CARCINOMA DE CÉLULAS RENAIS CÍSTICO E SÓLIDO EOSINOFÍLICO NA GESTAÇÃO: RELATO DE CASO

EOSINOPHILIC SOLID AND CYSTIC RENAL CELL CARCINOMA IN PREGNANCY: CASE REPORT

CARCINOMA EOSINOFÍLICO DE CÉLULAS RENALES SÓLIDAS Y QUÍSTICAS EN EL EMBARAZO: REPORTE DE UN CASO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10965515


Amanda Alves de Paula1
Rogério Campos Cintra Volpe1
Anna Rita de Cascia Carvalho Barbosa1


RESUMO

Objetivo: Apresentar um relato de caso sobre um carcinoma de células renais cístico e sólido eosinofílico, um subtipo de carcinoma renal que apresenta frequentemente de forma esporádica, diagnosticado em uma gestante. É uma neoplasia rara e considerada uma entidade emergente pela OMS em 2022. Detalhamentos de Caso: Relata um caso de uma gestante de 11 semanas de gestação, sem comorbidades, que iniciou com dor lombar à esquerda e após investigação com exames de imagem, ultrassonografia e ressonância magnética de abdome, foi identificada uma formação nodular cística- sólida. A paciente foi submetida a realização de nefrectomia radical à esquerda, procedimento realizado sem intercorrências e cujo estudo imuno-histoquímico evidenciou presença de um subtipo de carcinoma renal raro. Conclusão: Este relato de caso vem somar a literatura a descrição do carcinoma de células renais cístico e sólido eosinofílico, um subtipo de carcinoma raro e emergente. A fim de que a descrição da experiência diagnóstica e suspeição clínica são imprescindíveis para consolidar o conhecimento médico.

Palavras-chave: Carcinoma de células renais, Carcinoma de células renais cístico e sólido eosinofílico, Gravidez

ABSTRACT

Objective: To present a case report on an eosinophilic cystic and solid renal cell carcinoma, a subtype of renal carcinoma that often presents sporadically, diagnosed in a pregnant woman. It is a rare neoplasm and considered an emerging entity by the WHO in 2022. Case Details: Reports a case of a pregnant woman at 11 weeks of gestation, without comorbidities, who started with left lumbar pain and after investigation with imaging tests, ultrasound and magnetic resonance imaging of the abdomen, a cystic-solid nodular formation was identified. The patient underwent left radical nephrectomy, a procedure performed without complications and whose immunohistochemical study showed the presence of a rare subtype of renal carcinoma. Conclusion: This case report adds to the literature the description of eosinophilic cystic and solid renal cell carcinoma, a rare and emerging subtype of carcinoma. Therefore, the description of the diagnostic experience and clinical suspicion are essential to consolidate medical knowledge.

Palavras-Chave: Renal cell carcinoma; Eosinophilic solid and cystic renal cell carcinoma; Pregnancy

RESUMEN

Objetivo: Presentar un reporte de caso de un carcinoma eosinofílico de células renales quísticas y sólidas, un subtipo de carcinoma renal que suele presentarse de forma esporádica, diagnosticado en una mujer embarazada. Es una neoplasia rara y considerada entidad emergente por la OMS en el año 2022. Detalles del Caso: Se reporta el caso de una mujer embarazada de 11 semanas de gestación, sin comorbilidades, que inició con dolor lumbar izquierdo y luego de investigación con pruebas de imagen, ecografía y En la resonancia magnética de abdomen se identificó una formación nodular sólido-quístico. El paciente fue sometido a nefrectomía radical izquierda, procedimiento realizado sin complicaciones y cuyo estudio inmunohistoquímico demostró la presencia de un raro subtipo de carcinoma renal. Conclusión: Este reporte de caso suma a la literatura la descripción del carcinoma eosinofílico de células renales quísticas y sólidas, un subtipo de carcinoma raro y emergente. Por tanto, la descripción de la experiencia diagnóstica y la sospecha clínica son fundamentales para consolidar el conocimiento médico.

Keywords: Carcinoma de células renales; Carcinoma eosinofílico de células renales sólidas y quísticas; El embarazo

INTRODUÇÃO

A ocorrência de neoplasia durante a gravidez é rara, com incidência estimada de um caso a cada mil casos de cânceres diagnosticados antes do parto. Os tipos de cânceres gestacionais mais comuns são mama, linfoma e câncer cervical. O câncer de trato urinário é ainda mais raro, sendo o carcinoma de células renais mais comumente diagnosticado durante a gravidez (Caglayan A, et al, 2023).

O carcinoma de células renais é responsável por 2% dos diagnósticos globais por câncer, é a nona neoplasia mais comum nos Estados Unidos (Pedala, SA, et al, 2020). Durante a gravidez tem apresentação clínica assintomática e muitas vezes descobertas acidentalmente durante ultrassonografia abdominal de rotina (Caglayan A, et al, 2023). Nos casos em que os sintomas estão presentes a dor em flanco é a principal queixa, seguido ou não de hematúria, que tende a ocorrer em estados mais avançados da doença. A tríade clássica de sintomas: hematúria, dor em flanco e massa palpável acontece em apenas 10% dos pacientes (Caglayan A, et al, 2023; Pedala. SA, et al, 2020).

As alterações hormonais associadas à gravidez, principalmente os níveis elevados de estrogênio, podem atuar como promotores de alterações malignas, estimulando a proliferação das células renais, através de fatores de crescimento. Ambos os receptores de estrogênio e progesterona estão presentes em células renais normais e malignas. Assim, o aumento da paridade, aumenta o risco de carcinoma de células renais (Lambe, M, et al).

O diagnóstico do carcinoma de células renais é normalmente sugerido pelo ultrassonografia de abdômen e complementado com a tomografia computadorizada, no entanto, em gestantes este exame é contra indicado. Então, é necessário complementar o diagnóstico com ressonância magnética, que pode dar informações sobre o tipo tumor, invasividade e progressão local. A biópsia tumoral em gestantes é recomendada quando a massa tem origem primária indeterminada e há suspeita metastática, o diagnóstico histopatológico deve ser feito através da ressecção da peça cirúrgica (Caglayan A, et al, 2023).

Durante a gravidez, o tratamento oncológico é preferível comparado a interrupção da gestação devido ao impacto na saúde neonatal. O tratamento deve ser o mesmo aos estabelecidos às mulheres não grávidas da mesma faixa etária, sendo o prognóstico semelhante (Maggen, C, et al, 2020).

A ressecção cirúrgica da neoplasia pode ser realizada em qualquer fase da gravidez. Já a quimioterapia pode ser feita dependendo do trimestre gestacional, pois pode apresentar risco de malformação congênita grave durante o primeiro trimestre da gravidez (Caglayan A, et al, 2023). Ela pode ser feita durante o segundo e terceiro trimestre, até 35 semanas de gestação, com intervalo sem terapia de 3 semanas antes do parto (Maggen, C, et al, 2020). A radioterapia não é recomendada (Caglayan A, et al, 2023).

No manejo do CCR durante a gestação é fundamental considerar não apenas os aspectos cirúrgicos e obstétricos, mas o bem estar psicológico da mãe, visto que a combinação de gravidez e um novo diagnóstico de câncer pode dar origem a emoções conflitantes. Por isso, uma equipe multidisciplinar é indispensável para prestar apoio psicológico orientado ao paciente (Caglayan, A, et al 2023).

DETALHAMENTO DO CASO

Paciente de 39 anos, negava comorbidades, com duas cesáreas prévias, comparece ao pronto atendimento com 11 semanas de gestação, queixando de dor tipo cólica, em região lombar esquerda com irradiação para baixo ventre iniciada há 01 dia. Negava alterações urinárias, como hematúria, disúria, polaciúria e febre. Realizado exame físico e ginecológico que não apresentaram alterações significativas.

Iniciado investigação com exames complementares, então, solicitado exames laboratoriais com os seguintes resultados: Hemoglobina 12,6 mg/dl, Leucócitos 19.500 mm3, bastões 3%, plaquetas 226.000mm3, Proteína C reativa 2,6 mg/dl, Urina 1 com proteínas positiva, nitrito negativo, leucócitos 15.000mm3 e hemácias 22.000 mm3. A ultrassonografia de rins e vias urinárias mostrou presença de nódulo exofítico na cortical renal esquerda de natureza indeterminada e rim direito normal.

Foi discutida a presença do nódulo com equipe da urologia que, a princípio, orientaram tratamento conservador. Então, foi levantado a hipótese diagnóstica de Pielonefrite e internação para tratamento de com antibioticoterapia empírica até o resultado da urocultura. Durante a internação a paciente mantinha queixa de dor lombar à esquerda, sendo tratada com analgesia simples e melhora após.

Prosseguiu a investigação do nódulo renal com realização de ressonância magnética de abdômen sendo identificado, formação nodular com sinal heterogêneo em T2, de aspecto sólido-cística, localizada na porção posterior do terço médio do rim esquerdo, com componente exofítico maior que 50%, cruza a linha polar inferior, distando mais de 0,8 cm do sistema coletor, medindo cerca de 4,7 x 3,5 x 3,0 cm (R.E.N.A.L. Nephelometry Scoring System: 6p – complexidade baixa). Levantou-se a hipótese diagnóstica de neoplasia do trato urinário.

Com 17 semanas de gestação, após 30 dias do diagnóstico, foi programada nefrectomia radical à esquerda, sem intercorrências. No terceiro dia pós operatório paciente encontrava-se em bom estado geral, sem queixas e com condições de alta hospitalar. Foi encaminhada para seguimento com a oncologia clínica.

Após 45 dias da nefrectomia, 90 dias do início dos sintomas, a paciente estava com 22 semanas de gestação, retorna ao ambulatório de oncologia clínica recebe o diagnóstico histopatológico e imunohistoquímico compatível com carcinoma de células renais cístico e sólido eosinofílico. Apresentava estadiamento patológico pT1b, com imunohistoquímica positiva para PAX8, CK 20, catepsina K e negativa para CK7. Manteve em seguimento com oncologia clínica e obstetrícia, sem intercorrências durante o período gestacional. 

DISCUSSÃO

O carcinoma de células renais apresenta alguns subtipos, sendo o carcinoma de células renais cístico sólido eosinofílico descrito como um subtipo em 2016 ( Trpkov, K , et al, 2016). Esse carcinoma apresenta um conjunto de características histológicas de células com citoplasma eosinofílico volumoso e granular, com vaculização intracitoplasmática. Tumores gigantes com células multinucleadas são ocasionalmente vistas, enquanto áreas sólidas de tumor consiste de camadas com áreas císticas adjacentes – com a parede do cisto consistindo em um agregado de células eosinofílicas ( Delahunt B, et al, 2019).

Esse tipo de carcinoma era reconhecido e documentado predominantemente em pacientes do sexo feminino em associação com a Esclorese Tuberosa (Guo J, et al, 2014). Era um subtipo de carcinoma de células renais que não possui uma classificação própria, sendo definido como ́ carcinoma de células renais não classificadas ́ ́. Em 2016 foi publicado um estudo com uma série de casos, em que foram descritos 16 casos de neoplasias histologicamente idênticas em mulheres em um cenário clinicamente esporádico, assim aumentando seu reconhecimento na literatura ( Trpkov, K , et al, 2016).

Atualmente, o carcinoma de células renais cístico sólido eosinofílico foi morfologicamente definido como uma nova entidade emergente na quinta edição da classificação de tumores urogenitais da Organização Mundial da Saúde (OMS) publicada em 2022 (Holger M, et al, 2022). Com uma taxa de incidência de aproximadamente 0,2% (Trpkov K, et al, 2017) e com um total de 60 casos relatados na literatura (Kamboj M, et al, 2021).

Inicialmente foi descrito com preponderância no sexo feminino, sendo incomum no sexo masculino e em ampla faixa etária. Manifestando-se como um tumor indolente, em estágio baixo e com bom prognóstico (Trpkov K, et al, 2017). No entanto, atualmente, já foram descritos relatos que homens também podem desenvolver a doença e presença de metástase hepática e pulmonar ( Li Y, et al, 2018), sendo documentados na literatura dois casos de doença metastática (McKenney J, et al, 2018). Não ocorre manifestações clínicas específicas, como dor lombar ou hematúria e geralmente o diagnóstico é feito acidentalmente ( Meenakshi K, et al, 2021). No relato de caso apresentando a paciente apresentando dor lombar à esquerda e a partir desta queixa iniciou a investigação com exames de imagens para elucidação diagnóstica. Inicialmente, foi solicitada ultrassonografia que descrevia a presença de nódulo. Os achados patológicos macroscópicos são tumores acastanhados, sendo a maioria de aparência mista, com crescimento sólido e cístico. É uma massa bem delimitada com macrocistos, de tamanho variado, intercalando com nódulos sólidos ( Trpkov, K , et al, 2016).

As características imunohistoquímicas se dão pela reatividade IHC para CK20 em 85% dos casos e menos de 25% dos casos estão acompanhados da reatividade para CK7. Embora a CK20 pode ser vista negativamente em 10-15% dos casos. Outras colorações positivas incluem PAX8, AE1/AE3, CK8/18 e vimentina. Por fim, a reatividade da catepsina K pode ser vista na maioria dos carcinomas de células renais cistico sólido eosinofílico (Trpkov K, et al, 2021). Portanto, o imunofenótipo com CK20 e PAX8 positivos, com CK7 negativo é característico desse carcinoma (Kamboj M, et al, 2021). Na paciente deste relato de caso, foi detectado expressão dos marcadores clássicos e mais importantes para este tipo de carcinoma. A imunohistoquímica foi descrita positiva para CK20 e negativa para CK7. Além desses, mostrou-se reatividade para a catepsina K e PAX8.

As características moleculares demonstraram mutações somáticas bialélicas consistentes e mutuamente exclusivas nos genes TSC, TSC1 e TSC2. Quando mutados, os genes TSC1/2 inibem o complexo mTOR, levando à ativação de mTORC1 e assim desregulam os caminhos subsequentes das vias celulares, incluindo o crescimento e proliferação celular (Trpkov K, et al, 2021).

O tratamento fundamental é a ressecção cirúrgica do tumor (Caglayan, A, et al; Adli, G, et al, 2023). Pode ser realizada nefrectomia parcial ou radical, a depender do tamanho do tumor e das comorbidades do paciente. Apesar do fato de que ressecção cirúrgica de tumores em doenças localizadas pode ser curativa , pode haver progressão da doença e mortalidade. O carcinoma de células renais é um dos tumores malignos mais comum, com aumento da incidência globalmente (Adli, G, et al, 2023).

CONCLUSÃO

O conhecimento das características morfológicas, imunofenotípicas e clínicas do carcinoma de células renais cístico sólido eosinofílico permitiu que em 2022 a Organização Mundial de Saúde reconhecesse como um novo subtipo do carcinoma de células renais. Inicialmente encontrado apenas em pacientes do sexo femino e descrito como indolente, hoje já há documentados casos com metástase e descritos no sexo masculino. Embora o tratamento seja cirúrgico, deve ser individualizado e uma abordagem multidisciplinar estabelecida, principalmente quando se trata de um diagnóstico na gestação. É recomendado o seguimento oncológico a longo prazo, visto que essa é uma neoplasia emergente, com prognósticos não muito precisos. O caso vem a somar na literatura um relato de uma doença rara e pouco conhecida.
Não se aplica.

REFERÊNCIAS

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