REGISTRO DOI:10.5281/zenodo.12738367
Amanda de Araújo Dias1
Marcella Coelho Mesquita Fernandes2
RESUMO
O câncer de mama é um problema que impacta diretamente na saúde pública e é a principal causa de morte por câncer nas mulheres. O presente trabalho tem como objetivo relatar um caso raro de apresentação de câncer de mama em mulher jovem na ausência de variantes patogênicas germinativas. RELATO DE CASO: DAA, 18 anos, feminino, em 2018, palpou nódulo em mama direita, com crescimento progressivo. O histopatológico inicial acusou carcinoma ductal invasivo grau 2. Exame de imunohistoquimica revelou tratar-se de carcinoma triplo negativo com ki 67 maior que 90%. Após exames de estadiamento, evidenciou-se tumor cT2 cN1 cM0 – EC III. Paciente realizou quimioterapia neoadjuvante, cirurgia e após um tempo de seguimento, apresentou segunda neoplasia primária, sendo um sarcoma sinovial em primário pélvico com metástase pulmonar. Em painel genético contendo 37 genes incluindo p53 não foi evidenciado variantes patogênicas. A raridade do caso envolve questões relacionadas a idade (jovem), ausência de história familiar, segunda neoplasia primária e ausência de variantes patogênicas em painel genético.
PALAVRAS CHAVE: Câncer de Mama, Variantes patogênicas
INTRODUÇÃO
O câncer de mama é um problema que impacta diretamente na saúde pública e é a principal causa de morte por câncer nas mulheres¹. O risco de surgimento desta neoplasia aumenta com a idade, sendo mais raro em mulheres jovens. Do nascimento aos 49 anos de idade estima-se um risco geral de 2,1 por cento (1 em 49 mulheres), risco este que aumenta diante de síndromes de predisposição hereditária que acometem o parênquima mamário ².
O presente trabalho tem como objetivo relatar um caso raro de apresentação de câncer de mama em mulher jovem na ausência de variantes patogênicas germinativas bem como ausência de história familiar para neoplasia maligna, com posterior surgimento de segundo câncer primário.
RELATO DE CASO
DAA, 18 anos, feminino, em 2018, palpou nódulo em mama direita, com crescimento progressivo. Procurou atendimento médico e realizou ultrassonografia mamária bilateral que evidenciou imagem hipoecóica medindo 1.7 x 1.5 cm em quadrante superior lateral da mama direita. Foi encaminhada ao mastologista e realizou biópsia da lesão. O histopatológico de 10/08/2018 acusou carcinoma ductal invasivo grau 2. Paciente foi então encaminhada ao serviço de oncologia clínica. Negava etilismo e tabagismo, era pré menopausada e negava história de câncer na família. Exame de imunohistoquimica revelou tratar-se de carcinoma triplo negativo com ki 67 maior que 90%. Após exames de estadiamento, evidenciou-se tumor cT2 cN1 cM0 – EC III. Foi realizado painel genético contendo 37 genes incluindo BRCA 1, BRCA2, p53, MLH1, MLH2, MSH6, RAD51 e POLE, não sendo identificadas variantes patogênicas. Paciente iniciou tratamento quimioterápico neoadjuvante com Doxorrubicina/Ciclofosfamida em junho de 2018 (4 ciclos de doxorrubicina 60mg/m2 e ciclofosfamida 600mg/m2 a cada 21 dias) e em seguida, havia sido proposto 4 ciclos de paclitaxel 80 mg/m2 semanal e carboplatina AUC 6 por mais 4 ciclos. Porém, após o término do esquema com Doxorrubicina/Ciclofosfamida, devido paciente estar evidenciando suspeita de progressão clínica, optou-se pela realização de apenas 1 ciclo de Paclitaxel e Carboplatina que finalizou em 29/11/2018, e realização de cirurgia após. Em dezembro do mesmo ano, paciente realizou mastectomia radical com linfadenectomia ä direita. O anatomopatológico evidenciou neoplasia maligna epitelióide de alto grau medindo 4 cm, com margens livres e 0/14 linfonodos acometidos e IHQ revelou carcinoma metaplásico de células fusiformes grau 3 e GH3. Reiniciou ciclos de Paclitaxel e Carboplatina em 17/01/2019 e finalizou o quarto ciclo em 21/03/2019. Foi proposto 25 sessões de radioterapia adjuvante em plastrão (22/05/2019 a 28/06/2019) e capecitabina adjuvante 2500mcg/m2 (11/07/2019 a 05/12/2019). Ficou em seguimento clínico de dezembro de 2019 a dezembro de 2021, momento em que iniciou quadro de ascite com massa pélvica mal definida. Em março de 2021 realizou laparotomia exploradora com ooforectomia direita e biópsia de epíplon e implante peritoneal. O Anatomopatológico evidenciou neoplasia maligna de células redondas configurando massa anexial medindo 17 x 14 x 9 cm com índice mitótico de 54/10 CGA. A imunohistoquimica mostrou sarcoma sinovial metastático (CD56 positivo, CD99 positivo, EMA positivo difuso, ciclina D1 positivo heterogêneo, BCL2 positivo, C-KIT positivo focal, mamaglobina negativo, CAM5 positivo heterogêneo). Nesta ocasião a impressão médica foi de sarcoma sinovial em primário pélvico com metástase pulmonar. Por questões de dificuldade social, paciente só retornou para consulta ambulatorial em março de 2022, momento em que se encontrava pouco sintomática, já tendo realizado parte da dose limite de antraciclina na neoadjuvância para carcinoma mamário, portanto, optou-se por iniciar quimioterapia em primeira linha paliativa com ifosfamida monodroga 9g divididos de D1 a D5 + Mesna.
Aproximadamente 1 mês após, em abril de 2022, paciente foi admitida em pronto atendimento oncológico com quadro de insuficiência respiratória aguda, fez uso de antibioticoterapia e sintomáticos, apesentou falha terapêutica e evoluiu a óbito no dia 26/04/2022.
DISCUSSÃO
Aproximadamente metade dos cânceres de mama pode ser explicada por fatores de risco bem conhecidos, como fatores reprodutivos e doenças proliferativas da mama. Outros 10% estão associados à história familiar e à genética. Além disso, o risco pode ser modificado por fatores demográficos, de estilo de vida e ambientais ².
Este risco aumenta com a idade avançada. Usando dados do banco de dados Surveillance, Epidemiology, and End Results (SEER), a probabilidade de uma mulher desenvolver câncer de mama nos Estados Unidos entre 2013 e 2015 foi: do nascimento aos 49 anos – 2,1% (1 em cada 49 mulheres), entre 50 a 59 – 2,4% (1 em 42 mulheres), entre 60 a 69 – 3,5% (1 em 28 mulheres), com 70 anos ou mais – 7,0% (1 em cada 14 mulheres), e em geral, do nascimento à morte – 12,9% (1 em cada 8 mulheres) ³. No caso em questão, a paciente desenvolveu câncer de mama com 18 anos de idade, já fazendo parte de um grupo mais raro.
Além disso, o risco associado a um histórico familiar positivo de câncer de mama é fortemente afetado pelo número de parentes de primeiro grau do sexo feminino com e sem câncer e pela idade em que foram diagnosticadas 4. Por isso, o caso apresentado torna-se ainda mais peculiar, devido a paciente não apresentar parentes acometidos por neoplasia maligna.
O histórico familiar ainda é um fator de risco importante, mesmo com parentes com idade mais avançada no diagnóstico. Em um estudo de coorte prospectivo de mais de 400.000 mulheres, o histórico familiar de câncer de mama em um parente de primeiro grau foi associado a um risco maior de câncer de mama, independentemente de o parente ter sido diagnosticado antes ou depois dos 50 anos de idade 5.
A maioria das mulheres com câncer de mama ou de ovário tem um câncer esporádico em vez de hereditário. Embora a maioria das mulheres com câncer de mama e/ou de ovário hereditário carregue uma variante patogênica (ou seja, mutação deletéria ou prejudicial) no gene de suscetibilidade ao câncer de mama 1 ( BRCA1 ) ou no gene de suscetibilidade ao câncer de mama 2 ( BRCA2 ), alguns cânceres de mama hereditários são devidos a outras síndromes hereditárias raras, como as síndromes de Li-Fraumeni e Cowden, que estão associadas a variantes patogênicas nos genes da proteína tumoral p53 e do supressor tumoral homólogo da fosfatase e da tensina ( PTEN ), respectivamente. Variantes patogênicas em outros genes também conferem um risco aumentado de câncer de mama e/ou de ovário 6.
Outra questão que chama atenção na paciente do caso é a ausência de variantes patogênicas em um painel de 37 genes, especialmente no gene p53, pois fenótipo desta se assemelha à síndrome de Li Fraumeni a qual é uma doença autossômica dominante hereditária que se manifesta por uma ampla gama de malignidades que aparecem em uma idade anormalmente precoce 6.
Esta síndrome também é conhecida como síndrome do câncer de sarcoma, mama, leucemia e glândula adrenal (SBLA) e como síndrome do câncer relacionado ao gene da proteína tumoral p53 hereditária (TP53) 7.
CONCLUSÃO
O caso apresentado evidencia um quadro clÍnico raro, no qual uma paciente jovem, com menos de 20 anos de idade, sem história familiar e sem variantes patogênicas germinativas, desenvolveu câncer de mama e posteriormente sarcoma sinovial.
REFERÊNCIAS
1. Incidências de Câncer no Brasil – https://www.inca.gov.br/publicacoes/livros/estimativa-2023-incidencia-de-cancer-no-brasil acessado em 10 de julho de 2024
2. Sung H, Ferlay J, Siegel RL, et al. Estatísticas Globais do Câncer 2020: Estimativas GLOBOCAN de incidência e mortalidade em todo o mundo para 36 cânceres em 185 países. CA Cancer J Clin 2021; 71:209.
3. Siegel RL, Miller KD, Fuchs HE, Jemal A. Estatísticas do câncer, 2021. CA Cancer J Clin 2021; 71:7.
4. Grupo Colaborativo sobre Fatores Hormonais no Câncer de Mama. Câncer de mama familiar: reanálise colaborativa de dados individuais de 52 estudos epidemiológicos, incluindo 58.209 mulheres com câncer de mama e 101.986 mulheres sem a doença. Lancet 2001; 358:1389.
5. Braithwaite D, Miglioretti DL, Zhu W, et al. Histórico familiar e risco de câncer de mama entre mulheres mais velhas na coorte do Breast Cancer Surveillance Consortium. JAMA Intern Med 2018; 178:494.
6. Malkin D. Síndrome de Li-fraumeni. Genes Cancer 2011; 2:475.
7. Frebourg T, Bajalica Lagercrantz S, Oliveira C, et al. Diretrizes para as síndromes de câncer relacionadas a Li-Fraumeni e TP53 hereditário.
8. Eur J Hum Genet 2020; 28:1379.
1Residente de Oncologia Clínica – HUJBB / UFPA
2Oncologista Clínica – HUJBB / UFPA