REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7984933
José Murilo Pereira da Silva1
Lídia Maria Lourenço Costa Barbetta2
RESUMO
Introdução: A Diabetes Mellitus, doença definida pelo aumento da glicose no sangue, afeta mais de 8% da população brasileira, segundo a última pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde. De acordo com a literatura médica, pacientes diabéticos têm alto risco de desenvolver problemas bucais por conta do descontrole da glicemia e interferência na produção salivar estando, assim, mais suscetíveis a infecções. Objetivo: O presente trabalho consiste em uma revisão integrativa, no qual tem como objetivo discorrer acerca da cirurgia oral em pacientes diabéticos, mediante considerações sobre o exame clínico e a avaliação do risco cirúrgico nessa parcela da população e das principais condutas cirúrgicas realizadas em consultório, no intuito de ampliar os conhecimentos dos estudantes e profissionais da área. Métodos: Tratou-se de uma revisão de literatura do tipo integrativa, tendo sido realizada uma pesquisa dos tipos básica, qualitativa, exploratória e bibliográfica a partir das bases de dados eletrônicos: Pubmed, MedlinePlus, Scientific Electronic Library Online (Scielo) e Google acadêmico. Resultados: A Diabetes Mellitus aumenta o nível de glicose salivar e crevicular, o que pode influenciar, alterando a microflora oral, provocando aumento no desenvolvimento de cáries e periodontites. Diante disso, o paciente com diabetes mal controlado, de longa data e idade avançada, tende a ter aumento do risco de acúmulo da placa e cálculo, podendo ocasionar uma Doença Periodontal mais severa. Conclusões: Em suma, foi possível concluir que o CD deve conhecer as alterações bucais e sistêmicas dos pacientes diabéticos. Para isso, é necessário que haja diálogo mais efetivo entre odontologia e medicina.
Palavras-chave: Cirurgia bucal; Diabetes Mellitus; saúde bucal.
ABSTRACT
Introduction: Diabetes Mellitus, a disease defined by increased blood glucose, affects more than 8% of the Brazilian population, according to the latest survey carried out by the Ministry of Health. According to the medical literature, diabetic patients are at high risk of developing oral problems due to uncontrolled glycemia and interference in salivary production, thus being more susceptible to infections. Objective: The present work consists of an integrative review, in which it aims to discuss oral surgery in diabetic patients, through considerations about the clinical examination and the assessment of surgical risk in this part of the population and the main surgical procedures performed in the office, in order to expand the knowledge of students and professionals in the area. Methods: This was an integrative literature review, with basic, qualitative, exploratory and bibliographical research being carried out using electronic databases: Pubmed, MedlinePlus, Scientific Electronic Library Online (Scielo) and Google Scholar. Results: Diabetes Mellitus increases the level of salivary and crevicular glucose, which can influence, altering the oral microflora, causing an increase in the development of caries and periodontitis. Therefore, the patient with poorly controlled diabetes, of long standing and advanced age, tends to have an increased risk of accumulation of plaque and calculus, which may lead to a more severe Periodontal Disease. Conclusions: In short, it was possible to conclude that the DS must be aware of the oral and systemic alterations of diabetic patients. For this, it is necessary to have a more effective dialogue between dentistry and medicine.
Keywords: Oral surgery; Diabetes Mellitus; oral health.
INTRODUÇÃO
A Diabetes Mellitus (DM), doença definida pelo aumento da glicose no sangue, afeta mais de 8% da população brasileira, segundo a última pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde. De acordo com a literatura médica, pacientes diabéticos têm alto risco de desenvolver problemas bucais por conta do descontrole da glicemia e interferência na produção salivar estando, assim, mais suscetíveis a infecções (VARGAS, 2012).
No início, a DM geralmente não apresenta sintomas ou dor, mas há certos sinais que acendem uma luz de alerta e que podem estar relacionados com a saúde bucal. O aparecimento de secura na boca, aftas e cáries são os sintomas mais comuns, sem falar no comprometimento do sabor, cicatrização tardia e infecções por fungos (YAMASHITA et al., 2013).
Os problemas mais comuns entre os diabéticos são a gengivite e a periodontite, estágio mais avançado da inflamação na gengiva, inclusive com perdas ósseas, além de distúrbios de cicatrização e alterações fisiológicas que reduzem a capacidade imunológica aumentando a probabilidade de infecções (VARGAS, 2012).
Os tecidos periodontais são as estruturas bucais mais afetadas pela DM, sendo que a Doença Periodontal (DP) é considerada pela Organização Mundial de Saúde como a sexta complicação crônica do distúrbio metabólico. A mesma encontra-se presente em cerca de 75% dos casos e pode ser vista como uma complicação microvascular da DM. Quanto mais cedo ocorre o aparecimento da DM e quanto maior a duração da doença não controlada, o portador será mais suscetível a desenvolver a DP. Por isso, uma história aprofundada quanto ao aparecimento, duração e controle da patologia é importante para o manejo clínico desses pacientes (TERRA; GOULART; BAVARESCO, 2011).
Os pacientes diabéticos precisam de cuidados especiais no consultório odontológico. O dentista deve fazer um questionário para obter informações acerca do controle da doença, uso de medicamentos, alimentação e, o mais importante, saber a taxa de glicemia, e só iniciar um tratamento se o nível de glicose estiver dentro do recomendado. Os cuidados com pacientes diabéticos na odontologia envolvem ainda a escolha do anestésico, requisição de exames e orientações sobre as melhores técnicas de higiene bucal (CARNEIRO NETO et al., 2012).
Portanto, para pacientes diabéticos, é crucial que se trabalhe com educação em saúde e que sejam utilizados todos os profissionais da saúde, havendo, assim, uma contínua avaliação da efetividade e da qualidade do tratamento desses pacientes (TERRA; GOULART; BAVARESCO, 2011).
O presente trabalho consistiu em uma revisão integrativa, no qual teve como objetivo discorrer acerca da cirurgia oral em pacientes diabéticos, mediante considerações sobre o exame clínico e a avaliação do risco cirúrgico nessa parcela da população e das principais condutas cirúrgicas realizadas em consultório, no intuito de ampliar os conhecimentos dos estudantes e profissionais da área.
METODOLOGIA
Trata-se de uma revisão de literatura do tipo integrativa, tendo sido realizada uma pesquisa dos tipos básica, qualitativa, exploratória e bibliográfica, aprovando, assim, o envolvimento da literatura teórica e empírica, além de estudos experimentais e não experimentais, no intuito de se obter um intenso entendimento sobre o tema abordado. Este método tem como finalidade realizar a síntese e análise dos dados presentes na literatura para desenvolver uma explicação mais abrangente de um fenômeno específico, com propósitos teóricos ou de intervenção (PEREIRA et al., 2018).
A coleta de dados ocorreu no período de dezembro de 2022 a fevereiro de 2023. Para isso, foi realizada a busca de artigos com os seguintes descritores do DECs: Cirurgia Bucal, Diabetes Mellitus e Saúde Bucal. Foram incluídos na pesquisa: artigos originais; trabalhos de campo e laboratoriais; monografias, dissertações e teses; livros e sites. Estes, foram inicialmente selecionados a partir das bases de dados eletrônicos: Pubmed, MedlinePlus, Scientific Electronic Library Online (Scielo) e Google acadêmico.
Os trabalhos obtidos por meios das estratégias de busca foram avaliados e classificados em elegíveis, estudos pertinentes e possíveis de serem inclusos na revisão, e não-elegíveis, estudos sem pertinência, não possíveis de inclusão.
Dentre os critérios observados para a escolha dos mesmos, foram considerados os seguintes aspectos: disponibilidade do texto integral do estudo e clareza no detalhamento metodológico utilizado. Como critérios de inclusão, foram selecionadas as pesquisas classificadas como elegíveis, escritas em inglês, espanhol ou português; disponibilidade na íntegra nas bases de dados utilizadas na pesquisa; e, trabalhos publicados no período de 2003-2023. Foram excluídas as pesquisas que não apresentaram relevância clínica sobre o tema abordado e aquelas que não se enquadraram nos critérios de inclusão.
REVISÃO DE LITERATURA
Diabetes Mellitus
A principal característica da DM se dá pela falta de eficiência na produção ou utilização não adequada de insulina pelo organismo, alterando o metabolismo de proteínas, carboidratos e gordura, resultando em severas desordens metabólicas, refletindo como resultado dessa anormalidade, sua principal característica: a hiperglicemia (COSTA, 2004).
A insulina é considerada um hormônio de grande importância, visto que, desenvolve um papel significativo na regulação do metabolismo de carboidratos; no armazenamento de glicogênio; na síntese de ácidos graxos, DNA, RNA e proteínas; e, no transporte de aminoácidos. É também delegado a ela, a responsabilidade por transportar a glicose que se encontra no sangue para o interior das células, para ser processada em ATP e fornecer a energia e o calor necessário para o bom funcionamento do organismo. A mesma é produzida pelas células das “Ilhotas de Langherans”, a porção endócrina do pâncreas. As ilhotas são agrupamentos celulares distintos, dos quais a maioria é de células beta (β), responsáveis pela síntese e secreção de insulina, estimuladas pela concentração de glicose no sangue (COSTA, 2004).
A DM é classificada em: tipo I ou insulino dependente (IDDM) e tipo II ou não dependente de insulina (NIDDM). A manifestação do tipo I, geralmente ocorre na infância ou adolescência e resulta em severa ou absoluta carência de insulina. A clínica da doença é caracterizada, principalmente, pela fome e sede exacerbadas, poliúria, súbita perda de peso, fadiga e grande tendência à cetose (BVS/MS, s. d.).
A DM tipo I ocorre uma destruição progressiva das células β, levando, consequentemente, a uma diminuição na produção de insulina. Há um ataque das células β por células Th, linfócitos T citotóxicos (CTL) autor reativos e conjunto de anticorpos contra essas células e seus componentes, assim como seus produtos: insulina e ácido glutâmico (SANTANA, 2002).
O processo de destruição destas células, como seu desencadeamento, ainda não foi esclarecido, mas há fortes evidências correlacionadas entre fatores genéticos. Porém, a tendência genética não garante o desenvolvimento da DM tipo I, apenas predispõe. Outros fatores também podem estar relacionados com o desencadeamento da doença como: o meio ambiente, através de fatores alimentares específicos, hábitos alimentares, poluição e qualidade de vida; o mecanismo de mimetismo molecular utilizado por alguns vírus e fatores epigenéticos (SANTANA, 2002).
A manifestação da DM tipo II ocorre geralmente na fase adulta, resultando em deficiências dos receptores ou das moléculas de insulina, provocando relativa insensibilidade ao hormônio, entretanto, a produção de insulina pode se tornar diminuída com o avanço da doença. O início dos sintomas é geralmente gradual e os pacientes estão frequentemente menos dispostos a cetose, caracterizando-se por hábitos alimentares inadequados e obesidade frequente, que são possíveis causas apontadas por vários autores, embora a etiologia ainda permaneça desconhecida (BVS/MS, s. d.).
Pessoas diabéticas estão mais propensas à aquisição de infecções bacterianas e oportunistas, as quais provavelmente estão associadas a uma desordem circulatória generalizada por causa de danos aos vasos sanguíneos ocorridos pelo acúmulo de ateromas na parede do lúmen dos mesmos (BRUNNETTE, 2004).
O excesso de glicoproteínas anômalas resultantes de um processo de glicação não enzimático irreversível (Advanced Glycation Endproducts – AGEs), que se acumula nas paredes de artérias, veias e capilares, provoca um aumento na espessura das mesmas, o qual associado com a redução do catabolismo de colágeno, aparentemente diminuem a absorção de nutrientes e oxigênio pelos tecidos gengivais e leva ao acúmulo de metabólitos. Em adição, há prejuízo da resposta leucocitária, isso leva a uma redução da habilidade microbicida de leucócitos polimorfonucleares e falência na entrega de componentes do sistema imune humoral e celular. Há uma depressão da quimiotaxia de leucócitos no sangue periférico, assim como defeitos na fagocitose e morte bacteriana, aumentando a suscetibilidade dos pacientes (BRUNNETTE, 2004).
A DM aumenta o nível de glicose salivar e crevicular, o que pode influenciar, alterando a microflora oral, provocando aumento no desenvolvimento de cáries e periodontites. Diante disso, o paciente com diabetes mal controlado, de longa data e idade avançada, tende a ter aumento do risco de acúmulo da placa e cálculo, podendo ocasionar uma DP mais severa, com aceleramento na reabsorção do osso alveolar, maior facilidade da ruptura do ligamento periodontal e aumento na incidência de formação de bolsas periodontais, que se apresentam mais profundas e mais frequentes (BRUNNETTE, 2004).
Cirurgia oral em pacientes diabéticos
Exame clínico e avaliação do risco cirúrgico no paciente diabético
A DM como uma doença sistêmica na qual influencia todo o organismo, incluindo a cavidade bucal. Diante disso, é imprescindível que o Cirurgião Dentista (CD) saiba identificar esta patologia por meio das suas manifestações bucais podendo, por meio da suspeita, efetuar testes clínicos como também solicitar exames laboratoriais, para de fato atribuir a real condição do paciente e aplicar o protocolo de atendimento necessário. As manifestações clínicas e a sintomatologia bucal podem ocorrer de acordo com o estágio da doença, o qual depende do controle do tratamento, do tempo decorrido e do tipo de alteração hiperglicêmica (LABOLITA et al., 2020).
O cuidado com o paciente exige muito mais que conhecimento e habilidade técnica, são também indispensáveis o interesse para com o paciente como ser humano e uma compreensão de seus sentimentos e necessidades emocionais. Desse modo, previamente à realização de qualquer procedimento odontológico, é imprescindível a avaliação do estado de saúde do paciente. Uma adequada e correta avaliação pré-operatória evita cerca de 90% das situações de emergência em consultórios odontológicos (BARROS, s. d.).
Na primeira consulta, o CD deve realizar uma anamnese bem detalhada para obter informações a respeito do grau de controle da doença, a ocorrência de hipoglicemia, a história de hospitalização e se o paciente tem um acompanhamento médico assíduo. Caso tenha, é de suma importância que haja a troca de informações sobre ele, se houve alguma complicação sistêmica recente, como retinopatias, pé diabético e feridas mal cicatrizadas, e de como o paciente está sendo tratado. Também devem ser pesquisados quadros infecciosos, uso de antibióticos e de outros medicamentos para complicações relacionadas à referida doença. Deve ser realizada a aferição da pressão arterial, frequência cardíaca e respiratória, de modo que, caso haja alterações, cabe ao mesmo investigar e, se necessário, referenciar ao médico especialista (OLIVEIRA et al., 2016).
Partindo para o exame físico extra e intrabucal, o CD deve estar atento as seguintes manifestações bucais: gengivite, periodontites, disfunção das glândulas salivares, xerostomia, suscetibilidade para infecções bucais, síndrome da ardência bucal, alterações no paladar e halitose (ROCHA; COSTA; RODRIGUES, 2022).
As condutas preventivas em pacientes com DM são essenciais, principalmente, tendo em vista o aumento do risco de DP em pacientes diabéticos. Torna-se necessário, portanto, incluir na conduta clínica uma criteriosa avaliação da saúde do periodonto, além de profilaxias frequentes, em associação a orientações de higiene oral, bem como aferir a pressão e pulsação antes e após a consulta. Embora existam vários estudos que apontam esta relação entre a DP e a DM, ainda há um desconhecimento por parte dos indivíduos doentes a respeito da importância de manter a saúde bucal. Alguns estudos apontam que pacientes diabéticos, em comparação a indivíduos saudáveis, têm maiores riscos de desenvolvimento de doenças periodontais, comumente apresentando reabsorção óssea alveolar, inflamação gengival e abscessos do periodonto (OLIVEIRA et al., 2016).
Vários mecanismos estão envolvidos na fisiopatogenia da DP associada à DM. A susceptibilidade e evolução da infecção dos tecidos de proteção e sustentação dos dentes estão relacionadas com o descontrole metabólico, produtos de glicosilação avançados formados a partir da ligação da glicose a proteínas estruturais, deficiente resposta imune, diminuição da quimiotaxia de neutrófilos, função reduzida dos fibroblastos, alterações dos vasos sanguíneos, tecido conjuntivo, composição salivar e genéticas, como herança de determinados antígenos de histocompatibilidade (TERRA; GOULART; BAVARESCO, 2011).
Para a realização de uma consulta adequada o paciente deve estar com seu metabolismo estável, sob um acompanhamento médico e com uma boa resposta terapêutica. Descompensações metabólicas podem gerar complicações durante o procedimento, no qual torna-se necessário o adiamento da seção até que o quadro se estabilize, para retornar com o tratamento. A ansiedade e o medo do paciente devem ser examinados e controlados, uma vez que, podem levá-lo a uma hiperglicemia, visto que, a adrenalina liberada promove um aumento da glicemia (LABOLITA et al., 2020).
É de fundamental importância que o CD tome uma série de medidas para que não haja nenhuma complicação durante e após o tratamento odontológico. O melhor horário para o atendimento é pela manhã, onde a insulina atinge seu máximo de secreção. Consultas longas devem ser evitadas, visto que, podem ser estressantes e causar ansiedade. Nesse caso, a orientação é que se o paciente apresentar sintomas de hipoglicemia, o procedimento deverá ser interrompido e oferecer um alimento leve ao mesmo com intuito de reverter o quadro. A checagem da glicemia capilar deve ser realizada antes, durante e após o procedimento. A manipulação dos tecidos deve ser em menor tempo para ter um processo de cicatrização mais rápida (BRANDÃO; SILVA; PENTEADO, 2011).
Em contrapartida, ao realizar um atendimento ao paciente portador da DM não diagnosticada, o CD deve estar atento aos sinais e sintomas apresentados pelo paciente, a exemplo, a polifagia e perda de peso, sugestivos de DM tipo 1, e hipertensão e obesidade, que podem sugerir DM tipo 2. O mesmo também deve fazer uma análise minuciosa da cavidade oral durante o exame intraoral e estar atento em relação a saúde periodontal deste paciente, visto que, sinais como sangramento gengival, presença de biofilme e/ou cálculo dental, profundidade de sondagem, lesão de furca, hálito cetônico, mobilidade dental podem ser indícios da presença da DM, uma vez que, apresenta relação bidirecional com a DP (SOUSA; LEITE; YAMASHITA, 2022).
A realização de exames laboratoriais é muito importante para conhecer as reais necessidades do paciente, tanto com finalidade de realizar o diagnóstico em caso de suspeita ou detecção de sinais e sintomas da DM, quanto para avaliar se o paciente que já é portador da doença está compensado e pode se submeter ao tratamento. À vista disso, os exames que devem ser solicitados em relação à diabetes são a glicemia em jejum e a hemoglobina glicada. O exame da glicemia em jejum é realizado por meio de amostras de sangue colhidas após um jejum de 8 a 12h, e tem o intuito de analisar os níveis de glicose no sangue, que em estado de normalidade o valor deve ser entre 70mg/dL e 100 mg/Dl (COSTA et al., 2016).
A Hemoglobina Glicada (HbA1c) deve ser solicitada a pacientes que já são portadores da doença, sendo realizada por meio de uma amostra sanguínea e tem como finalidade oferecer os níveis de glicemia dos últimos 3 meses. Esse exame é relevante, visto que, a aferição da glicemia capilar, que é feita por meio de um glicosímetro no dia da consulta, pode ter um resultado bom devido à hábitos saudáveis nos dias próximos ao atendimento, de modo a mascarar o real estado de saúde do paciente nos últimos meses, que é observado apenas no teste HbA1c (COSTA et al., 2016).
O exame radiográfico panorâmico anual é essencial para a detecção desses focos infecciosos, bem como radiografias periapicais quando se suspeitar de lesões periapicais, necrose pulpar e focos isolados de infecção. No caso de pacientes suspeitos com diagnóstico confirmado através dos exames laboratoriais, encaminhar para o endocrinologista (CARNEIRO NETO et al., 2012).
Após realizar uma anamnese dirigida e exames clínicos e laboratoriais, o CD deve avaliar se o paciente está compensado ou descompensado em relação ao controle glicêmico. O paciente diabético bem controlado pode ser tratado de forma similar ao não diabético na maioria dos procedimentos odontológicos. Em contrapartida, os pacientes descompensados, devem ser classificados quanto ao grau de risco, que leva em consideração os valores dos exames laboratoriais e presença ou ausência de sintomas (ROCHA; COSTA; RODRIGUES, 2022).
A avaliação clínica criteriosa permite ao profissional avaliar o estado físico e emocional do paciente e estabelecer o risco médico. De acordo com a American Society of Anesthesiologists (ASA), o estado físico é classificado em: ASA I, paciente normal e saudável; ASA II, paciente com doença sistêmica leve; ASA III, paciente com doença sistêmica severa que limita atividade; ASA IV, paciente com doença sistêmica severa que é uma constante ameaça à vida (BARROS, s. d.).
O ASA II, também conhecido como de pequeno risco, é classificado da seguinte forma: possui bom controle metabólico; é assintomático, apresenta ausência de história de crises hiper ou hipoglicemias e a Glicemia < 150mg/dl e HbA1c de 7%. Nos procedimentos eletivos são necessárias pequenas modificações no plano de tratamento. Já nos não eletivos, tem a troca de informação com o médico, sedação mínima e menor volume de solução anestésica (SOUSA et al., 2003).
O ASA III, também conhecido como de médio risco, é classificado da seguinte maneira: apresenta controle metabólico razoável; sintomas ocasionais; sem história de crises hiper ou hipoglicemias; e Glicemia < 250mg/dl e HbA1c entre 7% e 9%. Os procedimentos eletivos são permitidos, mas com possível uso de sedação mínima. Já os não eletivos, são realizados apenas cirurgia de pequeno porte. Possui troca de informação com o médico, sedação mínima e menor volume de solução anestésica, sendo necessário o ajuste da insulina (SOUSA et al., 2003).
E, por fim, o ASA IV, também conhecido como de alto risco, é classificado como: apresenta controle metabólico deficiente, é sintomático, possui frequentes crises hiper ou hipoglicemias e diversas complicações. A Glicemia > 250mg/dl e HbA1c acima de 9%. Os procedimentos eletivos não são permitidos. Deve postergar o tratamento até as condições metabólicas se enquadrarem em ASA III. Já os não eletivos, os tratamentos de urgência e paliativo devem ser realizados em ambiente hospitalar (ANDRADE, 2006).
A profilaxia antibiótica em pacientes diabéticos compensados não está indicada, bastando somente adotar um protocolo de assepsia e antissepsia local. No entanto, em pacientes diabéticos descompensados que apresentam cetoacidose e cetonúria (ASA IV), deve ser considerada a necessidade da antibioticoprofilaxia nos procedimentos não eletivos, bem como em pacientes que apresentam infecções bucais. Essa necessidade é devido à diminuição da capacidade imunológica do indivíduo, fato que aumenta o risco de infecção, condição caracterizada, principalmente, pela menor quimiotaxia dos leucócitos e pela atividade fagocitária e bactericida. Com a recomendação devida, a profilaxia antibiótica deve ser indicada em dose única, 2g de amoxicilina 1h antes do atendimento, e para os alérgicos à penicilina, 500 mg de claritromicina ou 600mg de clindamicina, 1h antes (ANDRADE, 2006).
No que diz respeito aos anti-inflamatórios não esteroides (AINES) e analgésicos, alguns cuidados devem ser tomados para evitar interações medicamentosas. A dipirona, por exemplo, é um discreto hiperglicemiante e, por isso, deve ser prescrita com precaução; sendo assim, o paracetamol o analgésico mais seguro (SOUSA et al., 2003).
Outro fator importante é que os hipoglicemiantes orais, medicamentos para o tratamento da DM, podem ter sua ação potencializada pelos AINES, dessa forma, se for indicado o uso destes em diabéticos, o CD deve trocar informações com o médico que acompanha o paciente. É preferível que o CD prescreva anti-inflamatórios esteroidais, como betametasona e dexametasona, 4 a 8mg, dose única, em pacientes com a doença compensada (ANDRADE, 2006).
A escolha do anestésico local é fundamental para o tratamento do paciente diabético. Os vasoconstritores contendo aminas simpatomiméticas (epinefrina, norepinefrina), normalmente associados aos anestésicos locais, podem causar a inibição na secreção de insulina e provocar aumento dos níveis glicêmicos, levando a complicações nos pacientes descompensados (FIALHO; ARAUJO, M.; ARAUJO, P., 2012).
Portanto, em caso de descompensação do DM, é importante reduzir o uso de vasoconstritores adrenérgicos relacionados ao anestésico local. Em caso de uma contraindicação formal ao uso de vasoconstritores adrenérgicos, a felipressina é uma opção a ser empregada. Em pacientes com foco de infecção, sugere-se o emprego de solução anestésica que contenha felipressina, como a prilocaína 3% e a mepivacaína 3% (SOUZA et al., 2018).
Considerações operatórias
Os procedimentos cirúrgicos devem ser evitados na medida do possível, visto que, diabéticos descontrolados apresentam cicatrização lenta e a cirurgia pode requerer alteração dos medicamentos habituais. Além do mais, o paciente pode ter dificuldade em manter sua dieta normal, algo que é essencial para evitar hipoglicemia e promover a cicatrização. A regeneração deficiente dos tecidos moles e o atraso da neoformação óssea em pacientes com DM são complicações conhecidas após uma cirurgia oral. A alteração na vascularização, o declínio na imunidade inata, a diminuição de fatores de crescimento e o estresse psicológico podem estar envolvidos na cicatrização mais prolongada da mucosa oral em pacientes diabéticos (SILVA et al., 2020).
Para procedimentos cirúrgicos como exodontias, cirurgias menores e implantes, é importante que o atendimento seja feito pela manhã, devido à melhor tolerância dos pacientes. Caso o procedimento seja demorado, devem-se realizar pausas, com ingestão de alimentos, para que o nível de glicose não seja alterado(TERRA; GOULART; BAVARESCO, 2011).
As cirurgias orais menores, em pacientes compensados, podem ser realizadas de modo semelhante à de indivíduos não diabéticos saudáveis. Caso o paciente manifeste alterações metabólicas graves, deve-se adiar o procedimento até a normalização da glicemia. Já em casos de urgências, pode-se realizar o atendimento em ambiente hospitalar (SANTOS et al., 2006).
A diabetes tem sido considerada uma condição de risco para implantes dentários pelo fato de estar relacionado ao atraso na cicatrização de feridas, prevalência de doença microvascular e resposta prejudicada à infeção (SANTOS, 2022).
Os efeitos da DM na osteo integração tem sido analisados em diversos estudos clínicos e experimentais. De acordo com esses estudos, ela é classificada como uma contraindicação relativa, mas não absoluta para o tratamento com implantes. Pacientes diabéticos bem controlados podem ser considerados apropriados para a reabilitação com implantes, enquanto pacientes diabéticos sem um bom controle glicémico podem ter negado os benefícios da reabilitação com eles(SANTOS, 2022).
A taxa de sucesso dos implantes dentários é determinada pelo controle glicémico. Logo, a DM não é contraindicação para a colocação de implantes, desde que se mantenha sob controle metabólico. Recomenda-se medir a HbA1c antes do procedimento de colocação do mesmo, visto que esta auxilia na determinação do nível médio de glicose no sangue. É bem conhecido que a HbA1c foi classificada em 3 níveis diferentes, sendo 6-8% como diabetes bem controlado; 8-10%, moderado; e, >10%, mal controlado(ALZAHRANI; ABED, 2016).
Existem algumas medidas para melhorar o sucesso dos implantes em pacientes com diabetes. Um bom controle glicémico, pré e pós-operatório, é necessário para alcançar uma melhor osteo integração em diabéticos. Antibióticos profiláticos também demonstraram ser eficazes para o sucesso de implantes dentários em pacientes diabéticos e o uso de clorexidina 0,12% melhora ainda mais a taxa de sucesso. Certos fatores, como características da superfície do implante, este revestido com material bioativo, e maior comprimento e largura do mesmo, melhoram a taxa de sucesso em pacientes diabéticos(DUBEY; GUPTA; SINGH, 2013).
A classificação de risco do paciente diabético indica o tipo de procedimento que o mesmo pode ser submetido. Para os pacientes de baixo risco pode ser utilizado o tratamento não-cirúrgico, com atenção para orientações gerais aplicadas para todos os pacientes diabéticos: exame/radiografias, instruções sobre higiene bucal, restaurações, profilaxia supra gengival, raspagem e polimento radicular (subgengival) e endodontia; ou o tratamento cirúrgico, que consiste em extrações simples, gengivoplastia, extrações múltiplas, cirurgia com retalho, extração de dente incluso, apicectomia(MORAIS, 2010).
No caso de pacientes de risco moderado, pode ser utilizado o mesmo tratamento não-cirúrgico, com a mesma atenção para orientações gerais aplicadas para todos os pacientes diabéticos, já mencionadas nos pacientes de baixo risco. A diferença está no tratamento cirúrgico, o qual consiste em extrações simples e gengivoplastia, que devem ser realizadas após ajuste na dosagem de insulina, em comum acordo com o médico da unidade. Para os demais procedimentos deve ser considerada a hospitalização do paciente(MORAIS, 2010).
Já os pacientes de alto risco, somente poderão ser realizados exame/radiografias e instruções sobre higiene bucal. Os outros procedimentos devem ser postergados até rigoroso controle do estado metabólico e das infecções bucais. Em todos os casos, o dentista deve tentar diminuir o estresse do paciente diabético. Quando possível convém realizar consultas de curta duração, considerando-se, ainda, a utilização de técnicas alternativas de sedação. O paciente deve ter sua consulta marcada para o meio da manhã, devendo ser informado para alimentar-se normalmente no início do dia, ficando minimizada a probabilidade de hipoglicemia durante o procedimento dentário(MORAIS, 2010).
CONCLUSÃO
Em suma, é possível concluir que, de acordo com o que foi supramencionado, o protocolo de atendimento odontológico a pacientes diabéticos não obteve evolução relevante nos últimos 20 anos. Dessa forma, é importante que o CD conheça as alterações bucais e sistêmicas dos mesmos. No caso de suspeita de diabetes, o mesmo deve solicitar exames laboratoriais para avaliar a glicemia dos pacientes, encaminhando-o para o serviço médico, caso estes se apresentem alterados. Pacientes diabéticos, já diagnosticados, necessitam de cuidados especiais, sendo importante o contato com o médico que o acompanha, principalmente, diante de procedimentos cirúrgicos mais complicados, que exijam boas condições metabólicas dos mesmos. Por esse motivo, pacientes diabéticos bem controlados podem ser tratados como pacientes normais. Para isso, é necessário que haja diálogo mais efetivo entre odontologia e medicina, para que o paciente seja, enfim, visto como um todo, aumentando os índices de sucesso terapêutico nas duas profissões.
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1Graduando em Odontologia da Faculdade de Ciências do Tocantins – FACIT-TO. E-mail: jmurilo86@gmail.com
2Especialista em Gestão em Saúde e Administração Hospitalar e Docente do Curso de Odontologia da Faculdade de Ciências do Tocantins – FACIT-TO. E-mail: lidiamariamla@hotmail.com