CEFALEIA EM SALVAS: REVISÃO DAS INTERVENÇÕES TERAPÊUTICAS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ch10202509221243


Ronaldo de Santana1
Cleverson Pereira Guilherme2
Henrique de Oliveira Freitas3
Orientador: Altair Justus Neto


RESUMO

A cefaleia em salvas (CS) é responsável por uma das mais intensas dores conhecidas na neurologia e está associada a impacto funcional e emocional significativo. Este estudo realizou uma revisão da literatura incluindo cinco artigos de base publicados entre 2019 e 2025, com o objetivo de apresentar um panorama das principais intervenções terapêuticas na CS. Os resultados indicam que o tratamento agudo se baseia no uso de oxigênio 100% em alto fluxo e triptanos parenterais; o tratamento de transição envolve corticosteroides e bloqueio do nervo occipital maior; o tratamento preventivo apresenta o verapamil como primeira linha, seguido por lítio e topiramato; e, em casos refratários, estratégias adicionais incluem neuromodulação através de estimulação do nervo vago, occipital e gânglio esfenopalatino e anticorpos monoclonais anti-CGRP. Apesar dos avanços, ainda há lacunas quanto à eficácia a longo prazo e à padronização de protocolos. Conclui-se que o manejo deve ser individualizado, integrando terapias farmacológicas e intervenções invasivas de acordo com o perfil clínico do paciente. 

Palavras-chave: Cefaleia em salvas. Intervenções terapêuticas. Tratamento Agudo. Tratamento preventivo. Tratamento de transição.  

ABSTRACT

Cluster headache (CH) is responsible for one of the most intense pains known in neurology and is associated with a significant functional and emotional burden. This study conducted a literature review including five baseline articles published between 2019 and 2025, aiming to provide an overview of the main therapeutic interventions in CH. The results indicate that acute treatment relies on the use of 100% high-flow oxygen and parenteral triptans; transitional treatment involves corticosteroids and greater occipital nerve block; preventive treatment identifies verapamil as the first-line option, followed by lithium and topiramate; and, in refractory cases, additional strategies include neuromodulation through vagus nerve, occipital nerve, and sphenopalatine ganglion stimulation and anti-CGRP monoclonal antibodies. Despite advances, gaps remain regarding long-term efficacy and the standardization of protocols. It is concluded that management should be individualized, integrating pharmacological therapies and invasive interventions according to the patient’s clinical profile. 

Keywords: Cluster headache. Therapeutic interventions. Acute treatment. Preventive treatment. Transitional treatment.  

1. INTRODUÇÃO 

A cefaleia em salvas (CS) é classificada pela International Headache Society (IHS) entre as cefaleias trigeminoautonômicas, caracterizando-se por dor unilateral de forte intensidade, geralmente localizada nas regiões orbital, supraorbital ou temporal, acompanhada de sintomas autonômicos ipsilaterais como lacrimejamento, congestão nasal, rinorreia e ptose palpebral (IHS, 2018). Os episódios de dor duram entre 15 e 180 minutos, podendo ocorrer de um a oito episódios por dia, frequentemente em padrão circadiano (San-Juan et al., 2024). 

Clinicamente, distinguem-se duas formas principais: a episódica, responsável por 80– 90% dos casos, e a crônica, em que não há remissão por mais de um ano ou em que as remissões duram menos de um mês (Peter & Tfelt-Hansen, 2005). Trata-se de um distúrbio que afeta predominantemente homens entre 30 e 40 anos, embora possa surgir em qualquer faixa etária e sexo. Fatores genéticos também estão implicados: a presença de um parente de primeiro grau, de acordo com Volcy-Gómez (2006), aumenta em até 14 vezes o risco de desenvolvimento da doença. Além disso, ainda quanto a fatores genéticos, o resultado do estudo de revisão sistemática de Benkli et al. (2023), conclui que a cefaleia em salvas está associada a variações hormonais, com pacientes apresentando menores níveis de melatonina e maiores níveis de cortisol. A pesquisa sugere ainda que a cefaleia em salvas esteja ligada a genes importantes para o ritmo circadiano, como o CLOCK e o VER- ERBα, e que 5 dos 9 genes de suscetibilidade à doença são genes do ciclo circadiano (CCGs). 

No Brasil, estima-se que a CS acometa 0,1% a 0,4% da população, o que corresponde a mais de 300 mil indivíduos (Academia Brasileira de Neurologia, 2024). Apesar de sua relevância, a etiologia permanece incerta, embora evidências apontem para alterações no hipotálamo, região responsável pela regulação do ritmo circadiano (Leroux & Ducros, 2008). O impacto clínico e social é expressivo: a dor é descrita como uma das mais intensas conhecidas na neurologia, associando-se a sofrimento psicológico, depressão e ideação suicida, além dessas condições extremamente danosas, o diagnóstico definitivo para cefaleia em salvas demora em média cinco anos (San-Juan et al., 2024; Pereira et al., 2021). 

2. OBJETIVO  

Este artigo tem como objetivo apresentar um panorama das principais intervenções terapêuticas disponíveis para a cefaleia em salvas através da análise de 5 artigosbase publicados entre os anos de 2019-2025. 

3. MÉTODO 

A pesquisa consiste em uma revisão descritiva da literatura com o objetivo de mapear os principais métodos terapêuticos com evidência científica para pacientes com cefaleia em salvas. Foram selecionadas cinco revisões bibliográficas recentes, publicadas entre 2019 e 2025, que servem como o alicerce estrutural. A opção por estudos de revisão de literatura deve-se à sua capacidade de sintetizar um enorme volume de evidências primarias, oferecendo uma visão panorâmica e atualizada do tema. 

A busca foi realizada na base de dados PubMed, utilizando o termo “cluster headache” com o filtro de busca por título e resumo [Title/Abstract]. A escolha do idioma inglês e do período temporal tem como objetivo de garantir que os artigos de base fossem compostos por sínteses recentes e internacionalmente reconhecidas, dada a escassez de material de referência em língua portuguesa a respeito do tema. Para complementar a pesquisa, foram consultados outros artigos e diretrizes clínicas de sociedades especializadas como a Academia Brasileira de Neurologia e European Academy of Neurology

Os cinco artigos-base foram submetidos a uma análise para extração dos dados como as recomendações terapêuticas, nível de evidência e conclusões. Os dados foram organizados em quadros comparativos (Quadro 1 e Quadro 2) para sintetizar o consenso e as divergências na literatura. A discussão dos resultados foi então construída a partir desta síntese e de consultas a literatura secundária. 

4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 

Quadro 1 – Lista de artigos-base selecionados 

Título Autores Ano Periódico Métodos 
Managing Cluster Headache Wei, Khalil & Goadsby 2019 Expert Review of Neurotherapeutics Revisão de literatura. 
Cluster Headache: What’s New? Cheema & Matharu 2021 Neurology India Revisão de literatura. 
Drug Treatment of Cluster Headache Diener e May 2022 Drugs Revisão de literatura. 
European Academy of Neurology Guidelines on the Treatment of Cluster Headache May Arne et al. 2023 European Journal of Neurology Revisão de literatura. 
Cluster Headache Lansbergen C. S. et al. 2025 Pain Practice: The Official Journal of World Institute Pain Revisão de literatura. 

Fonte: Autores (2025). 

Quadro 2 – Caracterização da amostra de artigos. 

Artigo Objetivo Principais resultados Conclusões 
Wei D., Y.; Khalil M.; Goadsby P., J. Managing cluster headache. 
Practical Neurology. 2019; v. 19, n. 6 p. 521528. 
Revisar as opções diagnósticas e 
terapêuticas disponíveis para o manejo da cefaleia em salvas. 
Trat. agudo: oxigênio 100% em alto fluxo, triptanos subcutâneos e intranasais. Trat. preventivo: verapamil (primeira linha), lítio e topiramato como 
alternativas. Trat. de transição: corticosteroides orais e bloqueio do nervo occipital maior. Estratégias adicionais/casos refratários: neuromodulação e estimulação do nervo vago não invasiva. 
O cuidado deve ser individualizado, priorizando opções farmacológicas 
estabelecidas e 
considerando
intervenções adicionais em casos resistentes; reforça-se a importância do diagnóstico precoce e do acesso rápido ao tratamento. 
CHEEMA, S.; MATHARU, M. Cluster headache: what’s new? Neurology India, v. 69, p. S124-S134, 2021. Fornecer uma visão geral das características clínicas, epidemiologia, fatores de risco, diagnóstico diferencial, 
fisiopatologia e opções terapêuticas para a cefaleia em salvas. 
Trat. agudo com triptanos parenterais e oxigênio em alto fluxo; trat. preventivo com verapamil; trat. de transição com corticosteroides orais ou bloqueio do nervo occipital maior; novas terapias farmacológicas e neuromodulatórias mostram resultados promissores. Avanços no 
entendimento fisiopatológico da CS têm levado ao desenvolvimento de novas opções terapêuticas que podem integrar a prática clínica no futuro, em especial para casos refratários (os de maior dificuldade quanto à farmacologia). 
DIENER, H. C.; MAY, A. Drug treatment of cluster headache. Drugs, v. 82 p. 33-42, 2022. Revisar a farmacoterapia disponível para tratamento agudo, preventivo e de transição da cefaleia em salvas, destacando evidências atuais e novas terapias em investigação. Trat. agudo: oxigênio 100% em alto fluxo, sumatriptano subcutâneo, sumatriptano ou zolmitriptano intranasal. Trat. de transição: prednisolona oral ou bloqueio farmacológico do nervo occipital maior. Trat. preventivo: verapamil e lítio (maior número de evidências), gabapentina, topiramato, divalproato de sódio e melatonina (possivelmente eficazes). Terapias emergentes: anticorpos monoclonais antiCGRP (eficácia comprovada apenas na forma episódica), além de investigações com cetamina, onabotulinumtoxinaA, ácido lisérgico e oxibato de sódio. Apesar da baixa prevalência, a cefaleia em salvas possui opções farmacológicas eficazes, especialmente para formas episódicas; novas terapias mostram potencial, porém ainda são necessárias mais evidências para a aplicação rotineira. Além disso, a dificuldade do desenvolvimento de novos medicamentos está relacionada a dificuldade de ensaios clínicos controlados devido a característica episódica da doença. 
MAY, Arne et al. European Academy Guidelines on the treatment of cluster headache. 
European Journal of Neurology, v. 30, n. 10, p. 29552979, 2023. 
Elucidar as 
recomendações clínicas atualizadas e baseadas em evidências para o manejo da cefaleia em salvas, incluindo terapias agudas, preventivas e de transição. 
Trat. agudo: oxigênio 100% (alto fluxo), sumatriptano subcutâneo, sumatriptano ou zolmitriptano intranasal. Trat. preventivo de primeira linha: verapamil (monitorização eletrocardiográfica obrigatória); segunda linha: lítio, topiramato. Trat. de transição
corticosteroides orais e bloqueio do nervo occipital maior. Terapias emergentes: galcanezumabe (aprovada para forma episódica), estimulação do nervo vago não invasiva, neuromodulação invasiva em casos refratários. 
As recomendações reforçam a importância de terapias rápidas e eficazes para ataques agudos, prevenção individualizada e uso criterioso de terapias emergentes. A implementação de protocolos baseados em evidencias melhora tanto o prognóstico quanto a qualidade de vida dos pacientes. 
LANSBERGEN, C. S. et al. Cluster Headache. Pain Practice, v. 25, n. 4, p. e70050, 2025.. Atualizar as evidencias científicas sobre o manejo intervencionista da cefaleia em salvas, abordando opções farmacológicas e invasivas. Trat. agudo: oxigênio 100% em alto fluxo, triptanos subcutâneos e intranasais. Trat. preventivo: verapamil, lítio, topiramato, melatonina; para casos refratários, considerar bloqueios nervosos e neuromodulação. Intervenções invasivas: bloqueio do nervo occipital maior, estimulação do nervo occipital, estimulação do gânglio esfenopalatino e estimulação cerebral profunda. Evidência mais robusta para estimulação do nervo occipital em cefaleia em salvas crônica intratável. Trat. de transição: corticoides (oral, intravenoso ou injeção no nervo occipital), frovatriptano (tem potencial). A conduta ideal deve ser individualizada, priorizando terapias farmacológicas comprovadas, mas com abertura para intervenções invasivas em casos resistentes; sendo que a estimulação do nervo occipital é a técnica invasiva com melhor evidência até o momento (2025). As evidências dos tratamentos permanecem limitadas, exceto para oxigenoterapia e sumatriptano. 

Fonte: Autores (2025). 

A abordagem terapêutica da cefaleia em salvas pode ser dividida em quatro eixos principais: tratamento agudo, de transição, preventivo e estratégias adicionais para casos refratários. Cada uma das abordagens desempenha papel específico baseada no curso clínico e na fisiopatologia da doença, é desse modo que os autores organizam as descrições de tratamento. 

Quadro 3 – Tipos de tratamento. 

Tipo de Tratamento Descrição 
Tratamento Agudo Interromper a crise em andamento 
Tratamento de Transição Estratégia temporária até que o Trat. Preventivo tenha efeito 
Tratamento Preventivo Reduzir ou evitar novas crises durante o ciclo 
Tratamento Refratário Alternativas avançadas para casos de resistência. 

Fonte: Autores (2025). 

4.1 Tratamento agudo.   

Quando comparamos as melhores estratégias de acordo com o tipo de tratamento chegamos na seguinte relação, em todos os estudos analisados, a utilização de oxigênio 100% em alto fluxo está presente. De modo geral esse tipo de medida terapêutica consiste em administrar oxigênio 100% em diferentes taxas de fluxo para aliviar as crises de cefaleia em salvas, utiliza-se uma máscara facial sem reinalação, o fluxo pode variar conforme a especificidade do caso, por exemplo no estudo de Dirkx, Haane & Koehler (2018) foram administradas diferentes taxas de fluxo (7L/min vs 12L/min) em máscara com reservatório tipo non-rebreather, com válvulas bloqueadas para que nem pacientes nem pesquisadores soubessem o fluxo usado. O resultado obtido, embora não totalmente conclusivo, demonstrou que o uso de oxigênio a 12L/min com máscara non-rebreather, logo no início da crise e mantido por pelo menos 15 minutos é eficaz, porém, a diferença não chega a ser tão significativa e o debate em torno da questão permanece.  

Outra estratégia presente nos cinco estudos é a utilização de triptanos. Em Wei, Khalil & Goadsby (2019), triptanos subcutâneos e intranasais. Em Cheema & Matharu (2021), triptanos parenterais. Em Diener e May (2022) e May Arne e al. (2023), sumatriptano subcutâneo, sumatriptano ou zolmitriptano intranasal. Em Lansbergen C. S. et al. (2025), triptanos subcutâneos e intranasais. Todos os estudos analisados apresentam algum tipo de triptano para o tratamento das crises, a variação está na forma de administração do medicamento ou no tipo do triptano, já que os triptanos são agonistas dos receptores de serotonina (5-HT1B/1D) que agem causando vasoconstrição e bloqueio da liberação de neuropeptídios (como CGRP). De acordo com Bigal et al. (2003), os triptanos tem sido de grande utilidade farmacológica contra as dores desencadeadas pelas cefaleias, e novos triptanos estão sendo desenvolvidos cada qual com sua vantagem clínica. Enquanto Ward & Sandrini (2005) afirmam que a introdução do sumatriptano no mercado foi uma verdadeira revolução na farmacologia terápica da cefaleia em salvas. Lansbergen C. S. et al (2025), também colocam o zolmitriptano como alternativa para pacientes intolerante a injeções subcutâneas de sumatriptano, sendo que 20 mg de sumatriptano aplicado com spray nasal ou 10 mg de zolmitriptano com spray nasal se mostram efetivos no tratamento agudo. 

É importante ressaltar o fato de que as causas exatas da cefaleia em salvas são desconhecidas, então, os únicos tratamentos agudos plenamente estabelecidos, de acordo com Lansbergen C. S. et al (2025), são a oxigenoterapia e o uso de sumatriptano. 

4.2 Tratamento de Transição 

Os cinco artigos revisados apresentam os corticosteroides como método terapêutico padrão no tratamento de transição. Os corticosteroides são fármacos derivados do cortisol, hormônio produzido pelo córtex da glândula suprarrenal. Lansbergen C. S. et al (2025) alerta que ainda não há consenso quanto à dose, devido aos colaterais do fármaco, como o ganho de peso, osteoporose, necrose avascular e insuficiência adrenal. O uso pode ser oral, intravenoso e injeção no nervo occipital maior. Então, quanto ao tratamento de transição, as opções são restritas a corticosteroides ou bloqueio do nervo occipital maior. Este bloqueio consiste na aplicação direta de anestésico local associado a corticosteroide na região de emergência do nervo, na base do crânio. Acredita-se que a irritação desse nervo esteja relacionada à dor característica da cefaleia em salvas. O objetivo do procedimento é promover alívio imediato da dor e reduzir a inflamação até que o tratamento preventivo atinja eficácia plena. Contudo, trata-se de um método invasivo, indicado de forma criteriosa. Cheema & Matharu (2021) citam o tratamento com di-hidroergotamina (age contraindo os vasos sanguíneos), mas alerta que o efeito é de poucos dias. E Lansbergen C. S. et al (2025) incluem o tratamento de transição com frovatriptano para cefaleia em salvas episódica e até como possível tratamento preventivo para a cefaleia em salvas crônica. 

4.3 Tratamento Preventivo 

No tratamento preventivo é unanimidade entre os estudos analisados que o verapamil seja a primeira opção. O verapamil é um medicamento da classe dos bloqueadores dos canais de cálcio, usado para vários fins, mas no caso da cefaleia em salvas acredita-se que ele iniba a hiperatividade do hipotálamo posterior – região envolvida na fisiopatologia do distúrbio – e a liberação de peptídeos vasoativos como o CGRP. Manjit Matharu (2018), descreve um protocolo de utilização de verapamil para a prevenção dos ataques de dor, a dose máxima diária chega em 960mg por dia dividida em três momentos do dia (manhã, tarde e noite) em períodos de duas semanas. O autor também alerta que o verapamil não é recomendado para gestantes, para quem está planejando engravidar, e lactantes. Enquanto que Diener & May (2022), descrevem uma dose de 200-960mg com contraindicações para pessoas com insuficiência cardíaca, síndrome do nó sinusal (SNS), bloqueio sinoatrial, bloqueio atrioventricular (BAV) de  II° e III° graus e fibrilação atrial. E May & Arne et al. (2023), recomendam que o uso de verapamil seja monitorado. 

A segunda opção dos estudos examinados fica com a seguinte disposição: Wei, Khalil & Goadsby (2019), Diener & May (2022), May Arne et al. (223); Lansbergen C. S.  et al. (2025) apresentam o lítio como alternativa. O lítio se configura como segunda opção, justamente pela maior possibilidade de efeitos adversos e Diener & May (2022) descrevem-no como potencialmente mais perigoso que o verapamil (a primeira opção). Nos cinco estudos o topiramato configura uma opção secundária ou até terciária quando o lítio e verapamil são ineficazes. O topiramato é um fármaco de ação multifatorial, cuja versatilidade decorre da inibição dos receptores glutametárgicos, da redução do influxo iônico por canais de sódio e cálcio voltagem-dependentes e da modulação positiva de receptores GABA-A, potencializando assim a corrente inibitória mediada por cloro. De acordo com Santos et al. (2015), o topiramato apresenta alguns efeitos colaterais – quando de uso crônico – como a queda de capacidade cognitiva, o que pode limitar sua aceitação, especialmente entre os estudantes. A opção como preventivo secundário/terciário deve-se, em parte, à ocorrência desses efeitos colaterais e à compreensão ainda incompleta dos mecanismos envolvidos em sua ação antimigranosa. 

Em Diener & May (2022), além do vermapil e lítio a gabapentina aparece como uma opção baseada em evidencias de ensaios abertos, porquanto a melhor evidência científica fique por conta do verapamil e do lítio. De acordo com a ANVISA (2013), a gabapentina está estruturalmente relacionado ao neurotransmissor GABA (ácido gamaaminobutírico), porém, ainda não se sabe o mecanismo exato da sua ação medicamentosa no alívio de dor neuropática e no controle das crises epilépticas. No estudo de Costa (2015), a gabapentina foi testada em doses de 800-3600 mg/dia em três ensaios diferentes o medicamento interrompeu o período de salvas em até 50% dos pacientes, reduzindo significativamente a frequência entre as crises. O mesmo autor destaca que entre os efeitos colaterais incluem a sonolência, fadiga e ganho de peso. Mas Matharu Manjit (2009) alerta que ainda não se sabe ao certo se a gabapentina é eficaz na prevenção da cefaleia em salvas e pode não ser utilizada rotineiramente na prática clínica. No estudo de revisão de Corey & Fogleman (2014), são apresentadas evidências recentes envolvendo cinco estudos com 1.009 pacientes indicando que a gabapentina, em doses de 900 a 2.400 mg/dia, não promove redução significativa na frequência de crises nem na proporção de respondentes com melhora maior ou igual a 50%, diante disso, as diretrizes da American Academy of Neurology e da American Headache Society consideram inadequada a profilaxia com gabapentina, recomendando como primeira linha o topiramato. Fato é que a gabapentina permanece controversa e por isso não figura como a primeira linha de tratamento. Entre os estudos analisados, o mais recente é o de Lansbergen et al. (2025), no qual a gabapentina é considerada uma opção em casos refratários, embora as evidências de sua eficácia ainda sejam limitadas. Esse achado está em consonância com o estudo de Gooriah, Buture e Ahmed (2015), que classificam a gabapentina como opção terciária para tais casos. Segundo esses autores, aproximadamente 10% a 20% dos pacientes com cefaleia em salvas apresentam refratariedade, desenvolvendo resistência ao tratamento convencional, justificando o uso da gabapentina. 

A melatonina é uma das opções de tratamento preventivo em Lansbergen C. S. et al. (2025), porém não de forma exaustiva, ou seja, trata-se de uma alternativa menos usual do que o verapamil, lítio e topiramato; mas, de certo modo, a análise do autor compactua com o estudo de Gelfand & Goadsby (2016) em que a conclusão aponta a eficácia da melatonina nas cefaleias de modo geral, principalmente na cefaleia em salvas. O autor descreve o ensaio clínico com 20 pacientes (18 episódicos e 2 crônicos), a melatonina 10mg por via oral, iniciada entre o 2° e o 10° dia do período de cefaleia em salvas, reduziu significativamente a frequência das crises em comparação com placebo. Metade dos pacientes respondeu ao tratamento, com melhora visível em três dias e remissão completa em cinco dias, sem efeitos colaterais relevantes. Na revisão de Gonçalves, Ribeiro & Peres (2012), apesar de promissores os possíveis resultados do uso da melatonina na cefaleia em salvas, os dados ainda são limitados e os estudos pequenos. Também destaca que relatos adicionais indicam que doses de 9mg à noite podem prevenir ataques noturnos e diurnos, incluindo em pacientes com distúrbios de sono.  Em Brandt et al. (2020), o estudo a respeito da farmacoterapia para a cefaleia em salvas, demonstra que a melatonina é promissora no tratamento devido ao seu mecanismo de ação e a característica circadiana do distúrbio. Para além da melatonina, Diener & May (2022), fazem menção do divalproato de sódio, porém alerta que os estudos ainda não demonstram a plena eficácia do procedimento e ele não fica nas primeiras opções de tratamento. 

4.4 Estratégias adicionais/ casos refratários. 

Estes procedimentos que estão para além do tratamento usualmente utilizado nas primeiras linhas. Alguns desses procedimentos são invasivos, outros ainda estão em desenvolvimento e carecem de maior base na literatura e nos ensaios, porém são necessários devido a ineficácia dos métodos tradicionais com certos grupos ou indivíduos. 

No estudo analisado de Lansbergen S. C. et al (2025), eles sugerem (para casos refratários) considerar bloqueios nervosos e neuromodulação quando as intervenções farmacológicas e procedimentos menos invasivos se mostrarem ineficientes. Entre as terapias o autor cita a estimulação não invasiva do nervo vago (nVNS), tal procedimento consiste na estimulação transcutânea da porção cervical do nervo vago ipsilateral. É considerada um tratamento abortivo para a cefaleia em salvas episódica, mas também pode ser usado tanto como terapia preventiva para reduzir a frequência de crises em pacientes com cefaleia em salvas crônica quanto para casos refratários. Existem aparelhos que possibilitam a estimulação pelo próprio paciente, os efeitos colaterais são mínimos. Já na estimulação do gânglio esfenopalatino (SPGS), o procedimento é invasivo, envolve a implantação cirúrgica de um neuroestimulador na fossa pterigopalatina, local onde se encontra o maior gânglio parassimpático. A base do tratamento está no papel do SPG no reflexo trigeminal parassimpático, responsável pelos sintomas autonômicos da cefaleia em salvas. Embora os mecanismos exatos ainda não sejam completamente compreendidos, a estimulação do SPG reduz a atividade parassimpática, interferindo nesse reflexo e ajudando a controlar as crises. O autor destaca ainda que as contraindicações são relativas mas incluem infecção local na área cirúrgica, histórico de osteoporose iatrogênica e cirurgias prévias na base do crânio. Não havendo limite para o número de sessões de estimulação, mas ressalta que o tratamento ainda não está amplamente disponível e as informações da literatura são escassas. As outras duas possibilidades apresentadas por Lansbergen S. C.et al (2025) são a estimulação do nervo occipital, que se trata de uma terapia de neuromodulação minimamente invasiva cuja ação é enviar impulsos elétricos para os nervos occipitais maior e menor, ambos nervos que modulam nociceptores de segunda ordem no tronco encefálico, influenciando na percepção da dor; a segunda possibilidade é a estimulação cerebral profunda (Deep Brain Stimulation), técnica de neuromodulação que pode visar diferentes regiões do cérebro conforme a indicação clínica, mas na cefaleia em salvas, o alvo é o hipotálamo, localizado na base do cérebro. Como o hipotálamo regula funções circadianas e homeostáticas, como sono e secreção hormonal, e sua hiperatividade observada em exames de imagem funcional em pacientes com cefaleia em salvas justifica o uso como algo terapêutico, além disso, é preciso levar em consideração a natureza circadiana dos sintomas do distúrbio. 

Em síntese, as terapias apontadas de forma unânime pelos cinco artigos analisados organizam-se da seguinte maneira: 

Quadro 4 – Tratamentos estabelecidos. 

 Tratamentos estabelecidos 
Trat. Agudo – Triptanos 
– Oxigênio 
Trat. Preventivo – Verapamil 
– Lítio 
– Topiramato 
Trat. transicional – Bloqueio do nervo occipital maior 
– Corticosteroides 

Fonte: Autores (2025) 

Em 2024, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recebeu uma proposta elaborada por entidades científicas internacionais – como a European Headache Federation e a International Headache Society – para a inclusão de novos usos de medicamentos já existentes na Lista de Medicamentos Essenciais (EML), especificamente voltados ao tratamento da cefaleia em salvas. A submissão adicionava o sumatriptano subcutâneo, como opção de tratamento agudo; o verapamil, como terapia preventiva de primeira escolha; e a prednisolona (um corticosteroide) como tratamento de transição. a justificativa da requisição se firmou com base na robustez das evidências clínicas que demonstram eficácia e segurança desses fármacos, e na necessidade de ampliar o acesso global a opções terapêuticas padronizadas e eficazes (WHO, 2024). Esse reconhecimento internacional fortalece o consenso encontrado nos 5 artigos analisados, pois todos eles incluíam tais medicamentos como opções de primeira linha. 

5. CONCLUSÃO 

A cefaleia em salvas é uma doença neurológica complexa que exige preparo técnico e sensibilidade por parte de todos os profissionais de saúde. Seu diagnóstico é desafiador e os tratamentos disponíveis apresentam eficácia variável, dependendo do perfil clínico do paciente. Trata-se de uma condição altamente debilitante, marcada por dor intensa e cíclica (episódica, crônica), que impacta não apenas a qualidade de vida, mas também o equilíbrio emocional do indivíduo. Apesar dos avanços terapêuticos, a etiologia da doença ainda não está totalmente esclarecida. Embora exista certo consenso sobre as principais estratégias terapêuticas, não há protocolos definitivos, havendo divergências quanto às doses, eficácia e aos efeitos colaterais. Então, é essencial que os profissionais de saúde estejam atualizados e preparados para oferecer a melhor abordagem possível, combinando conhecimento técnico com acompanhamento integral do paciente. 

REFERÊNCIAS 

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