CARACTERÍSTICAS DA TUBERCULOSE PULMONAR NO MUNICÍPIO DE MOGI GUAÇU/SP: ANÁLISE EPIDEMIOLÓGICA PARA A ATENÇÃO BÁSICA

CHARACTERISTICS OF PULMONARY TUBERCULOSIS IN THE CITY OF MOGI GUAÇU/SP: EPIDEMIOLOGICAL ANALYSIS FOR PRIMARY CARE

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202410032358


Thiago André Alves Fidelis1
Luan Michelini1
Denis Rossanez Rodrigues1
Marli Gabriel De Melo Almeida2


RESUMO

A tuberculose pulmonar representa um dos mais graves problemas de saúde pública no Brasil e é endêmica em todo território nacional. Este estudo avaliou as características sociodemográficas, clínico-epidemiológicas e os exames laboratoriais de pacientes com tuberculose pulmonar, diagnosticados e tratados no Serviço Ambulatorial Especializado em Doenças de Interesse Sanitário (SAEDIS)/Ambulatório Especializado da Vigilância Epidemiológica, município de Mogi Guaçu/SP entre março de 2020 a março de 2022, pela análise de dados secundários de internação ambulatorial. Foram identificados 64 (90,14%) casos com afecção pulmonar e 7 (9,85%) de formas ectópicas de tuberculose. O gênero prevalente foi o masculino na faixa etária de 20 a 39 anos e com ensino médio completo. Diabetes Mellitus tipo II (14,06%), HIV positivo (7,81%) e etilistas crônicos (15,62%) estavam associadas à doença. Resultados da baciloscopia de escarro foi positivo em 64,06 % dos casos. Os pacientes queixaram-se de tosse (64,06%), perda ponderal (46,87%), febre (35,93%), dispnéia (25%), sudorese noturna (21,87%), dor torácica (18,75%), inapetência (15,62%), hemoptise (10,93%) e astenia (9,37%). Diante do estado de saúde e da alta prevalência de infecção pulmonar pelo bacilo de Koch, são necessárias intervenções para combate, controle e tratamento, em especial pelos serviços de saúde pública.

Palavras-chave: Tuberculose. Tuberculose pulmonar. Pneumopatias. 

ABSTRACT

Pulmonary tuberculosis represents one of the most serious public health problems in Brazil. This study evaluated the sociodemographic, clinical and epidemiological characteristics as well as laboratory tests of patients with pulmonar tuberculosis diagnosed and treated at the Specialized Services for Diseases of Health Concern, in the city of Mogi Guaçu/SP, between March 2020 to March 2022, by analyzing secondary data. Of a total of 71 cases, 64 (90.14%) were limited to pulmonary disease while 7 (9.85%) were ectopic forms of tuberculosis. The prevalent gender was male aged between 20 and 39 years old, with secondary education. Diabetes Mellitus type II (14.06%), HIV positive (7.81%) and chronic alcoholics (15.62%) were associated with the disease. Microscopy results were positive in 64.06% of cases. Cough (64.06%), weight loss (46.87%), fever (35.93%), dyspnea (25%), night sweats (21.87%), chest pain (18 .75%), lack of appetite (15.62%), hemoptysis (10.93%) and asthenia (9.37%) were the clinical symptoms found. Due to the clinical status and the high prevalence of pulmonary infection caused by Koch’s bacillus, medical assistance is necessary to combat, control and treat the disease, especially by public health services.

Keywords: tuberculosis; pulmonary tuberculosis; pneumopathies.

INTRODUÇÃO 

A tuberculose pulmonar (TBp) é a forma mais comum da infecção pelo Mycobacterium tuberculosis e pode se instalar em qualquer órgão do corpo, incluindo ossos e o Sistema Nervoso Central. Sua prevalência é endêmica no Brasil. A TBp faz parte da Lista Nacional de Doenças e Agravos de Notificação Compulsória no Brasil. Em 2017, foram notificados 69.569 casos novos de tuberculose no país, com incidência de 33,5 casos/100 mil habitantes (FURTADO, 2020). O contágio é feito quando a bactéria se espalha pelo ar, quando pessoas infectadas tossem, falam, cospem ou espirram. A disseminação é maior em membros da mesma família que compartilham a mesma habitação com condições insalubres. Desnutrição, educação sanitária precária e dificuldade de acesso aos serviços de saúde formam o quadro propício para a manutenção da doença. Uma pessoa infectada, sem tratamento, pode disseminar a doença entre dez e quinze pessoas.

Alcoolismo, multirresistência às drogas e doenças infecciosas, como HIV, aumentam a vulnerabilidade para a tuberculose (FURTADO, 2020). No Brasil, lançou-se em 1999, o Programa Nacional de Controle da Tuberculose / Plano Nacional pelo fim da tuberculose que exige dos diversos setores públicos ações de controle da TBp com busca de estratégias para prevenção, diagnóstico e tratamento da doença. Taxas mais altas de mortalidade estão associadas a diagnósticos tardios, que, por sua vez, resultam de falhas na organização dos sistemas de atenção primária à saúde.

Estudos revelam que as Unidades de Saúde escolhidas pelos usuários para o primeiro atendimento não é a Atenção Primária à saúde, mas sim as Unidades de Pronto Atendimento (MARTINS, 2019). A necessidade de identificar o primeiro serviço procurado pelas pessoas com sintomas da TBp e realizar o mapeamento das características sociodemográficas permite direcionar a busca e identificar a doença de forma ágil e precoce. Este aspecto é de grande valor do ponto de vista epidemiológico e social da doença.

Até o surgimento da COVID-19, a tuberculose era a infecção que mais causava mortes globalmente todos os anos. Em 2020, 1,5 milhão de pessoas morreram em decorrência da doença, e estima-se que 10 milhões de pessoas adoeceram com TBp em todo o mundo, entre essas, 1,1 milhão de crianças. Diante da pandemia de COVID-19, as mortes por tuberculose no mundo aumentaram pela primeira vez em uma década. Ao todo, 30 países de baixa e média renda concentram mais de 80% dos casos globais (MSF, 2022). 

Pretende-se com esta pesquisa fornecer subsídios para o aprimoramento de dados sobre identificação clínica e grupo de risco pela afecção pulmonar da tuberculose na atenção primária.  

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo retrospectivo do tipo epidemiológico analítico transversal que avaliou série de casos de pacientes positivos com tuberculose pulmonar diagnosticados e tratados no Serviço Ambulatorial Especializado em Doenças de Interesse Sanitário (SAEDIS)/Ambulatório Especializado da Vigilância Epidemiológica do município de Mogi Guaçu/SP entre março de 2020 a março de 2022. Os dados foram colhidos nos arquivos de internação ambulatorial.   

RESULTADOS

Um total de 84 prontuários encontrados no setor de arquivos médicos do SAEDIS, foram identificados 64 (90,14%) casos de pacientes com TBp e 7 (9,85%) de formas ectópicas de tuberculose (Tabela 1).  

Tabela 1 – Distribuição da amostra final dos prontuários analisados – SAEDIS/Mogi Guaçu – SP, no período de março de 2020 a março de 2022.

Fonte: autor, 2023.

Quanto aos aspectos sociodemográficos, 47 casos (73,43%) eram do gênero masculino, na faixa etária de 20 a 39 anos de idade. Sobre nível escolar, predominou o ensino básico com 48, 43 % dos casos (Tabela 2).

Tabela 2 – Distribuição de gênero e faixas etárias dos casos de TBp no   SAEDIS/Mogi Guaçu – SP, no período de março de 2020 a março de 2022.

Fonte: autor, 2023.

Sobre as comorbidades, diabetes mellitus tipo II (14,06%), HIV positivo (7,81%) e etilistas crônicos (15,62%) foram identificadas nesta pesquisa (Tabela 3). 

Tabela 3 – Distribuição de comorbidades com os casos de tuberculose pulmonar (TB) registrados na SAEDS/Mogi Guaçu/SP, no período de março de 2020 a março de 2022.

A presença de anticorpos analisados pela baciloscopia de escarro (B.A.A.R) apresentou resultado positivo em 64,06 % dos casos contra 35,93 % de exames negativos (Tabela 4).

Tabela 4 – Dados quantitativos: frequências obtidas de dados laboratoriais, baciloscopia de escarro (B. A. A. R.) em pacientes com tuberculose pulmonar, quanto a presença ou não de anticorpos (n total = 64).

Fonte: autor, 2023.

Os dados da tabela 5 especificam os sintomas mais prevalentes nos infectados. 

Tabela 5 – Características clínicas nos pacientes com tuberculose pulmonar (n=64). 

Fonte: autor, 2023.

DISCUSSÃO

A prevalência de pacientes com TBp no município de Mogi Guaçu/SP conforme atendimentos registrados no SAEDIS foi de 90,14% (64 casos) com a forma pulmonar e 9,85% (7 casos) apresentaram formas extrapulmonares.  A manipulação constante dos prontuários no SAEDIS pelos médicos e outros funcionários, muitas vezes para resolução de questões secundárias dos pacientes, como jurídicas ou fins internos, tenham contribuído para a não localização de alguns prontuários. Provavelmente estes motivos causaram a não identificação de 13 (15,47%) dos 84 prontuários requeridos. 

Em Mogi Guaçu/SP, a tuberculose afetou predominantemente indivíduos do gênero masculino (73,43%), com idade entre 20 a 39 anos, dados semelhantes aos achados de pesquisa realizada no município de Piripiri/PI em que o percentual para mesma faixa etária 21-40 anos foi de 30% (MASCARENHAS, 2005). Oliveira et al. (1996) identificou que a faixa etária acima de 15 anos de idade apresentou maior prevalência de infectados na cidade do Rio de Janeiro (MONTI, 2000). Martins et al. (2019) encontrou média de idade de 44,4 anos (Desvio Padrão=16,3) que variou de 19 a 87 anos em sua pesquisa com predomínio de homens (64,6% e 75%) sendo mais acometido. 

Nosso estudo identificou que a prevalência da doença relaciona-se com o baixo grau de escolaridade (nível básico). Segundo Mascarenhas et al. (2005) a baixa escolaridade reflete um conjunto de condições socioeconômicas precárias, que aumentam a vulnerabilidade à tuberculose e são responsáveis pela maior incidência da enfermidade e pela menor aderência ao tratamento. 

Martins et al. (2019) verificaram predomínio de entrevistados com menos de 8 anos de estudo básico. Esta característica é consistente com observado em estudo de base populacional realizado em Natal, Rio Grande do Norte, entre 2009 e 2012, bem como em estudo realizado no Paraná. Destaca-se a relação entre o grau de escolaridade e a percepção das alterações no estado de saúde, assim como o entendimento sobre a doença e suas consequências, o que influencia o comportamento de busca pelos serviços de saúde e a adesão ao tratamento. 

Sobre o diagnóstico, esta pesquisa revelou que a baciloscopia apresentou resultados positivos em 64,06% dos casos (41 indivíduos). Em 23 (35, 93%) o resultado pelo bacilo de Koch (BAAR) foi negativo. Mascarenhas et al. (2005) encontraram um valor semelhante, com 70,3% de positividade. Monti (2000) relatou positividade em 50% dos exames para BAAR. A baciloscopia consiste na pesquisa de bacilos álcool-ácido-resistentes (BAAR), como é o caso do M. tuberculosis, no escarro ou aspirado pulmonar, utilizando a coloração pela técnica de Ziehl-Neelsen. Este método é o mais difundido, rápido e possui a vantagem de poder ser realizado em locais com poucos recursos (MONTI, 2000).

Observou-se ocorrência de doenças associadas em 24 (37,5%) dos indivíduos. 

A comorbidade mais freqüente foi o alcoolismo crônico (15,62%), seguida por diabetes mellitus tipo II (14,06%) e HIV (7,81%). Monti et al. (2000) identificaram comorbidades como HIV em 11,3% dos casos. Para as outras doenças associadas não foram encontrados relatos na literatura.  

A correlação entre diabetes e TBp deve ser monitorada pois o diabetes retarda a resposta microbiológica e pode diminuir a chance de cura, aumentar recaídas e promover cepas resistentes de tuberculose. O controle glicêmico e o tratamento da TBp, por meio de baciloscopias mensais, devem ser reforçados (MASSABNI, 2019).

Embora sejam apresentadas taxas de óbito muito altas quando há comorbidade entre HIV positivos e tuberculose, a TBp é curável em quase todos os casos nessa população. Prolongar a fase de manutenção, segundo evolução clínica e/ou bacteriológica dos pacientes, deve ser considerada (MASSABNI, 2019).

Sobre sintomas clínicos encontrados nesse estudo, a tosse representa 64,06% (41 pessoas) nos pacientes com TBp. Cavalcanti et al. (2006) acusou um total de 83% (114 pessoas) de ser a tosse principal sintoma. Apesar de resultados escassos na literatura sobre a prevalência de sinais e sintomas como tosse, esse estudo corrobora com o Programa Nacional de Controle da Tuberculose no Brasil (PNCTB) que indica que a tosse é significativamente mais frequente nos pacientes de TBp (BRASIL, 2022). Ainda sobre os achados de Cavalcanti et al. (2006) sua pesquisa encontrou em 1.127 pacientes com TBp: febre em 40,46% (456 pessoas); dor torácica em 53,06% (598 pessoas); sudorese noturna em 41,17% (464 pessoas); perda ponderal em 66,45% (749 pessoas); hemoptise em 13,3% (150 pessoas). Outro estudo realizado por Alcantara et al. (2012) observou sintomas como: febre 50,79% (64 pessoas); dor torácica em 45,27% (67 pessoas); perda ponderal em 50,32% (78 pessoas); hemoptise em 53,06% (26 pessoas); astenia em 45,83% (66 pessoas). Nogueira et al. (2006) relataram hemoptise em 19,4% dos pacientes, dispneia em 67,7% e perda ponderal em 9,7% dos casos.

Neste estudo, constatou-se maior frequência de perda ponderal em 46,87%, seguido por febre em 35,93%, dispneia em 25%, sudorese noturna em 21,87%, dor torácica em 18,75%, hemoptise em 10,93% e astenia em 9,37%. Houve concordância com os achados na literatura sobre prevalência de tosse, febre e hemoptise. Porém discordância a sintomas como dor torácica, sudorese noturna e perda ponderal. A inapetência, não foi citada na literatura pesquisada.    

Este estudo apontou diversas características da tuberculose pulmonar em pessoas atendidas em um centro especializado no município de Mogi Guaçu/SP, o que pode contribuir na ampliação de medidas e aprimorar o controle da doença. Os resultados obtidos avaliam, de forma indireta, a qualidade do Programa Nacional de Controle da Tuberculose, coordenado pelo serviço de saúde local.

CONCLUSÕES  

Este estudo revelou predominância de casos entre homens jovens e com baixo nível de escolaridade. Tal associação sugere que fatores socioeconômicos desempenham papel significativo na vulnerabilidade à doença. Os sintomas mais comuns identificados foram tosse, perda ponderal e febre, e alinha-se com o que é observado em outras regiões, embora algumas variações tenham sido notadas. A alta prevalência de comorbidades, como alcoolismo, diabetes mellitus tipo II e HIV, destaca a necessidade de estratégias de saúde pública que integrem o tratamento dessas condições para melhorar os resultados clínicos dos pacientes com tuberculose. Os achados desta pesquisa apontam a importância do reforço às ações de combate e controle da tuberculose, primordialmente sobre diagnóstico precoce e adesão ao tratamento. O fortalecimento da Atenção Básica à Saúde, com foco em educação e conscientização sobre a doença, é crucial para alcançar estes objetivos.

Além disso, nossos achados fornece uma base para o desenvolvimento de ações públicas mais eficazes, que abordem não apenas o tratamento da tuberculose, mas também os determinantes sociais que contribuem para sua propagação. Dessa forma, os resultados obtidos podem guiar intervenções direcionadas e melhorar a eficácia do Programa Nacional de Controle da Tuberculose.

Conflitos de interesse. Nada declarado pelos autores.

Declaração. As opiniões expressas no manuscrito são de responsabilidade exclusiva dos autores e não refletem necessariamente a opinião ou política da RPSP/PAJPH ou da Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS).

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1Discentes do curso de Medicina da Faculdade Municipal Professor Franco Montoro, FMPFM, Mogi Guaçu/SP, Brasil. – Bolsistas PIBIC 23/24. e-mail: tfidelis1@gmail.com
2Docente do curso de Medicina da Faculdade Municipal Professor Franco Montoro, FMPFM, Mogi Guaçu/SP, Brasil FMPFM – Orientadora. e-mail: mg13almeida@gmail.com

Trabalho realizado pela Faculdade Municipal Professor Franco Montoro, FMPFM, Mogi Guaçu/SP, Brasil.