CARDIOLOGIA REGENERATIVA: O PAPEL DAS CÉLULAS-TRONCO NA DOENÇA CARDIOVASCULAR

REGENERATIVE CARDIOLOGY: THE ROLE OF STEM CELLS IN CARDIOVASCULAR DISEASE

CARDIOLOGÍA REGENERATIVA: EL PAPEL DE LAS CÉLULAS MADRE EN LAS ENFERMEDADES CARDIOVASCULARES

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102503021126


Ana Clara Silva de Alencar, Giulia Germano de Azevedo Silva, Bruna Vital Pereira Moreira, Larissa Vital Britto Vinhas, Juliana de Fátima da Cunha Medeiros, Agnnes Luiza Camara Bílio de Araújo, André Luís Cal Muiños, Pedro Ivo Uchôa Serra Mendes de Castro, Maria Fernanda Sales Campos, Ana Carolina Câmara Reis, Isabelle Cristina Araújo Caetano, Júlia Souza Bitar, Mirela de Sousa Pimentel, Emanuelly Pinheiro Cutrim, Taís Araújo Silva Alves Penha, Renan Fialho e Silva, Paulo Ferreira de Sousa Júnior, Antonio Woodson Santos Maciel, Renata Alcântara Calixto, Emile Danielly Amorim Pereira.


RESUMO

As doenças cardiovasculares (DCVs) representam a principal causa de mortalidade global, sendo associadas a fatores de risco modificáveis, como sedentarismo, tabagismo e hábitos alimentares inadequados. Apesar dos avanços terapêuticos, os tratamentos convencionais não regeneram o tecido cardíaco lesionado, evidenciando a necessidade de abordagens inovadoras. Nesse contexto, a terapia com células-tronco surge como uma alternativa promissora para a regeneração do miocárdio, estimulando angiogênese, modulação inflamatória e diferenciação celular. Assim, o objetivo deste trabalho é avaliar os benefícios e limitações do uso de células-tronco em comparação às terapias convencionais, além de compreender se a cardiologia regenerativa pode reduzir complicações e melhorar os resultados de longo prazo dos pacientes. Os artigos para compor esta revisão foram publicados no período de 2020 a 2025 nas bases de dados Scielo, PubMed, Scopus, MEDLINE, Embase e Elsevier. Para a pesquisa foram utilizados os descritores “Cardiologia Regenerativa”, “Terapia com Células-Tronco”, “Regeneração miocárdica com Células-tronco” e “Doença Cardiovascular”. Os resultados desta revisão permitiram observar que a terapia celular representa um avanço significativo na cardiologia regenerativa, oferecendo uma abordagem inovadora para restaurar a função cardíaca. Entretanto, apesar do seu potencial regenerativo, desafios como baixa retenção celular, microambiente hostil e dificuldades na integração funcional ainda limitam sua eficácia clínica. Dessa forma, estratégias como engenharia tecidual, modulação genética e uso de biomateriais têm sido exploradas para aprimorar seus efeitos terapêuticos, otimizar protocolos e garantir sua segurança e eficácia, viabilizando sua ampla aplicação na prática médica.

Palavras-chave: Doenças Cardiovasculares; Terapia Celular; Células-Tronco; Regeneração Miocárdica; Angiogênese.

ABSTRACT

Cardiovascular diseases (CVDs) represent the leading cause of global mortality and are associated with modifiable risk factors such as a sedentary lifestyle, smoking, and unhealthy eating habits. Despite therapeutic advances, conventional treatments do not regenerate damaged cardiac tissue, highlighting the need for innovative approaches. In this context, stem cell therapy emerges as a promising alternative for myocardial regeneration,  stimulating  angiogenesis,  inflammatory  modulation,  and  cellular

differentiation. Thus, the objective of this study is to evaluate the benefits and limitations of stem cell therapy compared to conventional treatments, as well as to understand whether regenerative cardiology can reduce complications and improve long-term patient outcomes. The articles included in this review were published between 2020 and 2025 in databases such as Scielo, PubMed, Scopus, MEDLINE, Embase, and Elsevier. The research was conducted using the descriptors “Regenerative Cardiology,” “Stem Cell Therapy,” “Myocardial Regeneration with Stem Cells,” and “Cardiovascular Disease.” The results of this review indicate that cell therapy represents a significant advance in regenerative cardiology, offering an innovative approach to restoring cardiac function. However, despite its regenerative potential, challenges such as low cell retention, a hostile microenvironment, and difficulties in functional integration still limit its clinical efficacy. Therefore, strategies such as tissue engineering, genetic modulation, and the use of biomaterials have been explored to enhance therapeutic effects, optimize protocols, and ensure safety and efficacy, enabling its broad application in medical practice.

Keywords: Cardiovascular deseases; Cell therapy; Stem Cells; Myocardial Regeneration; Angiogenesis.

RESUMEN

Las enfermedades cardiovasculares (ECV) representan la principal causa de mortalidad global y están asociadas con factores de riesgo modificables, como el sedentarismo, el tabaquismo y los hábitos alimentarios inadecuados. A pesar de los avances terapéuticos, los tratamientos convencionales no regeneran el tejido cardíaco dañado, lo que resalta la necesidad de enfoques innovadores. En este contexto, la terapia con células madre surge como una alternativa prometedora para la regeneración del miocardio, estimulando la angiogénesis, la modulación inflamatoria y la diferenciación celular. Así, el objetivo de este estudio es evaluar los beneficios y limitaciones del uso de células madre en comparación con las terapias convencionales, además de comprender si la cardiología regenerativa puede reducir complicaciones y mejorar los resultados a largo plazo de los pacientes. Los artículos incluidos en esta revisión fueron publicados entre 2020 y 2025 en bases de datos como Scielo, PubMed, Scopus, MEDLINE, Embase y Elsevier. La investigación se llevó a cabo utilizando los descriptores “Cardiología Regenerativa,” “Terapia con Células Madre,” “Regeneración Miocárdica con Células Madre” y “Enfermedad Cardiovascular.” Los resultados de esta revisión indican que la terapia celular representa un avance significativo en la cardiología regenerativa, ofreciendo un enfoque innovador para restaurar la función cardíaca. Sin embargo, a pesar de su potencial regenerativo, desafíos como la baja retención celular, un microambiente hostil y dificultades en la integración funcional aún limitan su eficacia clínica. Por lo tanto, se han explorado estrategias como la ingeniería de tejidos, la modulación genética y el uso de biomateriales para mejorar los efectos terapéuticos, optimizar protocolos y garantizar su seguridad y eficacia, permitiendo su amplia aplicación en la práctica médica.

Palabras clave: Enfermedades Cardiovasculares; Terapia Celular; Células Madre; Regeneración Miocárdica; Angiogénesis.

1  INTRODUÇÃO

As doenças cardiovasculares (DCVs) correspondem à principal causa de morte na população adulta global, sendo responsáveis por aproximadamente 18 milhões de óbitos

ao ano e representando cerca de 32% de todas as mortes ao redor do mundo. (Organização Mundial da Saúde, 2021). Entre as principais condições fatais, destacam-se o infarto agudo do miocárdio (IAM), insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral (AVC) e hipertensão arterial sistêmica (HAS), afecções diretamente relacionadas ao sedentarismo, obesidade, tabagismo e hábitos alimentares inadequados, destacando assim a relevância do estilo de vida na prevenção e manejo das DCVs. (GUIDA, 2024)

A alimentação balanceada, prática regular de exercícios físicos, controle do peso corporal e cessação do tabagismo são medidas amplamente reconhecidas como fundamentais na redução do risco cardiovascular. Entretanto, mesmo com uma série de intervenções preventivas e de promoção à saúde, o número de pacientes afetados por eventos cardiovasculares continua a crescer, demandando o uso de terapias eficazes para garantir sobrevida, tratar a causa e evitar novos eventos. (GONÇALVES, 2024)

Os tratamentos convencionalmente utilizados incluem o uso de medicações, intervenções cirúrgicas, além de dispositivos como desfibriladores e marcapassos, terapias altamente eficazes em aliviar sintomas e prevenir eventos fatais, mas que não tratam as lesões teciduais subjacentes, como a área de isquemia e necrose miocárdica após um IAM, limitando sua capacidade de promover plena recuperação. (ALI, 2025) Além disso, pacientes com insuficiência cardíaca avançada frequentemente se tornam dependentes de transplantes cardíacos como alternativa terapêutica, uma opção restrita que envolve questões biológicas e psicossociais, devido à escassez de doadores e à alta incidência de rejeição imunológica. Assim, a busca por soluções regenerativas que possam reverter os danos teciduais e restaurar a funcionalidade cardíaca tornou-se uma prioridade da cardiologia na era tecnológica. (HE, 2020)

A terapia com células-tronco tem ganhado espaço ao se destacar como uma estratégia promissora no tratamento e restauração da área cardíaca, uma vez que, ao contrário das terapias tradicionais que focam no controle dos sintomas, as células-tronco têm o potencial de regenerar o miocárdio danificado. Baseado na capacidade dessas células de se diferenciarem em cardiomiócitos, além de liberar fatores paracrinos que estimulam a regeneração tecidual, essa abordagem estimula a liberação de fatores como VEGF e IGF-1, promovendo angiogênese, reduzindo inflamação e aumentando a viabilidade celular. (YUAN, 2024)

No entanto, essa abordagem não está isenta de desafios. A baixa taxa de sobrevivência das células após o transplante, o risco de complicações, desafios

regulatórios, bem como questionamentos éticos relacionadas ao uso de células-tronco embrionárias também representam impasses ao avanço dessa tecnologia. (YUAN, 2024) Dessa forma, esse trabalho tem como objetivo avaliar os benefícios e limitações da terapia com células-tronco em comparação aos tratamentos convencionais, além de compreender se a cardiologia regenerativa pode reduzir complicações e melhorar os resultados de longo prazo dos pacientes com doença cardiovascular.

2  METODOLOGIA

Esse estudo consistiu em uma revisão da literatura com a finalidade de avaliar os benefícios e limitações do uso de células-tronco em comparação às terapias convencionais, além de compreender se a cardiologia regenerativa pode reduzir complicações e melhorar os resultados de longo prazo dos pacientes. Foram utilizadas as bases de dados Scopus, Scielo, Embase, PubMed, MEDLINE e Elsevier. Os critérios de inclusão foram: (1) artigos que abordam a aplicação de células-tronco em doenças cardiovasculares; (2) pesquisas que compararam o uso de células-tronco às terapias convencionais; (3) estudos publicados em português e inglês; (4) publicações revisadas por pares em revistas indexadas. A busca cobriu o período de 2020 a 2025.

Assim, a pesquisa baseou-se nos descritores “Cardiologia Regenerativa”, “Terapia com Células-Tronco”, “Regeneração miocárdica com Células-tronco” e “Doença Cardiovascular”. Os artigos selecionados foram submetidos a uma análise crítica para avaliar a qualidade metodológica, a robustez dos dados e a relevância dos achados. Duas revisões independentes foram conduzidas para garantir a objetividade na seleção dos estudos. A análise dos dados foi realizada por meio de uma abordagem de meta-análise, quando aplicável. Esta técnica permitiu combinar os resultados de múltiplos estudos, proporcionando análise entre os riscos e benefícios da terapia com células-tronco na regeneração miocárdica e nas doenças cardiovasculares.

3  RESULTADOS E DISCUSSÕES
AUTORTÍTULOOBJETIVOSRESULTADOS
   Gonçalves                 et al. 2024Associação Individual e Simultânea entre Fatores de Risco   para   Doença Cardiovascular  e  Hábitos Inadequados do Estilo de Vida em uma Amostra do Brasil.Investigar a associação individual e               simultânea               entre comportamentos inadequados do estilo de vida e fatores de risco para DCV em adultos e idosos. Um maior número de comportamentos de estilo de vida inadequados foi associado a maiores chances de presença simultânea de múltiplos fatores de risco de DCV.
      Guida   et            al. 2024Manejo e Evolução após Primeiro Infarto Agudo do Miocárdio: um estudo de mundo real comparando coortes  de  mulheres  e homens na rede trinetx.Comparar coortes nacionais de homens e mulheres hospitalizados devido ao primeiro infarto agudo do miocárdio (IAM), examinando os desfechos a longo prazo.Nesta grande coorte brasileira, o sexo feminino foi associado a maior ocorrência   de                            eventos cardiovasculares em período de 5 anos após a alta hospitalar.
            Mahmud et al. 2022        Opportunities                                 and challenges in stem cell therapy in cardiovascular diseases: position standing in 2022.  Avaliar a terapia com células- tronco no tratamento de doenças cardiovasculares através de estudos clínicos e pré-clínicos para tratar e desacelerar os efeitos adversos em relação à remodelação cardíaca, além de localizar os problemas de perda imutável de tecidos cardíacos.Embora casos específicos de terapia com células-tronco tenham provado sua eficácia em doenças cardiovasculares em certos estudos substanciais e tenham sido adotados em vários países, os perfis de segurança e eficácia desses tratamentos ainda precisam ser completamente estabelecidos em ensaios clínicos de larga escala.
          He et al. 2020    Heart Regeneration by Endogenous Stem Cells And                   Cardiomyocyte Proliferation: Controversy, Fallacy, and Progress.Esta revisão também avaliará os aspectos metodológicos e técnicos de estudos passados e atuais sobre CSCs e proliferação de cardiomiócitos, com ênfase em pontos fortes técnicos, vantagens e potenciais    limitações    de abordagens de pesquisa.O potencial das células-tronco cardíacas (CSCs) endógenas para regeneração cardíaca tem sido decepcionante porque estudos recentes sugerem que o coração de mamíferos adultos não abriga CSCs para regeneração de cardiomiócitos.
        Yuan,   et            al. 2024      Application and challenges of stem cells in cardiovascular aging.Buscar           estratégias                     de enfrentamento                                para                             o envelhecimento cardiovascular e doenças relacionadas para fornecer uma referência para a aplicação de células-tronco no tratamento de doenças   cardiovasculares   e promover o desenvolvimento e a transformação clínica da pesquisa sobre      envelhecimento cardiovascular   e   doenças relacionadas.A aplicação clínica da terapia com células-tronco ainda está em estágio exploratório. Como coletar efetivamente um grande número de células purificadas e garantir sua estabilidade e segurança no processo de terapia de transplante ainda precisa ser estudado no futuro.
            Tsai, Sun 2024          Stem Cell Therapy against Ischemic Heart DiseaseApresentar uma visão geral da aplicação terapêutica de células- tronco em diferentes categorias de doença cardíaca isquêmica, incluindo resultados experimentais e clínicos relevantes, bem como os mecanismos propostos que sustentam tais observações.O tratamento com células-tronco contra doença cardíaca isquêmica continua sendo um território desconhecido no qual esforços de pesquisa sustentados ainda são necessários para lançar luz sobre as estratégias ideais após ponderar os méritos  e  riscos  em  testes  em humanos.
            Ali et al. 2025      Assessing the Potential Benefits of Stem Cell Therapy in Cardiac Regeneration for Patients With Ischemic Heart Disease.Esta revisão sistemática explora a hipótese de que terapias com células-tronco podem melhorar a regeneração cardíaca ao substituir ou reparar o miocárdio danificado, com foco em células-tronco mesenquimais (MSCs), células- tronco pluripotentes induzidas (iPSCs)    e    células-tronco embrionárias (ESCs).      Esta revisão enfatiza a necessidade de pesquisa contínua e desenvolvimento clínico para maximizar o potencial das abordagens baseadas em células- tronco no reparo cardíaco.
Doença cardiovascular

As DCVs são a principal causa de morte em todo o mundo, representando uma parcela significativa das mortes prematuras. Afetando milhões de pessoas ao ano, a carga das DCVs é intensa ao redor do mundo, obtendo impactos econômicos e sociais importantes. O estilo de vida desempenha um papel importante na saúde cardíaca, sendo um dos principais determinantes do risco cardiovascular. Fatores como alimentação inadequada, sedentarismo, tabagismo e estresse são fortemente relacionados ao maior risco de eventos cardiovasculares, tendo impacto direto nos níveis de colesterol, pressão arterial e peso corporal.

A doença arterial coronariana obstrutiva é caracterizada pelo estreitamento progressivo das coronárias por acúmulo de placas ateroscleróticas, resultando em uma redução significativa do fluxo sanguíneo, comprometendo o fornecimento de oxigênio e nutrientes ao tecido cardíaco, tendo então o infarto agudo do miocárdio. Quando ocorre um infarto do miocárdio, desencadeia-se uma cascata de eventos patológicos que incluem estresse oxidativo, inflamação crônica e a formação de fibrose do tecido cardíaco. Esses mecanismos colaboram para a perda de função miocárdica e, a longo prazo, podem levar ao desenvolvimento de insuficiência cardíaca.

Nos casos mais avançados, quando a insuficiência cardíaca torna-se refratária ao tratamento convencional, as opções terapêuticas tornam-se limitadas, sendo o transplante cardíaco frequentemente considerado a única alternativa viável, embora esteja associado a desafios significativos, como a escassez de doadores, risco de rejeição imunológica e imunossupressão prolongada.

Assim, a adoção de hábitos saudáveis, como uma alimentação balanceada e a prática regular de exercícios, além do controle do estresse e cessação do tabagismo, demonstra ser essencial para a prevenção desses eventos cardiovasculares, podendo reduzir significativamente a incidência de DCVs ao mitigar os principais fatores de risco para complicações advindas da obesidade e hipertensão arterial.

Entretanto, devido a barreiras econômicas, sociais e de acesso a cuidados de saúde, a adesão dessas medidas nem sempre é alcançada por todos, criando então uma disparidade no controle e prevenção das DCVs. Dessa forma, o número de pacientes afetados por eventos cardiovasculares continua a crescer, demandando o uso de terapias que garantam sobrevida, tratem a causa e evitem novos eventos.

As terapias tradicionalmente utilizadas no controle das DCVs incluem o uso de medicações como os inibidores da ECA, betabloqueadores e estatinas, intervenções cirúrgicas, além de dispositivos implantáveis como desfibrilador e marcapasso, e demonstram ser altamente eficazes em aliviar sintomas e prevenir eventos fatais. Entretanto, essas opções não tratam as lesões teciduais subjacentes, limitando sua capacidade de promover plena recuperação. Assim, evidencia-se que, embora eficazes, os métodos convencionalmente adotados no tratamento das doenças cardiovasculares não conseguem restaurar a funcionalidade da área cardíaca afetada, garantindo uma recuperação parcial ao paciente.

A terapia com células-tronco

Dessa forma, a terapia com células-tronco no tecido cardíaco surge como uma alternativa nova e altamente promissora no eixo da Cardiologia Regenerativa, uma vez que objetiva a controlar a doença, tratar a causa e evitar novos incidentes cardiovasculares. Sua descoberta como ferramenta regenerativa foi um marco na medicina moderna, especialmente com avanços que demonstraram seu uso na reconstrução de tecidos cardíacos, neurais e ósseos. O processo de regeneração miocárdica vem sendo estudado e testado há muitos anos, e promete recuperar o tecido danificado nos casos de isquemia, necrose, fibrose e remodelação cardíaca.

As células-tronco são células indiferenciadas fundamentais, caracterizadas por sua capacidade única de autorrenovação e diferenciação em diversos tipos celulares, tornando-as essenciais para os processos de desenvolvimento, manutenção e reparo tecidual, uma vez que se encontram em um estágio em que ainda não estão totalmente especializadas. Existem três tipos diferentes de células tronco: as células-tronco embrionárias (CTEs) e as adultas (CTAs), oriundas de fontes fisiológicas e naturais; e as células-tronco pluripotentes induzidas (iPSCs), provenientes de programação laboratorial.

As CTEs podem ser encontradas no blastocisto, uma fase inicial do desenvolvimento embrionário, e são pluripotentes, sendo capazes de diferenciarem-se em todos os 216 diferentes tipos de células do organismo. Por outro lado, as CTAs estão presentes em tecidos maduros como a medula óssea e o tecido adiposo, desempenhando funções específicas de regeneração no tecido de origem. São multipotentes, tendo um potencial de diferenciação mais restrito e menos versátil que as CTEs. As iPSCs, por sua vez, são células adultas reprogramadas em laboratório para voltar a um estado pluripotente, oferecendo um potencial terapêutico significativo e livre dos dilemas éticos que envolvem as CTEs.

A terapia com células-tronco se embasa nos efeitos parácrinos como mecanismo terapêutico, partindo do princípio de que a curta distância leve a uma interação proximal capaz de secretar moléculas bioativas que induzem a mudanças significativas nas células vizinhas. A liberação de citocinas anti-inflamatórias como TGF-β e IL-10, reduz a resposta inflamatória que agrava a lesão cardíaca, enquanto o fator HGF ajuda a modular a deposição de colágeno, inibindo a fibrose.

Além disso, as células-tronco liberam fatores que recrutam células progenitoras cardíacas residentes, para estimular a reparação endógena, bem como estimula a liberação de fatores como VEGF e FGF, que estimulam a proliferação e migração de células endoteliais, favorecendo a angiogênese, o que é essencial para restaurar a perfusão do tecido isquêmico e fornecer oxigênio e nutrientes às células do miocárdio ao formar novos vasos sanguíneos a partir dos preexistentes, reduzindo a disfunção ventricular.

Desafios da técnica

A obtenção de células-tronco pode ser realizada por meio do transplante autólogo ou através de uma segunda técnica que envolve maiores riscos de complicações e questões éticas significativas. No autotransplante de células-tronco, as células são retiradas do próprio paciente, cultivadas em laboratório e, em seguida, reimplantadas, minimizando o risco de rejeição imunológica. Essa abordagem é utilizada tanto para células-tronco mesenquimais (MSCs), derivadas das CTAs, quanto para as iPSCs, que são reprogramadas a partir das células somáticas do paciente, apresentando um perfil de segurança mais favorável.

Em contrapartida, no caso das ESCs, que têm um maior potencial terapêutico, a coleta é feita de embriões humanos apenas entre o quarto e quinto dia da fecundação, uma vez que só são consideradas embrionárias as células encontradas no interior do embrião durante o estágio de blastocisto (que corresponde entre o 4° e 5° dia após a fecundação). Assim, trata-se de uma abordagem que envolve não apenas o risco de rejeição imunológica, mas também complicações éticas relacionadas ao uso de material biológico de origem embrionária.

Ademais, vale destacar que esses materiais só podem ser colhidos em pequenas quantidades, demandando por vezes de novas reabordagens de coleta, envolvendo ainda mais procedimentos para sua obtenção. A retirada de células tronco da medula óssea pode ser feita através do aspirado de crista ilíaca, um método mais invasivo e com maiores riscos de complicações; ou da coleta por aférese, uma opção mais segura, porém de maior custo. Dessa forma, o tecido adiposo continua sendo um dos tecidos mais abundantes e facilmente recuperáveis para esse fim, devido à uma maior facilidade de coleta e ao menor risco de complicações.

Outro desafio da técnica é a baixa taxa de sobrevivência e integração das células- tronco no tecido cardíaco, e pode ser explicada pela dificuldade das células transplantadas de sobreviverem em um ambiente desfavorável, onde a isquemia limita o fluxo de oxigênio e reduz a viabilidade do material implantado. Além disso, o sistema imune pode reconhecer as células transplantadas como corpo estranho e, embora sejam fruto de um procedimento autólogo, a ativação de células T e macrófagos pode levar à sua fagocitose.

A literatura científica em sua maioria apoia o uso de células-tronco no tratamento de DCVs, reconhecendo seu potencial revolucionário e comprovadamente útil na regeneração do tecido cardíaco. No entanto, também destaca a necessidade de superar desafios técnicos, biológicos e éticos para que se tornem uma opção amplamente viável, de forma que mais estudos precisam ser realizados para estabelecer estratégias e avanços nesse campo tão promissor.

4  CONCLUSÃO

O estudo destacou o potencial da terapia com células-tronco na regeneração do tecido cardíaco, apresentando-a como uma alternativa promissora às abordagens convencionais para o tratamento de doenças cardiovasculares, especialmente na insuficiência cardíaca pós-isquêmica. Os achados reforçam que, ao contrário dos tratamentos tradicionais, que apenas controlam os sintomas e previnem a progressão da doença, as células-tronco possuem a capacidade de induzir angiogênese, modular a resposta inflamatória e promover a regeneração celular, melhorando a função cardíaca.

No entanto, desafios como baixa oxigenação celular, dificuldades na diferenciação e integração funcional das células e os dilemas éticos acerca do uso de tecido embrionário ainda limitam a aplicabilidade clínica dessa terapia. Assim, avanços na engenharia tecidual, no uso de biomateriais e na modulação genética das células representam caminhos viáveis para maximizar seus benefícios e consolidar seu uso na prática

Ademais, os estudos reforçam a necessidade de mais pesquisas e ensaios clínicos robustos que possam validar a eficácia e segurança da terapia com células-tronco, além de otimizar protocolos de obtenção, administração e integração celular. A compreensão aprofundada dos mecanismos biológicos envolvidos e a superação dos desafios técnicos podem viabilizar a implementação dessa abordagem em larga escala, reduzindo a morbimortalidade cardiovascular e proporcionando uma nova perspectiva de tratamento para milhões de pacientes em todo o mundo.

REFERÊNCIAS

AFJEH-DANA, Elham et al. Stem Cell Differentiation into Cardiomyocytes: current methods and emerging approaches. Stem Cell Reviews And Reports, [S.L.], v. 18, n. 8, p. 2566-2592, 4 maio 2022.

ALI, Syed Ahsan et al. Assessing the Potential Benefits of Stem Cell Therapy in Cardiac Regeneration for Patients With Ischemic Heart Disease. Cureus, [S.L.], v. 15,n. 3, 1 jan. 2025.

CORREIA, Cátia D. et al. Human Stem Cells for Cardiac Disease Modeling and Preclinical and Clinical Applications—Are We on the Road to Success? Cells, [S.L.], v. 12, n. 13, p. 1727, 27 jun. 2023.

GONÇALVES, Letícia et al. Associação Individual e Simultânea entre Fatores de Risco para Doença Cardiovascular e Hábitos Inadequados do Estilo de Vida em uma Amostra do Brasil. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, [S.L.], v. 121, n. 10, p. 1-12, out.2024.

GUIDA, Camila Mota et al. Fatores de Risco, Manejo e Evolução após Primeiro Infarto Agudo do Miocárdio: um estudo de mundo real comparando coortes de mulheres e homens na rede trinetx. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, [S.L.], v. 121, n. 10, p. 1-8, out. 2024.

HE, Lingjuan et al. Heart Regeneration by Endogenous Stem Cells And Cardiomyocyte Proliferation: Controversy, Fallacy, and Progress. Circulation, [S.L.], v. 142, n. 03, p. 275-291, jul. 2020.

ICHIMURA, Hajime et al. Cardiac Regeneration Using Pluripotent Stem Cells and Controlling Immune Responses. Heart, Lung And Circulation, [S.L.], v. 32, n. 7, p. 836-843, jul. 2023.

JAMAIYAR, Anurag; TZANI, Aspasia. Terapia com Células-Tronco Mesenquimais Derivadas do Tecido Adiposo para Doença Cardíaca Isquêmica: segura, mas não eficaz?. Arquivos Brasileiros de Cardiologia, [S.L.], v. 121, n. 9, p. 1-2, out. 2024.

KASAI-BRUNSWICK, Tais Hanae et al. Stem cell therapies in cardiac diseases: current status and future possibilities. World Journal Of Stem Cells, [S.L.], v. 13, n. 9,p. 1231-1247, 26 set. 2021.

MAHMUD, Shabnur et al. Opportunities and challenges in stem cell therapy in cardiovascular diseases: position standing in 2022. Saudi Pharmaceutical Journal, [S.L.], v. 30, n. 9, p. 1360-1371, set. 2022.

MAZZOLA, Marta; PASQUALE, Elisa di. Toward Cardiac Regeneration: combination of pluripotent stem cell-based therapies and bioengineering strategies. Frontiers In Bioengineering And Biotechnology, [S.L.], v. 8, 27 maio 2020.

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Cardiovascular diseases (CVDs). Geneva: WHO, 2021. Disponível em: https://www.who.int/news-room/fact- sheets/detail/cardiovascular-diseases-(cvds). Acesso em: 24 jan. 2025.

PAN, Ziwei et al. Human-induced pluripotent stem cells as models for rare cardiovascular diseases: from evidence-based medicine to precision medicine. Pflügers Archiv – European Journal Of Physiology, [S.L.], v. 473, n. 7, p. 1151-1165, 18 nov. 2020.

PUSHP, Pallavi et al. A Concise Review on Induced Pluripotent Stem Cell-Derived Cardiomyocytes for Personalized Regenerative Medicine. Stem Cell Reviews And Reports, [S.L.], v. 17, n. 3, p. 748-776, 23 out. 2020.

STEIN, Jeroen M. et al. Engineered models of the human heart: directions and challenges. Stem Cell Reports, [S.L.], v. 16, n. 9, p. 2049-2057, set. 2021.

TSAI, I-Ting; SUN, Cheuk-Kwan. Stem Cell Therapy against Ischemic Heart Disease.International Journal Of Molecular Sciences, [S.L.], v. 25, n. 7, p. 3778, 28 mar. 2024.

UFFORD, Kathryn et al. Myofibrillar Structural Variability Underlies Contractile Function in Stem Cell-Derived Cardiomyocytes. Stem Cell Reports, [S.L.], v. 16, n. 3,p. 470-477, mar. 2021.

YUAN, He-Ling et al. Application and challenges of stem cells in cardiovascular aging.Regenerative Therapy, [S.L.], v. 25, n. 1, p. 1-9, mar. 2024.