CIMENTO CIRÚRGICO PERIODONTAL: REVISÃO DE LITERATURA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7903393


Jamille Maria Carvalho Silva (jamillemcsilva@hotmail.com), Jairo Elcio Carvalho Silva (jairoelcio@yahoo.com.br), Janio Euler Carvalho Silva (janioeulercarvalho@yahoo.com.br), Jannine Maria Carvalho Silva (jannine_carvalho@hotmail.com), Taina Tabosa Freire Pereira (freiretaina@gmail.com), Larissa Alessandra Lins (larinhalins21@hotmail.com), Naiane Darklei dos Santos Silva (ndssilva@uneb.br), Rômulo Batista Vieira (rbvieira@uneb.br), Sara Samanta da Silva Brito (ssbrito@uneb.br), Carlos Alberto Batista Santos (cacobatista@yahoo.com.br), Alessandro Carlos Mesquita (amesquita@uneb.br), Sandra Valéria Silva Lins (sandravlins@hotmail.com), Mateus Antunes Ferreira (mateusantunesf@gmail.com), João Pedro da Silva Carvalho (joaopscarvallho@gmail.com), Herbs Kayky Costa Oliveira (oherbinho@gmail.com), Amanda de Souza Andrade (andradesouzaamanda1@gmail.com), Aranin Queiroz de Sousa Santos (aranin.santos@ages.edu.br), Emilly Anny Benevides de Abreu (benevides_ea@hotmail.com), Anderson dos Santos Barbosa (Anderson.s.barbosa@ages.edu.br), Leonardo Diego Lins (ldlins@uneb.br).


Resumo

O cimento cirúrgico é um material utilizado para proteger feridas cirúrgicas intrabucais, e tem como função prevenir na fase inicial o sangramento pós-operatório e evitar a formação de tecido de granulação em excesso. O objetivo deste trabalho é, através de uma revisão da literatura, investigar se o uso de cimento cirúrgico como curativo associado a terapia periodontal promove benefícios para cicatrização da ferida e controle da dor pós-operatória. Estudos em animais sugeriram que o uso do cimento poderia provocar uma resposta inflamatória de intensidade variável a depender da composição e toxicidade. Três estudos clínicos não mostraram benefícios para controle da dor e cicatrização com a utilização do cimento em comparação com a não utilização. Os cimentos cirúrgicos Coe-Pak e Wondrpak mostraram benefícios aos comparados com o Peripac e um cimento experimental RD8. Adicionalmente, o uso da clorexidina é indicado no pós-operatório de cirurgias periodontais a despeito do uso do cimento. Assim, é possível sugerir que o uso do cimento cirúrgico não apresenta impacto positivo no pós-operatório de cirurgias periodontais.

Palavras – chaves: Curativos periodontais. Cicatrização. Dor pós-operatório.

ABSTRACT

The dressing is a material used for protecting intra-oral surgical wounds, and has the function of preventing the initial stage postoperative bleeding and prevent the formation of granulation tissue in excess. The objective of this work is, through a literature review, investigate whether the use of dressing as a curative surgical periodontal therapy associated with benefits for promoting wound healing and control of postoperative pain. Animal studies have suggested that using dressing would cause an inflammatory response of varying intensity depending on the composition and toxicity. Three clinical studies showed no benefits for wound healing and pain control with the use of dressing as compared with no use. The surgical dressings Coe-Pak and Wondrpak showed benefits compared with Peripac an experimental dressing RD8. Additionally, the use of chlorhexidine is indicated postoperatively in periodontal surgery in spite of using dressing. Thus, it is possible to suggest that the use of surgical dressing presents no positive impact on postoperative periodontal surgery.  

Keywords: periodontal dressings. Wound healing. Postoperative pain.

INTRODUÇÃO

O uso do cimento cirúrgico como protetor de cirurgia periodontal foi introduzido por Ward em 1923, com o objetivo de prevenir a dor, infecção, sensibilidade e formação de depósitos sobre a superfície da raiz1. Adicionalmente, o uso do cimento pode ter papel hemostático, bem como prevenir a formação de tecido de granulação exuberante e o acúmulo de alimentos nos espaços interdentais2,3. Assim, Plagmann (1998) sugeriu que a área da ferida cirúrgica deveria ser coberta, além da sutura, com o cimento por um período de 3 a 4 dias.

O cimento cirúrgico deve ser selecionado com o objetivo de permitir a reparação das feridas4. Ele deve apresentar como principais características ser macio e de fácil colocação na área operada, apresentar rigidez para evitar fratura, lisura para não causar retenção de placa ou traumas, ter propriedades bactericidas, impedindo a formação de placa excessiva, e não prejudicar a cicatrização5.

Os cimentos cirúrgicos podem ser classificados em materiais com e sem eugenol. Ao comparar cimentos com e sem eugenol, foi constatada maior citotoxicidade e reações teciduais mais severas após uso dos cimentos com eugenol2,6. O cimento com eugenol pode provocar inflamação, necrose tecidual, cicatrização retardada e reação alérgica2. Por outro lado, de acordo com Nezwek et al. (1980), o eugenol tem propriedades antimicrobianas e analgésicas favoráveis, as quais poderiam facilitar o processo de cura.

Uma pesquisa realizada com professores de Periodontia das Faculdades de Odontologia brasileiras determinou que 55,6% são indecisos quanto ao uso do cimento cirúrgico, 34,7% determinaram que sempre usam o cimento, 9,7% afirmaram não usar. Uma das principais indicações para uso foi nos casos de cirurgias que envolveram exposição dos tecidos ósseo e conjuntivo7.

Portanto, parece ainda não haver consenso sobre a aplicação do cimento cirúrgico e em que situações o material deve ser utilizado. Assim, foi desenvolvida esta revisão de literatura com o objetivo de investigar se o uso de cimento cirúrgico como curativo em cirurgias periodontais promove benefícios para cicatrização da ferida e controle da dor pós-operatória.

REVISÃO DE LITERATURA

CIMENTOS CIRÚRGICOS

O cimento cirúrgico é um material usado para proteger as feridas e proporcionar um maior conforto ao paciente. Ward (1923) utilizou pela primeira vez um material denominado Wondrpak constituído por óxido de zinco e eugenol misturado com álcool, óleo de pinho e fibras de amianto8. Este material teve como principais indicações as cirurgias periodontais a retalho, enxertos gengivais livres e exodontias9.

De maneira geral, os cimentos periodontais devem apresentar as seguintes propriedades gerais: 1) maciez, apresentando flexibilidade suficiente para facilitar a sua colocação na área operada com uma adequada adaptação; 2) tomar presa após um tempo razoável; 3) após a presa, apresentar uma superfície lisa para evitar irritação às bochechas e aos lábios; 4) preferencialmente, deve ter propriedades bactericidas para impedir a formação excessiva de placa; 5) não deve prejudicar a cicatrização5. Diversos estudos avaliam as propriedades dos diferentes cimentos na tentativa de eleger o melhor material ou apontar características a serem aperfeiçoadas.

Estudos acerca das propriedades irritantes investigaram comparando os cimentos com e sem eugenol. Um estudo histológico com a implantação de tubos de polietileno, contendo cimentos cirúrgicos (Coe-Pak, Periobond e Vocopac) em alvéolos de dentes de ratos, foi realizado com o objetivo de analisar a intensidade da resposta inflamatória e formação de osso. A avaliação foi realizada após 7, 14 e 28 dias do pós-operatório. Não houve diferença significante na resposta inflamatória induzida pelos cimentos avaliados aos 7 e 14 dias; no entanto, no período de 28 dias, a resposta inflamatória foi significativamente maior no grupo Voco Pac, sendo considerada uma reação inflamatória grave4. Os autores concluíram que substâncias citotóxicas presentes nesses materiais podem interferir no processo de reparo dos tecidos.

Estudos com a implantação dos cimentos nos tecidos de cobaias forneceram resultados mais controlados sobre o efeito irritante dos cimentos. Nezwek et al. (1980) investigaram a reação do tecido conjuntivo a 3 cimentos cirúrgicos implantados em ratos, com o objetivo de comparar as respostas desencadeadas por cimentos com e sem eugenol. Foram testados um cimento com eugenol (PPC – Professional Products Company) e 2 cimentos sem eugenol (Coe-Pak e Perio Putty). Houve ainda um quarto grupo controle que consistiu de um material composto por teflon. Os resultados sugeriram que o cimento cirúrgico com eugenol é capaz de produzir maior destruição tecidual, com maior infiltrado de células inflamatórias, envolvendo uma área maior dos tecidos adjacentes que os cimentos sem eugenol. Em ordem decrescente de severidade da reação do tecido conjuntivo, os cimentos foram PPC, Coe-Pak, Perio Putty e Teflon.

Além da capacidade de induzir irritação, as propriedades físicas dos cimentos cirúrgicos podem influenciar significativamente sua performance clínica. A adesão às superfícies dentárias foi sugerida como um requisito importante, por ser considerada favorável para uma rápida cicatrização da ferida, uma vez que minimiza a contaminação bacteriana. Um estudo foi desenvolvido com o objetivo de investigar as propriedades de adesão de diferentes cimentos cirúrgicos às superfícies dentais e aos tecidos gengivais in vitro. Foram selecionados 3 cimentos cirúrgicos, Coe-pak, Peripac e Ward’s Wondrpak manipulados conforme as instruções dos fabricantes. Foi avaliada a adesão dos cimentos às superfícies dentárias secas ou recobertas por uma película de saliva, bem como aos tecidos epitelial e conjuntivo gengivais. O Peripac não mostrou adesão aos tecidos duros e moles. Coe-Pak e Ward’s Wondrpak mostraram adesão mais forte aos tecidos duros que aos tecidos moles. O Coe-Pak apresentou adesão significativamente superior ao dente coberto por saliva e ao tecido conjuntivo que o Wondrpak. Ainda assim, os valores de adesão destes últimos cimentos aos tecidos duros e moles é baixa, e, portanto, retenção mecânica não pode ser descartada10.

Adicionalmente, agentes antibacterianos têm sido adicionados aos cimentos cirúrgicos considerando plausível que uma redução na colonização bacteriana traria benefícios para a cicatrização da ferida cirúrgica. Entretanto, existia a seguinte questão: já que o cimento cirúrgico permanece na boca por vários dias, como o efeito antibacteriano poderia ser preservado durante todo o período. Assim, Haugen, Gjermo, Orstavik (1977) desenvolveram um experimento para avaliar a atividade antibacteriana dos cimentos cirúrgicos contra microrganismos da saliva in vitro por períodos variáveis de tempo. O estudo também avaliou a capacidade do S. mutans colonizar a superfície do cimento in vitro. Foram testados os cimentos Ward’s Wondrpak, Coe-Pak e Peripac e comparados com a clorexidina como controle positivo e água destilada como controle negativo. Foi observada atividade antibacteriana contra microrganismos salivares logo após manipulação do Coe-Pak e Wondrpak, atividade remanescente foi observada por até 2 dias. O Peripac teve atividade inicial reduzida. Quando avaliado o acúmulo de placa, apenas células isoladas foram detectadas sobre o Coe-Pak e o Wondrpak, ao passo que o Peripac foi colonizado pelo S. mutans. Assim, pôde-se concluir que Coe-Pak e Wondrpak apresentam propriedades antibacterianas mantidas por um período de 2 dias in vitro.

CIMENTOS CIRURGICOS EM PERIODONTIA

Recentemente, Wennström, Heijl, Lindhe (2010) indicaram o uso dos cimentos nas cirurgias periodontais principalmente para proteger a ferida após a cirurgia; obter e manter uma íntima adaptação dos retalhos ao osso subjacente, especialmente quando um retalho foi reposicionado apicalmente; e proporcionar conforto ao paciente. Em adição, os cimentos podem ser utilizados para prevenir o sangramento pós-operatório e a formação de tecido de granulação em excesso. Os cimentos cirúrgicos são usados em diversas cirurgias periodontais, tais como procedimentos a retalho, procedimentos regenerativos e em gengivectomias5.

Para considerar o uso dos cimentos cirúrgicos em Periodontia, os principais benefícios clínicos esperados estão relacionados à melhora na cicatrização da ferida e diminuição da sintomatologia dolorosa. Uma rápida cicatrização dos tecidos após cirurgia periodontal tem sido considerada importante e a aplicação dos cimentos cirúrgicos foi sugerida como um meio de obter este resultado. Haugen (1980) avaliou o efeito de 3 cimentos cirúrgicos (Coe-pak, Peripac e Ward’s Wondrpack) em comparação com um controle sem cimento sobre a mucosa oral intacta, além do seu efeito na proliferação epitelial durante a cicatrização em ratos. Uma ferida foi realizada no palato, posterior aos incisivos, e o cimento cirúrgico foi colocado de maneira a recobrir a ferida e a mucosa adjacente. Nos períodos de 1, 3 e 5 dias, os cimentos não causaram qualquer reação na mucosa adjacente intacta. A atividade mitótica das células epiteliais foi menor nos grupos teste do que no controle no dia 1, indicando um efeito tóxico de todos os materiais. Entretanto, não houve diferença entre os 3 cimentos. Não houve diferenças entre grupos teste e controle nos dias 3 e 5. Após 5 dias, todas as feridas estavam recobertas por epitélio.

Uma investigação foi conduzida em cães com o propósito de analisar o reparo das feridas quando estas se encontravam protegidas ou não pelo cimento cirúrgico. Para isto, o material experimental utilizado foi o Kirkland-Kaiser modificado e a área cirúrgica foi avaliada por um período de 2, 5, 10 e 15 dias. No período de 2 dias de pós-operatório, foi observado um intenso infiltrado neutrofílico, em algumas regiões operadas, quando protegidas pelo material experimental, e, no grupo controle, um intenso infiltrado neutrofílico em toda área cirúrgica. Aos cinco dias, foi possível observar tecido conjuntivo subjacente neoformado e uma discreta inflamação crônica, ao passo que, no grupo controle, o tecido conjuntivo frouxo exibia um intenso infiltrado inflamatório. Decorridos 10 dias, o tecido conjuntivo estava isento de infiltrado inflamatório na porção apical da ferida protegida, e, no controle, o tecido epitelial recobria parcialmente a área e apresentava infiltrado neutrofílico no tecido conjuntivo. Aos 15 dias, no grupo experimental ocorreu o desaparecimento do infiltrado inflamatório e o controle ainda apresentava infiltrado neutrofílico no tecido conjuntivo13. Os autores concluíram que o processo de reparação se faz em melhores condições quando a ferida cirúrgica é protegida com cimento periodontal.

A avaliação apenas de estudos in vitro e em animais não ofereceram evidências conclusivas sobre a necessidade de uso e os benefícios dos cimentos cirúrgicos. Assim, ensaios clínicos foram desenvolvidos com o objetivo de determinar de maneira mais clara a aplicabilidade destes materiais.

Alguns estudos investigaram o impacto da utilização do cimento cirúrgico comparativamente a não utilização. Jones, Cassingham (1979) avaliaram a eficácia do uso do cimento cirúrgico após retalho apical com osteotomia em pacientes com periodontite generalizada severa. Metade dos sítios operados recebeu cimento sem eugenol e a outra metade foi deixada sem cimento. Não houve diferença entre os grupos com relação aos parâmetros periodontais de sangramento, inflamação e profundidade de sondagem. A frequência e a intensidade da dor foram maiores nos pacientes em que o cimento foi utilizado. Os autores deste estudo sugeriram que não havia benefícios no uso de um cimento quando cirurgia periodontal a retalho era realizada.

Allen, Caffesse (1983) conduziram um ensaio clínico cego de boca dividida com o objetivo de avaliar clinicamente a qualidade da cicatrização após o retalho de Widman modificado com ou sem o uso de cimento cirúrgico (Perio Putty). O fluxo do fluido crevicular e a inflamação gengival foram medidos antes da cirurgia e 2 semanas, 1 e 2 meses após a cirurgia. Nível de inserção clínica e profundidade de sondagem foram avaliados antes da cirurgia e 1 e 2 meses após a cirurgia. Foi ainda aplicado questionário para avaliação da dor pós-operatória. Nenhuma diferença significante foi observada entre os sítios com e sem cimento com relação ao nível de inserção, profundidade de sondagem e inflamação gengival. A omissão do cimento não resultou em maior incidência de desconforto. A maioria dos pacientes relatou preferir não usar o cimento.

Checchi, Trombelli (1993) desenvolveram um estudo de boca dividida com o objetivo de avaliar a dor pós-operatória com e sem o uso de cimento cirúrgico em combinação com o uso de bochecho de clorexidina 0,2% após cirurgia periodontal de retalho apical. Bochecho de clorexidina 0,2% por 1 minuto duas vezes ao dia foi prescrito para todos os pacientes. Em cada paciente, uma cirurgia utilizou cimento cirúrgico e a outra não. Os resultados indicaram uma tendência similar de dor pós-operatória nos grupos com e sem cimento. Não houve diferença entre os grupos com relação à frequência de utilização e ao número de analgésicos consumidos no pós-operatório. Embora os pacientes frequentemente tenham relatado dificuldade para comer quando o cimento foi utilizado, a maioria relatou sensação de proteção da ferida e bem-estar com o uso do cimento cirúrgico.

Comparando diferentes marcas comerciais de cimentos cirúrgicos, Haugen, Gjermo (1978) avaliaram a influência de 3 cimentos cirúrgicos (Coe-Pak, Peripac e Ward’s Wondrpack) na percepção de dor e cicatrização após realização de 65 cirurgias de gengivectomia realizadas em 41 pacientes. Os cimentos cirúrgicos foram selecionados aleatoriamente, aplicados pelo mesmo operador e mantidos no local pelo período de 1 semana. A experiência do paciente com relação a dor, edema, sangramento e febre, bem como o uso de analgésicos foi avaliada. A ferida foi analisada com relação à epitelização, presença de osso exposto e tecido de granulação, bem como para presença de placa, sangramento e sensibilidade nos dentes envolvidos na cirurgia. Os parâmetros foram avaliados com 7, 14 e 21 dias de pós-operatório. Foi relatada dor após 46% das cirurgias. O cimento Peripac induziu mais dor, edema e consumo de analgésicos no pós-operatório. Não houve diferenças estatisticamente significantes no acesso clínico da cicatrização da ferida, tendência ao sangramento e sensibilidade dos dentes quando os 3 cimentos foram comparados.

Cheshire et al. (1996) realizaram um ensaio clínico randomizado duplo-cego de boca dividida a fim de comparar o uso de um cimento cirúrgico experimental chamado de RD8 com o Coe-Pak, um cimento de uso difundido, após cirurgia periodontal. O RD8 tinha a proposta de maior facilidade de manipulação, pois apresentava uma mistura mais homogênea, e de oferecer melhor controle de infecção cruzada pois era aplicado com ponteira. A avaliação dos pacientes aconteceu após 7 dias. Os níveis de dor pós-operatória foram relativamente baixos. Os indivíduos relataram mais dor e necessidade de analgésicos com o cimento RD8 em comparação com o Coe-Pak. Os pacientes relataram preferir o uso do Coe-Pak. Não houve diferenças significativas entre os grupos com relação aos índices de placa e sangramento ou para cicatrização tecidual.

Uma vez que os estudos avaliando a aplicação dos cimentos não mostraram resultados tão estimulantes, outros produtos foram propostos em substituição ou em adição aos cimentos, por exemplo, a clorexidina. Newman; Addy (1978) conduziram um ensaio clínico randomizado cego com o objetivo de comparar o bochecho de clorexidina 0,2% com a aplicação do cimento cirúrgico Coe-Pak por 7 dias em pacientes submetidos à cirurgia periodontal. A cirurgia consistiu de retalho em bisel interno e os sítios cirúrgicos foram divididos aleatoriamente em 2 grupos: 1) cimento Coe-Pak e 2) 3 bochechos diários com 10 ml de gluconato de clorexidina por 1 minuto. Foram avaliados profundidade de sondagem, índice de sangramento gengival e índice de placa no pré-operatório e após 7 dias, 1 e 3 meses. Os pacientes classificaram o grau de desconforto durante 7 dias sempre no mesmo horário. Os pacientes ainda foram questionados sobre sua preferência quanto ao uso da clorexidina ou do cimento. Nenhum efeito adverso foi atribuído ao uso do cimento, ao passo que discreto manchamento dos dentes e da língua foi relatado com a clorexidina. O índice de placa e o índice de sangramento sulcular foram significativamente menores nos sítios tratados com clorexidina. Não houve diferença entre os grupos com relação à profundidade de sondagem. Houve menor desconforto nos sítios tratados com clorexidina nos 4 primeiros dias. A maioria dos pacientes preferiu o uso da clorexidina à aplicação do cimento. Como não houve controle negativo sem tratamento, o efeito benéfico direto da clorexidina sobre os parâmetros não pode ser postulado apenas a partir dos dados deste estudo.

Sanz et al.  (1989) desenvolveram um estudo com o objetivo de documentar o efeito clínico do gluconato de clorexidina 0,12% nas feridas gengivais. Um estudo clínico randomizado duplo-cego com controle placebo foi conduzido com 40 pacientes durante 6 semanas. Pacientes com periodontite moderada receberam cirurgia periodontal em um quadrante. Todos os sítios operados receberam cimento cirúrgico e foi utilizado bochecho com clorexidina ou com placebo. Placa visível, inflamação gengival e índice de sangramento gengival foram significativamente menores no grupo que utilizou a clorexidina. Não houve diferença nas mudanças na profundidade de sondagem e nível de inserção clínica entre os grupos. Taxa de epitelização e níveis de dor demostraram resultados melhores no grupo com clorexidina, mas não foi estatisticamente significante. Os autores sugeriram o uso da clorexidina 0,12% imediatamente após cirurgia periodontal por um período de 6 semanas.

DISCUSSÃO

O uso do cimento cirúrgico após cirurgias periodontais foi proposto com o objetivo de promover proteção da ferida e ajudar no processo de cicatrização. No entanto, resultados controversos foram apresentados na literatura13,14. Desta maneira, esta revisão de literatura foi proposta com o objetivo de determinar se o uso do cimento cirúrgico promove benefícios na cicatrização e no controle da dor após terapia periodontal.

Os resultados dos estudos incluídos nesta revisão sugerem que o uso de cimento cirúrgico não promove impacto positivo na cicatrização de feridas e no controle da dor pós-operatória resultante de cirurgias periodontais. De maneira geral, observou-se maior dor pós-operatória quando o cimento foi utilizado1 ou não houve diferença significante na frequência e intensidade da dor usando ou não o cimento14,15. Com relação à cicatrização, em humanos não houve melhora nos parâmetros clínicos periodontais quando o cimento foi utilizado14,15. Estes achados provavelmente estão relacionados a uma diminuição na atividade mitótica das células epiteliais e a presença de reação inflamatória mais severa, que ocorrem logo após o procedimento cirúrgico quando o cimento é utilizado12. Apenas o estudo de Milanezi, Holland (1979) sugeriu, por meio de avaliação histológica qualitativa, que o uso de cimento cirúrgico promove melhor reparo tecidual. Provavelmente, este resultado divergente está relacionado à técnica cirúrgica e uso de um cimento (Kirkland-Kaiser) diferente, que não foram reproduzidas em nenhum dos outros estudos em humanos. Adicionalmente, o processo de cicatrização em cães pode apresentar características diferentes daquelas observadas em ratos ou humanos.

Respostas diferentes podem ser produzidas por cimentos diferentes. Diversos cimentos foram testados em humanos: Coe-Pak, Peripac, Wondrpak, Nobetec, RD8, Perio Putty, Kirkland-Kaiser. Em humanos, o Coe-Pak se apresentou como um cimento capaz de induzir resposta dolorosa de baixa intensidade, minimizando a necessidade de uso de analgésicos no pós-operatório quando comparado com outras marcas comerciais16,17. Estudos in vitro e em animais confirmaram que o Coe-Pak, um dos cimentos mais estudados, apresenta propriedades superiores a outros cimentos, como menor citotoxicidade e melhor adesão a tecidos duros e moles6,10. Adicionalmente, o Coe-Pak apresenta propriedade antimicrobiana persistente por até 2 dias11. Estes estudos justificam o fato do Coe-Pak ser provavelmente o cimento de uso mais disseminado em Periodontia.

Devido ao fato dos estudos em humanos sugerirem que o uso dos cimentos cirúrgicos é desnecessário em Periodontia, outras estratégias foram testadas para substituí-los ou serem usadas como coadjuvantes ao cimento. A realização de bochechos com clorexidina em substituição ou em associação ao cimento cirúrgico mostrou redução significativa no acúmulo de placa, e da inflamação gengival/sangramento à sondagem18,19. Sanz et al. (1989) também mostraram aceleração na epitelização e menores níveis de dor quando a clorexidina foi utilizada. Especificamente para áreas doadoras de enxerto livre, Colla Cote mostrou remodelação mais rápida do tecido conjuntivo com consequente formação de tecido de consistência mais firme e mais espesso que nas áreas onde o cimento cirúrgico foi aplicado. Assim, fica a sugestão de estratégias alternativas ao cimento cirúrgico, cuja indicação deve estar relacionada ao tipo de tratamento cirúrgico a ser realizado. Estas alternativas podem inclusive trazer mais conforto pós-operatório para os pacientes14,18.

Os resultados dos estudos parecem não estar refletidos na prática clínica dos profissionais. É possível sugerir que o uso do cimento pelos periodontistas ainda é guiado pelo empirismo, em detrimento das evidências científicas, já que foi mostrado que a maioria dos professores de Periodontia das Universidades brasileiras utiliza o cimento cirúrgico na maioria das cirurgias periodontais e apresentam protocolos e justificativas bastante heterogêneas7. Ainda permanece alguma controvérsia sobre a indicação do uso dos cimentos, uma vez que a maioria dos estudos é pouco atual e com metodologias não padronizadas. Revisões sistemáticas da literatura e metanálises, que poderiam fornecer uma evidência mais conclusiva, não foram encontradas. Adicionalmente, poucos estudos descrevem a percepção estética e funcional do paciente quanto ao uso do cimento. Desta maneira, novas evidências devem ser produzidas para responder definitivamente à questão.

CONCLUSÃO

De acordo com a revisão de literatura proposta em nosso estudo, podemos concluir que os cimentos cirúrgicos não ajudam na aceleração do processo de cicatrização após terapia periodontal. Como também, não trazem benefícios para o controle da dor pós-operatória.

REFERÊNCIAS

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