CARDIOMIOPATIA CONGÊNITA CHAGÁSICA EM UM PACIENTE PEDIÁTRICO: RELATO DE CASO E REVISÃO DA LITERATURA

CHAGAS CONGENITAL CARDIOMYOPATHY IN A PEDIATRIC PATIENT: CASE REPORT AND LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.8250888


Bruna Thaís de Almeida Souzaa, Carlos Eduardo Lins Franca Piaua, Juliana Leles Costa


RESUMO

A doença de chagas é uma patologia infecciosa causada pelo parasita Trypanosoma cruzi. Essa patologia tem uma elevada prevalência em adultos e baixa prevalência em crianças e adolescentes e com expressiva morbimortalidade, logo, em estados avançados, as suas complicações levam ao comprometimento cardíaco (distúrbios da condução, arritmias e insuficiência cardíaca). O objetivo deste trabalho visa relatar o caso clínico de cardiomiopatia congênita em fase avançada de um paciente pediátrico. O estudo se justifica pela importância de expor os dados dessa condição rara em pacientes pediátricos. Os dados serão coletados a partir de uma análise minuciosa do prontuário de um paciente de 16 anos de idade hospitalizado no Hospital do Oeste em Barreiras-BA e da revisão da literatura. Foi demonstrado através da análise do caso do paciente que a doença de chagas foi desenvolvida de maneira rápida e prejudicou o seu ritmo cardíaco, sendo essencial a implantação de um marca-passo cardíaco para manutenção da vida. Nesse estudo foi demonstrada a necessidade que se tem de fazer a descoberta do caso da doença de chagas de maneira precoce para que assim o propiciar um melhor prognostico para o paciente.

Palavras-chave: Doença de Chagas; Cardiomiopatia congênita; Comprometimento cardíaco; Bloqueio Atrioventricular Total; Marcapasso transvenoso.

ABSTRACT

Chagas disease is an infectious pathology caused by the parasite Trypanosoma cruzi. This pathology has a high prevalence in adults and a low prevalence in children and adolescents and with significant morbidity and mortality, therefore, in advanced stages, its complications lead to cardiac impairment (conduction disorders, arrhythmias and heart failure). The aim of this study is to report a clinical case of advanced congenital cardiomyopathy in a pediatric patient. The study is justified by the importance of exposing data on this rare condition in pediatric patients. Data will be collected from a thorough analysis of the medical records of a 16-year-old patient hospitalized at the Hospital do Oeste in Barreiras-BA and from a literature review. It was demonstrated through the analysis of the patient’s case that Chagas disease developed quickly and impaired his heart rhythm, being essential the implantation of a cardiac pacemaker for the maintenance of life. This study demonstrated the need to discover the case of Chagas disease early in order to provide a better prognosis for the patient.

Keywords: Chagas disease; Congenital cardiomyopathy; Cardiac impairment; Total atrioventricular block; Transvenous pacemaker.

INTRODUÇÃO

A doença de Chagas (DC) é uma doença infecciosa causada pelo parasita Trypanosoma cruzi, e transmitida, principalmente via vetorial, pelo inseto Triatoma infestas conhecido popularmente como barbeiro.1 A doença apresenta um curso clínico variável que passa por diversas modificações e pode levar a diversos graus de gravidade da doença.1-2

A doença apresenta curso clínico bifásico, aguda e crônica, sendo que a fase aguda, muitas vezes sem sintomas, pode evoluir para fase crônica.2 A gravidade dos casos pode estar relacionada à cepa infectante, a via de transmissão e também a associação com outras patologias concomitantes.2-3 É válido salientar que pacientes com chagas congênita provavelmente adquiriram a doença via transmissão vertical, e possivelmente não foram diagnosticados previamente devido às lacunas na triagem neonatal.3

A DC é uma doença conhecida há mais de um século e já foram realizados diversos estudos para buscar compreende-la. Hoje, a literatura demonstra que ela é prevalecente em populações negligenciadas e pobres dos países em desenvolvimento, sendo uma enfermidade de alcance global que acomete atualmente cerca de 12 milhões de pessoas no mundo, com incidência de 30 mil novos casos por ano e 14 mil mortes por ano de acordo com relatos.3 Outros estudos realizados ensinam que ¼ dos casos que se somam anualmente no mundo é causado por infecção a recém-nascidos durante a gestação.1-4 Nota-se que essa doença está sendo mais prevalente na América Latina, onde ainda não existe um controle sanitário adequado para as pessoas e nem um atendimento de qualidade para as mesmas.1

Um estudo realizado no Brasil demonstrou que a Doença de Chagas é mais comum em mulheres, sendo mais comum ainda em idosas e residentes nas regiões norte e nordeste do país, que precisam ser mais conscientizada sobre os perigos dessa patologia.3 O mesmo estudo demonstra que o caso afeta pouco as crianças. No que diz respeito à evolução da doença observou-se ainda um predomínio de cronificação em pessoas com faixas etárias mais avançadas e que até 30% das mesmas poderão vir a apresentar alterações cardíacas.2

Estudos revelam que a transmissão pode ocorrer por meio vetorial, oral, transfusional, transplantar, vertical (congênita ou transplacentária) e acidental.3,4 É válido ressaltar que o T. cruzi pode transpassar os vetores e ser transmitido ao homem, por mecanismos alternativos, como a via vertical, que atualmente está se tornando cada vez mais frequente.3

Como visto a doença de chagas possui diversas manifestações clínicas e pode ser dividida em aguda, indeterminada e crônica, sendo muito importante o rastreio de qualquer sintoma. 3-5 Nota-se que segundo alguns estudos cerca de 30% dos pacientes que são infectados com a doença são assintomáticos e podem ficar assim até mesmo por décadas.2,3 Destaca-se que ainda que como a doença dos assintomáticos não é descoberta nos estágios iniciais pode vir a provocar problemas cardíacos graves.1

É importante mencionar que a DC pode levar a complicações cardíacas, digestivas ou cardiodigestivas, tem uma elevada prevalência e expressiva morbimortalidade.1-3,6 Sabe-se ainda que T. cruzi tem tropismo pelo músculo cardíaco e leva a cardiomiopatia progressiva na fase crônica da doença.6,7 Isso ocorre através da destruição direta pelo parasita e por mecanismos neurogênicos com lesões no sistema de condução.6

Portanto, pacientes sintomáticos cardíacos, em geral podem desenvolver cardiomiopatia dilatada, distúrbios da condução, arritmias, insuficiência cardíaca dentre outras alterações, que com ausência de tratamento podem promover um comprometimento cardíaco grave tornando-se a principal causa de óbito em pacientes chagásicos.1-5

Estudos apontam que estruturalmente são encontrados áreas de infiltrados nos cardiomiocitos que são acompanhadas de fibroses.3 Tendo potencial de evoluir para miocardite aguda difusa, com edema intersticial e fibrose, hipertrofia de fibras do miocárdio e dilatação de cavidades cardíacas nas formas aguda e crônica.6 Experimentalmente, observa-se ainda o surgimento de evidências que reforçam a hipótese fisiopatológica de que a perda da modulação parassimpática cardíaca esteja implicada em mecanismos de morte súbita elétrica na doença de Chagas.1

Outro ponto importante é que evidencias registraram que anticorpos provenientes de pacientes com cardiopatia chagásica crônica que possuíam arritmias ventriculares complexas eram capazes de diminuir a frequência cardíaca e provocar bloqueio atrioventricular no coração isolado de coelho.7-9 Posteriormente, nesse mesmo estudo foi descrito que alguns destes pacientes possuíam anticorpos com efeito beta adrenérgico promovendo bloqueio da condução elétrica através de junções comunicantes na cultura de cardiomiócitos de ratos neonatos, sugerindo mais um mecanismo pelo qual esses anticorpos poderiam contribuir para a ocorrência de arritmias cardíacas.1-3,8,9

Recentemente um estudo demonstrou pela primeira vez, que pacientes com cardiopatia chagásica crônica possuidores de  anticorpos muscarínicos apresentavam maior dispersão do intervalo QT quando comparados a pacientes com cardiopatia chagásica crônica crônicos sem esse tipo de anticorpo.3,8-10 Esses mesmos anticorpos com efeito muscarínico, quando perfundidos no coração isolado de coelho, sob frequência controlada, incrementavam o intervalo QT.8,11,12 Desta forma, foi possível inferir que o comprometimento da repolarização ventricular poderia ser mediado por estes anticorpos e estar associado à instabilidade elétrica ventricular e, consequentemente, à morte súbita.11,12

Um dos desarranjos na condução cardíaca, que leva a um quadro de bradiarritmia grave é o Bloqueio Atrioventricular Total (BAVT), no qual a DC se destaca como etiologia.7 Esse defeito no sistema elétrico cardíaco configura-se como mau prognóstico, pois pode evoluir para quadros de síncopes e até morte súbita por assistolia.2-4,8 Portanto pacientes com BAVT necessitam da implantação de um marca-passo artificial definitivo.2,8

Em vista disso, este relato de caso busca compreender os motivos que levaram a uma progressão rápida da doença em um paciente de 16 anos com cardiomiopatia congênita chagásica, a análise do prontuário vai permitir uma melhor compreensão sobre a evolução da doença, os exames complementares, as hipóteses diagnósticas e a conduta terapêutica adotada capaz de otimizar o prognóstico dos pacientes com esse perfil.

RELATO DE CASO

Este é um estudo de caso apreciado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) (Parecer 5.979.178 e CAAE 67717722.5.0000.5193), com dispensa do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e autorização do Uso de Imagem pela instituição de pesquisa.

Paciente do sexo masculino, 16 anos de idade, solteiro, natural de Barreiras-BA, estudante do ensino médio, deu entrada no serviço de saúde terciário no dia 02 de julho de 2022, encaminhado por suspeita de cardiomiopatia chagásica congênita e bloqueio atrioventricular total. O mesmo relatou que há cerca de 01 dia procurou a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) da cidade com história de lipotimia e sintomas pré-sincope, como vertigem e turvação visual ao realizar exercício físico intenso (jogar futebol). Após avaliação inicial na unidade foi detectado uma bradicardia severa com frequência cardíaca (FC): 32 bpm e em seguida foi implantado um marcapasso (MP) transvenoso para estabilização do mesmo. Posteriormente foi transferido para uma unidade de maior complexidade.

Ao ser admitido na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) onde prosseguiu-se com a investigação, o paciente relatou que o coração estava acelerado há vários dias e apresentava sintomas de baixo debito como: dispneia, fadiga, tontura, sudorese fria, sonolência, dentre outros. Refere ainda perda da capacidade funcional desde os 10 anos, e histórico familiar de problemas cardíacos. Relata que o pai teve morte prematura aos 39 anos e era portador da doença de chagas. Que a mãe e a irmã de 19 anos também são portadoras da doença de chagas, e que nenhum membro da família fazia acompanhamento médico. Genitora relata ainda que foi negligenciada durante o pré-natal. Nega antecedentes patológicos prévios, tabagismo e etilismo. Refere ainda ter realizado 1 dose da vacina Covid-19.

Ao exame físico apresentava-se alerta, orientado, estável hemodinamicamente estável sem DVA, dependente de marcapasso transvenoso (perdendo amp em 1v), sem sangramentos. Glasgow 15, pupilas isocóricas fotorreagentes. Cardiovascular: ritmo irregular, hipofonese de bulhas sem sopros. Respiratório: Eupneico em ar ambiente, mantendo boa saturimetria. Extremidades: Pulsos palpáveis, sem edemas, TEC >3s. Demais aparelhos sem alterações.

Os exames laboratoriais não apresentaram alterações, porém, a sorologia veio positiva para chagas. O Eletrocardiograma (ECG) evidenciava Bloqueio Atrioventricular de 3º grau (BAVT); Bloqueio de Ramo Direito (BRD); Bloqueio Divisional AnteroSuperior Esquerdo (BDASE). Na Radiografia (RX) de tórax (Figura 1) evidenciava aumento da silhueta cardíaca, mais proeminente à esquerda, indicando cardiomegalia e ausência de congestão pulmonar.

FIGURA 1 – RX de tórax à admissão, com cardiomegalia.

Fonte: Souza BT, et al., 2023; imagens extraídas do sistema de radiologia com a devida autorização da unidade.

Na avaliação do cardiologista demonstrou comprometimento cardíaco significativo. Ao realizar o Ecocardiograma Transtoracico (ECOTT) foi observado aumento moderado das dimensões sistólicas do Ventrículo Esquerdo (VE), Disfunção sistólica (FE= 52%) VE as custas de hipocinesia difusa de suas paredes; presença de movimento assincrônico do septo interventricular; regurgitação mitral e tricúspide leve; presença de cabo de marcapasso em cavidades direitas.

Após três dias de internação avaliando todo o quadro clinico, exames complementares e devido ao risco de morte súbita, foi informado ao paciente e decidido pela equipe a necessidade da implantação do MP definitivo para estabilização definitiva do quadro e manutenção da saúde cardíaca preservada. Logo, durante os dias subsequentes, o paciente foi mantido na unidade recebendo todo o suporte clinico e hemodinâmico necessário, enquanto aguardando a programação do procedimento. Permanecendo com FC 60bpm em média, eletrólitos, função renal e demais sistemas sem alterações, além de não apresentar nenhuma intercorrência durante o período.

Próximo ao dia do procedimento o paciente recebeu profilaxia para LAMG e TEV e optou-se por iniciar antibioticoprofilaxia com cefalotina, mantendo-se até 72 horas pós procedimento. O paciente foi submetido ao procedimento cirúrgico, a implantação do marcapasso de camara dupla transvenoso definitivo. Durante a operação ele apresentou flutter atrial no posicionamento do eletrodo atrial, sendo mantido sistema modo VVI e aguardado posteriormente para reversão para ritmo sinusal. É valido citar que esse foi o primeiro MP definitivo implantado no hospital de referência da região Oeste da Bahia.

Nos dias subsequentes a operação o paciente evoluiu com recuperação dos sintomas e permaneceu em uso de dripping de amiodarona. O RX de tórax controle (Figura 2) pós-cirúrgico demonstrou posicionamento adequado do MP de camara dupla transvenoso definitivo, ausência de sinais de pneumotórax.

FIGURA 2 – RX de tórax pós implante de Marcapasso de camara dupla transvenoso

Fonte: Souza BT, et al., 2023; imagens extraídas do sistema de radiologia com a devida autorização da unidade.

Durante a internação, pós operação, recebendo todo o suporte da equipe multidisciplinar o paciente foi avaliado pela cardiologia e cirurgia cardíaca que atestou que o MP estava implantado corretamente ajustando-o para ritmo sinusal (DDDR), sem intercorrências. O paciente referiu apenas dor em local de loja de MP e permaneceu clínica e hemodinamicamente estável, terminou o ciclo de antibioticoprofilaxia. Logo, após a avaliação médica, recebeu alta hospitalar acompanhado de orientações para seguimento em ambulatório de cardiologia.

RESULTADOS

Ao longo do desenvolvimento deste estudo foram encontrados um total de doze artigos (12) que corroboram o debate realizado ao longo desta pesquisa, sendo que todos eles descreveram de maneira assertiva sobre o que é a doença de chagas e como a mesma pode prejudicar a saúde do paciente. A seleção dos estudos selecionados foi demonstrada no Fluxograma abaixo (Figura 3).

A busca foi realizada nas bases de dados da Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Medical Literature Analysis and Retrievel System Online (MEDLINE) e Bases de Dados de Enfermagem (BDENF), usando como descritores (DESC): cardiomiopatia chagásica congênita, doença de chagas, bloqueio atrioventricular; tendo como resultados um total de 1256 artigos. Sendo 492 na BDENF, 552 na LILACS e 212 na MEDLINE. Foram excluídos, após a leitura dos títulos, resumos e objetivos um total de 1154 estudos, sendo 417 na BDENF, 532 na LILACS e 205 na MEDLINE, restando um total de 102 artigos, esses artigos foram excluídos, pois não discutiam os objetivos do trabalho. Dos 102 trabalhos restantes 60 foram excluídos por serem duplicados. Após a leitura dos objetivos e titulo dos 42 trabalhos restantes foram retirados 30 trabalhos, sendo 21 deles retirados, pois não discutiram de forma clara o que é proposto do trabalho, e 9 por não apresentarem contribuição significativas para o estudo. Essa pesquisa selecionou artigos que foram publicados durante os anos de 1999 a 2022.

FIGURA 3 – Fluxograma de artigos encontrados e selecionados após aplicação dos critérios de elegibilidade.

Fonte: Souza BT, et al., 2023, autoria própria.

Após a constatação dos critérios, onde se tinha 102 artigos, 60 deles foram avaliados e considerados inelegíveis, sobrando 42 artigos que após a leitura dos objetivos não se adequarem de maneira correta a proposta, sendo que outros 30 foram excluídos por não adequar-se aos objetivos propostos na pesquisa. Com isso buscou-se expressar de maneira clara os objetivos deste estudo.

DISCUSSÃO

O caso em questão trata-se de uma típica apresentação da doença de Chagas (DC), uma patologia infecciosa, causada pelo parasita T. cruzi. Descrevemos um paciente com complicações graves de cardiomiopatia chagásica congênita, as quais coincidem com as complicações já relatadas na literatura. Tais complicações ocorrem raramente nesse faixa etária e correlacionam-se à extensa destruição dos cardiomiocitos e redução do cronotropismo cardíaco promovidas pelo tropismo do parasita ao musculo cardíaco. A idade do paciente também não coincide com a faixa etária de maior ocorrência desses eventos que, comumente, ocorrem em idosos do sexo feminino e adultos partir da 5ª década de vida.

Ao observarmos a história percebemos que o paciente provavelmente adquiriu o T. Cruzi antes do nascimento, provavelmente por via vertical devido às lacunas na triagem neonatal. O Segundo o paciente ele possuía histórico familiar positivo para DC. Seu pai morreu de forma prematura pela doença e sua mãe portadora da mesma patologia não realizou um pré-natal adequado, o que impossibilitou um rastreio precoce da doença, resultando nas complicações citadas no caso em questão.

O quadro clinico da DC apresenta-se de forma variável e uma parte considerável dos portadores cursam com alterações cardíacas e sistêmicas importantes. Sua forma cronificada pode apresentar manifestações digestivas, cardíacas ou cardiodigestivas. Nota-se que o paciente em questão apresentava história de lipotimia, sintomas de baixo debito e pré-sincope, além de ser intolerante ao esforço. O relato cita ainda que o paciente ao chegar na unidade cursou com uma bradicardia severa com necessidade de um procedimento invasivo para a manutenção da sua vida. Essas alterações coincidem com uma alta gravidade e falam a favor de um estágio avançando da doença com risco eminente a vida.

Como visto após a análise médica inicial, diagnosticou-se um comprometimento cardiorrespiratório importante e devido à gravidade e o estágio avançado foi necessário a realização do procedimento descrito no relato, a implantação do marcapasso provisório com urgência, sendo essencial para preservar o paciente com vida. É valido frisar que entre os fatores determinantes apontados pela equipe médica possíveis de evitar essa intervenção cirúrgica invasiva, encontra-se o diagnóstico e tratamento precoce da doença que é capaz de minimizar o dano sistêmico da DC.

O diagnóstico do mal de chagas se dá por meio de informações colhidas através da história clinica associado ao exame físico e a exames complementares. Nesse relato de caso o paciente é morador de uma área endêmica, onde o desfecho dos portadores dessa patologia não é dos mais favoráveis. Ele possui sorologia positiva para Chagas e apresenta um notório acometimento cardíaco. Observa-se ainda que ele apresenta falhas nos mecanismos neurogênicos a partir das lesões encontradas no sistema de condução, como é visto por meio do ECG que evidenciava esses distúrbios como o BAVT, BRD e BDASE.

Outro achado é o ECOTT que demonstra a disfunção sistólica do VE as custas de hipocinesia das paredes, corroborando com o avançado grau da doença pela destruição dos cardiomiocitos. Além disso, a radiografia de tórax (figura 1), caracteristicamente mostra cardiomegalia global, descrita em 15 a 60% dos casos de DC. Portanto, todos esses fatores epidemiológico, clínicos e anatômicos somados revelam alterações cardíacas agudas significantes. É valido ressaltar que a bradicardia associada à presença de um bloqueio cardíaco (BAVT) é um tido como um sinal de mau prognóstico, apontando para a especial atenção que deve ser dada ao paciente, pois se encaixa num quadro de real gravidade e imediata intervenção cirúrgica como a utilização do marcapasso para busca de melhorias na saúde do indivíduo.

O tratamento para a doença de Chagas é muito variável, ele depende da sintomatologia e da área afetada no indivíduo. No caso de pacientes sintomáticos cardíacos que desenvolvem distúrbios de condução e de enchimento, levando a falha da bomba cardíaca, o MP é uma boa alternativa terapêutica. Um estudo revela que o marcapasso cardíaco é um pequeno aparelho que monitora o ritmo cardíaco e estimula o coração, caso os batimentos fiquem abaixo dos valores normais, que variam entre 50 a 100 batimentos por minuto.

O marcapasso é colocado cirurgicamente junto ao coração permitindo aliviar sintomas como cansaço excessivo ou dificuldade para respirar, que surgem quando o coração não está batendo no ritmo ideal.10,11 O MP pode ser provisório, quando colocado apenas por um período de tempo para tratar uma alteração cardíaca, ou pode ser definitivo, quando é colocado para controlar doenças crônicas.10,11

Logo, no caso em questão onde o paciente apresenta achados importantes como uma bradicardia severa associada a sintomas de baixo debito, dentre outros, somados há desarranjos na condução cardíaca (BATV) que configuram-se como mau prognóstico, a equipe multidisciplinar optou pela implantação de um MP definitivo de camara dupla transvenoso, com o objetivo de reduz o risco de morte súbita e evitar que o paciente evolua para quadros de sincope recorrentes com redução significativa da FEVE, uma vez que, o mesmo já apresenta redução da capacidade funcional.

Portanto, apesar das lacunas terapêuticas iniciais que propiciaram a progressão do processo infeccioso do T. cruzi, aumentando a gravidade e maximizando a incidência da mortalidade para o paciente deste relato, o mesmo seguiu com um quadro clínico estável até a realização do procedimento, que em alguns dias depois foi realizado com sucesso pela equipe médica. Ao final, ele teve o MP implantado em ritmo sinusal e posteriormente após a avaliação da cardiologia, recebeu alta hospitalar e orientações para seguimento ambulatorial. Demonstrando assim que com uma conduta assertiva se tem um desfecho favorável.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este caso ilustra a apresentação grave que a infecção pelo T.cruzi pode desencadear em pacientes infectados por via vertical que são moradores de zonas com alta endemicidade. É certo dizer, que por se tratar de um caso que envolve um paciente jovem com quadro clinico avançado, e devido aos crescentes surtos associado a grande relevância clínica, reforça-se a necessidade de orientação dos profissionais de saúde para a identificação precoce da doença e suporte clínico adequado. É importante frisar que atualmente a doença de chagas entrou para lista das patologias com notificação compulsória, sendo essencial um monitoramento da mesma desde o pré-natal até a vida adulta do indivíduo, principalmente daquelas que possuem casos na família, como no caso estudado.

A importância do diagnóstico e tratamento imediato dos casos e seguimento prolongado de pacientes de forma referenciada deve ser reforçada nos focos de maior risco, proporcionando visibilidade de evoluções e metodologias de seguimentos clínicos bem delineados. Esse relato expôs que a DC pode se desenvolver desde o nascimento com uma progressão acelerada. Demonstrando que uma forma muito bem sucedida de se precaver contra o avanço dessa doença é a conscientização da comunidade e a possibilidade de fornecer conhecimento mais amplo para a equipe multidisciplinar sobre o desfecho da doença, uma vez que a mesma pode provocar redução funcional e morte súbita.

Pode-se dizer que o tratamento na fase avançada da doença é longo e muitas vezes exige uma intervenção mais firme como a colocação do marca passo e a realização de outros tipos de cirurgia que talvez não aconteceria se o paciente tivesse o acompanhamento adequado. Nota-se que ainda não existe uma vacina contra a doença de Chagas e sua incidência está diretamente relacionada às condições habitacionais (casas de pau-a-pique, sapê, etc). Mediante a isso, algumas medidas preventivas como uso de telas e repelentes, podem ser adotadas para evitar a contaminação. Todavia para a fase a crônica da doença a terapêutica deve ser sempre individualizada, objetivando assim a melhoria da qualidade de vida do indivíduo.

Por fim, esse caso se destaca por expor soluções terapêuticas efetivas que modificaram o desfecho do paciente em questão, além de de ter trazer uma contribuição histórica para a região de Barreiras-BA, tornando-se o primeiro marca passo implantado na história na região, o que demonstra também a relevância desse relato de caso.

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aCentro Universitário Mauricio de Nassau de Barreiras (UNINASSAU), Barreiras – BA.