CÁRIE DA PRIMEIRA INFÂNCIA E SUA RELAÇÃO COM A ALIMENTAÇÃO INFANTIL

EARLY CHILDHOOD CARIES AND ITS RELATION TO INFANT FEEDING

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7992270


Ranieli Almeida Rodrigues1
Cristina de Carvalho Guedes Abreu2


RESUMO 

A doença cárie segue sendo ainda um grande desafio na saúde bucal. A doença pode se manifestar de maneira rápida e severa quando não diagnosticada em seu processo inicial. Quando ela acomete crianças abaixo dos 6 anos é chamada de cárie na primeira infância e é necessário que os pais ou responsáveis estejam atentos e sejam orientados para não que a evolução aconteça, pois o progresso da doença pode causar um impacto importante na saúde bucal e geral da criança. Os sinais da doença podem não ser notórios inicialmente, em razão de que a lesão de mancha branca ocasionada pelo desequilíbrio não pode ser observada facilmente, sendo um dos fatores importantes para a criança iniciar o quanto antes o acompanhamento com o odontopediatra. O profissional irá realizar uma avaliação clínica minuciosa para diagnosticar e planejar o tratamento e controle adequado, considerando a alimentação de rotina da criança, visto que a frequência alta de produtos açucarados associados a outros fatores pode resultar no desequilíbrio, associado ao fator higiene bucal. É papel do dentista, especialmente o especialista em odontopediatria, realizar orientações corretas diante dos fatores. O presente trabalho tem como objetivo averiguar como essa doença se manifesta, a influência da alimentação na ocorrência da mesma e a importância da comunicação do profissional odontopediatra com o nutricionista para um acompanhamento personalizado com o paciente, além das orientações necessárias para os pais/responsáveis. Assim sendo, o estudo presente buscou analisar na literatura abordagens relacionadas a esses assuntos para expor com melhores detalhes acerca da temática e conscientizar o quão é importante a dieta adequada associada a higienização correta, especialmente no público infantil, visto que a dentição decídua é essencial para a saúde geral, uma vez que a manutenção e a permanência desses dentes são excepcionais para a futura oclusão dos dentes permanentes. O resultado esperado é auxiliar os responsáveis a manterem os bons hábitos, com higiene bucal e alimentação saudável das crianças, assim como os profissionais da odontologia e nutrição manterem uma comunicação alinhada e personalizada para cada criança/família para um planejamento complementar. Conclui-se que o consumo de alimentos cariogênicos ainda na primeira infância são capazes de refletir na saúde bucal e na saúde geral das crianças, influenciando no aparecimento da doença cárie e afetando o comportamento dessas crianças, principalmente no período escolar. Por isso, torna-se necessário instruir os responsáveis acerca da correta alimentação e correta higienização bucal para impedir esse impasse.

Palavras-chave: Alimentação. Cárie dentária. Dieta cariogênica. Odontopediatra.

ABSTRACT

Caries disease is still a major challenge in oral health. The disease can manifest quickly and severely when not diagnosed in its initial process. When it affects children under 6 years old, it is called early childhood caries and parents or guardians need to be aware of it. Watch out and be guided so that evolution does not happen, because the progress of the disease can have a major impact on the oral and general health of a child. The signs of the disease may not be noticeable initially, as the white spot lesion caused by the imbalance cannot be easily observed, which is one of the important factors for the child to start monitoring with the pediatric dentist as soon as possible. The professional will do a thorough clinical assessment to diagnose and plan adequate treatment and control , considering the child’s routine diet, since the frequency high in products of sugary foods associated with other factors can result in imbalance, associated with oral hygiene factor. It is the role of the dentist, especially the specialist in pediatric dentistry, to provide correct guidelines in view of the factors. The present work aims to find out how this disease manifests itself, the influence of diet on its occurrence and the importance of communication between the pediatric dentist and the nutritionist for a personalized follow-up with the patient, in addition to the necessary guidelines for parents/guardians. Therefore, the present study sought to analyze in the literature approaches related to these subjects to expose in better detail about the theme and raise awareness of how important an adequate diet associated with correct hygiene is, especially in children, since the deciduous dentition is essential for general health, since the maintenance and permanence of these teeth are exceptional for the future occlusion of permanent teeth. The expected result is to help those responsible to maintain good habits, with oral hygiene and healthy eating for children, as well as dentistry and nutrition professionals to maintain aligned and personalized communication for each child/family for complementary planning. It is concluded that the consumption of cariogenic foods in early childhood is capable of reflecting on the oral health and general health of children, influencing the appearance of caries and affecting the behavior of these children, especially during school years. Therefore, it is necessary to instruct those responsible about the correct diet and correct oral hygiene to prevent this impasse.

Keywords: Food. Dental cavity. Cariogenic diet. pediatric dentist.

1. INTRODUÇÃO

A cárie dentária é uma doença que acomete grande parte da população e precisa ser prevenida, mas quando acomete algum elemento dentário é necessário controlar e tratá-la para não ocasionar maiores problemas para a dentição, como a dor, o comprometimento da polpa dental e a perda dentária. Quando o indivíduo apresenta na cavidade bucal essa doença, não é um fator isolado que levou a isso, visto que para que a doença ocorra é necessário que vários fatores estejam associados.

A doença vai depender de condições como a classe de microrganismos presentes na cavidade bucal, presença da placa bacteriana, o tempo que essa placa está na superfície dental e a dieta que está sendo consumida. Quando essas características se relacionam e não ocorre a higienização correta, a cárie dentária se manifesta devido a acidificação do meio.

As bactérias que estão presentes na cavidade bucal, como o Streptococcus mutans (microrganismo associado a cárie dentária), por exemplo, pode ser adquirido pela criança principalmente através do seu convívio diário com os adultos ao ter contato com objetos usados por eles na região bucal. Entretanto, essa classe de bactérias só vai se manifestar de maneira negativa quando a criança consome uma dieta com alta frequência de açúcar.

A cárie na primeira infância é compreendida como uma ou mais superfícies dentárias com o comprometimento da lesão cariosa, seja ela cavitada ou não cavitada, onde ocorre em crianças de 0 a 6 anos de idade. O público infantil tem facilidade para adquirir o aparecimento da doença, em razão de que nessa faixa etária existe a dificuldade de higiene bucal, falta de conhecimento dos responsáveis, além de ter um paladar mais apurado para alimentos açucarados.

O comportamento familiar é essencial para evitar o comprometimento da saúde bucal infantil, pois a dieta oferecida pelos responsáveis, assim como o ensinamento sobre os bons hábitos da higienização correta, vai determinar se essa criança vai desenvolver a doença cárie ou não. Alimentos ricos em açúcar presentes no cardápio diário habitual da criança associado a limpeza errônea vão provocar o desequilíbrio do meio bucal e, consequentemente, a doença cárie.

Sendo assim, torna-se necessário uma educação preventiva de saúde bucal maior para os responsáveis poderem aplicar em casa nessas crianças. Quem vai orientar essa higienização é o dentista, especialmente o especialista em odontopediatria, buscando promover uma saúde bucal eficaz para a população infantil. Assim também, o nutricionista faz-se importante para intervir na programação da alimentação diária. A multidisciplinaridade se faz importante para que ambos profissionais estejam em contato para uma orientação mais personalizada.

2. MATERIAL E MÉTODOS

A pesquisa bibliográfica foi realizada nas bases de dados da Scielo, Google Acadêmico, revistas, jornais, vídeos disponíveis no youtube e livros de autores cirurgiões-dentistas especialistas da área da odontopediatria. Foram feitas buscas por termos como “cárie dentária”, “carboidratos”, “dentição decídua”, “cárie na primeira infância”, “odontopediatria”, “cárie de mamadeira”, “cárie precoce da infância” “dieta cariogênica”, entre outros. Os artigos utilizados no trabalho foram verificados de acordo com o título exposto e leitura completa para melhor compreensão acerca do tema. Foram incluídos parágrafos que expusessem com melhor clareza acerca da cárie na primeira infância e a sua relação com a alimentação oferecida para a criança nesse período.

O público alvo desse estudo bibliográfico são as crianças de 0 a 6 anos, compreendido esse período como “Primeira Infância”. O objetivo foi correlacionar a cárie nessa fase com a influência que os pais, profissionais odontologistas especializados na odontopediatria, bem como os profissionais nutricionistas tem com a saúde geral e bucal da criança.

3. REVISÃO DE LITERATURA

3.1 PRIMEIRA INFÂNCIA

A Primeira Infância abrange a idade de 0 aos 6 anos, é um período importante para trabalhar no desenvolvimento da criança, ressaltando principalmente a saúde (Brentano et al., 2014). Segre e Ferraz (1997) citam que a Organização Mundial de Saúde (OMS) definiu que saúde não se baseia apenas na ausência da doença, mas depende de um completo bem estar físico, mental e social. Fundamentando-se nisso, é acessível relacionar esses fatores à saúde bucal.

3.2 ODONTOPEDIATRIA

A odontopediatria busca a manutenção da saúde bucal infantil com o objetivo de evitar doenças da cavidade oral quando essa criança atingir a vida adulta (Fernandes et al., 2010). “Os cuidados com a saúde bucal da criança, bem como a primeira visita ao consultório odontológico, devem ser o mais precocemente possível” (FERNANDES, et al., 2010, p.8). Segundo o Ministério da Saúde (BRASIL, 2012 apud GIROTTO et al 2019), crianças que são levadas ao cirurgião-dentista até o primeiro ano de vida apresentam menores chances de receber tratamento odontológico emergencial e fazer consultas odontológicas de urgência ao longo da infância.

Essa questão afirma que “saúde e boas condições na dentição decídua são essenciais para o bem-estar geral da criança.” (MIYATA et al, 2014 p. 23). 

3.3 ALIMENTAÇÃO

Biral, et al (2012) citam que a alimentação consumida pelo indivíduo torna-se relevante na etiologia cariosa, uma vez que age influenciando em diversos processos, desde a produção do ácido até a secreção salivar presente no ambiente bucal. Além disso, destacam que a sacarose é um glicídio que forma uma parte significativa de açúcar presente nos alimentos, ressaltando que a cana de açúcar e a beterraba são as principais plantas que originam esse carboidrato, sendo ele o mais cariogênico.

 “A análise da glicose revelou sua fórmula química básica – CH2O, que apresenta a proporção de um átomo de carbono para uma molécula de água. Daí vem o nome carboidrato (ou hidrato de carbono).” (POMIN, MOURÃO, 2004 p. 26). De acordo com Liberato e Oliveira (2019) existem alguns tipos de carboidratos encontrados, podendo ter de três a sete carbonos (monossacarídeo), dois a dez carbonos (oligossacarídeos) e mais de 10 carbonos (polissacarídeos). Os monossacarídeos mais consumidos no dia-a-dia são a glicose, frutose e galactose, ou seja, são hexoses (possuem seis carbonos). Os oligossacarídeos mais consumidos são os dissacarídeos, ou seja, carboidrato formado por dois monossacarídeos originando assim a maltose (glicose + glicose), lactose (glicose + galactose) e sacarose (glicose + frutose) (KENNEDY RAMOS, 2016).

Conforme o Decreto-Lei n. 986, de 21 de outubro de 1969, define alimento como toda substância ou mistura de substâncias, no estado sólido, líquido, pastoso ou qualquer outra forma adequada, destinada a fornecer ao organismo humano elementos normais, essenciais a sua formação, manutenção e desenvolvimento (BRASIL, 1969 apud CORDEIRO, SILVA, BARRETO, 2021 p. 36). Integralizando essa ideia, FEIJÓ e IWASAKI (2014) citam que o distúrbio nutricional pode ser evitado quando há uma alimentação adequada rica em nutrientes, pois isso favorece uma melhor condição para a saúde.  

Até a criança completar 6 meses de vida, preconiza-se que a sua alimentação seja exclusiva com o leite materno, pois será suficiente para a sua nutrição. Após esse período, torna-se necessário que essa alimentação seja complementada de outras maneiras, pois o leite por si só não irá garantir seu sustento. Todavia, é contraindicado que a faixa etária infantil consuma alimentos possuintes de sal, açúcar ou que tenha passado por processamento industrial, como os doces, a título de exemplo. (SILVA, COSTA, GIUGLIANI, 2016). Entretanto, as crianças não se interessam por uma alimentação rica em nutrientes, já que o seu interesse é pelo alimento adocicado (GIESTA, et al, 2017).

Segundo o Ministério da Saúde, está havendo uma grande mudança na maneira como os indivíduos se alimentam, onde encontra-se a substituição de alimentos saudáveis (como os vegetais) por alimentos industrializados. (BRASIL, 2014). Relacionado a isso:

 “Os alimentos sofrem diversas classificações, dentre estas podemos destacar os alimentos naturais e os industrializados. Os alimentos ditos naturais geralmente contribuem para boa alimentação, pois são obtidos diretamente da natureza sem sofrer processos químicos. Já os considerados alimentos industrializados são oriundos geralmente de processos químicos e na maioria das vezes provocam problemas na saúde dos indivíduos.” (JUNIOR, GONÇALVES, CORREIA, et al 2015, p. 12).

Ainda, a faixa etária infantil deu-se a adquirir hábitos alimentares maléficos ao consumir alimentos industrializados oferecidos pelos pais, dessa forma, ocasiona o aparecimento da lesão cariosa, pois a predominância desses alimentos é possuírem sacarose (JUNIOR, GONÇALVES, CORREIA et al. 2015) “Por estar presente na alimentação, a sacarose torna-se o carboidrato com maior poder na progressão da doença, devido a facilidade na fermentação de ácidos e por alterar a matriz do biofilme formado, potencializando seu poder destrutivo.” (PAES LEME et al., 2006 apud SILVA et al., 2022, p. 68). Por influência desse problema, tornou-se urgente a intervenção da   Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2015 na questão do aumento do índice de lesão cariosa, então fez-se com que o indicado seria que as crianças pudessem consumir diariamente menos do que 10% de ingestão do açúcar (FRANÇA, 2016 apud SOUZA et al., 2022).

Logo, conforme HANAN et al (2012, p. 420): 

A extensão com que a dieta infantil influencia a escolha de alimentos numa fase tardia da vida não é totalmente compreendida, mas tem sido demonstrada uma correlação entre o uso de bebidas açucaradas e de chupetas com mel na infância e o consumo de lanches açucarados em anos posteriores. Desta forma, o efeito da prática de alimentação infantil sobre a ocorrência da cárie dental em dentes decíduos tem merecido a atenção de muitos pesquisadores.

Por esse motivo, cabe ao nutricionista realizar a avaliação do estado nutricional, avaliação dietética, o planejamento e orientação do plano alimentar e o monitoramento da prescrição dietética. (CAMPOS et al., s.d). 

Essa afirmativa enfatiza a importância da comunicação do nutricionista com o cirurgião dentista especialista em odontopediatria, uma vez que, de acordo com CRISPIM et (2010, p.42):

O alimento relaciona-se com os dentes de modo tópico, pelo seu contato, podendo influenciar a formação e o metabolismo da placa bacteriana de acordo com sua composição química e característica física. Já a nutrição relaciona-se com os dentes de maneira sistêmica, ao agir na sua formação e crescimento, determinando, assim, seu tipo de resposta à ação da placa bacteriana.

3.4 CÁRIE DENTAL

No contexto odontológico tradicional, acredita-se que a doença cárie estará ocorrendo quando existir uma cavidade no elemento dentinário, seja no esmalte ou dentina (FEIJÓ; IWASAKI, 2014). Esse termo Cárie Dentária existe na literatura desde 1634, pois utilizavam para descrever os buracos que apareciam nos dentes, contudo, ainda não se sabia o que causava a doença (BATISTA et al, 2020).

Analisando de uma maneira mais completa, Fejerskov e Kidd (2011, p. 18) afirmam que “A cárie é a doença responsável pela desmineralização do esmalte à custa da placa bacteriana cariogênica, associada a uma dieta inadequada e constante falta de higiene bucal, levando a perdas irreversíveis de tecido dentário.” Quando essa doença decorre, significa que o processo da saúde-doença não se encontra regular, considerando que a alimentação esteja associada a esse impasse (FRANÇA, 2016).

A cárie precisa de alguns fatores para se apresentar e dentre eles podem ser citados a microbiota que está presente na cavidade, os alimentos consumidos pelo indivíduo, o hospedeiro suscetível e o tempo necessário para que a doença possa se manifestar, sendo esses os fatores determinantes. (PINTO et al 1997). Além desses fatores determinantes, para Brasil (UNA SUS) os fatores econômicos, a sociedade que o indivíduo vive e o comportamento do mesmo também podem influenciar no aparecimento da doença. Esses fatores são conhecidos como fatores confundidores, pois podem variar de sociedade para sociedade, diferente dos fatores determinantes que podem agir da mesma forma em qualquer população.

De acordo com autores, a diminuição do pH provoca uma desmineralização no elemento dentário, isso faz com que o risco da doença cárie seja maior. Além disso, torna-se possível distinguir o grau de carcinogenicidade desses alimentos, pois ao consumir um alimento ácido o pH da placa vai diminuir podendo aumentar o risco da doença. Em contrapartida, quando os alimentos não possuem alto nível de acidificação, a chance de adquirir a doença cárie é menor, visto que os alimentos menos acidificados não são cariogênicos (Dias, et al, 2011).

Correlacionando esses fatores, Karlsbeek e Verrips (1994) apud Fejerskov e Kidd (2011) citam que a frequência de açúcar consumida pela criança torna-se mais importante do que a quantidade. Entretanto, Fejerskov e Kidd (2011) ainda voltam a falar que alguns estudos não concordam com essa análise e que vai depender da consistência do alimento consumido, porque isso vai determinar o período que ele vai permanecer na cavidade bucal acidificando aquele meio.

Foi realizado um estudo observacional em crianças de 36 a 78 meses onde os responsáveis responderam perguntas referentes à alimentação das crianças, bem como eram estabelecidos os hábitos de higiene bucal.  A pesquisa vinha estabelecendo algumas classes de alimentos, além de indagar quantas vezes por dia a criança higienizar a cavidade bucal (Filho et al, 2010) “A análise do consumo de alimentos ricos em açúcar demonstrou que o consumo elevado de alimentos como leite adoçado com açúcar, bolacha doce ou recheada, suco natural ou artificial com açúcar, refrigerante, achocolatados, balas, doces, chicletes e pirulitos esteve associado ao maior índice ceo-d.” (FILHO et al, 2010, p.156). O índice ceo-d foi planejado para analisar a frequência da doença cárie populacionalmente voltada para a dentição decídua (Narvai et al, 2001). Porém, chegaram à conclusão que, por mais que as crianças submetidas a pesquisa realizada possuam um hábito de consumir alimentos cariogênicos levando ao aparecimento da lesão cariosa, a prevenção associada à saúde bucal é eficaz para a resolução do problema (Filho et al 2010).

3.5 CÁRIE NA PRIMEIRA INFÂNCIA

A American Dental Association interpreta que a cárie da primeira infância ocorre quando a criança tem a doença instalada e/ou em algum momento da vida necessitou realizar tratamento de determinado elemento dental decíduo pela presença da lesão em algum dente (Pimentel, 2021). Agregando a isso, a declaração de Bangkok exposta por Pitts N, Baez R,

Diaz-Guallory C, et al (2019, n.p.) cita que “Cárie na Primeira Infância (CPI) é definida como a presença de uma ou mais superfícies cariadas (cavitada ou não cavitada), perdidas ou restauradas (devido à cárie) em qualquer dente decíduo de uma criança com menos de seis anos de idade.”  

Antes de ser conhecida especificamente como “cárie da primeira infância”, doença também era conhecida como “cárie de mamadeira”, pois as crianças se alimentavam com o líquido possuinte de açúcar presente na mamadeira sem a seguinte higienização, principalmente durante a noite. Como o fluxo salivar noturno é diminuído, isso proporciona uma maior chance do aparecimento da lesão cariosa (CASTILHO 2011 apud DRYER et al, 2016).

3.6 ATUAÇÃO DA SALIVA

Dentre as causas influenciáveis na velocidade da ocorrência da cárie está a saliva, em razão de que ela possui componentes e propriedades importantes (DE SOUZA et al., 2020 apud ALVES et al., 2022). As moléculas presentes na saliva buscam prevenir a desmineralização da estrutura dental fazendo a manutenção do pH, isso porque essas moléculas apresentam capacidade microbianas e tamponantes, ou seja, controlam o crescimento bacteriano e neutralizam os ácidos bucais respectivamente (ALVES e SEVERI, 2016).

A secreção da saliva diariamente é em torno de 700 a 800 ml. Quando ocorre a diminuição dessa secreção, o meio bucal pode se tornar mais suscetível a provocar o aparecimento da lesão cariosa. Um dos fatores que podem influenciar essa diminuição é o uso prolongado de medicamentos que possuem sacarose sem a posterior higienização, em razão de que a criança estará com o açúcar atuando por mais tempo na sua cavidade (LOSSO et al., 2009; RIBEIRO, & RIBEIRO, 2004; BERNARDES et al., 2021). 

3.7 MANIFESTAÇÃO DA CÁRIE NA PRIMEIRA INFÂNCIA

A manifestação da lesão cariosa ocorre da mesma maneira tanto na dentição permanente quanto na decídua. Entretanto, os dentes decíduos apresentam uma contaminação maior da hidroxiapatita, visto que a quantidade de carbonato presente no esmalte dos dentes é maior do que a carbonatos presentes nos dentes permanentes, isso provoca a solubilidade da hidroxiapatita e faz com que a ocorrência da lesão no dente decíduo suceda de maneira mais rápida (BERNARDES et al., 2021).

O indivíduo deve possuir uma saúde bucal satisfatória, pois isso irá lhe permitir ter um estilo de vida satisfatório. Porém, quando ocorre a cárie na primeira infância, a criança passa por problemas que podem afetar sua qualidade de vida, isso lhe impede de praticar algumas atividades diárias, visto que pode lhe causar mudança de comportamento e irritabilidade. Além disso, a presença da doença cariosa na criança pode influenciar até mesmo no seu desempenho escolar (SILVA et al., 2015).

A criança ao nascer não tem presença de microrganismos na cavidade, sendo que a evolução dessas bactérias vai se configurando depois de algum tempo, principalmente tornando-se presentes diferentes tipos de Streptococcus (FEJERSKOV e KIDD 2011). O Streptococcus mutans é uma classe que está presente apenas na cavidade bucal e a criança recebe essa bactéria principalmente através da mãe e/ou responsáveis, quanto maior for o nível salivar com presença dessa categoria de microrganismos e quanto mais contato com a saliva do adulto a criança vir a ter, maior será a frequência de infecção da criança, ou seja, maior será a susceptibilidade dela receber esses Streptococcus na sua cavidade oral. (PINTO et al, 1997). Dessa maneira, a presença da lesão cariosa se inicia com a infecção do Streptococcus mutans, onde esses microrganismos trabalham com a produção de glicosiltransferase, ou seja, enzima que catalisa a transferência da molécula de açúcar, isso torna o aumento da proliferação de bactérias cariogênicas formando o biofilme dental (HAMADA e SLADE, 1980 apud SILVA 2010).

Os dentes possuem diversos aspectos anatômicos fazendo com que seja necessário analisar suas características para um melhor entendimento referente à cárie dentária (PINHEIRO et al, 2020). “A primeira dentição origina os dentes decíduos, conhecidos comumente por “dentes de leite”, sendo: 4 incisivos, 2 caninos e 4 molares em cada arcada, superior e inferior, distribuídos igualmente, totalizando 20 dentes (PINHEIRO et al, 2020 p. 100). Os molares e pré molares possuem áreas de cicatrículas e fissuras, sendo que a limpeza torna-se mais difícil de ser realizada, o que torna mais fácil o acúmulo de microrganismo e a instalação da lesão cariosa, isso faz com que as regiões de cicatrículas e fissuras sejam mais suscetíveis para o aparecimento da lesão (PINTO, et al, 1997). Apesar disso, Para Beltran et al 2019 apud BATISTA et al 2020, p.177: 

Mesmo amplamente utilizado, o termo “locais suscetíveis” à formação de cáries dentárias é errôneo, em virtude da doença se desenvolver em regiões em que haja o depósito microbiano e formação de biofilmes, não removidos por perturbação/desorganização mecânica. Ou seja, em qualquer superfície e/ou local dos dentes em que se crie uma área em que a placa consiga se acumular, sem sofrer desgaste mecânico, irá levar à formação de cárie; levando-se em consideração o acúmulo da placa e não a região “suscetível.”

3.8 DIAGNÓSTICO DA DOENÇA

Através do exame visual, pode-se analisar se a criança tem a presença da lesão cariosa mediante a alguns sinais como as alterações no esmalte dental, assim como cavitações presentes. Além disso, a placa bacteriana é um fator que também pode ser observado visualmente, sendo que ela adere-se ao dente mudando o aspecto do elemento formando uma película. (FEJERSKOV e KIDD, 2005 apud FILHO; SOUZA, 2011). Ao analisar visualmente, é imprescindível a profilaxia das faces dentais, pois isso irá influenciar na identificação da cárie (FEJERSKOV e KIDD, 2005, CORTÊS et al, 2003 apud FILHO; SOUZA, 2011). Quando o esmalte dental está ausente da presença da lesão cariosa, seu aspecto é translúcido, uma vez que ele é composto por cristais de hidroxiapatita. (MANGUEIRA et al, 2011).  

Para diagnosticar a lesão cariosa deve-se analisar duas definições: o risco da doença e a atividade da doença. O risco da doença está associado a chances da criança adquirir a cárie no futuro ou não, porque isso vai depender dos seus hábitos alimentares, bem como dos seus hábitos de higienização. Sendo assim, o risco dessa criança adquirir a doença cárie pode ser classificado em baixo, médio ou alto. A atividade da doença está relacionada à maneira como a cárie irá se manifestar, podendo ser ativa ou inativa (COSTA et al, 2021).

A primeira demonstração da doença cárie presente no elemento dental é a mancha branca ativa, tendo em sua característica uma aparência de esmalte opaco e rugoso. (MALTZ et al., s.d). Esse aspecto de mancha branca irá aparecer após duas semanas quando não efetuar a higienização correta (BATISTA et al 2020). Quando essa mancha branca ativa de cárie não é paralisada, ela pode evoluir para lesão de mancha branca inativa em esmalte, onde a lesão ficou naquela superfície por um tempo e estagnou, trazendo uma característica de esmalte brilhante, cor mais escurecida e superfície lisa. No momento em que essa lesão atinge a dentina de maneira ativa, presencia-se um tecido amolecido podendo ter tonalidade amarelada ou acastanhada, além de provocar dor no paciente. Se essa lesão em dentina se encontrar inativa, esse tecido deixa de ser amolecido, passa a ser seco e sucede-se também a alteração na sua cor, visto que se torna um tecido escurecido. Se o tratamento da lesão cariosa não ocorrer em alguma dessas fases, pode ocorrer a migração da lesão para a polpa dental, onde o paciente vai apresentar quadro de dor (CERQUEIRA, s.d).

3.9 O PAPEL DOS PAIS E DO PROFISSIONAL

Os pais possuem a grande responsabilidade de encaminhar as crianças para os hábitos corretos de escovação. A prática da escovação associada com o uso do fio dental irá preveni-las de patologias, como a cárie dentária, por isso o acompanhamento dos responsáveis traz uma importância significativa nesse processo. Além disso, quando os pais observam a escovação do filho e observam a alimentação que está sendo realizada ou oferecida a essa criança, os seus hábitos se tornam mais favoráveis e a consequência de adquirir a doença cárie torna-se menor, em razão de que estará havendo uma supervisão para evitar esse problema. Entretanto, um fator de grande impacto para influenciar nesse processo é o conhecimento dos pais em relação a saúde bucal. A sociedade que o indivíduo vive, bem como os costumes e práticas podem influir na saúde bucal da criança. Devido ao grande incentivo que o meio familiar tem nos hábitos infantis, é importante que essa informação seja comunicada a eles pelos cirurgiões dentistas, assim como serem repassadas orientações necessárias para uma melhor manutenção da saúde oral (CASTILHO et al., 2013).

Pitts N, Baez R, Diaz-Guallory C, et al. Early Childhood discorrem sobre ações da declaração de Bangkok para buscar diminuir a cárie na primeira infância. Para isso, abordam ser necessárias algumas ações como a conscientização de algumas classes de profissionais de saúde acerca da cárie na primeira infância, oferecer menos quantidades de açúcar para crianças, praticar a escovação infantil com pasta de dente fluoretada e oferecer orientações para buscar prevenir o aparecimento da doença cárie. 

4. DISCUSSÃO

Esse estudo objetivou elucidar acerca da cárie na primeira infância, onde afeta crianças de 0 a 6 anos, assim como a maneira que a má alimentação vai estimular o seu aparecimento.

De acordo com Pinto (2016), a odontopediatria é a área da odontologia de suma importância para esclarecer acerca da temática da cárie dentária em crianças. Os cuidados com a saúde bucal buscando a prevenção de doenças como a cárie têm resultados explícitos, principalmente quando iniciam-se ainda no período da infância, onde os primeiros dentes estão erupcionando. Antigamente a odontopediatria era compreendida pela profissão de tratamento de doenças bucais infantis, entretanto, hoje se busca não apenas o tratamento, mas também a prevenção, tornando-se significativos os atendimentos para promover a saúde. 

Ainda, Pinto (2016) interpreta que a cárie é uma doença infecciosa multifatorial, ou seja, um fator isolado não poderá manifestá-la, pois será preciso a interação de fatores conhecidos como fatores determinantes, esses serão fatores que irão determinar o aparecimento da lesão. Ademais, os fatores confundidores são aqueles que ficam em segundo plano, mas também são capazes de exercer influência sobre o aparecimento da doença, porém, eles precisam de fatores determinantes para poder agir. Destaca-se também que a cárie é considerada uma doença comportamental, sendo que ela pode ser influenciada também pelo comportamento e condição socioeconômica que o indivíduo vive, pois isso irá refletir nos hábitos e costumes da criança.

Conforme Silva (2010) os Streptococcus Mutans, bactérias associadas à cárie dentária, possuem polissacarídeos extracelulares e intracelulares que influenciam na doença cárie. Enquanto o polissacarídeo extracelular forma a placa bacteriana sobre o elemento dental, o polissacarídeo intracelular vai reservar os carboidratos e, quando o indivíduo não está consumindo uma dieta cariogênica em determinado momento, eles podem se converter em ácido. 

A cárie era chamada por “cárie de mamadeira”, porque acreditava-se que a criança iria adquirir a doença apenas ao consumir alimento líquido açucarado durante a noite através da mamadeira e, ao ir dormir sem a devida higienização, isso iria propiciar o aparecimento da lesão, mas tornou-se evidente que um único fator não seria capaz de influenciar o surgimento da doença, então passou-se a ser chamada de “cárie precoce na primeira infância”.

Acreditava-se que a cárie era uma doença transmissível, mas de acordo com estudos o microrganismo já vai estar habitando na cavidade bucal mesmo que a doença cárie não esteja instalada, o que vai influenciar no seu aparecimento é um ambiente propício para a ação dos microrganismos, ou seja, um meio ácido conquistado através da presença de sacarose (BRADSHAW; LYNCH, 2013; FEJERSKOV, 2004; SHEIHAM; JAMES, 2015; SIMÓN SORO; MIRA, 2015 apud ARAÚJO et al, 2018).

Baseado nos estudos de Vos et al. (2017), Novaes et al. (2018) e Cruz et al. (2020), o aspecto de mancha branca se caracteriza pelo primeiro sinal clínico da lesão de cárie ativa, ou seja, quando a doença está em ação, mas seu processo pode ser paralisado ainda naquela fase com o uso de substâncias fluoretadas. Ademais, a doença também se encarrega de apresentar sintomas como a sensibilidade dentária e a dor, mas a dor não ocorre em todas as fases, comumente ocorre quando a lesão já encontra-se avançada.

Quando a cárie encontra-se em um estágio avançado também pode trazer consequências como a alteração na estética. Assim como a dor, a alteração na estética pode refletir no comportamento da criança afetando o desempenho na escola, provocando alterações comportamentais que impedem a criança de praticar brincadeiras e realizar atividades diárias perante o surgimento dos sinais e sintomas, assim como pode afetá-la psicologicamente. Em razão disso, para Feijó e Iwasaki (2014) a cavidade oral se relaciona com a vida geral do indivíduo, porque é o local pelo o qual a pessoa se alimenta, fala e transparece sua estética. Com isso, a partir de uma mudança na cavidade bucal, a vida da criança poderá sofrer alterações, incluindo o estilo nutricional, já que com a presença de um dente danificado que provoque dor a criança não irá conseguir se alimentar de maneira correta.

Laranjo et al. (2017) enfatizam sobre os malefícios de uma alimentação possuinte de açúcar entre uma refeição e outra, pois isso irá aumentar o risco do surgimento da doença cárie diante a interação entre as bactérias do meio bucal e os açúcares que estão presentes no meio.

Ainda assim, Ferjerskov, Nyvad e Kidd (2017) salientam que uma alimentação totalmente ausente de açúcar é difícil de ser realizada, uma vez que a maioria dos alimentos possuem essa substância. Mesmo com esse fator, a higienização correta com a presença da pasta de dente portando o flúor em sua composição e uma alimentação nutritiva podem tornar aceitável o consumo de uma alimentação açucarada ocasionalmente, mas isso deve-se ser avaliado de maneira individual, podendo variar entre pacientes.

As crianças que se apresentam em situações vulneráveis onde não comparecem às consultas odontológicas para a realização de exames periódicos tendem a ter mais chances de serem atingidas pela doença cárie. A falta de conhecimento dos seus pais e/ou responsáveis também é um fator propenso para que esse impasse ocorra, uma vez que o desconhecimento irá influenciar em maus hábitos (QUEIROZ et al., 2018 apud VILAR, PINHEIRO, ARAÚJO, 2020).  Segundo Cabral e Freitas (2022), é na primeira infância que a criança irá desenvolver as práticas alimentares, por essa razão a família apresenta um papel primordial nesse processo, pois irá conduzir a educação alimentar. Complementando essa informação, Laranjo et al. (pág 426, 2017) citam que “A família tem influência na definição de comportamentos de saúde oral e tem um papel fundamental no desenvolvimento dos hábitos e dos conhecimentos da criança”.

Para o melhor ensinamento acerca da higiene bucal é primordial que o profissional especialista em odontopediatria possua linguagem popular e lúdica com os pais e/ou responsáveis da criança, isso irá proporcionar mais compreensão e aceitação para as mudanças de hábitos. Apesar disso, o diálogo irá criar uma confiança entre o responsável e o profissional. Torna-se necessário também averiguar o nível de compreensão dos responsáveis às orientações passadas pelo odontopediatra, pois isso irá influenciar na prevenção da doença cárie ou no tratamento, caso a doença já se encontre instalada.

5. CONCLUSÃO

Com a finalização desse estudo, onde o objetivo principal foi observar na literatura acerca da influência que os alimentos possuintes de açúcares têm no desenvolvimento da doença cárie, foi possível concluir que o açúcar é um fator predisponentes para a ocorrência da cárie, uma vez que as bactérias presentes no meio bucal são capazes de formar o biofilme dental na superfície dentária através da presença de sacarose e, caso não haja a correta higienização, as características iniciais da doença cárie podem surgir. 

Ademais, chegou-se à conclusão sobre a importância que os pais e/ou responsáveis têm nos cuidados bucais das crianças, bem como nos hábitos alimentares delas, uma vez que as boas práticas começam no âmbito domiciliar. Por isso, faz-se importante a relação do dentista especialista em odontopediatria com os pais para averiguar como encontram-se as práticas de higiene bucal e as práticas alimentares daquela criança. Além disso, faz-se importante a presença do nutricionista nessa relação para tornar o tratamento multidisciplinar.

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1Discente do curso de Odontologia da Faculdade de Ilhéus, Centro de Ensino Superior, Ilhéus, Bahia.
2Docente do curso de Odontologia da Faculdade de Ilhéus, Centro de Ensino Superior, Ilhéus, Bahia.