal (kg)Estatura (cm)IMC (kg/m2)72,4 ± 6,76172,5 ± 0,0724,3 ± 1,1677,5 ± 5,19170,9 ± 0,0626,6 ± 2,54

GCT: Grupo cross training

GC: Grupo controle

IMC: Índice de Massa Corporal

p: <0,05

Análise dos níveis de atividade física dos grupos GC e GCT conforme extraídos do IPAQ.

Dos participantes, 16 indivíduos do GC relataram, através do IPAQ, níveis insuficientes de atividade física (não atingem os critérios ideais de frequência e duração de esforço físico) e 4 alegaram não realizar nenhum tipo de atividade física (>10 minutos de atividade contínua) segundo mostra o Gráfico 1

Em relação ao GCT (Gráfico 2), 15 indivíduos mostram se ativos fisicamente (intensidade moderada = ≥ 5 dias semanais e ≥ 30 minutos dentro de cada sessão; intensidade vigorosa = ≥ 3 dias semanais e ≥ 20 minutos por sessão e/ou a soma das duas intensidades atingindo uma duração de 150 minutos semanais) e 5 relataram cumprir altos níveis de esforço físico (intensidade moderada e vigorosa = ≥ 5 dias semanais e ≥ 30 minutos por sessão + ≥ 3 dias semanais e ≥ 20 minutos por sessão, respectivamente; intensidade vigorosa = ≥ 5 dias semanais e ≥ 30 minutos por sessão)(16). Todos os indivíduos do GCT realizavam de 3 a 5 sessões de treinamento semanalmente, no entanto, pequena parte dos participantes também estavam envolvidos com outras modalidades de exercícios físicos, como a musculação (treinamento de força), esportes de combate (muay thai), esportes aquáticos (natação) e esportes de invasão (futebol e futsal). Alguns também relataram fazer caminhadas (para se deslocar ao trabalho, realizar tarefas domésticas e de lazer) de baixa intensidade semanalmente.

Gráfico 1. Níveis de atividade física do GC e GCT conforme os dados extraídos do IPAQ.

 p: <0,05

Análise dos 7 componentes avaliados no PSQI dos grupos GCT e GC

Para analisar os resultados obtidos no PSQI, os componentes qualidade subjetiva do sono, latência do sono, duração do sono, eficiência do sono, distúrbios do sono, uso de medicação para dormir, sonolência diurna foram avaliados de acordo com a classificação de cada grupo. 

Tendo em vista a distribuição dos dados, o teste de normalidade de Shapiro-Wilk apresentou distribuição não normal para o questionário de Pittsburgh (PSQI). Na comparação entre os grupos, utilizou-se o teste de U-Mann Whitney para as variáveis quantitativas (7 componentes).

As comparações que mostram significância estatística entre os grupos Cross Training e controle foram as pontuações da qualidade subjetiva do sono (p=0,001), duração do sono (p=0,001), eficiência do sono (p=0,001) e uso de medicação para dormir (p=0,024), na qual o GCT apresentou uma média de pontuação menor em comparação com o GC, caracterizando-o com melhor qualidade do sono nesses aspectos. Quanto aos componentes latência do sono (p=0,490), distúrbios do sono (p=0,447) e sonolência diurna (p=0,187), observa-se que não há nível de significância entre os grupos. A Figura 1 evidencia os resultados de cada componente.

Análise da pontuação global do PSQI dos grupos GCT e GC

Quanto a comparação da qualidade do sono total do PSQI (pontuação global), os grupos Cross Training e controle foram comparados segundo a classificação do questionário: 0 – Boa qualidade do sono (0-4 pontos); 1 – Ruim qualidade do sono (5-10 pontos); 2 – Péssima qualidade do sono (>10 pontos). Apesar do GCT apresentar uma qualidade do sono ruim quando comparado com o GC, nas outras competências (péssima e boa qualidade do sono), o GCT mostrou melhores resultados, apontando uma significância estatística (p=0,033). O Gráfico 2 expressa os resultados da pontuação global dos grupos.

Gráfico 2. Comparação da pontuação global (PSQI) dos grupos Cross Training e controle.

   p: <0,05

Figura 1. Comparação da qualidade subjetiva do sono (A), latência do sono (B), duração do sono (C), Eficiência do sono (D), distúrbios do sono (E), uso de medicação para dormir (F) e sonolência diurna (G) dos grupos cross training e controle (p<0,05).

Discussão

O presente estudo teve como objetivo comparar a qualidade do sono de indivíduos adultos praticantes e não praticantes da cross training, com a hipótese de que o sono é melhorado através da prática da modalidade quando comparado com não praticantes. 

O principal resultado deste estudo foi que a prática regular de cross training promove efeitos positivos na qualidade do sono, em especial, nas variáveis de qualidade subjetiva do sono, duração do sono, eficiência do sono, menor uso de medicamentos para dormir e pontuação global do questionário PSQI. Até onde entendemos, este é o primeiro estudo comparando a qualidade do sono entre praticantes e não praticantes de cross training, visto que a literatura tem-se atido a interação entre o sono e o diversos protocolos de treinamentos de alta intensidade(17,18).

Sendo assim, tais achados do presente estudo são evidenciados na revisão sistemática de Xie et al.(19), na qual foi observado que o exercício de alta intensidade apresenta uma correlação com a diminuição da insônia. No entanto, os autores discutem que, grande parte destes benefícios são adquiridos a partir do aspecto subjetivo da melhora do sono em comparação com a qualidade fisiológica, visto que os instrumentos de análise partem de escalas de subjetividade (por exemplo: PSQI = Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh; ISI = Índice de Gravidade da Insônia e ESS = Escala de Sonolência de Epworth).

Apesar das particularidades de cada instrumento, estudos mostram que o exercício intenso, ainda em sua forma aguda, atua na melhora da duração do sono REM (Rapid Eyes Movement), desencadeada por meio de um efeito antidepressivo do corpo, regulando o estresse psicofisiológico que, por sua vez, tende a aumentar a disposição para a realização das atividades básicas da vida diária e performance durante os treinamentos(17,20).

Corroborando com os resultados encontrados neste estudo, Jahrami et al.(21) observaram que protocolos de treinamento intervalado de alta intensidade (HIIT) melhorou a qualidade do sono de adultos submetidos a 8 semanas de treinamento. A média da pontuação global dos indivíduos apresentaram redução significativa após a intervenção (pré: 7,1±2,6; pós: 6,0±2,9). Resultados positivos também foram encontrados ao observar a diminuição do uso de medicamentos e aumento da eficiência do sono. 

Além disso, os dados do estudo de Lins-Filho et al.(22) mostraram que, após 12 semanas de intervenção com treinamento de alta intensidade, a eficiência do sono (diferença entre o tempo deitado e o tempo dormindo) aumentou em 9% quando comparado com o grupo controle, sendo observada uma alteração de baixa para normal no período de treinamento, fator que aumentou a pontuação geral do PSQI dos indivíduos submetidos a intervenção. 

Em relação à duração do sono, o grupo que realizou o exercício de alta intensidade apresentou um aumento de 51 minutos ao comparar o momento pré e pós intervenção com o grupo controle. Paralelamente ao aumento do tempo total de sono, também houve um aumento significativo do sono não REM (medido por polissonografia), especialmente da fase N3 (sono profundo), observando uma diferença de 30 minutos após intervenção, onde o grupo controle apresentou uma redução de 10 minutos(22).

Contudo, o estudo de Rubio-Arias et al.(23) mostrou efeitos controversos acerca do exercício na redução da insônia. Apesar do exercício físico melhorar a qualidade do sono em sua subjetividade através do PSQI, foi possível observar que os efeitos na diminuição da gravidade da insônia não foram significativos (medidos por meio do ISI), situação que não permitiu concluir a resultância do exercício na qualidade do sono.

Nesse contexto, mesmo que ainda existam divergências de achados, as presentes evidências mostram que o exercício intenso tem contribuído para resultados positivos quanto à subjetividade da qualidade do sono, principalmente nos componentes da eficiência do sono e duração do sono(21,22,24).

Pontos fortes e limitações do estudo

O ponto forte do presente estudo foi comparar a qualidade do sono de indivíduos praticantes da modalidade cross training em relação a indivíduos não praticantes, fator que traz uma perspectiva de originalidade do estudo, tendo em vista que, na literatura, foram encontrados apenas estudos que abordavam diferentes tipos de treinamento de alta intensidade na qualidade do sono, se restringindo, em sua maioria, ao HIIT e MICT (treinamento contínuo de intensidade moderada) que, apesar da semelhança com o cross training em termos de intensidade do exercício, suas metodologias de treinamento são diferentes. 

O estudo apresenta limitações, tais como: associar os resultados do presente estudo com outros tipos de treinamento, como o próprio HIIT e MICT, uma vez que não foram encontrados estudos com cross training e qualidade do sono comparando, especialmente, a subjetividade dos participantes. Portanto, sugere-se que estudos futuros comparem e analisem a qualidade do sono de praticantes de cross training em diferentes comunidades e populações, visando agrupar mais achados acerca da temática. 

Conclusão

A prática do cross training parece interferir positivamente nos componentes da qualidade subjetiva do sono, duração do sono, eficiência do sono, menor uso de medicamentos para dormir e qualidade geral do sono de indivíduos adultos com mais de 6 meses de experiência na modalidade. Portanto, este tipo de treinamento, em seu efeito crônico, pode ser utilizado visando melhorar a qualidade do sono dos praticantes, além de promover a percepção de qualidade de vida em um contexto geral.

Referências

1. Barros MB de A, Lima MG, Ceolim MF, Zancanella E, Cardoso TAM de O. Quality of sleep, health and well-being in a population-based study. Rev Saúde Pública. 2019;53:82. 

2. Jurado-Fasoli L, De-la-O A, Molina-Hidalgo C, Migueles JH, Castillo MJ, Amaro-Gahete FJ. Exercise training improves sleep quality: A randomized controlled trial. Eur J Clin Invest. 2020 Mar 1;50(3). 

3. Almeida IB. Qualidade do sono em mulheres praticantes de exercício físico. 2019. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Educação Física) – Universidade Tecnológica Federal do Paraná, Curitiba, 2019.

4. Wang F, Bíró É. Determinants of sleep quality in college students: A literature review. Vol. 17, Explore. Elsevier Inc.; 2021. p. 170–7. 

5. Drager LF, Pachito DV, Morihisa R, Carvalho P, Lobao A, Poyares D. Sleep quality in the Brazilian general population: A cross-sectional study. Sleep Epidemiology. 2022 Dec;2:100020. 

6. Kabel AM, Al Thumali AM, Aldowiala KA, Habib RD, Aljuaid SS, Alharthi HA. Sleep disorders in adolescents and young adults: Insights into types, relationship to obesity and high altitude and possible lines of management. Vol. 12, Diabetes and Metabolic Syndrome: Clinical Research and Reviews. Elsevier Ltd; 2018. p. 777–81. 

7. Moreno Reyes P, Muñoz Gutiérrez C, Pizarro Mena R, Jiménez Torres S. Effects of physical exercise on sleep quality, insomnia, and daytime sleepiness in the elderly. A literature review. Vol. 55, Revista Espanola de Geriatria y Gerontologia. Ediciones Doyma, S.L.; 2020. p. 42–9. 

8. Carreiro PB. Nível de atividade física, comportamento sedentário, qualidade de vida e parâmetros do sono em mulheres com incontinência urinária: um estudo transversal. 2020. Dissertação (Mestrado em Fisioterapia) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2020.

9. Tseng TH, Chen HC, Wang LY, Chien MY. Effects of exercise training on sleep quality and heart rate variability in middle-aged and older adults with poor sleep quality: A randomized controlled trial. Journal of Clinical Sleep Medicine. 2020 Sep 15;16(9):1483–92. 

10. Cardoso KC. Perfil epidemiológico dos praticantes de cross training/crossfit na cidade de Macapá-AP. 59 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Saúde) – Departamento de Pós-Graduação, Universidade Federal do Amapá, Macapá, 2020. Disponível em: http://repositorio.unifap.br:80/jspui/handle/123456789/823.

11. Feito Y, Heinrich KM, Butcher SJ, Carlos Poston WS. High-intensity functional training (Hift): Definition and research implications for improved fitness. Vol. 6, Sports. MDPI; 2018. 

12. Passos MHP, Silva HA, Pitangui ACR, Oliveira VMA, Lima AS, Araújo RC. Confiabilidade e validade da versão brasileira do Índice de Qualidade do Sono de Pittsburgh em adolescentes. J Pediatr (Rio J). 2017 Mar 1;93(2):200–6. 

13. Del Rio João KA, Becker NB, de Neves Jesus S, Isabel Santos Martins R. Validation of the Portuguese version of the Pittsburgh Sleep Quality Index (PSQI-PT). Psychiatry Res. 2017 Jan 1;247:225–9. 

14. Vespasiano BS, Dias R, Correa DA. A Utilização do Questionário Internacional de Atividade Física (IPAQ) como Ferramenta Diagnóstica do Nível de Aptidão Física: Uma Revisão no Brasil. Saúde em Revista [Internet]. 2012 Dec 31;12(32):49–54.

15. Matsudo S, Araujo T, Matsudo V, Andrade D. QUESTIONÁRIO INTERNACIONAL DE ATIVIDADE FÍSICA (IPAQ): Estudo de validade e reprodutibilidade no Brasil. Rev. Bras. Ativ. Fís. Saúde. 2012 Oct 15; 6(2):5-18.

16. Pardini R, Matsudo S, Araújo T, Matsudo V, Andrade E, Braggion G, et al. Validação do questionário internacional de nível de atividade física (IPAQ-versão 6): estudo piloto em adultos jovens brasileiros.Vol. 9, n. 3, Revista Brasileira de Ciência e Movimento, 2001. 

17. Min L, Wang D, You Y, Fu Y, Ma X. Effects of high-intensity interval training on sleep: A systematic review and meta-analysis. Vol. 18, International Journal of Environmental Research and Public Health. MDPI; 2021. 

18. Jiménez-García JD, Hita-Contreras F, de la Torre-Cruz MJ, Aibar-Almazán A, Achalandabaso-Ochoa A, Fábrega-Cuadros R, et al. Effects of hiit and miit suspension training programs on sleep quality and fatigue in older adults: Randomized controlled clinical trial. Int J Environ Res Public Health. 2021 Feb 1;18(3):1–12. 

19. Xie Y, Liu S, Chen XJ, Yu HH, Yang Y, Wang W. Effects of Exercise on Sleep Quality and Insomnia in Adults: A Systematic Review and Meta-Analysis of Randomized Controlled Trials. Vol. 12, Frontiers in Psychiatry. Frontiers Media S.A.; 2021. 

20. São José SP. PERFIL DE SONO APÓS A REALIZAÇÃO DE EXERCÍCIO FÍSICO CONTÍNUO E EXERCÍCIO FÍSICO INTERVALADO (Trabalho de conclusão de curso). Universidade Federal de São Paulo, 2014. 

21. Jahrami H, BaHammam AS, Stubbs B, Sabah A, Saif Z, Bragazzi NL, et al. Eight-week high-intensity interval training is associated with improved sleep quality and cardiorespiratory fitness in patients with depressive disorders. Sleep and Breathing. 2022 Mar 1;26(1):397–406. 

22. Lins-Filho O, Germano-Soares AH, Aguiar JLP, de Almedia JR V., Felinto EC, Lyra MJ, et al. Effect of high-intensity interval training on obstructive sleep apnea severity: A randomized controlled trial. Sleep Med. 2023 Dec 1;112:316–21. 

23. Rubio-Arias J, Marín-Cascales E, Ramos-Campo DJ, Hernandez A V., Pérez-López FR. Effect of exercise on sleep quality and insomnia in middle-aged women: A systematic review and meta-analysis of randomized controlled trials. Vol. 100, Maturitas. Elsevier Ireland Ltd; 2017. p. 49–56. 24. Wang Y, Jia N, Zhou Y, Fu L, Fan L, Li B. A comparison of the effects of remote coaching HIIT training and combined exercise training on the physical and mental health of university students. Front Psychol. 2023;14.


Raphael Fabrício de Souza: Doutor em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento, Centro de Ciências Médicas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Pernambuco, Brasil. raphaelctba20@gmail.com
Contato dos autores: juliocsrcontatos@gmail.com, edermagnus@gmail.com, matheus.sfernandes@ufpe.br, santosf.leila@gmail.com, hortenciarr@hotmail.com, isabela.reis27@gmail.com, fjaidar@gmail.com, raphaelctba20@hotmail.com.
1Programa de Pós-graduação em Educação Física, Universidade Federal de Sergipe, São Cristóvão, Sergipe, Brasil.
2Programa de Pós-graduação em Neuropsiquiatria e Ciências do Comportamento, Centro de Ciências Médicas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, Pernambuco, Brasil.
3Group of Studies and Research of Performance, Sport, Health and Paralympic Sports—GEPEPS, Federal University of Sergipe (UFS), São Cristovão, Brazil.