BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES RECOMENDAÇÃO DE USO EM PROCEDIMENTOS CIRÚRGICOS: REVISÃO DE LITERATURA

NEUROMUSCULAR BLOCKERS RECOMMENDATION FOR USE IN SURGICAL PROCEDURES: LITERATURE REVIEW

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7781232


Walter Aguiar Feijó
Orientador: Décio Fragata da Silva*


RESUMO

Justificativa e objetivos: Analisar bloqueadores neuromusculares e recomendação de uso em procedimentos cirúrgicos. Conteúdo: Os agentes bloqueadores neuromusculares (BNMs) tem papel primordial durante anestesia em procedimentos cirúrgicos, tanto de emergência quanto em procedimentos eletivos. Tem como objetivo facilitar a intubação endotraqueal e proporcionar melhora das condições cirúrgicas. A escolha do BNM depende de fatores clínicos do paciente e da necessidade cirúrgica. Os BNMs são classificados de acordo com sua interação com os receptores nicotínicos de acetilcolina (nAChRs) na junção neuromuscular (JNM). Os BNMs impedem tal contração muscular, impedindo resposta motora do paciente. São classificados como despolarizantes ou não despolarizantes, sendo avaliados condições clínicas e comorbidades do paciente, tempo de cirurgia e interações medicamentosas para escolha da classe dos bloqueadores. Conclusão: Os BNM são fármacos importantes que proporcionam melhores condições cirúrgicas e menos efeitos adversos se aplicados corretamente. Torna-se necessária uma avaliação criteriosa pré-cirúrgica para a escolha do BNM, seja: pelas comorbidades do paciente, década de vida, medicamentos em uso e procedimento a ser realizado. Como também a disponibilidade do ambiente de trabalho do médico anestesiologista.

Palavras-chaves: Bloqueadores neuromusculares; Anestesia;  Intubação; Procedimentos cirúrgicos

ABSTRACT

Background and objectives: To analyze neuromuscular blockers recommended for use in surgical procedures. Content: Neuromuscular blocking agents (NMBs) play a key role during anesthesia in surgical procedures, both emergency and elective procedures. It aims to facilitate endotracheal intubation and improve surgical conditions. The choice of NMB depends on the patient’s clinical factors and the surgical need. NMBs are classified according to their interaction with nicotinic acetylcholine receptors (nAChRs) at the neuromuscular junction (NMJ). NMBs prevent such muscle contraction, preventing the patient’s motor response. They are classified as depolarizing or non-depolarizing, evaluating the patient’s clinical conditions and comorbidities, surgery time and drug interactions to choose the class of blockers. Conclusion: NMBs are important drugs that provide better surgical conditions and fewer adverse effects if applied correctly. A careful pre-surgical evaluation is necessary for the choice of NMB, either: due to the patient’s comorbidity, decade of life, medications in use and procedure to be performed. As well as the availability of the anesthesiologist’s work environment.

Keyword: Neuromuscular blockers; Anesthesia; Intubation; Surgical procedures

INTRODUÇÃO

Os agentes bloqueadores neuromusculares (BNMs) tem papel importante durante a anestesia em procedimentos cirúrgicos, tanto de emergência quanto em procedimentos eletivos. Estas drogas são amplamente utilizadas como adjuvantes em anestesia e terapia intensiva para proporcionar paralisia da musculatura esquelética por períodos que variam de alguns minutos a alguns dias. (FUCHS-BUDER, 2019)

Esses agentes tem como objetivo facilitar a intubação endotraqueal e proporcionar melhora das condições cirúrgicas. Possibilitam o controle da via aérea mais adequada durante intubação em sequência rápida, com melhora da visualização da glote. São medicações que precisam estar disponíveis profissionais médicos tanto para casos de emergência quanto para procedimentos eletivos. Os BNMs também são usados na anestesia pediátrica com a mesma, pois proporcionam uma otimização das condições de intubação endotraqueal,  na ventilação mecânica e nos procedimentos cirúrgicos e de diagnóstico.  (DAVIS, 2022)

Os BNMs podem diminuir a incidência de rouquidão e lesões nas cordas vocais durante a intubação e podem facilitar a ventilação mecânica em pacientes com baixa complacência pulmonar. Vários estudos demonstraram uma melhora nas condições cirúrgicas com uso de BNM, entretanto com uso de tais medicamentos alguns parâmetros precisam ser avaliados. (OLIVEIRA, 2021)

Os BNMs são divididos em 2 classes principais: despolarizantes e não despolarizantes. Ambas as classes apresentam fármacos com efeitos hemodinâmicos já bem descritos na literatura, e tais efeitos podem ser atribuídos à liberação de histamina e à acetilcolina. (BUTTERWORTH, 2022)

Existe uma preocupação com a queda da pressão arterial (PA) devido à anestesia durante o procedimento cirúrgico. Os BNMs interferem também na função do sistema respiratório, o tempo de início e o padrão de recuperação tornam-se questões cruciais de segurança dos pacientes. (OLIVEIRA, 2021) 

Desta maneira, este trabalho teve como objetivo discorrer sobre BNM ao avaliar alguns aspectos desses medicamentos: 1) entender seu mecanismo de ação; 2) quais indicações e contraindicações para seu uso; 3) quais são os seus efeitos adversos e como revertê-los ; 4) quais drogas podem reverter o bloqueio caso necessário; 

MÉTODO

A pesquisa foi realizada por meio do sistema de base de dados da Scielo e Cochrane em outubro de 2022. Foram usados os descritores: bloqueadores neuromusculares e obtiveram-se 57 resultados. Restringindo a pesquisa a artigos publicados nos últimos cinco anos, obtiveram-se 8 resultados, que eram redigidos em inglês ou espanhol. Após leitura dos resumos destes 8 artigos, foram selecionados 7 artigos que se adequaram ao tema em análise. Para além dos artigos selecionados a partir dessas pesquisas, foram também consultados livros na área de anestesiologia e farmacologia. A análise inclui assim artigos que avaliam o uso do BNM nos procedimentos cirúrgicos.

DESENVOLVIMENTO

MECANISMO DE AÇÃO

     Para entender o funcionamento dos BNM é preciso explicar o mecanismo de estímulo e relaxamento muscular que acontece na junção neuromuscular (JNM), antes de classificar os BNMs e sua interação com os receptores nicotínicos de acetilcolina (nAChRs). A JNM representa o neurônio motor pré-sináptico, fenda sináptica e a superfície pós-sináptica do miócito. A ACh é responsável pela transmissão do impulso do nervo para o músculo. Quando a despolarização do nervo motor atinge o terminal nervoso, os canais de cálcio voltagem-dependentes se abrem, assim que o sinal elétrico em um nervo motor atinge o terminal nervoso pré-sináptico, ocorre a despolarização e a acetilcolina (ACh) é liberada via exocitose mediada por canais de cálcio na fenda sináptica. (BUTTERWORTH, 2022)

Na fenda sináptica está a acetilcolinesterase, a enzima que degrada a ACh. 50% da ACh liberada é clivada pela acetilcolinesterase, e as moléculas restantes se ligam aos nAChRs pós-sinápticos na placa motora, o que faz com que os canais de sódio voltagem dependentes se abram. Quando canais suficientes são abertos, o miócito é despolarizado e ocorre a contração muscular. A acetilcolina remanescente na sinapse é rapidamente degradada pela acetilcolinesterase (AChE), e o músculo pode repolarizar. (HEMMINGS, 2019) A ACh se liga a ambos os locais de reconhecimento das subunidades do receptor nicotínico, induzindo uma alteração de conformação do receptor, o que resulta na formação de um canal central (poro). O canal central permite o influxo do íon sódio (Na) e o efluxo do potássio (K), resultando na despolarização da membrana celular. Os canais de Na da membrana muscular voltagem-dependentes propagam o potencial de ação através da membrana, levando à contração muscular (acoplamento excitação-contração). (BARASH, 2019) 

Já os BNM não despolarizantes antagonizam a ação da ACh de forma competitiva ao receptor muscarínico pós-sináptico. Estes não despolarizantes ligam-se aos receptores de ACh, mas são incapazes de induzir a mudança conformacional necessária para a abertura do canal iônico. Como a ACh é impedida de se ligar aos seus receptores, nenhuma potencial placa terminal se desenvolve. (HEMMINGS, 2019)

Para produzir completo bloqueio, pelo menos 92% dos receptores devem estar ocupados. Este é um bloqueio competitivo. Quando mais receptores estão no estado dessensibilizado, a margem de segurança da transmissão é reduzida. Muitos medicamentos usados durante a anestesia aumentam a proporção de receptores no estado dessensibilizado, como: anestésicos inalatórios, tiopental e anestésicos locais. (BUTTERWORTH, 2022)

BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES DESPOLARIZANTE

A succinilcolina (também conhecida como diacetilcolina) é o único BNM despolarizante disponível para uso clínico. Seu mecanismo de ação está relacionado com a ligação à subunidade alfa do receptor colinérgico nicotínico, assim mimetizando a ação agonista da ACh, o que leva a despolarização da membrana pós-juncional. Essa membrana quando despolarizada não sofre mais ação da ACh, provoca-se assim o bloqueio muscular. Ao administrar a succinilcolina (SCh) há um período de fasciculações musculares que representa a despolarização da membrana e ativação da fibra muscular. (VARON, 2019)

O bloqueio de despolarização ou bloqueio Fase I é quase sempre precedido por fasciculação muscular. Este é provavelmente o resultado da ação pré-juncional da SCh, estimulando os receptores de ACh no nervo motor, causando disparos repetitivos e liberação do neurotransmissor. Recuperação do bloqueio da fase I ocorre à medida que a succinilcolina se difunde longe da junção neuromuscular, descendo um gradiente de concentração como a concentração plasmática diminui, devido a metabolização pela colinesterase. A exposição prolongada do nervo neuromuscular junto com a succinilcolina pode resultar em um bloqueio de fase II. (HEMMINGS, 2019)

O bloqueio de fase II geralmente se desenvolve após grandes doses de succinilcolina (>4 mg/kg), após doses repetidas ou após uma infusão contínua. Esse tipo de bloqueio ocorre quando o potencial de ação de membrana pós-juncional eventualmente retorna à linha de base, apesar da ativação contínua de nAChRs na presença de succinilcolina.  Possíveis explicações para o desenvolvimento desse bloqueio incluem bloqueio pré-sináptico reduzindo a síntese e mobilização de ACh; dessensibilização do receptor pós-juncional; e ativação de a bomba ATPase sódio-potássio pela despolarização inicial do membrana pós-sináptica, que a repolariza. Inalação drogas anestésicas aceleram o início do bloqueio de Fase II. (MILLER, 2020)

Farmacologia da succinilcolina — A succinilcolina produz um bloqueio neuromuscular confiável, de início mais rápido e o mais curto tempo de duração de todos os BNMs.  Dentro de 30 segundos após sua administração intravenosa (IV), os pacientes experimentam fasciculações de despolarização. Sua dose é de 1-1,5 mg/kg, metabolizada pela butirilcolinesterase (chamada de pseudocolinesterase) com tempo de duração entre 10-15 min. (POURZITAKI, 2019)

EFEITOS ADVERSOS

Os efeitos cardiovasculares são amplos e podem variar devido a dose, a droga pode afetar atividade autonômica colinérgica tanto em receptores simpáticos quanto para simpáticos. A Shc causa baixas doses, tanto inotrópica negativa quanto cronotrópicas respostas podem ocorrer. Essas respostas podem ser atenuadas por administração prévia de atropina, indispensável em crianças, pois sua prevalência de tônus vagal causará uma bradicardia sinusal. Com grandes doses de succinilcolina, esses efeitos podem se tornar positivos, causando taquicardia. (MILLER, 2020)

Contrações musculares desorganizadas (fasciculações) são muito comuns após a administração de SCh (em 80-90% dos pacientes). Mialgias também são muito comuns 1 a 2 dias após a cirurgia (em 50-60% dos pacientes). As fasciculações foram consideradas como uma possível etiologia para a mialgia, mas revisões sistemáticas não estabeleceram uma relação clara. (BARASH, 2019)

A succinilcolina é um conhecido gatilho para hipertermia maligna (HM). Portanto, deve ser evitado em qualquer paciente considerado em risco de HM ou aqueles com história pessoal ou familiar de HM. Isso demonstra a preocupação com essa complicação extremamente grave, com desfecho quase sempre desfavorável. Essa informação carece de maiores esclarecimentos, tendo em vista que o papel dos BNM não despolarizantes não parece estar envolvido na gênese da hipertermia maligna. (DAVIS, 2022)

Com a despolarização dos canais de sódio (Na) voltagem dependentes, há influxo de Na e saída de potássio que pode levar a hipercalemia. A variação de potássio é de 0,5-1 mEq/l, pode não parecer muito, mas em pacientes com hipercalemia existe um risco desse aumento causar arritmias e parada cardiorrespiratória. (HEMMINGS, 2019)

Nesse contexto, as condições que causam suscetibilidade para indução de hipercalemia com uso de succinilcolina são: queimaduras, trauma massivo, infecção abdominal, lesão em coluna espinhal, derrames, doença de Parkinson, síndrome de Guillain-Barré, ruptura de aneurisma cerebral, polineuropatia, choque hemorrágico com acidose metabólica. (BUTTERWORTH, 2022) 

Alguns pacientes (adultos e crianças) podem apresentar espasmo do músculo masseter após a administração de SCh, dificultando a intubação. Em alguns casos, especialmente em pacientes pediátricos, o espasmo do masseter está associado com HM. A SCh pode produzir reações alérgicas (anafilaxia) em 1 a cada 10 mil administrações, sendo mais frequente do que qualquer outro fármaco anestésico. (VARON, 2019)

Aumento da pressão intracraniana pode levar a uma ativação do eletroencefalograma e ligeiros aumentos no fluxo sanguíneo cerebral e na pressão intracraniana em alguns pacientes. As fasciculações musculares estimulam os receptores de estiramento muscular, que subsequentemente aumentam a atividade cerebral. O aumento da pressão intracraniana pode ser atenuado mantendo um bom controle das vias aéreas e instituindo hiperventilação. Também pode ser prevenida por pré-tratamento com um relaxante muscular não despolarizante e administração de lidocaína intravenosa (1,5–2,0 mg/kg) 2 a 3 min antes da intubação. Efeitos da intubação sobre pressão intracraniana superam em muito qualquer aumento causado pela succinilcolina, e a succinilcolina não é contraindicada para indução de sequência rápida de pacientes com lesões de massa intracraniana ou outras causas de aumento pressão intracraniana. (MILLER, 2020)

BLOQUEADORES NEUROMUSCULARES NÃO DESPOLARIZANTES

Os BNMs não despolarizantes competem com a ACh para a ligação com uma ou ambas as subunidades alfa dos receptores nicotínicos e são classificados por sua estrutura química como benzilisoquinolinas (atracúrio, cisatracúrio) ou como compostos aminoesteróides (pancurônio, rocurônio ou vecurônio), bem como por sua duração de ação agentes de ação curta, intermediária ou longa. (BARASH, 2019)

COMPOSTOS DE BENZILISOQUINOLINAS

O atracúrio e seu isômero 4 vezes mais potente, o cisatracúrio, são dois BNMs benzilisoquinolínicos de ação intermediária. Apresentam tempo de meia vida entre 20-50 min O atracúrio/cisatracúrio são tão extensamente metabolizados que sua farmacocinética é independente da função renal e hepática do paciente, e menos de 10% é excretado inalterado pelas vias renal e biliar. Dois processos separados são responsáveis pelo metabolismo. Hidrólise de Éster: Esta ação é catalisada por esterases inespecíficas, não pela acetilcolinesterase ou pseudocolinesterase. Eliminação de Hofmann: Uma quebra química não enzimática espontânea ocorre em níveis fisiológicos pH e temperatura. (BUTTERWORTH, 2022)

O atracúrio está disponível como uma solução de 10 mg/mL, uma dose de 0,5 mg/kg é administrada por via intravenosa para intubação. Se a succinilcolina é administrada para intubação, relaxamento com atracúrio é alcançado com 0,25 mg/kg inicialmente, depois em doses incrementais de 0,1 mg/kg a cada 10 a 20 min. Uma infusão de 5 a 10 mcg/kg/min pode efetivamente substituir bolus intermitentes. (DAVIS, 2022)

COMPOSTOS AMINOESTERÓIDES

O rocurônio tem um início mais rápido do que outros NMBAs não despolarizantes. Assim, o rocurônio pode ser usado em doses mais altas como alternativa à succinilcolina para intubação em sequência rápida. O rocurônio não libera histamina, nem é vagotico, e causa efeitos hemodinâmicos mínimos. A incidência de reações alérgicas ao rocurônio e succinilcolina é maior do que outros BNMs. (HEMMINGS, 2019)

Requer 0,45 a 0,9 mg/kg por via intravenosa para intubação e 0,15 mg/kg em bolus para manutenção. Rocurônio intramuscular (1 mg/kg para lactentes; 2 mg/kg para crianças) fornece corda vocal adequada e paralisia diafragmática para intubação, mas não antes de 3 a 6 minutos. (COUTO, 2021) O rocurônio não sofre metabolismo e é eliminado principalmente pelo fígado e pouco pelos rins. Sua duração de ação não é significativamente afetada por doença renal, mas é moderadamente prolongada por insuficiência hepática grave e gravidez. Sua única contraindicação absoluta é representada por alergia ao fármaco. (TRAN, 2019)

Vecurônio é um BNM esteróide com efeitos hemodinâmicos mínimos. É um BNM de duração intermediária e desprovido de efeitos cardiovasculares como é mais potente do que o rocurônio, seu início de ação é mais lento. O vecurônio precipita nas extensões venosas se for administrado imediatamente após o tiopental, mas não precipita após a administração de propofol. Após o desenvolvimento do rocurônio não é mais recomendado para intubação de sequência rápida. (BARASH, 2019)

O pancurônio é um BNM esteroidal de ação prolongada que raramente é usado devido à alta incidência de fraqueza neuromuscular residual pós-operatória. O pancurônio pode causar taquicardia como resultado da estimulação simpatomimética direta e bloqueio dos receptores muscarínicos cardíacos. (MILLER, 2020)

SELEÇÃO DO USO

A seleção do BNM depende da aplicação clínica e dos fatores do paciente. Para intubação endotraqueal para procedimentos curtos (<30 minutos), é necessário um bloqueio neuromuscular de curta duração. As opções para intubação endotraqueal incluem succinilcolina, intubação sem BNM (por exemplo, intubação com alta dose de remifentanil, embora essa técnica esteja associada a mais trauma) ou rocurônio ou vecurônio se sugamadex estiver disponível para reversão rápida do bloqueio. (LUNDSTRØM, 2019) 

Os anestésicos locais potencializam os efeitos dos BNMs despolarizantes e não despolarizantes, mas são insuficientes para reduzir significativamente o tempo de latência; no entanto, a duração da ação da maioria dos BNMs é prolongada. (TRIZOTTI, 2020) Procedimentos mais longos (≥30 minutos), succinilcolina ou qualquer um dos NMBAs não despolarizantes de ação curta ou intermediária podem ser usados ​​para intubação endotraqueal (rocurônio, atracúrio e cisatracúrio). A escolha entre esses agentes depende da disponibilidade, custo e fatores do paciente que afetam o metabolismo. O pancurônio é uma alternativa raramente usada, de ação prolongada e deve ser evitada. O relaxamento intraoperatório pode ser mantido conforme necessário com doses adicionais de BNM não despolarizante. (COUTO, 2021)

O rocurônio surgiu como uma opção pelo perfil semelhante de início de ação e especialmente pela possibilidade de reversão rápida com sugamadex. O sugamadex na dose de 16 mg/kg é capaz de reverter completamente o bloqueio neuromuscular profundo induzido pelo rocurônio, em menor tempo do que o da recuperação espontânea de uma dose de 1 mg/kg de succinilcolina. (VARON, 2019)

O BLOQUEIO NEUROMUSCULAR RESIDUAL

Um objetivo primário para o manejo anestésico é garantir a recuperação completa da função neuromuscular ao final da anestesia. O bloqueio neuromuscular residual pode estar presente a despeito do uso de monitores subjetivos da função neuromuscular, testes clínicos e uso de agentes reversores. Somente a monitoração objetiva da função neuromuscular é capaz de diagnosticar o grau de bloqueio neuromuscular residual e considera-se atualmente, que a relação T4/T1, pela sequência de quatro estímulos, deve ser igual ou preferencialmente superior a 0,9 para se considerar ausência de bloqueio neuromuscular residual. (BARASH, 2019)

Consequências do bloqueio residual após a administração de BNMs é um importante fator de risco para morbidade e mortalidade relacionadas à anestesia. Mesmo graus menores de bloqueio residual estão associados à fraqueza dos músculos das vias aéreas superiores, obstrução das vias aéreas, aumento do risco de aspiração e fraqueza muscular desagradável, além do maior risco de sepse e encefalopatia em alguns procedimentos cirúrgicos como biópsias. (SOUZA, 2021)

A recuperação neuromuscular pós-operatória incompleta também pode causar permanência prolongada na sala de recuperação, hipoxemia e obstrução das vias aéreas, consciência durante o despertar da anestesia e aumento das complicações pulmonares pós-operatórias. (SANTOS, 2019)

A reversão do bloqueio neuromuscular após a administração de BNMs pode ocorrer por recuperação espontânea ou pela administração de agentes de reversão. Os agentes de reversão incluem anticolinesterases e sugamadex. Os agentes anticolinesterase funcionam aumentando a disponibilidade de acetilcolina na junção neuromuscular, para competir com os BNMs não despolarizantes pelos receptores nicotínicos de acetilcolina (nAChRs) e restaurar a transmissão neuromuscular. O bloqueio da colinesterase ocorre em todos os sítios colinérgicos, incluindo os receptores muscarínicos, de modo que essas drogas têm efeitos parassimpaticomiméticos. Portanto, drogas anticolinérgicas e antimuscarínicas (ou seja, atropina ou glicopirrolato) são administradas juntamente com anticolinesterases para prevenir bradicardia e efeitos colaterais gastrointestinais. (LI, 2022)

A neostigmina é o agente anticolinesterásico mais comumente usado para reversão do bloqueio neuromuscular. O glicopirrolato é administrado rotineiramente junto com a neostigmina (0,2 mg de glicopirrolato IV para cada 1 mg de neostigmina IV), pois eles têm um início de ação semelhante. A taxa de reversão do bloqueio neuromuscular com neostigmina é variável. Os fatores que afetam a velocidade da reversão incluem a profundidade do bloqueio existente, a dose de neostigmina e outros fatores que podem afetar o grau de bloqueio neuromuscular (por exemplo, anestesia inalatória, hipotermia, acidose, distúrbios eletrolíticos, hipercapnia, idade do paciente) (SANTOS, 2019)

Sugamadex é uma gama-ciclodextrina que encapsula e subsequentemente inativa NMBAs esteroidais. A afinidade é maior para rocurônio, seguido em ordem decrescente de afinidade por vecurônio, pancurônio e pipecurônio. Sugamadex não tem efeito sobre a succinilcolina ou os NMBAs de benzilisoquinolinas. (HRISTOVSKA, 2019)

Após a administração, a ligação ocorre no plasma, levando a uma rápida diminuição dos níveis plasmáticos de moléculas de BNM não ligadas. Isso resulta em um gradiente de concentração entre as moléculas de BNM livres na junção neuromuscular e no plasma, levando a uma transferência líquida de NMBA não ligado de volta ao plasma, onde é encapsulado pelo sugamadex não ligado. Essa rápida diminuição do BNM livre na JNM resulta em antagonismo rápido e eficaz e restauração da transmissão normal e da função neuromuscular. A reversão com sugamadex produz uma recuperação mais completa e mais rápida do que a reversão com neostigmina. (LI,2022)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os principais BNM usados no Brasil para os procedimentos cirúrgicos eletivos são rocurônio, atracúrio e cisatracúrio. Os resultados registrados em estudo anterior mostraram que os BNM mais empregados há 10 anos eram atracúrio, pancurônio e succinilcolina. 

A succinilcolina é o BNM mais empregado para emergências, mesmo assim são altos os índices de curarização residual pós-operatória e de bloqueio muscular prolongado, bem como o registro de sequelas consideradas graves ou mesmo o óbito como complicações do uso desses fármacos. O bloqueio residual se registra devido ao baixo uso de monitores da transmissão neuromuscular na prática diária e pela baixa sensibilidade de avaliação clínica da recuperação pós-cirúrgicas. Seu tempo de início de bloqueio da musculatura esquelética é ideal para sequência rápida de intubação.

Com o uso de fármacos reversores do bloqueio neuromuscular os profissionais anestesiologistas tem uma maior segurança para reverter bloqueios em pacientes caso emergências aconteçam durante procedimentos cirúrgicos. Tanto sugam adex quanto neostigmina não vão estar disponíveis em todo centro de saúde, mas cabe ao profissional ter esses medicamentos caso seja necessário seu uso. 

É necessária uma avaliação criteriosa pré-cirúrgica para a escolha do BNM, seja: pelas comorbidades do paciente, década de vida, medicamentos em uso e procedimento a ser realizado. Como também a disponibilidade do ambiente de trabalho do médico anestesiologista, caso o centro hospitalar apresenta agentes anticolinesterase, o rocurônio torna-se medicamento de escolha em cirurgias eletivas.  

Os BNM são fármacos importantes que proporcionam melhores condições cirúrgicas e menos efeitos adversos se aplicados corretamente. São necessários maiores estudos para elucidar efeitos adversos não compreendidos até o momento, a exemplo da HM que apesar de rara, seu desfecho é quase sempre desfavorável ao paciente. Portanto, a correta aplicabilidade desses medicamentos é primordial para o sucesso do procedimento cirúrgico e da recuperação do paciente. 

REFERÊNCIAS

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*Mestre em Ciências