CANAIS RADICULARES EM FORMA DE C: UMA REVISÃO DA LITERATURA

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.11532646


Bianca Miriam Nascimento1;
Gabriela Vanderlei Santos1;
Maria Eduarda Lima Nunes1;
Orientador: Prof. Daniel Sousa Pardini


RESUMO

Introdução: O canal em C, devido à sua complexa configuração, muitas vezes difícil de acessar, desbridar e obturar sem que haja domínio da anatomia pode ocasionar o fracasso do tratamento endodôntico. A compreensão da variação anatômica e a visualização adequada permitirão ao endodontista gerenciar esses casos de forma eficaz. Objetivo: Este estudo tem como objetivo evidenciar a importância do conhecimento anatômico para um adequado diagnóstico, planejamento e tratamento bem sucedido. Metodologia: Foi realizada uma pesquisa abrangente nas seguintes bases de dados: Pubmed, SciElo e Google Scholar. Os estudos analisados na revisão incluíram estudos anatômicos e relatos de casos clínicos publicados em periódicos revisados por pares que avaliaram a morfologia da raiz e/ou do canal radicular. Resultados: A morfologia radicular é um determinante crítico do sucesso do tratamento endodôntico. Diversas pesquisas foram conduzidas com o intuito de aprofundar a compreensão desse aspecto da endodontia. Como exaustivamente debatido na literatura, o objetivo principal do tratamento endodôntico é remover as comunidades microbianas presentes no sistema de canais radiculares, sendo possível fazer isso por meio da instrumentação mecânica e da irrigação química. O primeiro visa romper fisicamente os biofilmes microbianos, bem como fornecer um formato que permita que as soluções irrigadoras se infiltrem no canal radicular. Conclusão: conclui-se que os canais em forma de ‘C’ podem ser considerados de anatomia complexa e o tratamento endodôntico e seus passos operatórios devem seguir um grande rigor. 

Palavras chave: Canal em c, tratamento endodôntico, variações anatômicas

ABSTRACT

Introduction: The C-shaped canal, due to its complex configuration, which is often difficult to access, debride and fill without mastering the anatomy, can lead to the failure of endodontic treatment. Understanding the anatomical variation and proper visualization will allow the endodontist to manage these cases effectively. Objective: This study aims to highlight the importance of anatomical knowledge for adequate and successful treatment, which depends on in-depth knowledge of the anatomical variations of the root canal, for adequate diagnosis and treatment planning. Methodology: A comprehensive search was carried out in the following databases: Pubmed, SciElo and Google Scholar. Studies analyzed in the review included anatomical studies and clinical case reports published in peer-reviewed journals that evaluated root and/or root canal morphology. Results: Root morphology is a critical determinant of the success of endodontic treatment. Several studies have been conducted with the aim of deepening the understanding of this aspect of endodontics. As exhaustively debated in the literature, the main objective of endodontic treatment is to remove the microbial communities present in the root canal system, and this can be done through mechanical instrumentation and chemical irrigation. The first aims to physically disrupt microbial biofilms as well as provide a format that allows irrigating solutions to infiltrate the root canal. Conclusion: it is concluded that ‘C’-shaped canals can be considered complex anatomy and endodontic treatment and its operative steps must follow great rigor.

Keywords: C-shaped canal, endodontic treatment, anatomical variations.

INTRODUÇÃO 

A polpa de um dente é estruturalmente complexa e compreende um arranjo sofisticado de tecidos duros, canais radiculares intrincados e uma rede de nervos e vasos sanguíneos (Jazayeri et al., 2020).  A visibilidade precisa da anatomia interna é fundamental para o sucesso do tratamento endodôntico o que exige um conhecimento abrangente da anatomia dentária (Kolarkodi, 2023). 

Para examinar a polpa dentária, os endodontistas utilizam vários artifícios, incluindo técnicas de diagnóstico tradicionais e métodos de imagem modernos, como a tomografia computadorizada de feixe cônico (TCFC) (Rios et al., 2017), a qual oferece uma abordagem econômica e não invasiva para capturar detalhes da anatomia dentária (Marotti et al., 2013). 

A presença de uma parede fina e um istmo estreito em canais em forma de C representa um risco de perfuração (Yang SE et al.,2021). Portanto, os cirurgiões dentistas têm dificuldade em compreender a anatomia complexa do canal em forma de C. Por esta razão é necessário tomar precauções para evitar erros de instrumentação visando o sucesso do tratamento do canal e completa compreensão da anatomia interna do sistema de canais radiculares (Seo et al., 2012). 

A limpeza, modelagem e obturação de canais em formato de C são desafiadoras, e exigem tratamentos endodônticos modificados em comparação com a anatomia normal isso se deve ao seu complexo sistema de canais radiculares e pequenas alas inacessíveis entre os canais. Conforme descrito, assim como a letra C, o orifício deste canal em forma de fita assemelha a um arco de 180° que se inicia na face mésio-lingual da câmara pulpar, curva-se na face vestibular e termina em direção à porção distal do dente (Mehrjouei et al.,2024). 

DESENVOLVIMENTO

Foi realizada uma pesquisa abrangente nas seguintes bases de dados: Pubmed, SciElo e Google Scholar. Os estudos analisados na revisão incluíram estudos anatômicos e relatos de casos clínicos publicados em periódicos revisados por pares que avaliaram a morfologia da raiz e/ou do canal radicular. Os critérios de exclusão utilizados nas pesquisas foram os artigos que não eram de língua portuguesa e inglesa e aqueles que não condiziam com o tema. 

Os canais radiculares em forma de C são caracterizados por um único orifício em forma de arco de 180°, podendo assumir diferentes variações anatômicas (LOPES et al., 2016), sendo classificados como : C1, quando há um canal radicular continuo, sem separação; C2, quando há um orifício em forma de ponto e vírgula no qual a dentina separa o canal principal em forma de C de um canal mesial distal; C3, quando há uma discreta separação de dois ou mais canais; C4, apresentando apenas um canal radicular com secção trasnversal redonda ou oval e C5, com ausência de qualquer canal, sendo visível apenas próximo do ápice. 

Identificar as variações na estrutura do canal é essencial, já que foi determinado que a presença de uma única raiz com canal afilado e forame apical é uma ocorrência rara. (Jafarzadeh, 2007).  Kato (2014) descobriu que as raízes em forma de C pareciam simétricas nos primeiros molares superiores, e Ravichandra (2010) relatou resultados semelhantes para os segundos molares inferiores.  (Fava et al, 2000) retratou um caso em que todos os quatro segundos molares superiores e inferiores tinham uma única raiz, bem como um único canal radicular. Como raramente ocorrem discrepâncias anatômicas bilaterais, eles recomendaram que o mesmo dente do lado oposto também fosse inspecionado. 

Em geral, um canal radicular em forma de C é definido como um canal radicular que em seção transversal tem o formato da letra C. No entanto, tais canais radiculares nem sempre têm formato de C contínuo do orifício ao forame apical. Além disso, Fan (2004) relataram que o formato do canal radicular nos terços médio e apical dos sistemas de canais radiculares em forma de C não pode ser previsto com base no formato do canal radicular no nível do orifício. Apesar dessas dificuldades, vários estudos têm como objetivo classificar raízes e canais radiculares em forma de C. 

A morfologia radicular é um determinante crítico do sucesso do tratamento endodôntico. Diversas pesquisas foram conduzidas com o intuito de aprofundar a compreensão desse aspecto da endodontia. A Tomografia computadorizada de feixe cônico ganhou popularidade na odontologia como auxílio diagnóstico, pois fornece uma representação mais detalhada e precisa da raiz dentária e do sistema pulpar. A TCFC facilita medições mais precisas em comparação com as radiografias bidimensionais tradicionais, os autores acreditam que é uma ferramenta diagnóstica valiosa em endodontia. Além de ser útil para detectar morfologias radiculares complexas, como múltiplas raízes, fusão radicular e canais acessórios, que muitas vezes passam despercebidos nas radiografias tradicionais (Kim, 2015). 

Como exaustivamente debatido na literatura, o objetivo principal do tratamento endodôntico é remover as comunidades microbianas presentes no sistema de canais radiculares, sendo possível fazer isso por meio da instrumentação mecânica e da irrigação química. O primeiro visa romper fisicamente os biofilmes microbianos, bem como fornecer um formato que permita que as soluções irrigadoras se infiltrem no canal radicular (Abusrewil S et al., 2020). Durante o tratamento endodôntico as soluções irrigadoras podem atuar como lubrificantes para as paredes dentinárias e ajudar a remover resíduos soltos, bem como dissolver material orgânico no canal, e eventualmente ter um papel antimicrobiano (Campello AF et al., 2022).

  Os procedimentos de limpeza e desinfecção dependem das propriedades mecânicas e químicas dos irrigantes. Os impactos mecânicos compreendem o fluxo e refluxo da solução irrigadora, que resulta em uma redução significativa da quantidade de bactérias presentes no sistema de canais radiculares (Mehrjouei et al.,2024). Ainda assim, as complexidades anatômicas envolvem a presença de restos do tecido pulpar infectado, o que pode levar ao desenvolvimento persistente de infecções dentro do canal radicular causadas por microrganismos alojados nessas regiões (Sluis et al., 2007). A presença de aletas em uma configuração de canal em forma de C dificulta a realização eficiente do desbridamento (Y Zhao et al., 2019). 

O preparo mecânico do canal radicular gera altas forças levando a defeitos dentinários (Hulsmann, 2013) e instrumentos rotatórios de níquel-titânio parecem ser a principal razão para a maior ocorrência de defeitos dentinários quando comparados ao preparo manual (Jovanović-Medojević M et al., 2023). Por outro lado, uma revisão sistemática investigou a espessura remanescente da dentina (RDT) após pulpectomia em molares decíduos e comparou a instrumentação manual e rotatória. Os autores concluíram que na instrumentação rotatória resta mais RDT do que sistemas manuais de preparo de canais radiculares de acordo com a maioria dos estudos (Nisar P et al, 2023). 

Para obturar conexões em forma de fita em um sistema de canal em forma de C, a técnica de guta-percha termoplastificada de forma abrangente provou ter resultados mais favoráveis (Soo W et al.,2015). Nas imagens de radiografia periapical, uma característica importante que indica perfuração do canal radicular é identificada como uma área radiopaca associada à ligação entre as paredes do canal radicular e o espaço periodontal. A largura dentinária lingual da anatomia em forma de C é mais estreita que o lado vestibular, o que se deve à formação impedida de dentina nesta região. Este fenômeno é explicado pelo alargamento dos odontoblastos na face lingual do canal. Assim, existe sempre o risco de perfuração da faixa na parede lingual do canal em forma de C (Mehrjouei et al.,2024).

CONCLUSÃO 

Após a revisão da literatura realizada, conclui-se que os canais em forma de ‘C’ podem ser considerados de anatomia complexa e o tratamento endodôntico e seus passos operatórios devem seguir um grande rigor, logo, é preciso haver um bom planejamento de todas as etapas do tratamento, desde uma criteriosa analise radiográfica, tomográfica e modificações de protocolos de tratamento são necessárias ao conduzir tais sistemas de canais anômalos, a fim de promover uma boa limpeza do sistema de canais radiculares e consequentemente uma obturação endodôntica hermética.

O canal em forma de C apresenta anatomia mais complexa e requer maior cautela. Para um diagnóstico correto é necessário um conhecimento apurado da anatomia, exames complementares de radiografia e tomografia, visando o sucesso na terapia endodôntica e evitando possíveis acidentes durante a execução do caso. 

Em virtude dos fatos mencionados, é fundamental um bom planejamento de todas as etapas do tratamento, desde uma análise criteriosa da radiografia e mudança de realização do preparo, a fim de promover uma boa desinfecção do sistema de canais radiculares e consequentemente uma obturação endodôntica bem feita, garantido a qualidade do tratamento endodôntico.

REFERÊNCIAS

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 1Graduandas em Odontologia pela Universidade Professor Edson Antônio Velano.