CABIMENTO DO HABEAS CORPUS COLETIVO: ANÁLISE DO HC 143641/SP, JULGADO PELA SEGUNDA TURMA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.10161446


Dimaikon Dellon Silva Do Nascimento


RESUMO

Este artigo se propõe a analisar o novo paradigma enfrentado pelo STF, quanto ao cabimento e requisitos da nova modalidade de tutela coletiva no âmbito penal: o habeas corpus coletivo. Até então, em que pese os notáveis avanços na tutela coletiva no âmbito civil, o nosso ordenamento jurídico ainda não provava de forma concreta sobre o direito processual coletivo no âmbito penal. Nesse interim, a doutrina já vinha reconhecendo a possibilidade de tutela coletiva através do habeas corpus coletivo, mas apenas com o julgamento do habeas corpus coletivo 143641/SP, julgado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em fevereiro de 2018, que foi materializado essa possibilidade, tratando-se, desta forma, de decisão paradigmática em termos de tutela coletiva processual penal.

INTRODUÇÃO

A tutela coletiva no âmbito penal através do habeas corpus sempre foi debate no âmbito acadêmico e doutrinário. Se por um lado tempos os invegáveis avanços na tutela coletiva no âmbito civil, por outro lado, o nosso ordenamento jurídico ainda não trata de forma concreta sobre o direito processual coletivo no âmbito penal.

Nesse interim, a doutrina já vinha reconhecendo a possibilidade de tutela coletiva através do habeas corpus coletivo, mas apenas com o julgamento do habeas corpus coletivo 143641/SP, julgado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em fevereiro de 2018, que foi materializado essa possibilidade, tratando-se, desta forma, de decisão paradigmática em termos de tutela coletiva processual penal.

Desta forma, sem buscar o exaurimento do tema, partindo da análise histórica e dos instrumentos de tutela coletiva processual no âmbito cível, além dos princípios que norteiam essa modalidade específica de tutela, o presente estudo visa abordar a tutela coletiva processual penal, através do habeas corpus coletivo, seu cabimento, requisitos e outras balizas desse importante instrumento constitucional.

A partir daí, este trabalho se debruça especificamente à análise do habeas corpus coletivo 143641/SP, considerando que foi a primeira manifestação jurisdicional de reconhecimento da tutela coletiva no âmbito do processo penal.

Neste julgado, o Supremo Tribunal Federal foi instado a se manifestar sobre os direitos humanos, em favor de mulheres que estavam submetidas à prisão cautelar e ostentavam a condição de gestantes ou maternidade de crianças sob sua responsabilidade.

Não se desconhece que há, a partir desse julgado, diversas outras manifestações de reconhecimento do manejo do habeas corpus coletivo como instrumento de tutela coletiva penal, entretanto, neste trabalho, foi dado ênfase ao primeiro julgado sobre o tema, tanto por questões históricas, quando por questão didático pedagógico.

2. DESENVOLVIMENTO

A partir deste momento do trabalho, a ênfase deixará de ser ampla, para especificamente a tutela coletiva no âmbito do processo penal. O instrumento em estudo, o habeas corpus sempre foi apontado pela doutrina como meio adequado para tutela coletiva de liberdade de uma coletividade, mas o poder legislativo e o poder judiciário não se acometeram de cuidar da temática, tendo apenas recentemente o Supremo Tribunal Federal se debruçado sobre a questão.

Desta forma, é importante analisar a evolução histórica do habeas corpus, seus requisitos e cabimento tanto na tutela individual, quanto especialmente – por ser objeto deste estudo – a proteção coletiva.

2.1. ASPECTOS HISTÓRICOS DOS HABEAS CORPUS

Não há exatamente um consenso doutrinário acerca da origem do habeas corpus. Parte da doutrina aponta a origem do na Magna Carta que o Rei João Sem Terra outorgou em junho de 1215. Em seu art. 48, o diploma referido legal afirmava que: “Ninguém poderá ser detido, preso ou despojado de seus bens, costumes e liberdade, senão em virtude de julgamento por seus pares, de acordo com as leis do país”.

Há também quem entenda a origem do habeas corpus no direito romano, onde todo o cidadão podia reclamar a exibição do homem livre detido ilegalmente por meio de uma ação privilegiada, conhecida por interdictum de libero homine exhibendo, ou seja exiba o corpo.

Outra parte da doutrina firma que, de forma expressa, o habeas corpus entrou na legislação brasileira através do Código de Processo Criminal em 1832, que em seu art. 340, onde dispunha: “todo cidadão que entender que ele ou outrem sofre uma prisão ou constrangimento ilegal em sua liberdade tem direito de pedir uma ordem de habeas corpus em seu favor”, entretanto já constava implicitamente na Constituição Imperial de 1824, em seu art. 179, §8º, que preceituava: ninguém será preso, sem culpa formada, exceto nos casos declarados em lei; e nestes, dentro do prazo de 24 horas, contadas da entrada na prisão, sendo em cidades, vilas ou outras povoações próximas aos lugares da residência do juiz, e, nos lugares remotos, dentro de um prazo razoável, que a lei marcará, atenta à extensão do território, o juiz por uma nota por ele assinada, fará constar ao réu o motivo da prisão, os nomes de seu acusador e os das testemunhas, havendo-as (CAPEZ, 2016).

Em termos hodiernos, a Constituição Federal no art. 5º, inciso LXVIII, prevê a concessão do remédio, sendo tratado também nos artigos 647 e 648 do Código de Processo Penal, in verbis:

“Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar. A coação considerar-se-á ilegal: I – quando não houver justa causa; II – quando alguém estiver preso por mais tempo do que determina a lei; III – quando quem ordenar a coação não tiver competência para fazê-lo; IV – quando houver cessado o motivo que autorizou a coação; V – quando não for alguém admitido a prestar fiança, nos casos em que a lei a autoriza; VI – quando o processo for manifestamente nulo; e VII – quando extinta a punibilidade.”(Brasil, 1941)

O Habeas Corpus, é um instrumento que se destina à proteção da liberdade de locomoção. Processualmente é uma ação autônoma que detém um rito célere e permite de forma rápida o retorno da liberdade de alguém que esteja com restrição ou ameaça ilegal. Como regra, não requer formalidades e toda a matéria de prova nele suscitada, deve acompanhar sua petição. Nestes termos:

“se a prova da ilegalidade não se encontrar ao alcance do impetrante por ocasião do ajuizamento da ação, o juiz ou o tribunal poderão requisitar a documentação, se plausível e fundada a alegação. Tal como o mandado de segurança, outro writ (no sentido de ordem, mandado) constitucional, também destinado a proteger direitos individuais, o habeas corpus deve, então, apresentar prova pré-constituída, para imediato conhecimento da matéria alegada e apreciação da ilegalidade ou coação ao direito de liberdade de locomoção.” (PACELLI, 2017)


2.2. REQUISITOS, CABIMENTO E SUJEITOS

Inicialmente, em relação as formalidades para utilização da ação de habeas corpus é importante frisar que a doutrina é uníssona em entender que não se exige maiores formas, tanto por ausência de exigência legal, quanto pela importância do remédio constitucional.

O habeas corpus é uma ação de procedimento sumário por sua cognição limitada. Não se permite dilação ou ampla discussão probatória a respeito da ilegalidade, que deve estar evidente no writ por prova pré-constituída (LOPES JUNIOR, 2020).

Na petição inicial de habeas corpus deve constar os nomes do impetrante e do paciente (que podem ser a mesma pessoa), com seus dados pessoais para que sejam localizados; a indicação da autoridade coatora (seu nome ou o local de atuação, pelo menos); o histórico do constrangimento ou a ameaça de coação e a razão pela qual se reputa ilegal tal situação, bem como a assinatura de seu impetrante, ou de alguém a seu rogo. (NUCCI, 2017).

Com relação ao seu cabimento, as hipóteses estão exemplificadas elencadas nos arts. 647 e 648 do Código de Processo Penal, cabendo a jurisprudência pacificar as hipóteses casuistamente, sempre com foco na violência a coação ilegal da liberdade de ir e vir do indivíduo.

Por sua vez, os sujeitos presentes no habeas corpus são: o impetrante, o coator e o paciente.

O impetrante é qualquer pessoa em seu favor ou em favor de terceiro, ou seja, não há restrição no uso do remédio além da possibilidade do próprio Ministério Público ou de ofício ser concedida a ordem de liberdade.

Quanto a capacidade civil do impetrante, não se exige, também, a existência da capacidade, podendo a impetração dar-se por aquele que não goze de plenitude mental e até pelo menor, ainda que não assistidos. Desde que alguém assine a seu rogo, o próprio analfabeto pode ser impetrante. Ainda pode ser reconhecida às pessoas jurídicas impetrar habeas corpus em favor de pessoa física, inclusive com reconhecimento do Superior Tribunal de Justiça. (AVENA, 2014).

O coator, sem maiores dificuldades, é aquele que determina o constrangimento ilegal, podendo ser a própria autoridade que detém o poder ou ainda quem abusar do poder que lhe é delegado.

O paciente, por sua vez, é aquela pessoa física que sofre a ameaça ou coação em sua liberdade. Neste caso não há possibilidade da pessoa jurídica ser figurada como paciente, pois não detém liberdade fática.

Aqui surge o ponto de grande importância no estudo da tutela coletiva do direito penal, a saber, o reconhecimento da coletividade como paciente objeto de proteção do habeas corpus.

Na doutrina não há um consenso na admissão. Podendo citar dentre os que admitem tal possibilidade, encontra-se Jorge Bheron Rocha, que reconhece a possibilidade de identificação ou habilitação dos pacientes no curso do processo, do julgamento ou da execução da sentença. Pela possibilidade então temos que:

“Há, portanto, a possibilidade de se deferir a ordem em relação a todos os que buscarem assegurar o mesmo direito dos pacientes originários do HC, ou seja, ainda que não figurem inicialmente no writ, mas sejam titulares do direito de origem comum que se procura resguardar. Assim, observada a normatividade constitucional de defesa dos direitos coletivos e promoção coletiva de direitos, e o necessário diálogo com as demais ações constitucionais também expressamente previstas, como a ação civil pública, o mandado de segurança e as disposições do novo Código de Processo Civil, verificamos a perfeita possibilidade de identificação ou habilitação de pacientes por meio de pedido de extensão da medida cautelar (artigo 580, CPP) realizado apenas no curso do processo, do julgamento ou da execução da sentença (artigo 259, CPP), podendo a concessão se dar de forma geral, fixando condições de natureza objetiva, que caracterizem o direito e o seu titular, de forma a dar um tratamento isonômico para as diversas pessoas que se encontram na mesma posição jurídica, além da economicidade ao evitar a multiplicação de processos, o que culminaria numa maior lentidão e elevação de custos.” (ROCHA, 2017).

Por outro lado, há também uma forte doutrina, encampada por Guilherme de Souza Nucci que assim dispõe:

“É inadmissível a utilização do habeas corpus em favor de paciente indeterminado ou de um grupo indeterminado de pessoas. Nas palavras de Bento de Faria: “não tem cabimento quando se tratar de pessoas indeterminadas, v.g., os sócios de certa agremiação, os empregados de determinado estabelecimento, os moradores de alguma casa, os membros de indicada corporação, os componentes de uma classe etc., ainda quando referida uma das pessoas com o acréscimo de – e outros. Somente em relação a essa será conhecido apedido”.30 Aliás, é igualmente inadmissível a impetração contra autoridade coatora indeterminada, pois não haveria nem mesmo quem pudesse prestar as informações. Há, pois, diferença entre haver dúvida quanto à autoridade e desconhecimento da autoridade. Ilustrando, imagine-se que alguém foi preso pelo delegado do Distrito X ou do Distrito Y. Cabe a impetração contra ambas as autoridades, para se descobrir qual proferiu o ato coator indevido; as duas deverão prestar informações para o juiz.” (NUCCI, 2017).

Há que se diferencia, desta forma, o manejo do remédio constitucional do habeas corpus tendo como paciente uma coletividade indeterminada, para a proteção de uma coletividade determinada ou determinável. Este inclusive foi o entendimento do Min. Edson Fachin do Supremo Tribunal Federal quando de sua decisão no HC 143.988.

2.3. A TUTELA COLETIVA ATRAVÉS DO HABEAS CORPUS

O Habeas Corpus Coletivo é a denominação dada pela doutrina e jurisprudência a nova adequação de ampliação ao histórico instrumento constitucional que antes cuidava apenas de o direito individual de liberdade.

Como já dito anteriormente, a tutela coletiva no âmbito cível já possui sedimentada sua utilização e dispõe de um conjunto normativo razoável que compõe o microssistema processual coletivo. Neste ponto, na busca pela efetividade não havia muito espaço para afastar a utilização do habeas corpus coletivo, em que pese a ausência normativa. Neste sentido:

“o instrumento processual do habeas corpus deve ter amplitude correspondente às situações de ofensa ou de ameaça à liberdade de ir e vir sobre as quais pretende incidir. Se a ofensa à liberdade for meramente individual, a impetração de habeas corpus individual será suficiente. No entanto, para ofensas ao direito de locomoção que apresentarem perfil coletivo, o ajuizamento de habeas corpus coletivo é a providência que mais realiza o direito à efetiva tutela jurisdicional”. (LENZA, 2020).

Outro argumento que sempre foi utilizado pela doutrina para o reconhecimento coletivo do habeas corpus é a economia processual, que atualmente é tema de bastante relevância quanto aos recursos limitados da administração pública. A doutrina ressalta que:


“o que se percebe é que tal procedimento acarretaria em grande economia processual, evitando gastos excessivos de tempo e dinheiro da máquina pública, além da questão de superlotação penitenciária, que é fato no sistema brasileiro. Ainda nesse sentido, não existindo lei que impeça tal feito, não há que se impedir o remédio processual analisado, desde que preenchidos os requisitos necessários para sua admissão, tendo sempre o cuidado de utilizar-se do contrapeso de direito de liberdades individuais e tutela coletiva.” (GALLI, 2018).

Ainda é inegável que, se por um lado não há no ordenamento jurídico lei específica que autorize o manejo coletivo do remédio constitucional, é de se reconhecer também que não há nenhuma vedação nem incompatibilidade jurídica em benefício da sociedade. Assim:

“a possibilidade de impetrar o habeas corpus coletivo não é vedada, apenas deve ser observada com cuidado de forma que se incentive um melhor instrumento processual que direcione tal medida, levando em consideração sua importância jurídica e humanitária, pois trata aqui de direito fundamental – o direito à liberdade, já que sua aplicação tem sido direcionada a pessoas que vivem no cárcere, a exemplo do habeas corpus coletivo nº 143.641/SP.” (MELO, 2018).

A doutrina já vinha reconhecendo a possibilidade de tutela coletiva através do habeas corpus coletivo, mas apenas com o julgamento do habeas corpus coletivo 143641/SP, julgado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em fevereiro de 2018, que foi materializado essa possibilidade, tratando-se, desta forma, de decisão paradigmática em termos de tutela coletiva processual penal.

Atualmente, diversos julgados proferidos pela corte constitucional e pelo Superior Tribuna de Justiça reconhecem a plena possibilidade do manejo coletivo do habeas corpus, inclusive, a pandemia que se instalou no Brasil e no mundo com a propagação do corona vírus (COVID-19), trouxe uma crise de saúde pública sem precedentes, e como consequência, vários problemas de ordem econômica, social, política e jurídica.

Nesse contexto, o habeas corpus coletivo emerge como uma ferramenta eficaz para fazer frente aos riscos candentes que hoje pairam sobre a população carcerária, e também sobre os servidores que trabalham nas prisões. Reconhece-se que para proteger o bem maior – a vida humana – é indispensável assegurar a saúde pública. Cabe ao Estado criar adotar os instrumentos para que a saúde seja preservada.

Neste período diversas ações coletivas de habeas corpus foram manejadas por se vislumbrar uma justiça mais célere e eficaz a partir da coletivização do processo.

Não se desconhece a importância da jurisprudência atual sobre o manejo do habeas corpus coletivo na proteção da liberdade de um grupo determinado de pessoas, ou determinável, entretanto por fins didáticos, este trabalho se debruçará especificamente ao julgado do habeas corpus coletivo 143641/SP em virtude da inovação e paradigmas traçados.

3. ANÁLISE DO HC 143641/SP, JULGADO PELA SEGUNDA TURMA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

O caso a ser analisado foi uma grande conquista por aqueles que defendiam a tutela coletiva no âmbito penal, pois além de ser um marco no âmbito do Supremo Tribunal Federal, traçou algumas diretrizes na utilização do instituto, em especial por não haver normatividade adequada.

A coletividade considerada paciente na referida ação, foi as mães com guarda de deficientes, independente das idades, considerando que os direitos fundamentais do sistema prisional brasileiro já são bastante discutidos na jurisprudência como lesivo, inclusive considerado como um estado de coisas inconstitucionais.

Por maioria dos votos, a segunda turma do STF decidiu pela concessão do habeas corpus 143641, impetrado em favor das mulheres presas, em território nacional, as quais se encontrem na condição de gestantes, puérperas ou de mães com crianças com até 12 anos de idade ou de pessoa com deficiência, sem prejuízo da aplicação das medidas alternativas do art. 319, do Código de Processo Penal (CPP).

O Ministro Ricardo Lewandowski, proferiu seu voto no sentido de que o habeas corpus coletivo é cabível da forma como apresentado. Para ele, ficou demonstrado ser a única garantia do acesso à justiça desse grupo socialmente vulnerável, além do que, o habeas corpus individual ou coletivo deverá ser concedido quando for necessário resgatar o bem jurídico do indivíduo ofendido em seu direito de ir e vir, sendo pessoal ou para um grupo. Lembrou também que na sociedade contemporânea muitos abusos assumem o caráter coletivo.

Ainda em seu voto, foi mencionada a flexibilidade e a estrutura existentes no habeas corpus que, de forma célere e eficaz, combate às ameaças e lesões a direitos relacionados à liberdade de ir e vir das pessoas. Nos termos do art. 580, do CPP, essa ordem de concessão de habeas corpus pode ser estendida a todos que se encontram na mesma situação de pacientes beneficiados com o writ, citando o caso do HC 142513/ES impetrado em virtude da ilegalidade de cumprimento de prisão preventiva em contêiner. Tal decisão teve seus efeitos estendidos aos homens e mulheres que se encontravam nas mesmas condições. O ministro também reconheceu a coletividade de pacientes determinados, uma vez que se trata de um grupo de mulheres presas, submetidas a um sistema de descaso reconhecidamente, tendo o Estado como responsável por sua custódia, e dessa forma, um grupo de pessoas determinadas e determináveis, destacando a aplicação do CDC, em seu art. 81, parágrafo único, inciso III, que dispõe dos interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.

O Ministro Dias Toffoli expôs seus argumentos e citou o art. 5º, da Constituição Federal, em seus incisos LXVIII, LXIX e LXX, que afirma o cabimento de mandado de segurança quando não couber o habeas corpus. Dessa forma, havendo a possibilidade do mandado de segurança coletivo, o mesmo se estenderá ao habeas corpus. Reconheceu em parte o HC coletivo, esclarecendo que entende que não se pode dar trâmite a impetrações contra decisões de primeira e segunda instâncias, só devendo analisar os pleitos que já passaram pelo STJ. O STF poderá, contudo, conceder ordens de ofício, se assim for o seu entendimento nos demais casos.

Em seus argumentos, o Ministro Gilmar Mendes, disse que o habeas corpus é a garantia básica que deu origem a todo manancial do processo constitucional, e que, o julgamento em análise, por sua singularidade, necessita de coletivização. 59 O Ministro Celso de Mello, em seus argumentos, defendeu a aceitação às adequações de novas exigências e necessidades resultantes dos processos sociais econômicos e políticos, viabilizando a adaptação do corpo da Constituição a nova conformação surgida num determinado momento histórico.

O Ministro Edson Fachin, presidente da Turma, concordando com os demais ministros em seus argumentos apresentados quanto à elasticidade da compreensão que permite a impetração do habeas corpus coletivo, porém, em relação à abrangência do conhecimento, acompanhou o Ministro Dias Toffoli, em seu entendimento que as decisões de primeira e segunda instâncias, não são atingidas.

Em relação ao mérito do habeas corpus coletivo, o relator, Ministro Ricardo Lewandowski ressaltou as condições degradantes em que se encontram os presídios brasileiros, e que essa matéria já foi discutida pelo STF no julgamento da medida cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347.

Por todo exposto, pode se observar que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a coletividade como paciente no julgamento do referido habeas corpus, concedendo a ordem para determinar a substituição da prisão preventiva por prisão domiciliar cumulada ou não com medidas alternativas da prisão previstas no Código de Processo Penal.

Como visto nos votos acima expostos, foi reconhecido que o habeas corpus coletivo é o remédio constitucional efetivo destinado à proteção de uma coletividade vítima de ilegalidade em relação ao seu direito de liberdade.

Importante destacar que pelo princípio da máxima amplitude ou da atipicidade ou não taxatividade do processo coletivo, previsto no CDC, no ECA e no Estatuto do Idoso, são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar adequada e efetiva tutela aos direitos e interesses coletivos, nada impedindo, por esse princípio, a admissibilidade do habeas corpus coletivo. (GAJARDONI, 2020).

É necessário relembrar, que no processo coletivo é necessário a identificação de um determinado grupo, seja ele determinado ou determinável, que vise à proteção dos interesses e direitos difusos e coletivos, além dos individuais homogêneos.

No julgamento do HC 143641, foi expressamente reconhecido pacientes determinados e individuais homogêneos.

Os direitos individuais homogêneos são aqueles acidentalmente (ou formalmente) coletivos, que se caracteriza pela divisibilidade do objeto, de modo que tanto a lesão quanto a satisfação do direito podem atingir apenas um, ou alguns membros do grupo. Assim, recordado algumas das principais particularidades do processo coletivo, é preciso ressaltar que os pressupostos do habeas corpus, reconhecido remédio histórico caracterizado pela clara identificação das partes, principalmente do (a) paciente, do coator e da coação sofrida, ou que estejam na iminência de acontecer.

Importante esclarecer que, como não há lei disciplinando expressamente o habeas corpus coletivo, o Supremo Tribunal Federal, quanto aos legitimados para propositura, entendeu ser aplicável a Lei de Mandado de Injunção, no sentido de suprir a lacuna por alguns invocado como impedimento no manejo da referida ação coletiva.

O processo coletivo é caracterizado por ser lastreado de grande interesse social envolvido, e não seria diferente com o remédio constitucional objeto deste estudo.

A tutela de natureza transindividuais é perfeitamente aplicável ao âmbito de proteção do direito penal, apenas tendo como particularidade a necessidade de identificação expressa dos seus pacientes.

Não obstante, as teses que afastam a proteção do processo coletivo penal não se sustentam pela afirmação de que não há no ordenamento jurídico norma específica, pois como foi visto o Supremo Tribunal Federal reconheceu plenamente possível a adequação da modalidade individual na proteção da coletividade determinada.

A tutela coletiva no processo penal é uma realidade já reconhecida por toda doutrina e jurisprudência, o que não significa dizer que não seja necessário avanços com relação ao tema. Ainda há uma enorme carência normativa quanto ao tema, além de estudos específicos no intuito de adequar os instrumentos de tutelo coletiva civil ao âmbito da tutela penal.

CONCLUSÃO

O presente trabalho analisou o cabimento da tutela coletiva no processo penal, fazendo uma incursão na aplicação à luz do julgamento do habeas corpus coletivo 143641/SP.

Assim, observou-se os inegáveis avanços na tutela coletiva no âmbito civil, mas que o nosso ordenamento jurídico ainda não trata de forma concreta sobre o direito processual coletivo no âmbito penal.

Nesse interim, a doutrina já vinha reconhecendo a possibilidade de tutela coletiva através do habeas corpus coletivo, mas apenas com o julgamento do habeas corpus coletivo 143641/SP, julgado pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, em fevereiro de 2018, que foi materializado essa possibilidade, tratando-se, desta forma, de decisão paradigmática em termos de tutela coletiva processual penal.

Desta forma, sem buscar o exaurimento do tema, partindo da análise histórica e dos instrumentos de tutela coletiva processual no âmbito cível, além dos princípios que norteiam essa modalidade específica de tutela, o presente estudo buscou abordar a tutela coletiva processual penal, através do habeas corpus coletivo, seu cabimento, requisitos e outras balizas desse importante instrumento constitucional.

A partir daí, este trabalho se debruça especificamente à análise do habeas corpus coletivo 143641/SP, considerando que foi a primeira manifestação jurisdicional de reconhecimento da tutela coletiva no âmbito do processo penal.

Neste julgado, o Supremo Tribunal Federal foi instado a se manifestar sobre os direitos humanos, em favor de mulheres que estavam submetidas à prisão cautelar e ostentavam a condição de gestantes ou maternidade de crianças sob sua responsabilidade.

Verificou-se que o STF reconheceu a coletividade como paciente do remédio constitucional coletivo, concedendo a ordem para substituir a prisão preventiva pela domiciliar. A condição de carceragem feminina brasileira é uma triste realidade que configura um abuso a diversos direitos fundamentais das mulheres.

Conforme demonstrado nos votos analisados, o habeas corpus é o remédio constitucional para tais situações, uma vez que se trata de um instrumento que se destina à proteção da liberdade de locomoção. Porém, ainda que evidente o direito, é preciso trazer à tona as particularidades do processo coletivo, mais precisamente neste caso, no que se refere ao coletivo de pacientes, a fim de analisar o cabimento da tutela coletiva. Ainda que pelo princípio da máxima amplitude ou da atipicidade ou não taxatividade do processo coletivo, previsto no CDC, no ECA e no Estatuto do Idoso, são admissíveis todas as espécies de ações.

Diante disso, o presente trabalho mostrou que é evidente que o tema possui uma relevância ímpar, que torna necessária uma maior atenção por partes dos poderes instituídos, tanto com relação a legislação deficiente, quanto a continuidade dos debates sobre a tutela coletiva no direito processual penal, no intuito de buscar a modernização do direito processual no ordenamento jurídico brasileiro, para adequar as necessidades sociais.

REFERÊNCIAS

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ZAVASCKI, Teori Albino. Processo coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 7. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.


Dimaikon Dellon Silva Do Nascimento: Pós-graduado em Direito Constitucional, Direito Penal e Direito Processual Penal pela FACULDADE ÚNICA. Pós-Graduado em Segurança Pública e Cidadania pela ASCES. Servidor Público do Tribunal Regional do Trabalho.