CARDIOPATIA REUMÁTICA: ASPECTOS CLÍNICOS, DIAGNÓSTICOS E TERAPÊUTICOS DAS COMPLICAÇÕES ASSOCIADAS

RHEUMATIC HEART DISEASE: CLINICAL, DIAGNOSTIC, AND THERAPEUTIC ASPECTS OF ASSOCIATED COMPLICATIONS

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202408012141


Gabriella Mariane freire Ramos
José Noleto Sales Neto
Georgiton Carvalho Martins
Marília Cardoso Guimarães
Beatriz Abdelnor Hanna Piqueira Diniz
Arthur Henrique Simões Paiva
Renata de Oliveira Silva
Lorena Santiago Freitas Machado
Luana da Silva Lopes
Livia Rachel Abrantes Dias


Resumo

A Doença Cardíaca Reumática (DCR) é uma complicação grave da febre reumática, caracterizada por inflamação crônica das estruturas cardíacas, principalmente as válvulas. Esta condição pode resultar em lesões irreversíveis, levando a complicações severas, como insuficiência cardíaca e arritmias. O presente artigo oferece uma revisão abrangente sobre os aspectos clínicos, diagnósticos e terapêuticos da DCR e suas complicações associadas. A avaliação clínica da DCR inclui a identificação de sintomas como dispneia, dor torácica e fadiga, que são frequentemente acompanhados por sinais de insuficiência cardíaca congestiva. O diagnóstico é confirmado por meio de uma combinação de critérios clínicos e exames complementares, incluindo ecocardiografia, que é fundamental para a visualização das lesões valvulares. Além disso, o uso de marcadores laboratoriais e testes serológicos pode auxiliar na confirmação da presença de febre reumática. O manejo da DCR envolve uma abordagem multidisciplinar. A terapia medicamentosa é centrada no controle dos sintomas e na prevenção da progressão da doença, utilizando agentes como diuréticos, anticoagulantes e medicamentos para controle da pressão arterial. Em casos avançados, pode ser necessária a intervenção cirúrgica, como a substituição valvular. Além disso, a profilaxia com antibióticos é essencial para prevenir novos episódios de febre reumática, que podem exacerbar a condição.

Palavras-chave: Insuficiência Cardíaca. Doença Reumática. Manejo. 

1 INTRODUÇÃO

A cardiopatia reumática (CR) é uma condição inflamatória crônica das válvulas cardíacas que surge como sequela da febre reumática aguda (FRA). A FRA é uma doença sistêmica resultante de uma resposta autoimune desencadeada por infecção faringiana por estreptococos do grupo A, afetando indivíduos geneticamente predispostos. A CR resulta em inflamação das válvulas cardíacas, que pode inicialmente ser assintomática, mas eventualmente levar a danos graves e permanentes. Complicações associadas à CR incluem insuficiência cardíaca congestiva, arritmias (como fibrilação atrial), acidente vascular cerebral, endocardite infecciosa, e aumento do risco de morbidade e mortalidade, afetando tanto adultos jovens quanto crianças. Globalmente, a CR é a principal causa de doença cardíaca adquirida em crianças e adultos jovens (NOUBIAP et al., 2019).

A persistência da CR como um desafio de saúde pública é especialmente acentuada em países de baixa e média renda, onde fatores socioeconômicos adversos e o acesso limitado a cuidados médicos aumentam a prevalência da doença. Apesar dos avanços no entendimento e tratamento da febre reumática e da cardiopatia reumática desde o século XX, a incidência da doença permanece alta em várias regiões, com impactos significativos na morbidade e mortalidade (CARAPETIS et al., 2016).

A análise detalhada da cardiopatia reumática é crucial para aprimorar a formação médica e orientar políticas públicas. O aprimoramento do conhecimento entre profissionais de saúde pode elevar o padrão de cuidado e facilitar a criação de políticas de prevenção e controle mais eficazes. Este estudo visa realizar uma revisão abrangente da literatura sobre a cardiopatia reumática, focando em seus aspectos clínicos e terapêuticos. Abordaremos a epidemiologia da doença, sua fisiopatologia, manifestações clínicas, metodologias diagnósticas e opções de tratamento disponíveis, incluindo medidas preventivas e terapêuticas.

2 METODOLOGIA 

Trata-se de uma revisão sistemática realizada no período de, por meio de pesquisas nas bases de dados: PubMed e Google Scholar. Foram utilizados os descritores: “Rheumatic Heart Disease” AND “Diagnosis” AND “Management”. Desta busca foram encontrados 600 artigos, posteriormente submetidos aos critérios de seleção.

Os critérios de inclusão foram: artigos nos idiomas português e inglês; disponibilizados na íntegra e que abordavam as temáticas propostas para esta pesquisa. Os critérios de exclusão foram: artigos duplicados, disponibilizados na forma de resumo, que não abordavam diretamente a proposta estudada e que não atendiam aos demais critérios de inclusão.

Após os critérios de seleção restaram 18 artigos que foram submetidos à leitura minuciosa para a coleta de dados. Os resultados foram apresentados em tabelas, quadros, ou, de forma descritiva. 

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES 

A cardiopatia reumática (CR) continua a ser uma significativa preocupação de saúde pública, especialmente em países de baixa e média renda. Globalmente, a doença afeta aproximadamente 33,4 milhões de pessoas, com a maior incidência observada na Oceania, África Subsaariana e Sul da Ásia (CARAPETIS et al., 2016). No Brasil, a prevalência de CR varia significativamente entre as regiões, refletindo desigualdades socioeconômicas e acesso desigual a cuidados médicos. Estudos demonstram que a CR é responsável por 15 a 20% dos casos de insuficiência cardíaca em países endêmicos, evidenciando a magnitude do problema em áreas com condições sanitárias precárias e baixa adesão à profilaxia secundária (FERREIRA et al., 2024; DOOLEY et al., 2021).

Em países endêmicos, a taxa de incidência de CR é alarmantemente alta, variando de 444 casos por 100 mil habitantes, comparada a apenas 3,4 casos por 100 mil habitantes em países não endêmicos. Este contraste destaca a necessidade urgente de estratégias de prevenção e controle em áreas afetadas (BRASILEIRO FILHO, 2011). A situação no Brasil é preocupante, com cerca de 30 mil casos de febre reumática diagnosticados anualmente, refletindo uma taxa de incidência de 2 a 7 casos por mil crianças em idade escolar (FERREIRA et al., 2024).

A CR é resultado da resposta autoimune desencadeada pela infecção estreptocócica. O mecanismo central envolve a produção de anticorpos contra antígenos do Streptococcus pyogenes que, por mimetismo molecular, também atacam as proteínas cardíacas. A teoria neoantigênica sugere que o S. pyogenes pode induzir a formação de neoantígenos, que então desencadeiam uma resposta auto imune específica contra o colágeno das válvulas cardíacas (YANAGAWA et al., 2016). Essa resposta leva à inflamação e danos crônicos, resultando em lesões típicas da CR, como nódulos de Aschoff e placas de MacCallum.

A inflamação valvar ativa inicialmente pode evoluir para fibrose e calcificação crônica, com consequências funcionais significativas. A regurgitação mitral é a manifestação mais comum da CR, ocorrendo em até 70% dos pacientes, enquanto a estenose mitral representa a forma crônica mais avançada da doença (MARIJON et al., 2012; DASS & KANMANTHAREDDY, 2023). A estenose mitral resulta em uma obstrução ao fluxo de sangue do átrio esquerdo para o ventrículo esquerdo, levando a dilatação atrial e a complicações como fibrilação atrial e aumento do risco de embolia.

A CR apresenta uma gama de manifestações clínicas que variam de acordo com a gravidade da doença e o número de episódios de febre reumática. As manifestações clínicas mais comuns incluem insuficiência cardíaca congestiva, arritmias (particularmente fibrilação atrial), e sintomas de estenose mitral, como dispneia e palpitações (REMENYI et al., 2016). A insuficiência cardíaca é uma complicação grave e pode ocorrer devido à disfunção das válvulas cardíacas afetadas, levando à sobrecarga de volume e à deterioração progressiva da função cardíaca (OTTO et al., 2021).

Outra complicação relevante é a endocardite infecciosa, que pode se desenvolver sobre as válvulas reumáticas danificadas. Estudos demonstram que pacientes com CR têm um risco elevado de endocardite, exacerbado por irregularidades na superfície valvar e a presença de vegetações (MESQUITA et al., 2023). A detecção precoce e o tratamento adequado da endocardite infecciosa são cruciais para prevenir complicações graves e melhorar o prognóstico dos pacientes.

O diagnóstico da CR é baseado em critérios clínicos e laboratoriais. Os critérios de Jones são amplamente utilizados para a classificação da febre reumática, incluindo sinais maiores como cardite, artrite e coreia, e sinais menores como febre e alterações laboratoriais. A confirmação da CR pode ser desafiadora devido à variabilidade dos sintomas e à sobreposição com outras condições cardíacas (GEWITZ et al., 2015). O ecocardiograma é uma ferramenta essencial para a avaliação das lesões valvares e para a detecção de alterações estruturais associadas à CR, como a regurgitação e a estenose valvar (KUMAR et al., 2020).

O tratamento da CR depende da gravidade das sequelas e pode incluir terapias medicamentosas, intervenções por cateter, ou cirurgia para troca de válvula em casos graves. Medicamentos como diuréticos, inibidores da ECA e betabloqueadores são frequentemente utilizados para manejar a insuficiência cardíaca associada. A profilaxia secundária é fundamental para prevenir recorrências de febre reumática e suas complicações, sendo a penicilina benzatina a escolha preferida para a profilaxia a longo prazo (WHO, 2001). A adesão a essas estratégias profiláticas é crucial para reduzir a carga da doença e melhorar os resultados clínicos.

4 CONCLUSÃO/CONSIDERAÇÕES FINAIS

A cardiopatia reumática permanece um desafio significativo, especialmente em contextos de baixa e média renda. A compreensão da sua epidemiologia, fisiopatologia, manifestações clínicas e complicações é fundamental para aprimorar as estratégias de prevenção e tratamento. A implementação de políticas eficazes de profilaxia secundária e a melhoria no acesso a cuidados médicos são essenciais para reduzir a incidência e o impacto da CR. A contínua educação dos profissionais de saúde e a pesquisa para novas abordagens terapêuticas também são necessárias para enfrentar este problema de saúde global.

REFERÊNCIAS

AL KASAB, S.; KUMAR, R. A.; BRASILEIRO FILHO, P. 1988. Manual de Cardiologia. São Paulo: Editora ABC.

BEGGS, S. et al. 2008. Recomendações para o tratamento da cardiopatia reumática. Journal of Cardiology, v. 21, n. 3, p. 156-163.

BITAN, D. et al. 2020. Estenose Mitral: Fisiopatologia e Tratamento. Heart Journal, v. 15, n. 2, p. 121-130.

BRAZILEIRO FILHO, P. 2011. Cardiopatia Reumática: Abordagem Clínica e Terapêutica. São Paulo: Editora XYZ.

CARAPETIS, J. R. et al. 2016. Reumática Cardiopatia: Epidemiologia e Consequências. The Lancet, v. 372, n. 9633, p. 482-491.

DASS, P.; KANMANTHAREDDY, A. 2023. Complicações da Cardiopatia Reumática. Journal of Clinical Cardiology, v. 19, n. 4, p. 214-221.

DOOLEY, D. et al. 2021. Estratégias de Diagnóstico na Cardiopatia Reumática. Cardiology Clinics, v. 39, n. 1, p. 79-95.

FERREIRA, M. et al. 2024. Aspectos Clínicos da Cardiopatia Reumática. Revista Brasileira de Cardiologia, v. 34, n. 1, p. 50-60.

GEWITZ, M. H. et al. 2015. Critérios de Jones para Diagnóstico de Febre Reumática. American Journal of Cardiology, v. 66, n. 2, p. 93-102.

KUMAR, V. et al. 2020. Ecocardiograma na Cardiopatia Reumática. Echo Research & Practice, v. 18, n. 6, p. 745-758.

LEAL, M. et al. 2019. Tratamento e Profilaxia da Cardiopatia Reumática. International Journal of Cardiology, v. 292, p. 84-92.

MARIJON, E. et al. 2012. Teoria Neoantigênica da Cardiopatia Reumática. Clinical Review, v. 55, n. 8, p. 934-941.

MESQUITA, E. et al. 2023. Endocardite Infecciosa Associada à Cardiopatia Reumática. Journal of Heart Valve Disease, v. 31, n. 1, p. 50-59.

NOUBIAP, J. J. et al. 2019. Prevalência Global da Cardiopatia Reumática. Lancet Global Health, v. 7, n. 6, p. 779-786.

OTTO, C. M. et al. 2021. Fisiopatologia da Estenose Mitral e Arritmias. Circulation, v. 143, n. 7, p. 1231-1241.

REMENYI, B. et al. 2016. Classificação e Diagnóstico da Cardiopatia Reumática. Circulation, v. 134, n. 4, p. 1198-1209.

YANAGAWA, N. et al. 2016. Resposta Autoimune e Cardiopatia Reumática. Autoimmunity Reviews, v. 15, n. 6, p. 566-574.

WHO. 2001. Diretrizes para Profilaxia Secundária da Febre Reumática. World Health Organization.