CANABIDIOL NA ATENÇÃO ONCOLÓGICA: UMA REVISÃO INTEGRATIVA DA LITERATURA

CANNABIDIOL IN CANCER CARE: A COMPREHENSIVE INTEGRATIVE LITERATURE REVIEW

CANNABIDIOL EN LA ATENCIÓN ONCOLÓGICA: UNA REVISIÓN INTEGRATIVA DE LA LITERATURA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ar10202510071419


Douglas Guazzi¹
Juliano Norihiro Fudo²
Lucas Penço Luizari³
Marcela Mistilides Regatieri⁴


RESUMO

O câncer é uma das principais causas de mortalidade mundial, e seus tratamentos convencionais, como quimioterapia e radioterapia, frequentemente estão associados a efeitos adversos que comprometem a qualidade de vida dos pacientes. Nesse contexto, cresce o interesse pelo uso do canabidiol (CBD), um fitocanabinoide não psicoativo da Cannabis sativa, que apresenta potenciais propriedades analgésicas, ansiolíticas, antieméticas e antitumorais. Este estudo teve como objetivo analisar as evidências científicas disponíveis sobre o uso do CBD nos cuidados oncológicos, por meio de uma revisão integrativa da literatura. A pesquisa foi realizada nas bases de dados PubMed, Scielo, LILACS, Web of Science e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), entre 2001 e 2024, utilizando os descritores “Cannabidiol”, “Cannabinoids”, “Cancer”, “Oncology” e “Palliative Care”, combinados com operadores booleanos. Foram incluídos artigos originais, revisões sistemáticas e ensaios clínicos publicados em português, inglês e espanhol, que abordassem o uso de CBD em oncologia. Dos 1.027 registros inicialmente identificados, 42 atenderam aos critérios de inclusão e foram analisados. Os achados indicam que o CBD apresenta resultados promissores no manejo de sintomas relacionados ao câncer, como dor, náusea e ansiedade, além de efeitos antitumorais observados em modelos pré-clínicos. No entanto, os ensaios clínicos em humanos ainda são escassos e heterogêneos, o que limita a extrapolação para a prática clínica. Conclui-se que o CBD possui potencial terapêutico relevante nos cuidados oncológicos, mas são necessários estudos clínicos randomizados e controlados para confirmar sua eficácia e segurança.

Palavras-chave: Canabidiol; Cannabis; Oncologia; Cuidados Paliativos; Terapia Complementar

ABSTRACT

Cancer is one of the leading causes of mortality worldwide, and conventional treatments such as chemotherapy and radiotherapy are often associated with adverse effects that compromise patients’ quality of life. In this context, interest has grown in the use of cannabidiol (CBD), a non-psychoactive phytocannabinoid from Cannabis sativa, which has potential analgesic, anxiolytic, antiemetic, and antitumor properties. This study aimed to analyze the available scientific evidence on the use of CBD in oncology care through an integrative literature review. The search was conducted in PubMed, Scielo, LILACS, Web of Science, and the Virtual Health Library (VHL) databases, between 2001 and 2024, using the descriptors “Cannabidiol”, “Cannabinoids”, “Cancer”, “Oncology”, and “Palliative Care”, combined with Boolean operators. Original articles, systematic reviews, and clinical trials published in Portuguese, English, and Spanish addressing the use of CBD in oncology were included. From the 1,027 records initially identified, 42 met the inclusion criteria and were analyzed. Findings indicate that CBD shows promising results in the management of cancer-related symptoms such as pain, nausea, and anxiety, as well as antitumor effects observed in preclinical models. However, clinical trials in humans remain scarce and heterogeneous, limiting extrapolation to clinical practice. It is concluded that CBD has relevant therapeutic potential in oncology care, but randomized controlled clinical trials are needed to confirm its efficacy and safety.

Keywords: Cannabidiol; Cannabis; Oncology; Palliative Care; Complementary Therapy.

Resumen

El cáncer es una de las principales causas de mortalidad en el mundo, y los tratamientos convencionales, como la quimioterapia y la radioterapia, a menudo están asociados a efectos adversos que comprometen la calidad de vida de los pacientes. En este contexto, ha crecido el interés en el uso del cannabidiol (CBD), un fitocanabinoide no psicoactivo de Cannabis sativa, que presenta potenciales propiedades analgésicas, ansiolíticas, antieméticas y antitumorales. Este estudio tuvo como objetivo analizar la evidencia científica disponible sobre el uso del CBD en la atención oncológica, mediante una revisión integrativa de la literatura. La búsqueda se realizó en las bases de datos PubMed, Scielo, LILACS, Web of Science y Biblioteca Virtual en Salud (BVS), entre 2001 y 2024, utilizando los descriptores “Cannabidiol”, “Cannabinoids”, “Cancer”, “Oncology” y “Palliative Care”, combinados con operadores booleanos. Se incluyeron artículos originales, revisiones sistemáticas y ensayos clínicos publicados en portugués, inglés y español que abordaran el uso del CBD en oncología. De los 1.027 registros inicialmente identificados, 42 cumplieron los criterios de inclusión y fueron analizados. Los hallazgos indican que el CBD muestra resultados prometedores en el manejo de síntomas relacionados con el cáncer, como dolor, náuseas y ansiedad, además de efectos antitumorales observados en modelos preclínicos. Sin embargo, los ensayos clínicos en humanos aún son escasos y heterogéneos, lo que limita su extrapolación a la práctica clínica. Se concluye que el CBD posee un potencial terapéutico relevante en la atención oncológica, pero se requieren ensayos clínicos aleatorizados y controlados para confirmar su eficacia y seguridad.

Palabras clave: Cannabidiol; Cannabis; Oncología; Cuidados Paliativos; Terapia Complementaria.

1 INTRODUÇÃO

O câncer representa uma das principais causas de mortalidade mundial, caracterizando-se pela proliferação celular desordenada que pode gerar metástases e comprometer funções orgânicas vitais (YAMAGUCHI, 2002). Fatores como tabagismo, alcoolismo, alimentação inadequada, sedentarismo e exposição a agentes carcinógenos influenciam seu desenvolvimento (PIRES et al., 2020).

Apesar da eficácia dos tratamentos convencionais, como cirurgia, quimioterapia e radioterapia, seus efeitos adversos impactam negativamente a qualidade de vida dos pacientes, motivando a busca por terapias complementares menos tóxicas. Nesse contexto, destaca-se o canabidiol (CBD), fitocanabinoide não psicoativo derivado da Cannabis sativa, com propriedades analgésicas, anti-inflamatórias, ansiolíticas e antieméticas (MUCKE et al., 2018).

O CBD e outros canabinoides modulam o sistema endocanabinoide, regulando funções fisiológicas como dor, apetite, sono e imunidade (COUTO, 2020; MAKKI et al., 2022). Apesar do uso medicinal ancestral (BONINI et al., 2018), a aplicação clínica moderna do CBD enfrenta barreiras legais e culturais no Brasil. A Resolução nº 2113/2014 do Conselho Federal de Medicina restringe sua prescrição a especialistas, enquanto o estigma social e a escassez de evidências científicas robustas dificultam a aceitação entre profissionais e pacientes (BRASIL, 2015; FIGUEIROA et al., 2017; BASTOS et al., 2017; DAVIS, 2016; AGNESE et al., 2019).

A regulamentação avançou com a RDC nº 327/2019, que normatiza a produção e comercialização de produtos com até 0,2% de THC para fins medicinais, condicionando a prescrição à receita específica e ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (BRASIL, 2019; BRASIL, 2020). Diante desse cenário, é imprescindível analisar criticamente as evidências científicas sobre o uso do CBD nos cuidados oncológicos, considerando sua aplicabilidade clínica.

REFERENCIAL TEÓRICO

Situação Atual da Prescrição de Canabinoides no Brasil

A RDC nº 327/2019 regulamenta a prescrição, fabricação, importação e comercialização de produtos derivados da Cannabis sativa para uso medicinal, exigindo a concentração máxima de 0,2% de THC e proibindo o uso recreativo e manipulação magistral (BRASIL, 2019). A prescrição está limitada a médicos registrados, com exigência de receita tipo “C” para produtos com THC até 0,2%, e assinatura do TCLE para esclarecimento dos riscos e limitações terapêuticas.

A RDC nº 335/2020 permite a importação por pessoa física, mediante prescrição e autorização da ANVISA, responsabilizando o paciente pelo uso e efeitos adversos (BRASIL, 2020). A legislação vigente ainda não autoriza o uso da planta in natura, restringindo-se a formulações específicas, em um contexto regulatório em desenvolvimento.

Sistema Endocanabinoide

Os canabinoides têm sido estudados em cuidados paliativos para manejo de dor crônica, náuseas, transtornos de humor, anorexia e caquexia, com destaque para o THC, psicoativo, e o CBD, que oferece benefícios terapêuticos sem efeitos dissociativos (GOVERNMENT OF CANADA, 2019).

O sistema endocanabinoide, formado pelos receptores CB1 e CB2, endocanabinoides (como anandamida e 2-AG) e enzimas, é amplamente distribuído no sistema nervoso e tecidos periféricos, modulando processos como dor, inflamação, apetite e humor (COHEN; WEIZMAN; WEINSTEIN, 2019).

O CBD interage multimodalmente com receptores canabinoides e outros alvos moleculares, incluindo canais iônicos e mediadores inflamatórios, explicando seus efeitos ansiolíticos, anticonvulsivantes, anti-inflamatórios e neuroprotetores, embora os mecanismos moleculares precisem de maior elucidação (PERNONCINI; OLIVEIRA, 2014).

 O Canabidiol e Sua Aplicação no Câncer

O câncer, doença multifatorial, permanece um desafio de saúde pública pela alta mortalidade, especialmente em diagnósticos tardios (YAMAGUCHI, 2002). Embora terapias convencionais como a quimioterapia sejam eficazes, seus efeitos colaterais — náuseas, dor, fadiga e sofrimento psicológico — comprometem a adesão e a qualidade de vida dos pacientes (FRANCISCO et al., 2013).

O CBD, derivado da Cannabis sativa, tem sido investigado como adjuvante terapêutico, com propriedades analgésicas, antieméticas, ansiolíticas e anti-inflamatórias, atuando em receptores canabinoides e não canabinoides, como serotoninérgicos e vaniloides, justificando sua ampla aplicação clínica (MURKAR et al., 2019; BRUCKI et al., 2015).

D’Ornelas (2012) ressalta que “a cannabis não cura o câncer, mas alivia o sofrimento causado pela quimioterapia, diminuindo crises de náusea e vômitos, fator essencial para a continuidade do tratamento” (D’ORNELAS, 2012, p. XX).

A Anvisa, pela RDC nº 17/2015, autoriza o uso do CBD, enquadrando-o na lista C1 da Portaria SVS/MS nº 344/98 (BRASIL, 2015). Estudos indicam que o uso contínuo de cannabis medicinal reduz o consumo de opioides e melhora o controle da dor, como evidenciado por Boehnke et al. (2019), Capano et al. (2019) e Gregorio et al. (2019), que reportaram benefícios na analgesia e redução da dependência medicamentosa.

Principais Constituintes da Cannabis sativa

A Cannabis sativa é uma planta de composição química complexa, contendo mais de 750 compostos identificados, entre eles terpenos, flavonoides, esteroides e, principalmente, canabinoides, considerados seus principais constituintes bioativos (RADWAN et al., 2015). Os canabinoides são moléculas exclusivas da planta, com estrutura comum de 21 átomos de carbono, apresentando-se tanto em formas neutras quanto em precursores ácidos (MOREIRA; SOUSA, 2021).

Dentre os compostos mais estudados, destacam-se o canabidiol (CBD), de perfil terapêutico relevante, e o tetrahidrocanabinol (THC), responsável pelos efeitos psicoativos. O THC é derivado do ácido tetrahidrocanabinólico (THCA), que se converte em sua forma ativa por descarboxilação, geralmente induzida por calor (LIMA et al., 2021). A presença de terpenoides também contribui para o efeito terapêutico da planta, sendo compostos voláteis com potencial sinérgico.

O Canabidiol (CBD) e seus Aspectos Farmacológicos

O canabidiol (CBD) configura-se como o principal canabinoide não psicoativo presente na Cannabis sativa, correspondendo a aproximadamente 40% dos compostos identificados na planta. Este composto apresenta um amplo espectro de propriedades terapêuticas, destacando-se por seus efeitos analgésicos, imunomoduladores, ansiolíticos e neuroprotetores. Sua eficácia tem sido evidenciada no tratamento de náuseas, distúrbios do sono, isquemias, diabetes, transtornos do movimento e em manifestações clínicas associadas a doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer (MATOS et al., 2017).

Quimicamente, o CBD é um composto terpenofenólico, predominantemente concentrado nas flores da planta, cuja relevância clínica advém da ausência de efeitos intoxicantes, ao contrário do tetrahidrocanabinol (THC), associado a sintomas ansiosos e psicoativos em doses elevadas (SALUSTIANO; BORTOLI, 2022). O crescente interesse da indústria farmacêutica tem impulsionado o desenvolvimento e a síntese de canabinoides sintéticos, visando formulações mais seguras e padronizadas (RIBEIRO et al., 2021).

Os canabinoides podem ser classificados em fitocanabinoides, endocanabinoides e sintéticos. Os endógenos, como anandamida e 2-araquidonoilglicerol (2-AG), regulam funções fisiológicas essenciais, incluindo sono, apetite e memória (LESSA et al., 2016). Os fitocanabinoides, ao interagirem principalmente com os receptores CB1, promovem efeitos terapêuticos como analgesia, sedação e hipotermia, cuja intensidade pode ser modulada conforme a dosagem e a via de administração (SILVA et al., 2022). Por sua vez, os canabinoides sintéticos, apesar do potencial terapêutico, podem ocasionar efeitos adversos severos decorrentes da ativação exacerbada dos receptores CB1, sendo associados a quadros de dependência e alterações neurocomportamentais (GIUDICE, 2017).

No âmbito fisiológico, o sistema endocanabinoide exerce papel central na regulação da dor, com a atuação dos canabinoides em vias centrais e periféricas, especialmente em contextos de processos inflamatórios e estados de hiperalgesia (CRISPIM et al., 2022).

Farmacologia e o Sistema Endocanabinoide

A Cannabis sativa, pertencente à família Cannabaceae, é uma espécie de dimorfismo sexual, sendo que as plantas fêmeas concentram os principais compostos bioativos nos tricomas glandulares, estruturas especializadas na produção de canabinoides (PERNONCINI; OLIVEIRA, 2014). O uso medicinal da planta remonta à medicina tradicional chinesa, por volta de 4.000 a.C., quando era aplicada no tratamento de convulsões, dores e alterações gastrointestinais (SEELY et al., 2011). Atualmente, mais de 140 canabinoides foram identificados na planta, destacando-se o delta-9-tetrahidrocanabinol (Δ⁹-THC) e o canabidiol (CBD) como os compostos de maior relevância clínica (SÁ; ALVIM; PINA, 2023).

O Δ⁹-THC, responsável pelos efeitos psicotrópicos da Cannabis, possui limitações terapêuticas devido à possibilidade de induzir efeitos adversos como paranoia, disforia e comprometimento cognitivo (DE OLIVEIRA, 2023). Em contraste, o CBD não apresenta atividade psicoativa, tampouco potencial de dependência, sendo empregado isoladamente ou em associação ao THC para ampliar os benefícios terapêuticos e atenuar os efeitos colaterais (BONFÁ; VINAGRE; FIGUEIREDO, 2018).

O sistema endocanabinoide — constituído pelos receptores CB1 e CB2, por endocanabinoides endógenos e pelas enzimas responsáveis pela sua síntese e degradação — está envolvido na modulação de diversos processos fisiológicos e patológicos, incluindo inflamação, resposta imune, neuroplasticidade, regulação do apetite, controle vascular e percepção da dor (VIEIRA; MARQUES; SOUSA, 2020). Os receptores CB1 são expressos predominantemente no sistema nervoso central, regulando a liberação de neurotransmissores como dopamina, serotonina e glutamato; já os receptores CB2 encontram-se majoritariamente em células do sistema imune, ainda que também estejam presentes em áreas específicas do sistema nervoso central (FRANCO; VIEGAS, 2017).

O CBD não exerce ação agonista direta sobre o CB1, o que explica a ausência de efeitos psicotrópicos em sua farmacodinâmica. Em relação ao CB2, atua como agonista inverso, desencadeando respostas anti-inflamatórias e analgésicas (PERNONCINI; OLIVEIRA, 2014). Diferentemente dos neurotransmissores clássicos, os endocanabinoides não são armazenados em vesículas sinápticas, sendo sintetizados e liberados de forma pontual, conforme as necessidades fisiológicas do organismo (PERNONCINI; OLIVEIRA, 2014).

A estimulação seletiva dos receptores CB2 tem sido alvo de investigação como alternativa promissora no manejo da dor crônica, particularmente no contexto da dor oncológica, com potencial de reduzir a dependência de opioides e minimizar os riscos associados ao seu uso prolongado (ALVES; SPANIOL; LINDEN, 2012; MONTECUCCO; DI MARZO, 2012).

Ações Farmacológicas da Cannabis sativa

A Cannabis sativa, principalmente por meio do canabidiol (CBD), possui amplo espectro farmacológico, atuando principalmente no sistema nervoso central (SNC), com efeitos analgésicos, anticonvulsivantes, controle da espasticidade na esclerose múltipla, tratamento do glaucoma e broncodilatação (CARVALHO; TREVISAN, 2021).

No campo oncológico, o CBD demonstra efeitos antiproliferativos e pró-apoptóticos, inibindo a migração e adesão celular em linhagens tumorais, como câncer de mama, sem causar toxicidade às células normais (COIMBRA et al., 2022). Sua ação anticonvulsivante, validada em modelos experimentais, é eficaz inclusive em epilepsias refratárias, como síndromes de Dravet e Lennox-Gastaut (JÚNIOR; FARIAS, 2021).

Molecularmente, o CBD modula sistemas neurotransmissores (endocanabinoide, GABAérgico, serotoninérgico e glutamatérgico) sem ativar o sistema dopaminérgico, o que explica a ausência de efeitos psicoestimulantes (SANTOS et al., 2019). Atua sobre receptores CB₁ e CB₂ de forma indireta, proporcionando efeitos terapêuticos sem os efeitos psicoativos do THC. Destacam-se ainda suas propriedades neuroprotetoras, ansiolíticas, antipsicóticas, anti-inflamatórias e antitumorais (MILLÁN-GUERRERO; ISAIS-MILLÁN, 2019).

Canabinóides na Oncologia

O canabidiol (CBD), um fitocanabinoide extraído da Cannabis sativa, tem ganhado destaque na oncologia em virtude de seu potencial terapêutico, especialmente por não apresentar os efeitos psicoativos característicos do tetrahidrocanabinol (THC), favorecendo sua aplicação clínica em contextos que exigem preservação da consciência e da cognição do paciente (O’BRIEN, 2022). Tanto o CBD quanto o THC têm sido amplamente estudados por sua interação com proteínas específicas do organismo humano, o que fundamenta seus efeitos farmacológicos e biológicos diversos (SELTZER et al., 2020).

Evidências clínicas apontam para a eficácia do CBD como agente analgésico em pacientes oncológicos submetidos à quimioterapia, permitindo a redução da dor e a consequente diminuição do uso de opioides e analgésicos convencionais (OLIVAS-AGUIRRE et al., 2022). Em formulações combinadas, como sprays orais de CBD e THC, observou-se eficácia significativa no tratamento da dor refratária, inclusive sem indução de tolerância à resposta analgésica ao longo do tempo (HEIDER et al., 2022).

Novas abordagens terapêuticas incluem a associação do CBD à terapia fotodinâmica, proporcionando redução da toxicidade em tecidos saudáveis e contribuindo para a melhoria da qualidade de vida de pacientes com câncer de mama (MOKOENA et al., 2019). Além disso, o CBD tem demonstrado efeitos antitumorais promissores ao modular processos-chave da progressão neoplásica, como migração, adesão e invasão celular, além de apresentar propriedades antiproliferativas e pró-apoptóticas em diversos tipos tumorais, incluindo mama, pulmão, cólon, próstata, pele e cérebro (KIS et al., 2019).

Em modelos experimentais, o CBD tem se mostrado seletivamente citotóxico para células tumorais, preservando as células normais. Ademais, sua combinação com quimioterápicos convencionais — como cisplatina, bortezomibe e paclitaxel — tem revelado efeitos sinérgicos in vitro, potencializando a ação antineoplásica (GREEN et al., 2022). Quando utilizado como adjuvante à quimioterapia, imunoterapia ou terapias epigenéticas, o CBD tem promovido benefícios relevantes, como a reversão da resistência a medicamentos, estímulo à cicatrização pós-operatória e mitigação dos efeitos adversos do tratamento oncológico, contribuindo substancialmente para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes (GRIFFITHS et al., 2021).

METODOLOGIA

Trata-se de uma revisão integrativa da literatura, elaborada com base nas recomendações do método PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses), adaptadas para este tipo de estudo.

Estratégia de busca: A busca foi realizada entre janeiro e março de 2024, nas seguintes bases de dados: PubMed, SciELO, LILACS, Web of Science e Biblioteca Virtual em Saúde (BVS). Para ampliar a abrangência, também foram consultadas publicações indexadas no Google Scholar.

Descritores e operadores: Foram utilizados os descritores controlados e não controlados, em português, inglês e espanhol: “Cannabidiol” OR “Canabidiol” OR “Cannabinoids” OR “Canabinoides”; “Cancer” OR “Câncer” OR “Oncology” OR “Oncologia”; “Palliative Care” OR “Cuidados Paliativos”. As combinações foram realizadas por meio de operadores booleanos (AND/OR).

Critérios de inclusão: Artigos publicados entre janeiro de 2001 e dezembro de 2024; estudos originais, revisões sistemáticas, ensaios clínicos ou estudos pré-clínicos relevantes; publicados em português, inglês ou espanhol; que abordassem direta ou indiretamente o uso do CBD no contexto oncológico.

Critérios de exclusão: Relatos de caso isolados, editoriais, cartas ao editor e opiniões; estudos duplicados; publicações que tratavam apenas de uso recreativo da Cannabis ou de doenças não oncológicas.

Seleção dos estudos: A triagem inicial foi feita a partir da leitura dos títulos e resumos. Os artigos potencialmente elegíveis foram avaliados integralmente. Dos 1.027 registros identificados, após a remoção de duplicatas e exclusões, 42 estudos compuseram a amostra final da revisão.

Análise e síntese: Os estudos incluídos foram organizados em categorias temáticas: (1) Controle da dor e sintomas associados; (2) Efeitos adversos da quimioterapia e qualidade de vida; (3) Evidências pré-clínicas de ação antitumoral; (4) Barreiras regulatórias e sociais. Os dados foram sintetizados de forma narrativa e descritiva, respeitando o nível de evidência de cada estudo.

A busca resultou em 1.027 registros identificados nas bases PubMed, SciELO, LILACS, Web of Science e BVS. Após remoção de 180 duplicatas (18% dos registros iniciais), 847 títulos e resumos foram triados. Foram excluídos 690 registros por não atenderem aos critérios de elegibilidade (tema fora do escopo, população/desfecho não relacionados ao uso de CBD em oncologia, idioma não elegível ou tipo de publicação inapropriado), resultando em 157 artigos selecionados para leitura na íntegra. Após avaliação completa, 115 estudos foram excluídos por motivos explícitos (p.ex., relato de caso isolado, ausência de dados sobre CBD, falta de texto completo), totalizando 42 estudos incluídos na síntese final. Esta distribuição segue as recomendações PRISMA e é consistente com a prática observada em revisões semelhantes sobre canabinoides na oncologia.

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

A revisão integrativa identificou inicialmente 1.027 publicações, das quais 42 estudos atenderam aos critérios de inclusão e foram analisados. Entre eles, 15 estudos pré-clínicos, 12 observacionais, 8 ensaios clínicos e 7 revisões sistemáticas.

Controle da dor e sintomas associados: Ensaios clínicos relataram redução significativa da dor e menor uso de opioides em pacientes tratados com formulações orais ou sprays contendo CBD. Alguns estudos relataram melhora adicional na qualidade do sono e apetite, ainda que com limitações metodológicas.

Efeitos adversos da quimioterapia e qualidade de vida: A combinação CBD+THC demonstrou efeito antiemético superior ao placebo em pacientes submetidos à quimioterapia. Revisões sistemáticas reforçam o potencial, mas apontam heterogeneidade e escassez de ensaios robustos.

Evidências pré-clínicas de ação antitumoral: Estudos em culturas celulares e modelos animais sugerem efeitos antiproliferativos e pró-apoptóticos do CBD em diferentes tipos tumorais, além de sinergia com quimioterápicos. Tais achados permanecem restritos ao campo experimental.

Barreiras regulatórias e sociais: Estudos qualitativos identificaram entraves relacionados à regulamentação restritiva, estigma social e falta de capacitação profissional, dificultando a incorporação clínica do CBD.

CONCLUSÃO

A Cannabis sativa, utilizada há milênios por diversas culturas devido às suas propriedades anti-inflamatórias e terapêuticas, ainda demanda respaldo científico rigoroso para sua incorporação plena na prática clínica contemporânea, considerando variáveis como ciclo de vida, gênero e aspectos socioculturais. Com base na análise dos estudos selecionados nesta revisão integrativa, observa-se que os canabinoides, quando aplicados em formulações adequadas e mediante protocolos terapêuticos específicos, apresentam potencial eficácia no tratamento de alguns tipos de câncer — com maior destaque para evidências em neoplasias de mama e pulmão. Contudo, tais resultados devem ser interpretados com cautela, dada a limitação metodológica, a heterogeneidade das amostras e a dificuldade de extrapolação para o contexto clínico humano.

A revisão evidenciou que os fitocanabinoides possuem propriedades terapêuticas relevantes, incluindo a capacidade de modular processos celulares associados à proliferação tumoral e, em modelos pré-clínicos, potencializar os efeitos de terapias convencionais e mitigar os efeitos adversos da quimioterapia. Essas propriedades contribuem, de forma indireta, para a melhora da qualidade de vida de pacientes oncológicos, embora a robustez das evidências clínicas ainda seja limitada.

Entre os fitocanabinoides, destaca-se o canabidiol (CBD), associado em ensaios clínicos a benefícios no manejo de sintomas como dor crônica, distúrbios do sono e ansiedade, além de sugerir sinergia com alguns tratamentos antineoplásicos. Em casos isolados, foram descritos efeitos de regressão tumoral, mas a consistência desses achados carece de validação em estudos de maior rigor metodológico.

Quanto às perspectivas futuras, recomenda-se a realização de ensaios clínicos randomizados e controlados em humanos, com foco na avaliação da eficácia do CBD em neoplasias específicas, como o câncer de pele, além da padronização de doses, formas de administração e protocolos terapêuticos. Considerando o avanço gradual da regulamentação brasileira para o uso medicinal da Cannabis, prevê-se aumento da demanda entre pacientes oncológicos, mas ainda não existem evidências científicas conclusivas que comprovem, de forma definitiva, a segurança e eficácia da Cannabis medicinal no manejo da dor oncológica.

Os achados sugerem que, quando utilizada para o controle da dor, a Cannabis medicinal pode apresentar menor frequência e intensidade de efeitos adversos em comparação às terapias tradicionais à base de opioides. As formas mais comuns de administração incluem óleos concentrados, cujos efeitos colaterais relatados foram xerostomia, sonolência e euforia leve.

Diante desse cenário, conclui-se que o uso da Cannabis medicinal, sob supervisão da equipe multiprofissional — com destaque para o papel dos profissionais de enfermagem no acompanhamento contínuo — está associado a índices de adesão terapêutica relevantes, redução da dor e percepção de melhora na qualidade de vida dos pacientes. Assim, torna-se imprescindível a atualização constante dos profissionais de saúde em relação às evidências científicas recentes, de modo a garantir suporte qualificado, ético e humanizado aos pacientes que optam por essa terapia complementar no contexto oncológico.

REFERÊNCIAS

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¹Médico formado pela Universidade do Oeste Paulista; pós-graduado em Urgência e Emergência pelo Hospital de Base de Rio Preto; Tupi Paulista, São Paulo, Brasil. E-mail: dguazzi@uol.com.br;
²Graduado em Medicina pela Unifadra FUNDEC; Dracena, São Paulo, Brasil. E-mail: dr.julianofudo@gmail.com;
³Graduando em Medicina pela Unifadra FUNDEC; Dracena, São Paulo, Brasil. E-mail: lucasluizari14@gmail.com;
⁴Graduando em Medicina pela Unifadra FUNDEC; Dracena, São Paulo, Brasil. E-mail: dra.marcela.mregati@gmail.com.