REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/fa10202408171508
Débora Medeiros de Carvalho1,
Emanuelle de Lima Barros2,
Isadora Patrícia Porfírio Franco de Andrade3,
Josielly Ferreira Bacelar4,
Klégea Maria Câncio Ramos Cantinho5
RESUMO:
Candida albicans é um fungo comensal amplamente presente na microbiota da maioria dos indivíduos saudáveis, predominantemente nas mucosas do trato gastrointestinal e urogenital. Este microrganismo desempenha um papel crucial no equilíbrio microbiano ao impedir a colonização por patógenos, através de mecanismos de antagonismo competitivo. No entanto, em situações de imunossupressão ou de desequilíbrio na microbiota normal do hospedeiro, C. albicans pode se tornar um patógeno oportunista, levando ao desenvolvimento de candidíase. Esta infecção pode manifestar-se de forma agressiva e ter origem tanto endógena, quando proveniente da própria microbiota, quanto exógena, quando transmitida via contato sexual. Diversos fatores de risco estão associados à predisposição à candidíase, incluindo o uso de roupas íntimas apertadas e/ou sintéticas, gestação, uso de antibióticos sistêmicos ou tópicos, diabetes mellitus e hábitos de higiene inadequados. Neste estudo, foi avaliada a incidência de candidíase e os hábitos comportamentais associados à sua ocorrência em um ambiente universitário, por meio de um estudo transversal, descritivo e investigativo, com abordagem mista quantitativa e qualitativa. A coleta de dados foi realizada através de formulário eletrônico, com uma amostra composta por alunas, professoras e funcionárias vinculadas a uma instituição de ensino superior. Os dados analisados incluíram o perfil das participantes e seus hábitos de vida, além da recorrência e frequência das infecções por candidíase e os tratamentos empregados. Observou-se que o uso frequente de calças no dia a dia apresentou uma correlação com o aumento da incidência de candidíase, enquanto o consumo diário de probióticos pareceu atuar como um fator protetor. Em consonância com a literatura científica, os achados sugerem que o tratamento da candidíase deve adotar uma abordagem multifatorial, englobando não apenas intervenções farmacológicas, mas também mudanças comportamentais para alcançar melhores resultados terapêuticos.
PALAVRAS-CHAVE: infecção fúngica, microbiota, fungos, fatores de risco.
ABSTRACT
Candida albicans is a commensal fungus widely present in the microbiota of most healthy individuals, predominantly in the mucous membranes of the gastrointestinal and urogenital tracts. This microorganism plays a crucial role in microbial balance by preventing the colonization of pathogens through mechanisms of competitive antagonism. However, in situations of immunosuppression or disruption of the host’s normal microbiota, C. albicans can become an opportunistic pathogen, leading to the development of candidiasis. This infection can manifest aggressively and may have either an endogenous origin, when stemming from the host’s own microbiota, or an exogenous origin, when transmitted via sexual contact. Various risk factors are associated with a to candidiasis, including the use of tight and/or synthetic underwear, pregnancy, the use of systemic or topical antibiotics, diabetes mellitus, and inadequate hygiene practices. In this study, the incidence of candidiasis and behavioral habits associated with its occurrence in a university environment were evaluated through a cross-sectional, descriptive, and investigative study with a mixed quantitative and qualitative approach. Data collection was carried out through an electronic questionnaire, with a sample composed of female students, professors, and staff members associated with a higher education institution. The analyzed data included the profile of the participants and their lifestyle habits, as well as the recurrence and frequency of candidiasis infections and the treatments employed. It was observed that the frequent use of trousers in daily life correlated with an increased incidence of candidiasis, while daily consumption of probiotics appeared to act as a protective factor. Consistent with scientific literature, the findings suggest that the treatment of candidiasis should adopt a multifactorial approach, encompassing not only pharmacological interventions but also behavioral changes to achieve better therapeutic outcomes.
KEYWORDS: fungal infection, microbiota, fungi, risk factors.
INTRODUÇÃO:
A microbiota é definida como o conjunto de microrganismos que habitam um ecossistema específico. Esta comunidade é composta por bactérias, fungos, arqueias e vírus, que interagem entre si e com o hospedeiro, promovendo a manutenção da homeostase no ecossistema humano. Estudos recentes, utilizando sequenciamento de genes de rRNA 16S de alto rendimento para investigar a composição e prevalência das espécies bacterianas vaginais, revelaram que a microbiota vaginal é dominada por cinco principais tipos: Lactobacillus crispatus, L. iners, L. gasseri, L. jensenii, e um quinto tipo composto por uma mistura de diversas bactérias, incluindo Gardnerella, Atopobium, Mobiluncus, Prevotella, entre outras (Smith SB, 2016).
Os fungos, especialmente Candida albicans, embora sejam considerados microrganismos polimórficos oportunistas, também atuam como simbiontes e constituem parte integrante do ecossistema vaginal, assim como as bactérias. C. albicans emprega diversos mecanismos de defesa, incluindo a redução do pH vaginal, a produção de compostos bioativos, a competição por nutrientes e locais de adesão, além da modulação das respostas imunológicas do hospedeiro (Sun Z, 2023).
A candidíase vulvovaginal (CVV), uma inflamação comum das mucosas do trato reprodutor feminino, é amplamente atribuída a C. albicans. Estima-se que aproximadamente 75% das mulheres serão afetadas por essa condição em algum momento de suas vidas. Embora a CVV seja subnotificada devido à sua baixa letalidade, nos Estados Unidos, a doença gera um custo médico anual estimado em 1,8 bilhões de dólares (Williems HME, 2020).
A patogênese da CVV inicia-se com um desbalanço entre os microrganismos colonizadores e o hospedeiro, resultando na proliferação do fungo na vagina e subsequente invasão epitelial, seguida por inflamação. Os sinais clínicos incluem edema, eritema, prurido e ardor na vulva, frequentemente acompanhados de leucorreia inodora com aspecto de “leite coalhado”, dispareunia e disúria (Dovnik A, 2015).
Diversos fatores de risco predisponentes ou eventos desencadeantes estão associados à CVV, como o uso de antibióticos, gravidez, uso de anticoncepcionais orais combinados, terapias de reposição hormonal, diabetes mellitus descontrolado, hábitos higiênicos inadequados, atividades sexuais e uso de roupas justas (Yano J, 2019). Diante deste contexto, esta pesquisa teve como objetivo principal analisar a associação entre os hábitos de vida e a incidência de CVV.
MATERIAIS E MÉTODOS
O estudo foi conduzido utilizando um modelo de pesquisa transversal com abordagem quantitativa e qualitativa, enfocando as variáveis diretas e indiretas relacionadas aos hábitos e ao conhecimento sobre Candida em um ambiente universitário. Subsequentemente, foram realizados estudos analíticos e descritivos com base no banco de dados coletado, sendo este obtido por meio de formulários eletrônicos preenchidos pelas amostras populacionais selecionadas.
As participantes responderam os questionários abordando diversos aspectos dos hábitos de vida, incluindo a prática de atividades físicas, idade, uso de roupas justas, profissão, presença de comorbidades (como diabetes mellitus, hipertensão arterial e câncer), tempo de trabalho, conhecimento básico sobre candidíase e vulnerabilidade do sistema imunológico. As respostas individuais foram categorizadas em opções fornecidas, com os participantes selecionando aquela que melhor descrevia seus hábitos, variando de quatro a cinco opções possíveis.
A amostra populacional foi composta por aproximadamente 120 mulheres vinculadas ao Centro Universitário UniFacid, filiado ao grupo IDOMED (Instituto de Educação Médica). O estudo foi realizado exclusivamente com participantes do sexo feminino que concordaram em participar mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Foram excluídos do estudo indivíduos do sexo masculino, mulheres que se recusaram a assinar o TCLE, mulheres não inseridas no ambiente universitário e aquelas que não completaram corretamente o questionário.
Os dados foram coletados por meio de um questionário criado na plataforma Google Forms, que foi personalizado de forma simples, gratuita e acessível. Posteriormente, os dados foram tabulados em um arquivo .xls para facilitar a edição, sendo o questionário previamente validado por uma amostra de trinta pessoas, com o objetivo de garantir o entendimento semântico das respostas propostas e aprimorar a ferramenta. A confiabilidade do questionário foi avaliada utilizando o coeficiente de Cronbach, com valores ideais situando-se entre 0,7 e 0,9. Para as variáveis quantitativas, foram realizadas estatísticas descritivas, enquanto para as variáveis qualitativas, foram efetuados cálculos percentuais. A associação entre os hábitos de vida no meio acadêmico e a incidência de candidíase foi analisada por meio de medidas de associação, após a aplicação do teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov. Os dados organizados em planilhas do software Microsoft Office Excel foram submetidos a análise estatística utilizando o software Action.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A amostra totalizou 117 entrevistadas, todas maiores de 18 anos e que concordaram em participar do estudo mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). O perfil predominante das participantes incluía indivíduos com idade entre 18 e 27 anos, estudantes, sem filhos, sem diagnóstico prévio de candidíase vaginal (CV), sem sintomas de candidíase oral (CO), sexualmente ativas, com padrão de sono de 6 a 8 horas por noite, e que não praticavam atividade física regularmente (Tabela 1).
Tabela 1: Perfil das participantes, Teresina – PI, 2024.
O estudo da razão de chance (OR: Odds Ratio) foi conduzido para explorar as diversas relações entre as variáveis categóricas da pesquisa. Observou-se que mulheres que não faziam uso diário de probióticos apresentavam uma chance quase 3,5 vezes maior de serem diagnosticadas com candidíase vaginal, em comparação com aquelas que consumiam probióticos diariamente (OR: 3,48; p=0,0007). A relação entre afecções emocionais, como ansiedade, depressão ou TDAH, e o diagnóstico de candidíase vaginal (CV) e oral (CO) não apresentou significância estatística.
Ao analisar a relação entre os tipos de vestimentas e o quadro de CV, foi identificado que a maior diferença de variância ocorreu entre o uso de calça jeans e o uso de vestido, com um nível de significância menor que 5%. Isso indica que, na amostra estudada, o uso de calça jeans influenciou na incidência de candidíase vaginal. Por outro lado, a relação entre ter vida sexual ativa e ter filhos não apresentou significância estatística em relação à incidência de CV e CO.
Diante dos resultados obtidos, o perfil da amostra, composta por mulheres, apresentou as seguintes variáveis predominantes: a faixa etária principal foi entre 18 e 27 anos, com 87 participantes. Em termos de ocupação, a maioria das participantes eram estudantes, totalizando 96 indivíduos. Além disso, 94 mulheres não tinham filhos, 62 não apresentavam diagnóstico de candidíase vaginal, 106 não relataram sintomas de candidíase oral, 74 eram sexualmente ativas, 62 dormiam entre 6 e 8 horas por noite, e 52 não praticavam atividade física diária.
Com base nessas variáveis, foi realizado um estudo da razão de chance (OR), relacionando os componentes mencionados. Alguns aspectos se mostraram particularmente relevantes. Entre eles, destacou-se a importância do uso de probióticos na profilaxia da infecção vaginal por Candida, quando adicionados diariamente à dieta. As mulheres que não faziam uso diário de probióticos apresentaram uma chance 3,5 vezes maior de serem diagnosticadas com candidíase vaginal em comparação com aquelas que consumiam probióticos regularmente (OR: 3,48; p=0,0007), reforçando a evidência sobre a modulação da microbiota através de uma alimentação equilibrada.
Além disso, no que tange ao uso de roupas e sua relação com a frequência de diagnósticos de candidíase, verificou-se que as mulheres que usavam calça jeans diariamente apresentaram uma maior incidência de CV em comparação com aquelas que optavam pelo uso de vestido. A análise revelou uma diferença significativa de variância entre o uso de calça jeans e vestido, com um nível de significância inferior a 5%, corroborando a influência desse fator na incidência de infecção vaginal por Candida. Esses achados estão alinhados com dados do Ministério da Saúde (2015), que identificaram fatores predisponentes à infecção fúngica, como gravidez, diabetes mellitus descompensado, hábitos inadequados de higiene, roupas justas que aumentam a umidade e o calor na região genital, contato com substâncias alergênicas, uso de contraceptivos orais, corticosteróides, imunossupressores, quimioterapia e radioterapia.
REFERÊNCIAS
1. Sun Z, Ge X, Qiu B, Xiang Z, Jiang C, Wu J, Li Y. Vulvovaginal candidiasis and vaginal microflora interaction: Microflora changes and probiotic therapy. Front Cell Infect Microbiol. 2023 Feb 3;13:1123026. doi: 10.3389/fcimb.2023.1123026. PMID: 36816582; PMCID: PMC9936092.
2. Smith SB, Ravel J. The vaginal microbiota, host defence and reproductive physiology. J Physiol. 2017 Jan 15;595(2):451-463. doi: 10.1113/JP271694. Epub 2016 May 5. PMID: 27373840; PMCID: PMC5233653.
3. Willems HME, Ahmed SS, Liu J, Xu Z, Peters BM. Vulvovaginal Candidiasis: A Current Understanding and Burning Questions. J Fungi (Basel). 2020 Feb 25;6(1):27. doi: 10.3390/jof6010027. PMID: 32106438; PMCID: PMC7151053.
4. Dovnik A, Golle A, Novak D, Arko D, Takač I. Treatment of vulvovaginal candidiasis: a review of the literature. Acta Dermatovenerol Alp Pannonica Adriat. 2015;24(1):5-7. doi: 10.15570/actaapa.2015.2. PMID: 25770305.
5. Yano J, Sobel JD, Nyirjesy P, Sobel R, Williams VL, Yu Q, Noverr MC, Fidel PL Jr. Current patient perspectives of vulvovaginal candidiasis: incidence, symptoms, management and post-treatment outcomes. BMC Womens Health. 2019 Mar 29;19(1):48. doi: 10.1186/s12905-019-0748-8. PMID: 30925872; PMCID: PMC6441174.
1Centro Universitário Facid Wyden – IDOMED TERESINA
ORCID: https://orcid.org/0009-0003-6621-401X
2Centro Universitário Facid Wyden – IDOMED TERESINA
ORCID: https://orcid.org/0009-0001-4691-2967
3Centro Universitário Facid Wyden – IDOMED TERESINA
ORCID: https://orcid.org/0009-0005-2900-8465
4Centro Universitário Facid Wyden – IDOMED TERESINA
ORCID: https://orcid.org/009-0008-6217-3667
5Centro Universitário Facid Wyden – IDOMED TERESINA
ORCID https://orcid.org/0000-0002-1685-5658