CELULITE ORBITÁRIA: AVANÇOS NO DIAGNÓSTICO E MANEJO MULTIDISCIPLINAR PARA PREVENÇÃO DE COMPLICAÇÕES GRAVES

ORBITAL CELLULITIS: ADVANCES IN DIAGNOSIS AND MULTIDISCIPLINARY MANAGEMENT FOR PREVENTING SEVERE COMPLICATIONS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202503292208


Alberto Lima de Souza Medeiros
Humberto Novais da Conceição
Paulo Henrique Conti Junior
Maria Eduarda Soares Barros
Désio Antônio dos Santos Costa
Beatriz França Soares da Silva
José Maria Teixeira de Oliveira
Maísa Rezende Nazareth de Freitas Cardoso
Romulo Gabriel Barbosa de Souza


Resumo 

A celulite orbitária é uma infecção bacteriana que afeta os tecidos da órbita ocular, sendo mais comum em crianças devido à associação com infecções respiratórias. Sua principal causa está relacionada a sinusites bacterianas, e os agentes etiológicos mais frequentes incluem Staphylococcus aureus e Streptococcus pneumoniae. A doença pode apresentar diferentes graus de gravidade, conforme a classificação de Chandler, variando desde formas leves até complicações severas, como trombose do seio cavernoso. Os sintomas mais comuns incluem dor ocular, proptose, edema palpebral e febre, podendo ser confundidos com outras condições oftalmológicas. O diagnóstico diferencial é essencial para evitar atrasos no tratamento, que deve ser realizado em ambiente hospitalar com antibióticos intravenosos de amplo espectro. Em casos mais graves, pode ser necessária a drenagem cirúrgica de abscessos orbitários. A identificação precoce e o tratamento adequado são fundamentais para prevenir complicações graves, como perda visual permanente e disseminação da infecção para o sistema nervoso central. A abordagem multidisciplinar, envolvendo pediatras, oftalmologistas e otorrinolaringologistas, é essencial para um manejo eficaz e para garantir melhores desfechos clínicos. 

Palavras-chave: Celulite orbitária. Diagnóstico. Tratamento. Complicações. 

1 INTRODUÇÃO 

A celulite orbitária, também denominada celulite pós-septal, é uma infecção bacteriana grave que compromete os tecidos orbitários, incluindo músculos extraoculares e gordura intra-orbital (ANOSIKE et al., 2022). Comumente associada às sinusites bacterianas agudas ou crônicas, a doença é mais prevalente em crianças, devido à elevada incidência de infecções do trato respiratório superior nessa faixa etária e à imaturidade imunológica. A introdução da vacina conjugada contra Haemophilus influenzae tipo B reduziu significativamente sua incidência (ALSULAIMAN & AL-FAKY, 2021), contudo, outras bactérias, como Staphylococcus aureus e Streptococcus pneumoniae, continuam sendo importantes na etiologia (DANISHYAR & SERGENT, 2023). 

Essa patologia representa uma emergência médica devido ao elevado risco de complicações severas, como perda visual permanente, trombose do seio cavernoso, meningite e abscessos intracranianos. Dessa forma, requer atenção dos profissionais de saúde e abordagem multidisciplinar envolvendo pediatras, oftalmologistas e otorrinolaringologistas (ANOSIKE et al., 2022; BUREK et al., 2023). Quando diagnosticada precocemente, o tratamento com antibióticos intravenosos é eficaz em aproximadamente 80% dos casos, prevenindo a progressão para complicações mais graves (BUREK et al., 2023). 

Este artigo tem como objetivo identificar e discutir os aspectos epidemiológicos, clínicos, diagnósticos e terapêuticos da celulite orbitária, contribuindo para a educação médica e o aprimoramento do manejo dessa condição. Além disso, busca-se destacar a importância da abordagem interdisciplinar e da intervenção precoce para minimizar riscos e garantir melhores desfechos clínicos. 

2 METODOLOGIA  

Este estudo consiste em uma revisão sistemática da literatura realizada em fevereiro de 2025, com base em artigos indexados na base de dados PubMed e Scielo. Foram utilizados os descritores DECS “orbital cellulitis” AND “pediatric”, resultando em 135 artigos. Após a aplicação de filtros para selecionar artigos publicados nos últimos cinco anos e com acesso gratuito ao texto completo, restaram 79 estudos. 

Os critérios de inclusão abrangeram ensaios clínicos randomizados, meta-análises e relatos de caso publicados entre 2020 e 2024, em inglês ou português, que apresentassem pertinência ao tema e estivessem disponíveis na íntegra. Foram excluídos artigos duplicados, disponibilizados apenas em formato de resumo, que não abordavam diretamente a temática proposta ou que não atendiam aos demais critérios de inclusão. Foi incluído também um artigo fora do período temporal determinado acima por ter sido o primeiro a citar a classificação da celulite orbitária. 

Foram selecionados 17 artigos para serem utilizados como referência para este trabalho. Os resultados foram organizados de forma descritiva. 

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES  

A celulite orbitária, também denominada celulite pós-septal, é uma infecção bacteriana invasiva que acomete os músculos extraoculares e o tecido adiposo circundante à órbita ocular, sem, no entanto, afetar diretamente o globo ocular (ANOSIKE et al., 2022; DANISHYAR & SERGENT, 2023). Diferentemente da celulite pré-septal, que compromete o tecido conectivo das pálpebras e está frequentemente associada a traumas, a celulite orbitária geralmente surge como complicação de sinusites agudas ou crônicas (ANOSIKE et al., 2022). 

A Classificação de Chandler (Tabela 01), proposta na década de 1970, categoriza as infecções orbitárias conforme sua extensão anatômica e gravidade, subdividindo-as em cinco estágios progressivos. O Chandler I, denominado celulite pré-septal, refere-se à infecção restrita aos tecidos anteriores ao septo orbital, incluindo as pálpebras. O Chandler II, correspondente à celulite orbitária, envolve os tecidos moles da órbita, como os músculos extraoculares e o tecido adiposo orbitário. No Chandler III, ocorre a formação de um abscesso subperiosteal, caracterizado pelo acúmulo de pus entre o perósteo e as paredes ósseas da órbita, frequentemente requerendo intervenção cirúrgica para drenagem. O Chandler IV refere-se à infiltração infecciosa das estruturas intra orbitais, incluindo os músculos e o nervo óptico, configurando um quadro de maior gravidade. O Chandler V representa a forma mais severa da patologia, caracterizada pela trombose do seio cavernoso, com manifestação de proptose bilateral, alterações neurológicas e elevado risco de mortalidade (CHANDLER et al., 1970; SALTAGI, M. Z. et al., 2022). 

Tabela 01: Classificação de Chandler 

Fonte: Adaptado de SALTAGI, M. Z. et al., 2022.  

Embora possa ocorrer em qualquer faixa etária, a celulite orbitária apresenta maior prevalência em crianças, principalmente devido à sua associação com infecções do trato respiratório superior. Os principais agentes etiológicos incluem Haemophilus influenzae tipo B, Streptococcus pneumoniae, Streptococcus anginosus e Staphylococcus aureus (ANOSIKE et al., 2022; DANISHYAR & SERGENT, 2023). Ainda que raramente, Mycobacterium tuberculosis, agente causador da tuberculose, também pode estar envolvido na patogênese da doença (DANISHYAR & SERGENT, 2023). Antes da implementação da vacina conjugada contra Haemophilus influenzae tipo B (Hib), esse patógeno era responsável por aproximadamente 80% dos casos de celulite orbitária. No entanto, com a ampliação da cobertura vacinal obrigatória, a incidência dessa etiologia reduziu-se substancialmente (ALSULAIMAN & AL-FAKY, 2021). 

Embora a infecção seja predominantemente bacteriana, casos fúngicos são relatados, especialmente em pacientes imunocomprometidos. Nestes casos, os principais agentes incluem fungos da ordem Mucorales (mucormicose) e do gênero Aspergillus (aspergilose invasiva) (DANISHYAR & SERGENT, 2023). 

A principal causa da celulite orbitária é a rinosinusite bacteriana, especialmente pansinusite ou sinusite etmoidal, embora seja uma complicação rara dessas condições (BUREK et al., 2023). Fatores predisponentes incluem alergias, imunodeficiências e anomalias anatômicas, que podem favorecer o desenvolvimento da infecção (TURHAL et al., 2020). Outras causas relatadas na literatura envolvem infecções dentárias, infecções faciais ou da orelha média, trauma orbitário ou facial com fraturas e penetração de corpo estranho, além de complicações pós-operatórias de cirurgias oftalmológicas, como blefaroplastia e correção de estrabismo (LAYCOCK et al., 2020; DANISHYAR & SERGENT, 2023). 

A celulite orbitária manifesta-se clinicamente por dor ao movimento ocular, proptose, oftalmoplegia com diplopia e febre. Além disso, pode haver quemoses (edema conjuntival) e leucocitose periférica predominante de neutrófilos, embora esses achados não sejam exclusivos da doença (DANISHYAR & SERGENT, 2023). O diagnóstico diferencial inclui dermatite, conjuntivite alérgica, doença inflamatória orbital idiopática, oftalmiíase externa, episclerite e uveíte posterior (SHIH et al., 2022; LEE et al., 2021; SEN et al., 2020; JARI et al., 2023). 

O tratamento deve ser realizado em ambiente hospitalar, sob acompanhamento de equipe multidisciplinar composta por pediatras, oftalmologistas e otorrinolaringologistas (BUREK et al., 2023). A terapia antimicrobiana é baseada na administração intravenosa de antibióticos de amplo espectro, incluindo vancomicina associada a ceftriaxona, cefotaxima, ampicilina-sulbactam, piperacilina-tazobactam ou metronidazol (DANISHYAR & SERGENT, 2023). Nos casos responsivos, pode-se converter a terapia para via oral, utilizando clindamicina isolada ou em associação com amoxicilina, amoxicilina-clavulanato, cefpodoxima ou cefdinir (DANISHYAR & SERGENT, 2023). Além disso, não há evidências suficientes para aconselhar o uso de corticosteróides no tratamento da celulite periorbital e orbital (KORNELSEN, E. et al., 2021). 

A intervenção cirúrgica é indicada em casos de complicações intracranianas, abscessos extensos ou falha terapêutica da antibioticoterapia (DANISHYAR & SERGENT, 2023; YULIA et al., 2022). 

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS 

A celulite orbitária é uma condição grave e potencialmente fatal que exige reconhecimento e tratamento precoces para evitar complicações severas. Os avanços na vacinação reduziram significativamente a incidência de patógenos anteriormente prevalentes, como Haemophilus influenzae tipo B, mas outras bactérias continuam sendo agentes etiológicos relevantes. 

O diagnóstico é baseado na avaliação clínica e na confirmação por exames de imagem, sendo a tomografia computadorizada o método de escolha. A abordagem terapêutica envolve antibioticoterapia intravenosa precoce, podendo necessitar de intervenção cirúrgica nos casos mais graves. 

A identificação dos aspectos epidemiológicos, clínicos, diagnósticos e terapêuticos da celulite orbitária reforça a importância da atuação interdisciplinar no manejo da doença. O conhecimento aprofundado sobre essa patologia contribui para a educação médica e pode levar a melhores desfechos clínicos, reduzindo a morbidade e prevenindo sequelas permanentes nos pacientes acometidos. 

REFERÊNCIAS 

ALSULAIMAN, H. & AL-FAKY, Y. Microbiology and outcome of pediatric orbital cellulitis in a Tertiary Eye Care Center in Saudi Arabia after the routine administration of Haemophilus influenzae Type B vaccine. Saudi Journal of Ophthalmology, v. 35, p. 239, 2021. doi: 10.4103/1319-4534.343367. 

ANOSIKE, B.I. et al. Epidemiology and management of orbital cellulitis in children. Journal of the Pediatric Infectious Diseases Society, v. 11, p. 214, 2022. doi: 10.1093/jpids/piac006. 

ANWAR, M.R. et al. Diagnostic test accuracy of ultrasound for orbital cellulitis: a systematic review. PloSOne, v. 18, e0288011, 2023. doi: 10.1371/journal.pone.0288011. 

BUREK, A.G. et al. Pediatric orbital cellulitis/abscess: microbiology and pattern of antibiotic prescribing. WMJ: Official Publication of the State Medical Society of Wisconsin, v. 122, p. 52, 2023. 

CHANDLER, J.R. et al. The pathogenesis of orbital complications in acute sinusitis. The Laryngoscope, v. 80, p. 1414, 1970. doi: 10.1288/00005537-197009000-00007. 

DANISHYAR, A. & SERGENT, S.R. Orbital cellulitis. StatPearls, 8 aug. 2023. 

FALTICEANU, A. et al. Ultrasound in pediatric orbital cellulitis. Medical Ultrasonography, v. 22, p. 253, 2020. doi: 10.11152/mu-2438. 

JARI, M. et al. Episcleritis; and posterior uveitis misdiagnosed as orbital cellulitis in a child patient with Behçet’s disease. SAGE Open Medical Case Reports, v. 11, 2023. doi: 10.1177/2050313X231182237. 

KORNELSEN, E. et al. Corticosteroids for periorbital and orbital cellulitis. Cochrane Database of Systematic Reviews, v. 2021, n. 4, 28 abr. 2021.  

LAYCOCK, J. et al. Facial trauma aggravating paediatric orbital cellulitis. BMJ Case Reports, v. 13, e233230, 2020. doi: 10.1136/bcr-2019-233230. 

LEE, N.C. et al. More Than meets the eye: idiopathic orbital inflammation mimicking orbital cellulitis. Cureus, v. 13, e12655, 2021. doi: 10.7759/cureus.12655. 

SALTAGI, M. Z. et al. Orbital Complications of Acute Sinusitis in Pediatric Patients: Management of Chandler III Patients. Allergy & Rhinology, v. 13, 27 jan. 2022.  

SEN, P. et al. External ophthalmomyiasis in a neonate masquerading as an orbital cellulitis. Indian Journal of Ophthalmology, v. 68, p. 900, 2020. doi: 10.4103/ijo.IJO_1861_19. 

SHIFMAN, N.T. et al. Orbital cellulitis in a pediatric population: experience from a tertiary center. Indian Pediatrics, v. 59, p. 35, 2022. 

SHIH, E.-J. et al. Antibiotic choices for pediatric periorbital cellulitis: a 20-year retrospective study from Taiwan. Antibiotics, v. 11, p. 1288, 2022. doi: 10.3390/antibiotics11101288. 

TURHAL, G. et al. Orbital complications of pediatric rhinosinusitis: a single institution report. The Turkish Journal of Pediatrics, v. 62, p. 533, 2020. doi: 10.24953/turkjped.2020.04.002. 

YULIA, D.E. et al. Resolution of refractory orbital cellulitis in an immunocompetent child: a case report. International Journal of Surgery Case Reports, v. 90, p. 106737, 2022. doi: 10.1016/j.ijscr.2021.106737.