REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7494805
Evellyn Beatriz Banzza Souto1
Andreia Alves de Almeida2
RESUMO
Este artigo investiga a pedofilia na internet, tendo como foco principal de incidência as redes sociais, comunidades fechadas de pedofilia e pornografia infantil, que se caracterizam pela prática da comercialização, do compartilhamento, armazenamento, do agenciamento e da facilitação desse material, condutas tipificadas como crimes no Estatuto da Criança e Adolescente. Sendo o intuito problematizar o avanço tecnológico que vem sendo um método facilitador para a pedofilia devido a vulnerabilidade a qual as crianças são expostas, utilizando também a análise de fatores que levam isso ao favorecimento da pedofilia por meio do softcore porn. Por fim, diante dos dados que foram levantados, a presente pesquisa tem o objetivo de conscientizar os responsáveis e as comunidades das escolas de ensino fundamental sobre a necessidade da discussão do referido tema diante de sua ampla relevância social, para a promoção e defesa dos direitos das crianças e adolescentes. Utilizando metodologia dedutiva, apresentando a pesquisa bibliográfica e legal, bem como técnicas do referente, da categoria, do conceito operacional e do fichamento.
Palavras-chave: ciberpedofilia, redes sociais, softcore porn.
INTRODUÇÃO
Neste artigo, busca-se analisar como a pedofilia se faz presente na internet, mais conhecida atualmente como ciberpedofilia, e como o aumento das redes sociais desencadearam o que chamamos hoje de softcore porn. Os avanços tecnológicos e a popularização da internet, permitem conexões entre pessoas de qualquer lugar do mundo em tempo real, além disso, as redes sociais promovem interações de vários grupos com diferentes interesses, tanto com perfis públicos quanto privados, sem a real comprovação de quem está do outro lado. Fator esse que ocasiona o aumento dos crimes cibernéticos quanto aos conteúdos pornográficos de crianças.
Sendo assim, conforme incidência da referente pesquisa, nosso problema será analisar como as redes sociais servem de palanque para a veiculação de imagens de crianças, onde são divulgadas por adultos com a intenção de propagá-las a cunho sexual, e assim verificar como surge a modalidade softcore porn.
Diante da problemática exposta ficam os seguintes hipóteses: qual é o conceito de pedofilia no cyberespaço? O que significa softcore porn? Quais seus campos de incidência? Quais as consequências psicológicas que a vítima terá na vida adulta como sequela? E quais ações e políticas públicas terá o ordenamento jurídico para prevenir ou conter essa prática?
Sendo assim, o objetivo geral aqui delimitado é pesquisar e descrever a pedofilia no campo virtual, ao passo que, são objetivos específicos conceituar o softcore porn, a exploração sexual, os campos de conjuntura e as consequências, bem como, traçar considerações sobre as legislações e potenciais políticas públicas para identificar e conter a referida prática.
O presente artigo será dividido em três partes, no primeiro capítulo será conceitual busca-se abordar acerca da Pedofilia e o perfil do abusador, já no segundo capítulo será discutido como se configura a prática de pedofilia na espécie softcore porn nas redes sociais e o amparo da legislação pertinente e finalmente no último capítulo aborda-se acerca das políticas públicas para o enfrentamento da ciberpedofilia. Utilizando metodologia dedutiva, apresentando a pesquisa bibliográfica e legal, bem como técnicas do referente, da categoria, do conceito operacional e do fichamento.
2. PEDOFILIA E O PERFIL DO ABUSADOR
A palavra pedofilia é oriunda do grego conforme preceitos do autor Greco (2017.p.45) paidophilia, partindo das matrizes paidós (pais e criança) e philia (amizade amor e). Assim pode-se entender que a pedofilia “é um perversão sexual que se apresenta pela predileção erótica por crianças, indo desde os atos obscenos até a prática de manifestações libidinosas”. (FRANÇA, 2004.p.234). Em relação a prática da pedofilia Couto ensina que:
Trata-se de uma perversão, que leva um indivíduo adulto a se sentir sexualmente atraído por crianças. (…) tendo-se como base a Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde, que no item F65.4(CID-10), define pedofilia como preferência sexual por crianças, quer se trate de meninos, meninas ou de crianças de um ou do outro sexo, geralmente pré-púberes ou no início da puberdade. (COUTO, 2015, p.1).
Sob a perspectiva nosológica trata-se de desejos e impulsos sexuais à crianças, usualmente na faixa etária inferior a 14 anos de ambos os sexos, privilegiando pensamentos de manipulação da genitália na presença do menor, carícias sem penetração ou o ato sexual propriamente dito e a ânsia por produzir ou reproduzir vídeos com menores em situação de erotização, bem como manter em arquivos virtuais ou físicos, fotografias e/ou similares (Couto, 2015. p.327).
Vale destacar aqui a diferença entre o pedófilo e o molestador sexual, enquanto o primeiro é definido como indivíduo adulto com interesse sexual por crianças, que não necessariamente tenha vínculo, já o segundo é um adulto que se vale do elo de autoridade que exerce sobre o infante praticando atos como exibicionismo, manipulação da genitália, carícias, ato sexual com penetração. Além do mais, o pedófilo só tem interesse sexual por crianças, sendo esse o ponto que o afasta das características do molestador, este último faz vítimas para satisfação sexual momentânea mas não é por crianças seu favoritismo.
No que se refere ao perfil do pedófilo que atua na internet ainda não há algo claramente delimitado, contudo, na maioria dos casos tem-se um homem entre trinta e quarenta e cinco anos, mora sozinho e é solteiro. (Campanha sobre pedofilia na internet MP/SC.2015).
2.1 SOFTCORE PORN
Para compreender o significado da expressão Softcore Porn, precisamos nos remeter a etimologia da palavra Pornografia, que deriva do grego clássico πόρνη (pórnē; “prostituta”) e γράφειν (gráphein; “escrever” ou “registrar”), complementadas pelo sufixo -ία (-ia) que significa “estado de”, “propriedade de” ou “lugar de”). (RALLI, ANGELA. 2012.Revue belge de Philologie et d’Histoire.p.90).
A Pornografia se materializa pela forma escrita e/ou gráfica da prostituição. De modo que, a pornografia se divide em gêneros, sendo um deles o Softcore que têm significado em imagens e vídeos que mostram ou descrevem cenas infantis com o cunho do ato sexual indiretamente. A pornografia softcore impede a descrição explícita de penetração vaginal ou anal, além da própria ejaculação, ou seja, está espécie delineada é apenas uma dentro do gênero.
Diante disso, delimita-se algumas questões relacionadas à exploração sexual infantil, discorrendo a respeito do assunto de forma mais aprofundada.
2.2 A EXPLORAÇÃO SEXUAL INFANTIL
Oriunda do latim “exploratoriu“, a palavra exploração tem sua etimologia no “Ato de abusar, de usar ou se aproveitar de algo, alguém” RIBEIRO, DÉBORA. (2020. p.02)
Nesse sentido, é importante destacar que há diferença na definição entre exploração sexual e a prostituição. Pois, a prostituição é “o comércio sexual do próprio corpo, geralmente desenvolvido com habitualidade, objetivando o sustento” NUCCI (2015. p. 205)
Já a exploração sexual pode ser definida como “a prática ilegal da conjunção carnal, mediante o emprego de violência, coação, e a obtenção de lucro ou vantagem, (…)” BRAGA (2018). Que pode ser empregada na divulgação e demais verbos penais inerentes a essa exploração do âmbito da internet.
Diante disso, segundo Oliveira e Madrid (2015.p. 127) é possível conceituar a exploração infantil e seus agentes como:
(…) o uso das crianças em atividades sexuais para fins lucrativos (comércio do sexo). Aqui a criança passa a ser tratada como mercadorias, como objeto sexual. (…) Acontece quando a criança tem seu próprio corpo vendido com intuito de exploração econômica para fomentar impulso e incentivo ao consumo dessa pornografia.
Portanto acertadamente, Faleiros & Faleiros (2007) afirma que a exploração sexual de crianças mantém uma relação direta com a categoria abuso sexual de natureza intrafamiliar e extrafamiliar, onde se entendem os seus responsáveis como sendo eles os pais ou seus tutores momentâneos (professores, cuidadores etc.).
E inclui ainda outras formas de violência, além da própria exploração econômica, como as que desestruturam as bases da sociedade através da mudança sobre o entendimento entre o certo e o errado diante da exposição exacerbada dessas crianças em plataformas onde todos têm acesso sem nenhuma restrição.
Isso finda em uma enorme série de violência psicológica, às vítimas, que consequentemente desencadeiam transtornos quando adultas, tudo por negligência de quem deveria proteger a honra e privacidade dos indefesos, em tenra idade, nas redes sociais, novo campo de atuação para os pedófilos e exploradores de crianças.
2.3 AS REDES SOCIAIS NA INTERNET
Diante do alcance global da internet, pessoas das mais diferentes classes sociais e lugares se conectam por meio de diversas redes de comunicação digital. Sendo assim, esse âmbito de conexão impulsionou a disseminação de conteúdos, sem critérios, nas plataformas, nesse sentido escreve Godoy (2008. p.125):
Os softwares de redes sociais na internet funcionam com uma espécie de conjunto de perfis de pessoas com suas comunidades, sendo que nessa interação é possível cadastrar se, postar fotos, divulgar preferências pessoais, listar amigos e formar comunidades. A comunicação se dá, geralmente, de forma indireta (offline) com a utilização de fóruns para comunidades, envio de mensagens para cada perfil, comentário de mensagens enviadas e encaminhamento de mensagens para comunidades – também utilizada para propagandas indesejadas (spam).
Os aplicativos de redes sociais Facebook, WhatsApp e Instagram estão abertos a todos, para utilização gratuita e mundial, consequentemente não estão livres da ação de pedófilos e mercantilizados da exploração sexual infantil. Em decorrência disso, tais infratores têm acesso de forma facilitada aos materiais com imagens íntimas, que eram de difícil acesso antes. Foi feito um mapeamento pela ONG SAFERNET, em que 72% das denúncias desse tipo de pornografia, se referiam à materiais divulgados nesses portais e sem qualquer restrição.
2.4 A INTERNET E OS DIREITOS À PRIVACIDADE E À PERSONALIDADE
A Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD (Lei nº. 13.709/2018), veio para regulamentar o tratamento de dados pessoais. Ressalta-se que de sobremaneira esses dados se concentram nos meios digitais.
O objetivo da lei é sobretudo “proteger os direitos fundamentais de liberdade, de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural” (BRASIL, 2018). Aplica-se a todos que negligenciam o tratamento desses dados, em outras palavras, velar pela proteção de informações que são relativas a terceiros. A mesma impõe que as informações sejam restritas a quem a armazena, não podendo repassar tais informações ao conhecimento de outrem, sob pena de infração, dessa forma impõe higidez quanto aos dados obtidos, para garantir a ética, colaboração e segurança na proteção de direitos fundamentais.
Afinal, “não se pode abrir mão da liberdade, da privacidade, dos dados pessoais, da imagem, sem que se questione como essas informações e dados pessoais serão tratados, qual seu destino e quem os controlará […]” (SILVA, 2020, p. 51-52). Especialmente quando estamos falando de direitos indisponíveis de incapazes com previsão expressa no Estatuto da Criança e do Adolescente.
As violações decorrentes dessa exposição resulta em danos aos direitos fundamentais das crianças quando da disponibilização desses dados ou imagens íntimas usando vestimentas de cunho particular, se trocando, etc.,
A Convenção sobre os Direitos da Criança, elaborada pela Organização das Nações Unidas – ONU, considerada o grande marco normativo dos direitos das crianças de todo o mundo, ratificada pelo Brasil, dispõe em seu artigo 16 que “nenhuma criança será objeto de interferências arbitrárias ou ilegais em sua vida particular, sua família, seu domicílio ou sua correspondência, nem de atentados ilegais a sua honra e a sua reputação” (BRASIL, 1990b).
Esse artigo da Convenção trata, entre outras situações, sobre a proteção contra a interferência na privacidade da criança (VERONESE, 2019.p.25), garantindo tais direitos ao infante desde o âmbito internacional.
Sobre as disposições nacionais, a Constituição Federal de 1988, de maneira ampla protege a privacidade de todas as pessoas como direito fundamental, contemplando a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem, assegurando o direito que culminará em penalidade em caso de violação.
Logo, em proteção às crianças, particularizadamente, a Constituição Federal garantiu o direito ao respeito e à dignidade, não se restringindo somente ao direito à privacidade. Nesse sentido, o Estatuto da Criança e do Adolescente, delineando as diretrizes desses direitos, trouxe a salvaguarda do direito à integridade física, psíquica e moral, objetivando protegê-los de qualquer forma de ofensa.
Dentro do direito à integridade moral se encontram os desdobramentos da proteção à privacidade, contemplando a imagem, o nome, os acontecimentos em sua vida e até a sua voz (VERONESE, 2019).
Vez que são sujeitos de direitos, deve-se respeito às disposições constitucionais para que não tenham mascaradas em si práticas minoristas, que acabam por encobrir algumas ocorrências criminosas do softcore porn nas redes sociais. (SILVA, 2021). Sobretudo, independentemente de quem coleta esses dados sensíveis, deve-se levar em consideração o melhor interesse do incapaz.
3. SOFTCORE PORN, CIBERPEDOFILIA E A LEGISLAÇÃO BRASILEIRA CONCERNENTE PARA PROTEÇÃO E GARANTIA ÀS CRIANÇAS E ADOLESCENTES
Após conceituarmos o softcore porn no capítulo 2, item 2.1, verifica-se que sua configuração da prática de pedofilia na espécie softcore porn na internet concentra-se em compartilhamentos de fotos de crianças em posições sugestivas aos predadores. Assim, segundo pesquisa Ministério Público de Santa Catarina (2015) os principais meios onde acessam este tipo de conteúdo são:
● Mensageiros instantâneos – Aplicativos que permitem a comunicação instantânea entre pessoas, individualmente ou em grupo, através de textos, voz ou videoconferência. Essa ferramenta permite ainda o envio de vídeos e fotos. Ex: Facebook, Instagram, Twitter, entre outros.
● Chat – Canal de um determinado site que é utilizado, exclusivamente, para bater papo. As salas de bate-papo são divididas por temas e idade, porém, é impossível garantir a veracidade das informações fornecidas pelos usuários.
● Blog e Fotolog – É um registro divulgado na internet, como se fosse um diário, onde o usuário escreve suas ideias, angústias, desejos, e também pode incluir informações pessoais e fotos.
● E-mail – É um serviço de correio eletrônico, que permite ao usuário enviar e receber mensagens (textos, fotos, etc.)
● Redes de relacionamento – São espaços virtuais capazes de reunir indivíduos e instituições com afinidades ou objetivos comuns, mantendo e ampliando relacionamentos interpessoais. Ex: Tinder, Badoo, entre outros.
Depois de ter acesso a esses conteúdos, negligentemente despejados nessas plataformas digitais, inicia-se o ato do pedófilo, sua ação é acessar imagens através das redes sociais e identificá-las como objeto de sua predileção sexual. Posteriormente repassando-as para mantenedores de sites de pedofilia e as vezes até filiando-se a esses sites. Frisando que o pedófilo e o mantenedor desse conteúdo praticam vários verbos tipificados como crimes (vender, expor, oferecer, disponibilizar, transmitir, divulgar, publicar) no ECA.
Inacreditavelmente, em muitos desses sites ao qual os pedófilos são filiados existem critérios para que uma pessoa externa ao site possa se registrar – tais como exigir convite/indicação de quem já faz parte dessa comunidade fechada – dificultando a identificação dos membros, podendo ser descobertos e reprimidos apenas através de investigação criminal detalhada conforme faz a Unidade Especial de Investigação de Crimes Cibernéticos (UEICC).
Além do mais, se enquadram no artigo 240 do ECA, a produção, a participação e até mesmo a gestão dessa pornografia infantil. Após esse material ser produzido, o mesmo é exposto à venda, troca e até mesmo a disponibilização e a transmissão, com previsão no artigo 241-A do ECA.
Quando o usuário comprador dessas comunidades adquiri e armazena esse material de pornografia infantil, pratica o crime previsto no artigo 241-B. E para piorar, eles não param nesses crimes, com esses materiais iniciais simulam a participação das vítimas em cenas de cunho sexual, por meio de montagens sobre as fotos e os vídeos que possuem e dessa forma esgotam o rol dos fatos típicos, ilícitos, e culpáveis previstos artigo 241-C do ECA:
Art. 241-A. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, distribuir, publicar ou divulgar por qualquer meio, inclusive por meio de sistema de informática ou telemático, fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente.
Art. 241-B. Adquirir, possuir ou armazenar, por qualquer meio, fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente.
Art. 241-C. Simular a participação de criança ou adolescente em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual.
O que nos cabe agora é entender como esses direitos se tornaram o que são hoje com o passar dos anos, e como tentam acompanhar os novos crimes advindos da tecnologia.
Vejamos, com a instituição do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, por meio da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, foi possível determinar as proteções e garantias de forma integral para as crianças e os adolescentes. A partir desse marco ocorreu a sua alteração pela Lei nº 11.829, de 2008, vinte anos depois, para atender as necessidades da sociedade diante do desenvolvimento da internet, positivando os crimes sexuais contra crianças em seus artigos bem como as penas aplicáveis diante da prática desses crimes. Já em 2017 foi sancionada a Lei nº 13.431 que estabelece garantias de seus direitos e a proteção dos incapazes venham a ser testemunhas ou vítimas de exploração sexual, buscando efetivar o direito ao sigilo e esquecimento, conforme dita seu art. 4º, III e alíneas:
Art. 4º Para os efeitos desta Lei, sem prejuízo da tipificação das condutas criminosas, são formas de violência: […]
III – violência sexual, entendida como qualquer conduta que constranja a criança ou o adolescente a praticar ou presenciar conjunção carnal ou qualquer outro ato libidinoso, inclusive exposição do corpo em foto ou vídeo por meio eletrônico ou não, que compreenda:
a) Abuso sexual, entendido como toda ação que se utiliza da criança ou do adolescente pra fins sexuais, seja conjunção carnal ou outro ato libidinoso, realizado de modo presencial ou por meio eletrônico, para estimulação sexual do agente ou de terceiros;
b) atividade sexual em troca de remuneração ou qualquer outra forma de compensação, de forma independente ou sob patrocínio, apoio ou incentivo de terceiro, seja de modo presencial ou por meio eletrônico;
c) tráfico de pessoas, entendido como o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento da criança ou do adolescente, dentro do território nacional ou para o estrangeiro, com o fim de exploração sexual, mediante ameaça, uso de força ou outra forma de coação, rapto, fraude, engano, abuso de autoridade, aproveitamento de situação de vulnerabilidade ou entrega ou aceitação de pagamento, entre os casos previstos na legislação (BRASIL, 2017).
E recentemente, tivemos uma alteração que busca aprimorar o combate à produção, venda e distribuição de pornografia infantil, bem como criminaliza a aquisição e posse desses materiais e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet. O Presidente da República sancionou a Lei nº 11.829/2008, na qual pode-se observar os atos que configuram a pedofilia, através dos verbos listados no artigo 240 da referida lei:
Art. 240 . Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem agencia, facilita, recruta, coage, ou de qualquer modo intermedeia a participação de criança ou adolescente nas cenas referidas no caput deste artigo, ou ainda quem com esses contracena.
§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) se o agente comete o crime:
I – no exercício de cargo ou função pública ou a pretexto de exercê-la;
II – prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade; ou
III – prevalecendo-se de relações de parentesco consanguíneo ou afim até o terceiro grau, ou por adoção, de tutor, curador, preceptor, empregador da vítima ou de quem, a qualquer outro título, tenha autoridade sobre ela, ou com seu consentimento.”
(…)
Art. 241. Vender ou expor à venda fotografia, vídeo ou outro registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente:
Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.
O Art. 2º da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 241-A, 241-B , 241-C , 241-D e 241-E. Os artigos 241-A e 241-E, objetivam criar outras figuras típicas, tais como a conduta de pedofilia na internet, assim sendo, passa a ser visto como crime o oferecimento, troca, distribuição, divulgação dentre outras atitudes no campo da internet que envolvam crianças (BRASIL, 1990).
Um fator relevante a ser mencionado diz respeito ao fato da legislação deixar claro para efeitos dos crimes supramencionados, a cena de sexo compreende qualquer situação envolvendo a criança em atividades sexuais explícitas, simuladas ou reais, assim como, a exibição de órgãos genitais de uma criança (BRASIL, 1990). A simulação da participação de criança em cena de sexo explícito ou pornográfica por meio de adulteração ou montagem também configura crime, assim como o aliciamento ou constrangimento para que a vítima realize atos libidinosos (BRASIL, 1940).
Portanto é possível perceber que as formas de proteção a esses vulneráveis estão em constante renovação, pois afinal o Estado tem poder e obrigação de prevenir tais condutas. Ocorre que dada a velocidade das evoluções tecnológicas dificulta a responsabilização e punição dos culpados.
Finalmente com a Lei 13.441/2017 que alterou o ECA, trouxe em seu rol um artigo permitindo a infiltração dos agentes na rede mundial de computadores, medida que possibilita investigar os crimes descritos contra a liberdade e/ou dignidade sexual de crianças.
Essa alteração trazida foi de suma relevância, face ao número de violações da dignidade sexual de crianças dentro do contexto virtual. Nesse sentido versa Fernandes:
Entre os crimes cibernéticos impróprios, tem-se observado o alarmante crescimento da produção de distribuição de material de abuso sexual de crianças e adolescentes, bem como de exposição de seus órgãos genitais com finalidade sexual. Se antes o criminoso tinha de “revelar” fotografias e/ou entregar pessoalmente fotos e vídeos, ou sujeitar-se à fiscalização dos correios ou da polícia, hoje consegue disponibilizar na Internet esse tipo de material simultaneamente a sua produção, se desejar, bem como alcançar compradores ou interessados em todas as partes do mundo, num piscar de olhos. (FERNANDES; CALDI, 2017, p. 103-104).
Conforme aponta o autor, os crimes contra a dignidade sexual de crianças se tornaram mais virais do que antigamente, tendo em vista a possibilidade de disponibilizar todo este material de forma recorrente na internet, onde em muitos momentos não é possível identificar o autor, nem punir.
Destarte, a infiltração dos agentes de polícia nos casos de crimes contra a liberdade e/ou a dignidade sexual das crianças, contudo é necessária prévia autorização judicial, conforme dispõe o artigo 190-A da referida lei:
Art. 190-A. A infiltração de agentes de polícia na internet com o fim de investigar os crimes previstos nos arts. 240 , 241 , 241-A , 241-B , 241-C e 241-D desta Lei e nos arts. 154-A , 217-A , 218 , 218-A e 218-B do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal) , obedecerá às seguintes regras:
I – será precedida de autorização judicial devidamente circunstanciada e fundamentada, que estabelecerá os limites da infiltração para obtenção de prova, ouvido o Ministério Público;
II – dar-se-á mediante requerimento do Ministério Público ou representação de delegado de polícia e conterá a demonstração de sua necessidade, o alcance das tarefas dos policiais, os nomes ou apelidos das pessoas investigadas e, quando possível, os dados de conexão ou cadastrais que permitam a identificação dessas pessoas;
III – não poderá exceder o prazo de 90 (noventa) dias, sem prejuízo de eventuais renovações, desde que o total não exceda a 720 (setecentos e vinte) dias e seja demonstrada sua efetiva necessidade, a critério da autoridade judicial (BRASIL, 2017).
Outra questão relevante a ser mencionada, diz respeito ao fato da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados aprovou o projeto lei n° 1776/2015, cujo inclui a pedofilia na lei dos crimes hediondos, assim sendo, a pena para tal crime, deverá ser cumprida de forma inicial no regime fechado, impondo ainda as demais características inerentes aos crimes hediondos.
4. A IMPORTANCIA DE POLÍTICAS PÚBLICAS NO COMBANTE A CIBERPEDOFILIA E SOFTCORE PORN NA INTERNET
É de suma relevância lembrar quando falamos da conexão trazida pela internet nos referimos a algo universal, consequentemente a pedofilia não está somente no âmbito brasileiro.
A pedofilia no Brasil é tratada como um transtorno nos preceitos de diversos psiquiatras, médicos, psicólogos, dentre outros profissionais. Além do mais há de se mencionar que de forma geral no Brasil, a justiça analisa de maneira superficial o fato e não o autor com suas características específicas. Os tribunais pecam pela própria indulgência, quando absolvem tais pervertidos, sem que realize-se um exame mais conciso a respeito de sua periculosidade, fator que pode ajudar até mesmo a entender como isso poderia se configurar como crime. (FRANÇA, 2004).
Porém é salutar destacar que em outros países, a exemplo nos Estados Unidos da América no seu Estado do Alabama, já há a previsão em seu código penal da tipificação da conduta pedofílica com a punição de castração química. Essa medida é usada em pelo menos outros 9 estados do país. Além do mais, em outros países, tais como Rússia, Indonésia, Coreia do Sul e Argentina, o fato também é considerado crime, sendo a penalidade medida que se impõe de forma igual ou equivalente. (Com EFE. 2019.p.01)
De forma geral, pode-se entender que no atual sistema, não há a preocupação com a devida perícia para detectar a atuação do pedófilo nem para distingui-lo do molestador sexual, gerando com isso, maiores problemas à sociedade. Ocorre que, por a pena ser branda, levando em consideração o tamanho dos prejuízos causados, o infrator quando é preso sequer chega a ser reeducado cumprindo sua pena, pois em poucos dias retorna ao seio da sociedade, consequentemente reincidindo em suas condutas. Diante disso, é necessário que se implementem políticas públicas adequadas para criminalizar e punir com pena de reclusão mais severa para que esse método reeducador cumpra sua função e contenha esse mal.
Seguindo esse entendimento do Promotor de justiça Gilberto Leme Marcos Garcia em uma matéria do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais IBCCRIM, quanto a teoria de prevenção da pena:
concebe a pena como forma para evitar que surjam delinquentes no seio da sociedade. É uma forma de intimidação geral, evitando que as pessoas cometam delitos, pois assim atuando serão submetidas a uma sanção aplicada pelo órgão estatal competente. A prevenção geral tem como fim a tarefa de se criar e manter nos cidadãos, por meio da aplicação da pena, uma atitude obrigatória de respeito pelo Direito. Trata-se de uma função utilitária, pela qual a pena não é considerada somente como castigo frente a um mal cometido, mas sim como um instrumento dirigido a prevenir delitos futuros. (p.03. Garcia Gilberto – IBCCRIM)
Cumpre dimensionar ainda nesse viés, que algumas políticas já foram implementadas quanto a tentativa de mapear suas ações e território de atuação, como por exemplo, o “Disque 100” no qual, qualquer cidadão, pode fazer denúncias sobre violações de direitos humanos, da qual, seja a vítima ou mesmo tenha conhecimento de que acontece com outra pessoa (GRECO, 2017).
O conselho tutelar, também é um instituto importante, vez que, ele visa resguardar a criança e o adolescente vítima de qualquer tipo de violência, atendendo queixas, reclamações e solicitações feitas pelas crianças, ou pela própria comunidade, além de aplicar medidas protetivas pertinentes (GRECO, 2017).
Ainda dentro do campo de proteção tem-se a central nacional de denúncias de crimes cibernéticos e a Safernet, que busca combater a pornografia infantil na internet, sendo elementares nesse sentido de proteção e prevenção ao crime.
4.1 A PEDOFILIA E SUAS CONSEQUENCIAS SOCIAIS
Quando se faz uma análise psicológica, pode-se compreender que as crianças são seres incapazes, pois se encontram com seus aspectos de capacidade cognitiva e psicológicos em desenvolvimento, estando em uma situação de fragilidade e vulnerabilidade. Logo, é certo que tais abusos deixam sequelas.
Quaisquer que sejam as alterações psíquicas que essas crianças, vítimas, venham sofrer, em decorrência desse abuso, por estar nesse estágio de tenra idade, deixa traumas que levarão para a vida toda. Acarretando, consequentemente, vários desvirtuamentos cognitivos e transtornos pessoais e sociais. (WADSWORTH, 1999, p. 158).
Assim as sequelas dos abusos vividos por essas crianças são inegavelmente permanentes e trazem doenças mentais na vida adulta. Conforme demonstrado através de pesquisa nas palavras de Eizirik, Kapczinski e Bassols (2002, p. 20):
A doença mental seria influenciada por múltiplos fatores resultantes de um indissolúvel inter-relacionamento entre o psíquico e o neuroquímico, havendo crescentes evidências de pesquisas recentes que sustentam estarem as doenças mentais da idade adulta relacionadas com situações traumáticas da infância.
Ainda nesse sentido, é importante trazer as palavras de Freud (1978,apud PIEDADE JÚNIOR e LEAL,2001, p. 45-46) vejamos:
“o ser humano tem uma capacidade ímpar de reproduzir as emoções vivenciadas; como num arquivo, deposita na mente todas as experiências e, a partir de certas circunstâncias que fazem lembrar essas experiências, reagem conforme o grau de intensidade com que estas são representadas; e algo como reproduzir a violência de que foram vitimizadas ou testemunhas.”
Tendo como base um estudo pelo Jornal da USP sobre a disfunção da sexualidade em mulheres que foram vítimas de violência sexual, o resultado se concluiu em que 22% das mulheres abusadas quando crianças possuem traumas na hora de se relacionarem sexualmente e encontram dificuldade para manter relacionamentos afetivos. Isso traz à tona então a imprescindibilidade da proteção à dignidade sexual. (GREPI. 2021. p.01). Sobre o mesmo entendimento versa Pereira:
“(…) a violação da dignidade sexual de crianças e adolescentes que ocorre no ambiente virtual. Mesmo com campanhas destinadas a sensibilizar a família e as crianças para o uso seguro da internet, a prática de crimes virtuais envolvendo crianças e adolescentes aumentam a cada dia, sendo necessário analisar a importância de salvaguardar dignidade sexual de tal grupo (PEREIRA, 2020).
No meio social como bem sabido a pedofilia é vista como uma anomalia, indo contra os padrões comportamentais normais, sendo assim não se pode simplesmente cruzar os braços diante dos tantos malefícios que causa, pois a sociedade clama por providências. A forma como cada cultura percebe a necessidade de proteção da criança, ocorre pelo próprio processo de formação da sociedade, processo este que é responsável pela sedimentação dos valores fundamentais. Ocorre que com o abuso sexual tais valores são violados afrontando o consenso moral, minando-se os laços da sociedade e desencadeando uma série de problemas. Sejam eles, psicológicos, diretamente nas vítimas, e indiretamente de saúde pública na sociedade. Contudo diante de tais problemas vê-se a necessidade da atenção pelo poder público diante de cada caso concreto.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao final desse apanhado de informações sobre a Cyberpedofilia e o Softcore Porn, bem como, a análise da problemática exposta nos parágrafos acima, observamos que a pesquisa estudou as etimologias das palavras Pedofilia e Softcore Porn, como ocorrem esses atos e seus campos de incidência. Foram analisados o perfil do agressor e como ele se comporta nas redes sociais para alcançar seus anseios.
O objetivo geral da pesquisa foi conceituar e trazer à tona tal relevantíssimo tópico e a necessidade de se debater acerca dele. Os objetivos específicos foram apresentar onde e como ocorrem essas condutas pedofílicas e enfatizar o quanto as políticas públicas e a legislação podem se tornar mais eficazes. Desta forma, o trabalho cumpriu os objetivos propostos.
A internet é um fenômeno universal, apresentando uma vasta rede de conexão de pessoas, na atualidade, com essa popularização, propagou-se o comportamento de que todo tipo de material sobre a vida pessoal deve ser compartilhado nas redes sociais.
Ocorre que nesses espaços há pessoas mal intencionadas de prontidão para cometerem crimes que derivam da pedofilia, em razão da possibilidade do anonimato nessas redes sociais pois não existem critérios suficientes no cadastramento de usuários para ser eficaz a sua individualização, resultando assim um maior número desses crimes.
Essa superexposição das crianças, desde muito cedo, deixa brechas para a violação de seus direitos e garantias. Se materializando quando são utilizadas para satisfazerem uma rede de comércio e entretenimento pedofílico. A falta de providências por parte do poder público em relação a caracterizar tais fatos como crimes, além do descaso por parte dos responsáveis, também instigam esse desenfreado aumento.
A exploração sexual infantil assola nossa sociedade e está entranhada nas redes sociais, trata-se de um fenômeno complexo pois ocorre por diferentes meios e pessoas, tendo sempre os agentes que praticam, uns solicitando, outros sendo clientes, além daqueles que cometem a exploração sexual.
Diante da complexidade desse fenômeno é possível evidenciar a dificuldade de fixar políticas públicas para punir tais crimes. Contudo é importante destacar que a pedofilia, está sob pauta final de tramitação legislativa para ser incluída no rol dos crimes hediondos.
A iniciativa de criminalizar tais práticas é de inestimável valor para a sociedade, visto que possibilita evitar a contínua proliferação dos transtornos sociais decorrentes desse mal. Afinal, são muitos os prejuízos suportados pelas vítimas desses abusos. Prejuízos esses que, conforme amplamente demonstrado, ao longo da pesquisa, acabam afetando, de forma direta ou indiretamente, toda a sociedade brasileira. O que hodiernamente vem sendo entendido como uma parafilia conforme classificado pela OMS, pode passar a ser considerado como crime se o Projeto de Lei nº 1776/2015 for aprovado. Logo, será possível a incidência das circunscrições Legais/Penais na ocorrência da conduta típica, dolosa e culpável afastando o conceito de transtorno psiquiátrico em relação as pessoas que cometem pedofilia e passando a configurar crime. Cumprindo-se tanto os auspícios descritos no ECA quanto no Código Penal Brasileiro. Alcançando enfim a tão necessária aplicação da penalidade para a reprimenda desse comportamento repugnante.
REFERÊNCIAS
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1Graduanda em Direito – Faculdade Católica de Rondônia. Email: evellyn.souto@sou.fcr.edu.br
2Doutora em Ciência Jurídica – DINTER entre FCR e UNIVALI. Mestre em Direito Ambiental pela Fundação de Ensino Eurípides Soares da Rocha. Especialista em Direito Penal pela Toledo. Especialista em Segurança Pública e Direitos Humanos pela UNIR. Especialista em Direito Militar pela Verbo Jurídico, Docente da UNIRON. Docente da Faculdade Católica de Rondônia. E-mail: andreiatemis@gmail.com