REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ni10202410282148
João Vitor Silva Mendes De Jesus;
Professora Orientadora: Maria Izabel Pereira
RESUMO
Introdução: A legalização do uso medicinal da maconha tem sido um tema controverso e em constante discussão nos últimos anos em todo o mundo. A maconha, também conhecida como cannabis, é uma planta que contém diversos componentes químicos, entre eles o THC (tetraidrocanabinol) e o CBD (canabidiol), que são os principais compostos responsáveis pelos efeitos medicinais. Embora em diversos países já exista uma regulamentação para o uso terapêutico da cannabis, ainda há muitas barreiras a serem vencidas. Objetivo: Explorar a metodologia do uso terapêutico e desafios para a aplicação da cannabis com interesse em seu uso medicinal, identificando os notáveis desafios e aspectos regulatórios envolvidos. Metodologia: O presente trabalho se baseia em uma revisão bibliográfica, de metodologia qualitativa, com eixo de natureza subjetiva da bibliografia verificada, por meio de estudos literários. Os trabalhos foram publicados entre o ano de 2020 a 2023, coletados em três eixos de fontes principais: os bancos de dados, LILACS, PUBMED. Resultados: A revisão identificou evidências significativas que apontam o potencial terapêutico da Cannabis sativa L., especialmente no tratamento de condições neurológicas como epilepsia, esclerose múltipla e transtornos de ansiedade. No entanto, também destacou os principais desafios regulatórios enfrentados em países como o Brasil, onde o cultivo da cannabis para fins medicinais permanece proibido. Essa proibição aumenta os custos dos tratamentos e limita a acessibilidade para os pacientes. Além disso, os resultados revelaram uma crescente aceitação entre profissionais de saúde e pacientes, sugerindo um aumento na demanda por cannabis medicinal nos próximos anos. Conclusão: Embora haja evidências robustas que comprovem a eficácia da cannabis para fins medicinais, ainda existem barreiras regulatórias e legais significativas, especialmente em países com políticas restritivas. É urgentemente necessária uma reformulação dos marcos regulatórios para ampliar o acesso dos pacientes e promover o desenvolvimento de indústrias locais de cannabis medicinal. Investimentos adicionais em pesquisa científica também são essenciais para garantir que as decisões regulatórias sejam baseadas em dados abrangentes e específicos para o contexto.
Palavras-chave: Cannabis medicinal; Tetraidrocanabinol; Canabidiol; Endocanabinóides.
ABSTRACT
Introduction: The legalization of medicinal marijuana use has been a controversial and constantly debated topic in recent years worldwide. Marijuana, also known as cannabis, is a plant that contains various chemical components, including THC (tetrahydrocannabinol) and CBD (cannabidiol), which are the main compounds responsible for its medicinal effects. Although many countries have already established regulations for the therapeutic use of cannabis, there are still many barriers to overcome. Objective: To explore the methodology of therapeutic use and the challenges for the application of cannabis, focusing on its medicinal use, identifying notable challenges and the regulatory aspects involved. Methodology: This study is based on a bibliographic review with a qualitative methodology, centered on the subjective nature of the verified bibliography through literary studies. The works reviewed were published between 2020 and 2023, collected from three main sources: LILACS and PUBMED databases. Results: The review identified significant evidence pointing to the therapeutic potential of Cannabis sativa L., particularly in the treatment of neurological conditions such as epilepsy, multiple sclerosis, and anxiety disorders. However, it also highlighted the major regulatory challenges faced in countries like Brazil, where the cultivation of cannabis for medicinal purposes remains prohibited. This prohibition increases treatment costs and limits accessibility for patients. Additionally, the results revealed a growing acceptance among healthcare professionals and patients, suggesting a likely increase in the demand for medicinal cannabis in the coming years. Conclusion: Although there is robust evidence supporting the efficacy of cannabis for medicinal purposes, significant regulatory and legal barriers remain, particularly in countries with restrictive policies. A reformulation of regulatory frameworks is urgently needed to expand patient access and promote the development of local medicinal cannabis industries. Further investment in scientific research is also essential to ensure that regulatory decisions are based on comprehensive and context-specific data.
Keywords: Medicinal Cannabis; Tetrahydrocannabinol; Cannabidiol; Endocannabinoids.
1 INTRODUÇÃO
Os desafios e a aplicação da cannabis para fins medicinais vêm se consolidando como um campo emergente na farmacologia e terapêutica, com raízes que remontam a milênios. Ao longo da história, a Cannabis sativa L. foi utilizada por diversas culturas para tratar uma ampla variedade de condições de saúde, desde dores reumáticas até distúrbios do sistema nervoso.1
No contexto contemporâneo, o interesse científico e médico na planta aumentou consideravelmente, especialmente em relação aos seus compostos ativos, como o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD), que demonstraram eficácia no tratamento de doenças crônicas e neurológicas, como epilepsia e esclerose múltipla. 2
A eficácia terapêutica desses compostos tem sido objeto de crescente pesquisa científica, sendo o THC amplamente reconhecido por seu papel no alívio de sintomas associados ao tratamento de câncer e à síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS), enquanto o CBD se destaca como um potente ansiolítico e anticonvulsivante, sem os efeitos psicotrópicos associados ao THC.1
Além disso, o CBD também tem sido utilizado em pacientes com distúrbios de ansiedade e distúrbios do sono, ampliando ainda mais o espectro de condições para as quais a cannabis pode ser aplicada de forma medicinal.2
No Brasil, o interesse no uso medicinal da cannabis começou a ganhar visibilidade com a luta de familiares de pacientes, especialmente crianças com epilepsia refratária, que encontraram na cannabis uma alternativa eficaz para o tratamento das convulsões, conforme reportado em diversas pesquisas.1
No entanto, o uso da cannabis medicinal no país ainda enfrenta desafios regulatórios e legais significativos. Embora a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) tenha autorizado o uso de produtos à base de cannabis, o cultivo da planta no território nacional permanece proibido, criando barreiras para a pesquisa e desenvolvimento local de medicamentos.2
Diante do exposto, a compreensão dos aspectos regulatórios, agronômicos e farmacêuticos envolvidos no cultivo, produção e regulamentação da cannabis é essencial para avançar no uso seguro e eficaz dessa planta medicinal no Brasil.
1.2 OBJETIVOS DA PESQUISA
1.2.1 Objetivo Geral
Analisar o processo para aplicação da cannabis para fins medicinais, identificando os principais desafios e aspectos regulatórios envolvidos.
1.2.2 Objetivos Específicos
– Compreender o sistema endocanabidiol;
– Analisar os usos terapêuticos do canabidiol;
– Entender o que é a cannabis;
– Analisar a regulamentação para o plantio e cultivo da planta para uso medicinal no Brasil.
2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
2.1 O QUE É CANNABIS
A Cannabis, conhecida no Brasil como “maconha”, é uma planta que faz parte da família Cannabacea, que tem suas origens no continente asiático. A Cannabis sativa possui três subespécies mais conhecidas: a Cannabis sativa, a Cannabis indica e a Cannabis ruderalis. A referida planta teve seu plantio iniciado há mais de 5.000 anos na Ásia e possuía diversos usos: fabris, terapêuticos e hedonistas. A “maconha”, de acordo com relatório publicado pela United Nations Office on Drugs and Crime em 2014 é uma droga ilícita consumida por 182,5 milhões de pessoas no mundo, conformando, assim, a droga ilícita mais consumida no mundo.3
No Brasil, a subespécie mais comum, devido ao clima, é a sativa. As subespécies podem ser diferenciadas através de vários fatores e também podem ser diferenciadas através da existência de espécies femininas e masculinas. As femininas possuem maior porte e as masculinas possuem um maior número de folhas.3
A Cannabis possui mais de 500 substâncias químicas, sendo que, aproximadamente 80 destas substâncias são canabinoides. Desse modo, a cannabis possui componentes que trazem ao corpo humano efeitos psicoativos e componentes que não trazem efeitos psicoativos, justamente por se tratar de planta complexa com muitas substâncias.3
As substâncias responsáveis pelos efeitos psicoativos da cannabis são o 9tetraidrocanabinol (Δ9-THC) e o 8-tetraidrocanabinol (Δ8-THC). Entre as substâncias presentes na cannabis que não possuem efeitos psicoativos estão o Canabidiol (CBD) e o Canabinol (CBN). O CBD chega a compor cerca de 40% dos extratos da cannabis. A Cannabis sativa é a subespécie que contém a maior concentração de Δ9-THC em sua composição. Já a Cannabis indica não possui grandes concentrações de Δ9-THC e a ruderalis não apresenta qualquer tipo de substância psicotrópica.4
O consumo e absorção da planta e de seus componentes podem ocorrer de através dos cigarros ou através da via oral. A absorção do Δ9-THC acontece de maneira mais rápida quando feita através dos pulmões e possuem um efeito que dura entre 1 e 2 horas.3
A ingestão oral da cannabis acarreta uma absorção mais lenta do Δ9-THC, levando uma quantidade de tempo maior para chegar a níveis consideráveis. No entanto, se por um lado o tempo de absorção é mais elevado, o efeito da droga no corpo também ocorre de maneira mais prolongada, entre 2 e 4 horas.3
Desse modo, em razão de seu caráter psicoativo, a cannabis sativa passou a ter seu plantio e consumo criminalizados em grande parte do globo, aliado ao fato de que, no começo do século XX, seus componentes e princípios ativos ainda eram desconhecidos para a comunidade científica.5
No entanto, diversos pesquisadores, guiados pelos estudos do professor israelense Raphael Mechoulam, iniciaram um movimento de incentivo ao estudo da referida planta e de suas propriedades, na década de 1960. A descoberta do pesquisador de Israel consistiu na identificação dos principais componentes da droga.5
A descoberta dos componentes e da possibilidade de extrair seus efeitos não psicotrópicos e terapêuticos, assim como era feito na antiguidade, permitiu um maior fomento de pesquisas e discussões acadêmicas acerca da utilização da cannabis para outros fins que não os hedonistas e sua possível legalização para fins terapêuticos.5
2.2 O SISTEMA ENDOCANABINOIDE
A descoberta do sistema endocanabinoide tem como precursora a descoberta e descrição de um dos principais componentes da Cannabis sativa: o ∆9Tetrahidrocanabinol (THC). Após o isolamento e estudo da substância, foi possível encontrar um sítio de ligação entre o THC e o cérebro de ratos, possibilitando, no início da década de 90, a clonagem do primeiro receptor canabinoide.6
Após a descoberta de outro receptor, o primeiro encontrado obteve o nome de CB1, e o segundo, consequentemente, obteve o nome de CB2. O primeiro ligante endógeno descoberto após a descrição dos receptores (endocanabinoide) foi a anandamida, além de muitos outros posteriormente.6
Cabe ressaltar que os endocanabinoides são produzidos pelo próprio corpo, assim como outros componentes do sistema endocanabinoide: os metabolizadores FAAH (“fatty acid amide hydrolase”) e MAGL (monoacylglycerol lípase) e o transportador memebranar.5
O CB1 é um receptor encontrado, principalmente, nas regiões do sistema nervoso central e tem relação com os efeitos psicotrópicos da Cannabis. O CB2 é encontrado de maneira mais abundante em órgãos e tecidos periféricos.5 Os receptores fazem parte da superfamília de receptores de membrana-ligados-aproteína G (GPCR) e o que aparece em maior quantidade no corpo humano é o CB1, encontrado, em sua maioria, nos neurônios pré-sinápticos, enquanto os receptores CB2 estão mais presentes nas células do sistema imunológico.6
Conforme apresentado anteriormente, os principais agonistas do sistema endocanabinoide são a anandamida e 2-araquidonoil. Agonistas são substâncias capazes de se ligar a um receptor celular a causar sua ativação para provocar uma determinada resposta biológica. Existem também substâncias sintéticas que funcionam como agonistas, como o WIN-55.7
Nesse sentido, também foram desenvolvidos antagonistas (substâncias que bloqueiam a reação causada pelos agonistas). O primeiro antagonista desenvolvido para anular as reações dos endocanabinoides foi o SR141716A (SR1; rimonabanto), que atua no receptor CB1 e bloqueia a ação dos ligantes endógenos.8
O Rimonabanto foi comercializado em alguns países como medicamento para tratar obesidade, no entanto, o produto foi retirado do mercado por produzir efeitos colaterais como ansiedade e depressão. Apesar dos efeitos, o rimonabanto é uma das poucas opções existentes para tratamento dos efeitos psiquiátricos ligados à intoxicação aguda pela cannabis.9
Desse modo, pode-se dizer que o sistema endocanabinoide é conformado pelos receptores canabinóides CB1 e CB2, pelos endocanabinóides, como a anandamida e o 2-araquidonoil, pelas enzimas FAAH e MGL e pelo transportador membranar.9
Alguns estudos apontam, também, a existência de um outro receptor do sistema canabinoide, nomeado CB3, que teria como função regulações outras dos sistemas neuromotor e imune. Portando, são considerados receptores CB3 aqueles que não desempenham as funções do CB1 e CB2.4
Por estarem mais presentes no sistema nervoso central, o receptor CB1 é responsável pela maioria dos efeitos psicotrópicos causados pelos canabinoides e afetam a coordenação motora, a memória, a aprendizagem e outras áreas.
Segundo Paulo e Abreu 4, o CB1 age, na pré-sináptica e pós-sináptica, da seguinte forma:
Na pré-sináptica, ao serem ativados, os receptores CB1 inibem a adenilato ciclase resultando na hiperpolarização neural e na redução da liberação de neurotransmissores. Já na pós-sináptica, os receptores CB1 agem na regulação dos níveis de excitação e plasticidade sináptica através variação da frequência dos canais de K+ e inibição da adenilato ciclase (PAULO; ABREU,2015, p.4).
Os receptores CB2 são encontrados de maneira mais abundante no sistema imunológico, principalmente em locais pós-sinápticos. A ativação do CB2 causa a inibição da adenilato ciclase e a ativação da cascata da MAPK. Os receptores CB1 são encontrados, primariamente nos gânglios basais, no hipocampo, no hipotálamo, no cerebelo e na medula espinhal. Os receptores CB2 são encontrados primariamente no sistema imunológico, no sistema gastrointestinal e no sistema nervoso periférico.4
Ambos os receptores são ativados quando se encontram na presença de ligantes endógenos ou quando na presença de outros canabinoides e afetam as funções cognitivas e motoras. O Δ9-THC, por exemplo, quando entra em contato com o receptor CB, causa uma diminuição na inibição de liberação de neurotransmissores.3
O Canabidiol (CBD), substância encontrada na Cannabis sativa, não tem afinidade significativa com o receptor CB1, o que indica que a mesma não possui efeitos psicoativos, pois o CB1 é responsável pela manifestação dos efeitos psicotrópicos das substâncias que com ele entram em contato. Tal constatação despertou o interesse de cientistas no estudo do CBD, uma vez que o mesmo, além de não possuir efeitos psicotrópicos, possui propriedades terapêuticas, que incluem o seu efeito analgésico e imunossupressores, dentre outros efeitos.4
Desse modo, é possível constatar que o sistema endocanabinoide é responsável pelo desempenho e o controle de diversas funções complexas do corpo humano, como a cognição, aprendizado, memória, metabolismo, nocicepção/dor, sono e apetite e está presente em todos os outros animais vertebrados.10
2.3 USOS TERAPÊUTICOS DA CANNABIS E ESTUDO CLÍNICO CONTROLADO REALIZADO COM A PLANTA MEDICINAL
As propriedades terapêuticas da cannabis eram extraídas da planta, conforme ressaltado nos parágrafos anteriores há milhares de anos. Relatos de historiadores reportam que na China, desde o ano 2700 antes de cristo, a planta seria utilizada para tratar enfermidades como epilepsia, dores, malária, tuberculose e muitas outras.5
O isolamento dos principais componentes da cannabis sativa possibilitou o destaque de substâncias que não possuíssem efeitos psicotrópicos e colocassem a discussão de seus usos em um panorama que afastasse possíveis ilegalidades e permitisse uma discussão plenamente medicinal.5
No entanto, algumas substâncias psicotrópicas também possuem efeitos terapêuticos, como o Δ9–THC, que, por causar altos níveis de dopamina no córtex pré-frontal medial, é recomendado por alguns médicos para o estímulo do apetite em pacientes que forem acometidos por doença causada pelo vírus HIV ou com câncer.4
O Canabidiol (CBD), substância também extraída da cannabis, por não possuir efeitos psicotrópicos e apresentar propriedades analgésicas e imunossupressoras e por apresentar propriedades que podem tratar epilepsias, esquizofrenias e muitas outras doenças. O CBD também causa redução da ansiedade e interfere positivamente nos efeitos da psicose.11
Comparando as duas substâncias mais estudadas da cannabis, pode-se considerar que o Δ9–THC e o CBD são substâncias antagonistas, pois, a primeira funciona como ativadora do receptor CB1 e seus efeitos psicotrópicos, já a segunda bloqueia tais efeitos. Um dos usos mais emblemáticos do CBD é em relação à epilepsia, em razão de suas propriedades anticonvulsionantes. O primeiro uso da cannabis para esse fim remonta ao século XIX na Índia com a utilização de pequenas doses de tintura de resina da planta em uma criança recém-nascida.11
Acredita-se que o CBD para o tratamento de convulsões derivadas da epilepsia, segundo estudos, é efetivo pois o mesmo atua na modulação da transmissão sináptica, inclusive tendo seus usos expandidos para pacientes pediátricos.12
Além da utilização do Canabidiol para tratar convulsões causadas pela epilepsia, o uso do CBD também tem sido estudado em relação ao tratamento da ansiedade. As propriedades ansiolíticas do canabinoide apresentam resultados positivos, principalmente em relação aos pacientes de síndrome do pânico e em outros transtornos psicológicos.4
Em relação ao tratamento da síndrome metabólica, existem estudos que apontam que o sistema endocanabinoide tem ligação com a regulação energética e controla a ingestão de alimentos e estimula a lipogênese.12
No entanto, segundo Godoy-Matos et al.6, o bloqueio do sistema endocanabinoide:
[…] através de um antagonista seletivo do receptor CB1 (Rimonabant) diminui a ingestão alimentar, auxilia no controle do peso em animais e em humanos e contribui para uma melhora nos parâmetros metabólicos que compõem a SM. Alguns desses efeitos parecem ser parcialmente independentes do controle do peso (2006, p.8).
Diversas doenças neurodegenerativas tem sido alvo de estudo com relação ao uso do CBD. A doença de Parkinson apresenta uma posição de sucesso em relação aos estudos, pois demonstrou eficácia na redução dos sintomas psicóticos e motores e também na qualidade do sono.7
Assim como há melhora nas funções motoras nos casos da doença de Parkinson, também há melhoras no que diz respeito à esclerose múltipla, em razão da doença causar inflamação nos músculos, com alguns efeitos colaterais como hipotensão arterial, boca seca e tontura.13
Como ressaltado anteriormente, a cannabis também pode ser utilizada para amenizar os efeitos dos tratamentos da quimioterapia em casos de câncer ou AIDS.
Tal uso é sugerido, pois a droga, no caso de tratamento da Síndrome Imunodeficiência Adquirida, alivia os sintomas da Azitromicina, além de ajudar nos aspectos psicológicos.13
A cannabis também pode ser utilizada para o tratamento do glaucoma, uma vez que a referida doença causa desequilíbrio nas quantidades de humor aquoso presentes nos globos oculares e aumenta a pressão no local. A cannabis possui a propriedade de secar o globo ocular, sem efeitos os colaterais apresentados pelos tratamentos atuais.14
A dor neuropática também é uma condição que possui estudos apontando que a utilização de sprays contendo cannabis e também na forma inalatória em casos de dores neuropáticas em razão de esclerose múltipla ou em razão de cirurgias ou traumas.14
Após o exposto neste capítulo, é possível concluir que a cannabis, seja através de suas substâncias que causem efeitos psicotrópicos, seja através das substâncias que não possuem esse efeito, tem despertado o interesse de uma grande parcela da comunidade científica em razão de suas propriedades farmacológicas.13
Desse modo, cabe adentrar, num próximo momento, na discussão sobre os óbices e facilitadores da regulamentação da cannabis em território brasileiro e as discussões judiciais e legislativas travadas atualmente em relação a esse assunto.14
Além da cannabis sativa ser aplicada para tratamentos de doença de Parkinson e diminuição dos efeitos progressivos de doenças neurodegenerativa ela também é apresenta efeitos positivos no tratamento de epilepsia de crises convulsivas.16
Foi realizado o primeiro estudo com 15 pacientes portadores de epilepsia do lobo temporal com crises convulsivas generalizadas em que outros tratamentos de primeira escolha já não apresentavam uma eficácia significativa. Esse estudo dirigido de forma duplo-cego e moderado por placebo, inseriu CBD (200 a 300 mg/dia) em alguns pacientes enquanto outros pacientes recebiam placebo durante 18 semanas. Houve uma melhora expressiva em quatro pacientes tratados com CBD, assim os mesmos não tiveram crises convulsivas na maior parte do estudo.16 Ademais, outros três pacientes demonstraram uma melhora parcial e apenas um dos oito pacientes não demonstraram nenhum avanço clínico.16
Três pacientes que recebeu CBD apresentou melhora no eletroencefalograma (EEG). Já os pacientes que receberam o placebo, um apresentou melhora em seu quadro clinico, porém os outros 7 não apresentaram mudanças nos quadros clínicos.16
Todos os participantes do estudo que receberam CBD tiveram uma boa aceitação ao tratamento proposto.16
2.4 REGULAMENTAÇÃO E LEGALIZAÇÃO DO CULTIVO E PLANTIO CANNABIS MEDICINAL NO BRASIL
Ainda que o uso terapêutico da cannabis seja milenarmente conhecido em diversos países, no início do século XX, a mesma passou a ter seu uso proibido ao redor do mundo, após a II Conferência Internacional do Ópio em 1924, inclusive no Brasil. No entanto, devido às descobertas sobre a composição química da cannabis de maneira mais ativa a partir da década de 60, os debates sobre a legalização de seus usos terapêuticos e hedonistas têm se reacendido na sociedade a cada dia mais.8
Consideramos que a ausência de regulamentações claras e específicas para a produção de cannabis medicinal representa um obstáculo significativo para o avanço da pesquisa e desenvolvimento de produtos baseados em cannabis. Isso limita a disponibilidade de tratamentos inovadores e eficazes para os pacientes.
Em relação ao uso terapêutico da cannabis, principalmente em relação ao canabidiol tem-se, em primeiro momento, a obrigação do Estado brasileiro em prover os serviços de saúde necessários para o bem-estar da população. Desse modo, abre-se espaço para discutir esse uso ofertado pelo estado ou também pelos indivíduos. Nesse sentido, o Conselho Federal de Medicina, em 2016, editou a Resolução 2.113 que autoriza a utilização compassiva do CBD em crianças e adolescente para o tratamento de epilepsia refratária. Em 2015, a importação do CBD passou a ser legalizada pela ANVISA através da RDC nº 3/2015.5
Para que ocorresse a liberação realizada pela ANVISA, foi necessário que a agência reguladora retirasse o canabidiol da lista de substâncias proscritas e colocasse na lista de substâncias controladas, assim como reclassificar a cannabis como planta medicinal. Atualmente, o uso hedonista da “maconha” é proibido pela Lei 11.343/06 (Lei de Drogas), pelo seu artigo 28. A referida lei tem como uma de suas características ser uma norma penal em branco, ou seja, depende da complementação de outra norma, que no presente caso é a portaria nº 344 da ANVISA.15
Diante das informações expostas no presente trabalho foi possível concluir que a cannabis sativas tem despertado o interesse da comunidade científica em razão de suas características terapêuticas, ainda que advindas de substâncias psicotrópicas, em razão dos seus efeitos colaterais mais brandos em determinados tratamentos.15
No Brasil, a autorização da ANVISA para a importação do canabidiol pode ser interpretado como um grande avanço para a saúde pública e para o bem-estar de pacientes que necessitam do uso terapêutico da cannabis, ainda que muito ainda tenha que ser discutido em termos legislativos, judiciais e morais.15
3 METODOLOGIA
O presente estudo adota uma abordagem qualitativa, com foco na análise da literatura científica existente sobre a aplicação da Cannabis sativa L. para fins medicinais. A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica, a qual permite a sistematização e a síntese do conhecimento disponível acerca do tema, além de possibilitar uma análise aprofundada dos desafios regulatórios, técnicos e agronômicos que envolvem o uso medicinal da cannabis.
Este tipo de estudo se mostrou adequado para explorar conceitos amplos, identificar lacunas na pesquisa e compreender padrões e tendências emergentes no campo científico. A pesquisa foi desenvolvida em etapas estruturadas, iniciando com a escolha e delimitação do tema, que se concentrou nas principais questões sobre o uso da cannabis medicinal e seus entraves regulatórios no Brasil.
Após a definição do tema, realizou-se uma pesquisa bibliográfica preliminar, cujo objetivo foi mapear as fontes relevantes e os estudos mais recentes sobre o assunto. A delimitação temporal da pesquisa abrangeu publicações entre os anos de 2020 e 2023, garantindo a atualidade dos dados analisados.
A partir das leituras preliminares, foi elaborado um plano provisório de assuntos, destacando os pontos-chave que seriam abordados ao longo do trabalho, como a eficácia terapêutica dos compostos ativos da cannabis, a regulamentação de seu uso medicinal, e os desafios para sua implementação no Brasil.
Para a coleta das fontes bibliográficas, foram consultadas as bases de dados acadêmicas LILACS, PUBMED e SciELO, com o uso de termos de busca específicos como “Cannabis medicinal”, “CBD”, “THC”, “regulação da cannabis no Brasil” e “política de saúde sobre cannabis”. Os materiais selecionados incluíram artigos científicos, revisões sistemáticas, legislações e documentos técnicos, todos escolhidos com base em sua relevância e contribuição ao tema.
Posteriormente, foi realizada uma leitura crítica do material, destacando-se as informações mais relevantes, tanto em termos de dados quantitativos quanto qualitativos, além de seus desdobramentos clínicos, sociais e regulatórios.
Os artigos e demais documentos foram organizados de acordo com seu enfoque principal, seja ele medicinal, regulatório ou técnico. Essa organização foi seguida por uma distribuição lógica dos assuntos, de forma a estruturar o texto final com base nas principais categorias temáticas identificadas, tais como “aspectos farmacológicos da cannabis”, “desafios regulatórios no Brasil” e “impactos econômicos do cultivo de cannabis medicinal”.
Com a organização concluída, a etapa final consistiu na produção escrita do texto, com a estruturação das ideias de maneira coerente, buscando refletir o estado da arte do tema estudado, além de apontar as lacunas e desafios a serem enfrentados no futuro.
O critério de inclusão dos artigos selecionados foi pautado pela relevância dos estudos, originalidade das abordagens e publicação em periódicos indexados com elevado fator de impacto. Artigos que apresentavam dados desatualizados ou cuja relevância ao tema era marginal foram excluídos da revisão. Essa análise crítica das fontes permitiu identificar os principais avanços no uso medicinal da cannabis, bem como os obstáculos que ainda impedem sua plena integração no sistema de saúde e na regulamentação nacional.
4 RESULTADOS
A revisão bibliográfica realizada identificou diversas evidências que apontam para o potencial terapêutico da Cannabis sativa L., especialmente no que se refere ao uso de seus compostos ativos, como o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD). Diversos estudos destacam que o CBD tem se mostrado promissor no tratamento de doenças neurológicas, como epilepsia, esclerose múltipla, distúrbios de ansiedade e outras condições psiquiátricas.
A eficácia terapêutica do CBD, sem os efeitos psicoativos associados ao THC, o torna uma opção de tratamento cada vez mais investigada e utilizada, sobretudo em pacientes pediátricos e adultos com epilepsia refratária. O estudo de Emiliano e Latzenco 2 demonstrou que o CBD apresenta um potencial considerável no controle de convulsões, especialmente em casos de epilepsia de difícil controle, onde tratamentos convencionais falharam.
Além do uso no tratamento de convulsões, outras aplicações terapêuticas do CBD foram observadas. Pesquisas indicam que ele tem efeitos significativos em pacientes com ansiedade generalizada e transtornos do sono, reduzindo sintomas de forma eficaz sem causar dependência ou efeitos adversos severos. O potencial ansiolítico do CBD é especialmente importante em um contexto de aumento de casos de ansiedade, exacerbados pela pandemia de COVID-19.2
Outros compostos da cannabis, como o THC, também demonstram benefícios, principalmente no alívio de sintomas de dor crônica e como agente antiinflamatório. No entanto, o uso do THC requer maior cuidado devido aos seus efeitos psicoativos, que podem não ser apropriados para todos os pacientes.2
Outro aspecto relevante observado na literatura é a diversidade de condições médicas nas quais a cannabis pode ser utilizada de forma eficaz. Além de doenças neurológicas e psiquiátricas, compostos como o CBD têm mostrado promissora eficácia em tratamentos para doenças autoimunes, inflamatórias e até mesmo alguns tipos de câncer, em que o uso combinado de THC e CBD contribui para a redução de tumores e alívio de dores crônicas. 1
Em pacientes oncológicos, os estudos indicam que o CBD pode ajudar a reduzir efeitos colaterais de quimioterapias, como náuseas e vômitos, contribuindo para a melhora da qualidade de vida desses pacientes. No entanto, esses tratamentos ainda são limitados pela regulamentação e pelas restrições no Brasil, o que dificulta o acesso amplo a essas terapias.3
Outro resultado relevante identificado durante a revisão foi a análise dos desafios regulatórios que envolvem a implementação do uso medicinal da cannabis no Brasil. Embora o país tenha feito avanços significativos na regulamentação de medicamentos à base de cannabis, ainda existem barreiras legais que dificultam a ampliação dessa prática. Em particular, o cultivo da planta para fins medicinais ainda é proibido no Brasil, o que limita a produção local e aumenta a dependência de produtos importados.6
Esse fator é crítico, pois eleva os custos e restringe o acesso dos pacientes aos tratamentos. Conforme destacado por Pinheiro et al.1, a ausência de um marco legal claro e de regulamentações bem definidas para o cultivo e a comercialização da cannabis medicinal no Brasil representa um dos principais obstáculos para a expansão desse mercado e para o desenvolvimento de uma indústria nacional competitiva.
Além disso, a revisão identificou que a burocracia envolvida no processo de prescrição e aquisição de medicamentos à base de cannabis também é um fator limitante. Pacientes enfrentam dificuldades no acesso a esses tratamentos devido à demora na aprovação de solicitações e à necessidade de cumprir uma série de exigências regulatórias. Isso reflete a falta de um sistema de saúde mais preparado e flexível para lidar com esse tipo de terapêutica, o que impede que a cannabis medicinal atinja seu potencial pleno no tratamento de várias condições de saúde.
Estudos indicam que o processo de aprovação para a compra de medicamentos à base de cannabis no Brasil pode levar meses, o que impacta diretamente a adesão e continuidade do tratamento, especialmente para pacientes com doenças crônicas ou degenerativas.1,2,6,8,9
A restrição no cultivo e a burocracia envolvida na aquisição de medicamentos à base de cannabis também têm um impacto significativo nos custos para o paciente. Devido à necessidade de importação, os preços desses medicamentos são elevados, tornando-os inacessíveis para grande parte da população brasileira. Esse cenário é agravado pela falta de cobertura do Sistema Único de Saúde (SUS) para tratamentos à base de cannabis, uma vez que esses medicamentos não são amplamente distribuídos no sistema público. 12
Portanto, a acessibilidade permanece um dos principais desafios para que o uso da cannabis medicinal se torne uma alternativa viável e disponível para todos os pacientes que poderiam se beneficiar de suas propriedades terapêuticas.
Apesar dessas barreiras, a aceitação do uso medicinal da cannabis está crescendo rapidamente no Brasil. Um estudo de Primo e Ecker 17 revelou que 90,7% dos profissionais da área da saúde entrevistados afirmaram que utilizariam cannabis para fins medicinais, caso necessário. Esse dado reflete uma mudança significativa de percepção sobre o uso medicinal da cannabis, especialmente quando comparado ao cenário de alguns anos atrás, quando havia maior resistência ao seu uso por parte de profissionais e da população em geral.
Essa crescente aceitação, tanto entre profissionais quanto entre pacientes, demonstra que, com a superação das barreiras regulatórias, o Brasil tem um mercado em potencial para a cannabis medicinal, podendo gerar impactos positivos tanto para o setor de saúde quanto para o desenvolvimento econômico.17
Por fim, outro ponto relevante destacado pelos estudos analisados foi o impacto que a regulamentação adequada poderia ter no desenvolvimento de uma cadeia produtiva no país. O Brasil, com suas características climáticas e agrícolas favoráveis, tem o potencial de se tornar um líder na produção de cannabis medicinal, desde que sejam implementadas políticas públicas que incentivem a pesquisa, o desenvolvimento de tecnologias e a formação de profissionais especializados na produção e distribuição segura de produtos à base de cannabis. A falta de um marco regulatório robusto e a ausência de incentivos à pesquisa científica local ainda são desafios que precisam ser superados para que o país possa explorar plenamente o potencial terapêutico e econômico da cannabis medicinal.
5 DISCUSSÃO
Os resultados obtidos com a revisão bibliográfica reforçam de maneira significativa a eficácia terapêutica da Cannabis sativa L. em uma série de condições de saúde, conforme observado em estudos como o de Emiliano e Latzenco 2. Os compostos ativos da cannabis, especialmente o canabidiol (CBD), têm demonstrado uma segurança robusta e eficácia no tratamento de convulsões, incluindo casos de epilepsia refratária, além de outras patologias neurológicas.
O fato de o CBD não possuir os efeitos psicoativos do tetrahidrocanabinol (THC) aumenta sua viabilidade como opção terapêutica, especialmente para pacientes pediátricos e idosos, dois grupos que são particularmente vulneráveis aos efeitos adversos de medicamentos mais potentes. O reconhecimento dessas propriedades terapêuticas destaca a importância de se explorar de forma mais ampla os potenciais usos medicinais da cannabis, como discutido por Silva et al.18
Além de sua aplicação no tratamento de condições neurológicas, o CBD também tem sido explorado por seus efeitos positivos em pacientes com transtornos de ansiedade, insônia e inflamações crônicas. A pandemia de COVID-19 trouxe à tona um aumento expressivo nos níveis de ansiedade da população mundial, e muitos estudos passaram a investigar o potencial da cannabis para aliviar esses sintomas.18
Em pacientes oncológicos, o uso de CBD e THC combinados tem sido uma alternativa para o alívio de dores severas e náuseas causadas pela quimioterapia, conforme reportado em estudos internacionais. No entanto, a lacuna entre as descobertas científicas e sua aplicação no Brasil ainda é uma realidade preocupante, sobretudo devido à complexidade da regulamentação e às limitações impostas pelo governo.17,18
No entanto, os desafios regulatórios no Brasil continuam a representar um obstáculo significativo para o avanço do uso medicinal da cannabis no país. A revisão aponta que, embora tenham sido feitos progressos na regulamentação de medicamentos à base de cannabis, como o óleo de CBD, o cultivo da planta para fins medicinais permanece proibido, o que limita drasticamente a capacidade do Brasil de produzir seus próprios medicamentos e depender de importações.18
Isso eleva consideravelmente o custo desses tratamentos, tornando-os inacessíveis para grande parte da população. Pinheiro et al. 1 sublinham que, sem um marco regulatório claro e políticas públicas que incentivem o desenvolvimento desse setor, o Brasil corre o risco de perder uma oportunidade importante para melhorar o acesso a tratamentos de saúde inovadores e eficazes.
O cenário regulatório brasileiro é caracterizado por burocracia excessiva e falta de clareza quanto à viabilidade do cultivo e comercialização de produtos à base de cannabis. Isso resulta em um atraso significativo na inovação e na disponibilidade de produtos medicinais derivados da planta. Comparado a países que já estabeleceram regulamentações mais acessíveis, como o Canadá e alguns estados dos Estados Unidos, o Brasil ainda se encontra em uma fase de desenvolvimento lento.1
O impacto disso na saúde pública é preocupante, pois muitas famílias dependem da importação de produtos à base de cannabis a preços exorbitantes. Assim, a falta de uma regulamentação que permita o cultivo controlado da cannabis em território nacional afeta diretamente o acesso a medicamentos essenciais.3
Outro ponto relevante que emergiu dos resultados foi a crescente aceitação do uso medicinal da cannabis, tanto por profissionais de saúde quanto pelos próprios pacientes. O estudo de Primo e Ecker 17 revelou que 90,7% dos profissionais entrevistados considerariam o uso da cannabis para fins medicinais, caso necessário. Esse dado reflete uma mudança significativa de percepção sobre o uso da cannabis no Brasil, com uma crescente disposição em explorar suas aplicações terapêuticas.
Essa mudança de perspectiva, conforme observado em outros estudos internacionais, indica que, à medida que mais informações sobre a eficácia e a segurança da cannabis medicinal se tornem disponíveis, a demanda por esses produtos provavelmente aumentará, criando pressões adicionais para que o governo brasileiro implemente uma regulamentação mais flexível e acessível.17
Essas mudanças na percepção pública e profissional em relação à cannabis estão alinhadas com a tendência global de desestigmatização do uso da planta para fins medicinais. Em muitos países, o uso terapêutico da cannabis já é uma realidade consolidada, com regulamentações claras que permitem tanto o cultivo quanto a distribuição de medicamentos à base de cannabis de forma segura e acessível. 18
No Brasil, essa aceitação crescente cria um contexto propício para a implementação de políticas mais inclusivas, que não apenas viabilizem o acesso, mas também incentivem a produção e a pesquisa científica na área. Esse movimento poderia beneficiar não apenas os pacientes, mas também o setor econômico e a comunidade científica brasileira.14
Os desafios mencionados também ressaltam a necessidade de maior investimento em pesquisa científica sobre o uso medicinal da cannabis no Brasil. Embora a literatura internacional tenha avançado significativamente nesse campo, as barreiras regulatórias e o estigma ainda associados à cannabis no Brasil dificultam a condução de estudos locais que poderiam fornecer dados específicos e relevantes para o contexto nacional.14
A falta de apoio institucional e governamental para a pesquisa sobre cannabis contribui para a fragmentação do conhecimento científico disponível, o que, por sua vez, impacta negativamente a formulação de políticas públicas baseadas em evidências. Silva et al. 18 discutem a importância de avançar em estudos científicos detalhados que explorem o uso de compostos da cannabis em diversas patologias, especialmente no contexto de doenças crônicas e neurodegenerativas.
Ademais, a aceitação crescente do uso medicinal da cannabis também levanta questões importantes sobre como balancear os benefícios terapêuticos com a necessidade de controle rigoroso de qualidade e segurança. A pesquisa destaca a importância de estabelecer padrões elevados para a produção e comercialização de produtos à base de cannabis, a fim de garantir que os pacientes tenham acesso a medicamentos seguros e eficazes.18
Isso inclui o desenvolvimento de um sistema robusto de controle de qualidade que abranja todas as etapas da cadeia produtiva, desde o cultivo até a distribuição, garantindo a rastreabilidade e o controle de potenciais impurezas que possam comprometer a segurança do produto final, como discutido por Souza et al.19
Por fim, a análise dos resultados reforça a urgência de uma reformulação das políticas regulatórias no Brasil. Além de facilitar o acesso a medicamentos à base de cannabis, é necessário criar mecanismos que incentivem o desenvolvimento local de uma indústria de cannabis medicinal, o que beneficiaria não apenas os pacientes, mas também a economia do país. Como apontado por vários autores, o Brasil possui condições climáticas e agronômicas favoráveis para o cultivo de cannabis, o que poderia posicionar o país como um potencial líder no mercado global de cannabis medicinal. Entretanto, sem um marco regulatório claro e incentivos governamentais, esse potencial continuará subaproveitado.19
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo buscou explorar o potencial terapêutico da Cannabis sativa L., destacando suas principais aplicações no campo da medicina e os desafios regulatórios que ainda impedem o pleno desenvolvimento dessa alternativa terapêutica no Brasil.
Através da revisão bibliográfica, ficou evidente que os compostos da cannabis, especialmente o canabidiol (CBD), têm se mostrado eficazes no tratamento de diversas condições de saúde, incluindo epilepsia refratária, distúrbios de ansiedade e dores crônicas. Além disso, a ausência de efeitos psicoativos no CBD reforça sua viabilidade como uma opção segura, especialmente para grupos vulneráveis, como pacientes pediátricos e idosos.
Contudo, apesar dos avanços na regulamentação de medicamentos à base de cannabis, o Brasil ainda enfrenta uma série de desafios que limitam o acesso a essas terapias. A proibição do cultivo da planta para fins medicinais e a necessidade de importação de medicamentos encarecem o tratamento e restringem a acessibilidade para uma grande parte da população que poderia se beneficiar de seus efeitos terapêuticos.
A revisão destacou a urgência de um marco regulatório mais claro e inclusivo, que permita o cultivo controlado e incentive o desenvolvimento de uma indústria nacional de cannabis medicinal. Tal mudança poderia não apenas aumentar o acesso a medicamentos, mas também estimular a economia através da criação de empregos e do fomento à pesquisa científica no país.
Adicionalmente, a crescente aceitação do uso medicinal da cannabis entre profissionais de saúde e pacientes no Brasil sinaliza uma mudança positiva de percepção sobre essa planta. Entretanto, para que essa tendência resulte em melhorias reais na saúde pública, é fundamental que o governo brasileiro adote medidas que facilitem a implementação de uma política regulatória eficaz e que promova a segurança e a qualidade dos produtos à base de cannabis. Isso inclui o desenvolvimento de padrões rigorosos de controle de qualidade e a criação de mecanismos que garantam a segurança dos pacientes, desde o cultivo da planta até a distribuição dos medicamentos.
É igualmente importante destacar a necessidade de mais investimentos em pesquisa científica nacional sobre a cannabis medicinal. Estudos locais são essenciais para adaptar o uso terapêutico da planta ao contexto brasileiro, além de gerar dados que possam subsidiar políticas públicas baseadas em evidências. Sem esse suporte, a regulamentação permanecerá fragmentada e os benefícios potenciais da cannabis continuarão limitados.
Portanto, este estudo conclui que, embora o Brasil tenha avançado em alguns aspectos da regulamentação da cannabis medicinal, ainda há um longo caminho a percorrer para que o país se estabeleça como um líder no uso seguro e eficaz dessa planta no campo da saúde. A reformulação de políticas, a redução das barreiras regulatórias e o incentivo à pesquisa são passos cruciais para garantir que a população brasileira tenha acesso a tratamentos inovadores e acessíveis, que possam melhorar significativamente a qualidade de vida dos pacientes.
REFERÊNCIAS
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