REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/dt10202507311939
Ana Carolina Ribeiro Campos dos Santos¹; Bruna Aparecida Siqueira da Silva¹; Cleuber Mendes Cavalcanti Filho¹; Diego Oliveira Mendes Carneiro de Campos¹; Hayanne Larissa Ferreira Santana¹; Lorena Andrade Boa Sorte Fernandes¹; Maria Eduarda Caetano Dias¹; Rafaela Freitas da Silva Santos¹; Raylanne Stéfanne Oliveira Candido¹
RESUMO
Os tumores cerebrais compreendem um grupo heterogêneo de neoplasias que desafiam a prática médica devido à sua variabilidade clínica, histológica e radiológica. A diferenciação precisa entre diferentes tipos de tumores cerebrais é fundamental para o tratamento adequado e prognóstico do paciente. Nos últimos anos, avanços no campo da biologia molecular e da inteligência artificial (IA) têm promovido novas abordagens diagnósticas mais sensíveis e específicas. Este artigo tem como objetivo revisar o papel combinado de biomarcadores e IA no diagnóstico diferencial de tumores cerebrais. A metodologia baseou-se em uma revisão narrativa da literatura, com seleção de artigos nas bases PubMed, Scopus e Web of Science entre 2015 e 2025. Os resultados demonstram que a utilização integrada de marcadores moleculares como IDH1, MGMT e 1p/19q, com algoritmos de aprendizado de máquina, contribui significativamente para a acurácia diagnóstica. Conclui-se que a combinação dessas ferramentas representa uma promissora estratégia para a medicina de precisão, embora ainda existam desafios para sua implementação clínica.
Palavras-chave: tumores cerebrais, biomarcadores, inteligência artificial, diagnóstico diferencial, aprendizado de máquina.
1. INTRODUÇÃO
Os tumores cerebrais representam cerca de 2% de todas as neoplasias malignas, mas sua relevância clínica é significativa devido à elevada morbimortalidade associada. A diversidade histológica incluindo gliomas, meningiomas, meduloblastomas, e metástases cerebrais torna o diagnóstico diferencial desafiador, especialmente por métodos convencionais como imagem por ressonância magnética (RM) e tomografia computadorizada (TC) [1].
O avanço na compreensão da biologia tumoral trouxe à luz a importância dos biomarcadores moleculares, que refletem características genéticas e epigenéticas específicas de cada tumor. Paralelamente, a inteligência artificial, sobretudo o aprendizado de máquina (machine learning), tem sido empregada na análise de grandes volumes de dados clínicos e radiológicos, com promissora performance diagnóstica. A interseção entre esses dois campos representa uma nova fronteira no diagnóstico neuro-oncológico.
Este artigo busca responder às seguintes perguntas: (1) Como os biomarcadores moleculares contribuem para o diagnóstico diferencial de tumores cerebrais? (2) De que maneira a inteligência artificial pode ser aplicada na análise de imagens e dados clínicos para melhorar a acurácia diagnóstica? (3) Qual o impacto da integração entre biomarcadores e IA na prática clínica da neuro-oncologia?
A justificativa para essa investigação reside na necessidade de métodos diagnósticos mais precisos, menos invasivos e capazes de lidar com a heterogeneidade tumoral. A diferenciação entre tumores primários e metastáticos, por exemplo, impacta diretamente nas decisões terapêuticas e prognósticas. Embora já se soubesse que biomarcadores como IDH1, MGMT e 1p/19q tinham valor diagnóstico, sua aplicação isolada ainda apresentava limitações. Paralelamente, a inteligência artificial vinha sendo explorada em diversas áreas da medicina, mas sua aplicação integrada à oncologia cerebral ainda era incipiente.
Este trabalho visa, portanto, preencher lacunas ao explorar o potencial sinérgico entre marcadores moleculares e tecnologias de aprendizado de máquina, propondo uma visão mais abrangente e personalizada para o diagnóstico de tumores cerebrais.
Revisar e analisar criticamente a contribuição dos biomarcadores e das técnicas de inteligência artificial no diagnóstico diferencial de tumores cerebrais, com foco na acurácia diagnóstica, precocidade na detecção e possibilidade de personalização do tratamento.
2. METODOLOGIA
Este estudo caracteriza-se como uma pesquisa bibliográfica de abordagem qualitativa, com delineamento exploratório-descritivo. A escolha dessa metodologia justifica-se pela necessidade de reunir, analisar e interpretar o conhecimento científico existente acerca da aplicação de biomarcadores moleculares e técnicas de inteligência artificial no diagnóstico diferencial de tumores cerebrais, tema que se insere em um campo de conhecimento interdisciplinar e em constante atualização.
A pesquisa foi conduzida por meio de levantamento sistemático da literatura científica em bases de dados reconhecidas na área da saúde e das ciências biomédicas: PubMed, Scopus, Web of Science, SciELO (Scientific Electronic Library Online), LILACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde) e Google Scholar. A seleção dessas bases justifica-se por sua ampla cobertura e pela confiabilidade das fontes indexadas, com publicações revisadas por pares e com relevância científica consolidada.
Os descritores utilizados na busca foram: “tumores cerebrais”, “biomarcadores”, “inteligência artificial”, “diagnóstico diferencial”, bem como suas correspondências em inglês: “brain tumors”, “biomarkers”, “artificial intelligence” e “differential diagnosis”, conforme os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) e o Medical Subject Headings (MeSH). Foram utilizados operadores booleanos (“AND” e “OR”) para refinar as combinações e maximizar a relevância e a abrangência dos resultados encontrados.
Como critérios de inclusão, foram considerados apenas artigos: publicados entre janeiro de 2015 e maio de 2025; redigidos em português, inglês ou espanhol; disponíveis na íntegra; revisados por pares; com metodologia científica explícita; que abordassem diretamente a aplicação de biomarcadores ou inteligência artificial no diagnóstico de tumores cerebrais.
Os critérios de exclusão foram: estudos repetidos nas bases consultadas; trabalhos sem relação direta com o objetivo do estudo; textos opinativos, cartas ao editor e materiais não revisados por pares; resumos sem acesso ao conteúdo completo; teses, dissertações e documentos institucionais.
Ao todo, foram identificados 62 artigos relevantes. Após leitura dos títulos e resumos, 26 foram selecionados para leitura integral. Após aplicação dos critérios finais de elegibilidade, 8 artigos foram incluídos na análise final, compondo o corpus da pesquisa.
3. RESULTADOS E DISCUSSÕES
Os dados obtidos por meio da revisão bibliográfica foram organizados em três eixos temáticos, de acordo com a análise interpretativa do conteúdo dos oito artigos selecionados.
Esses eixos correspondem aos principais mecanismos e estratégias envolvidos na sinergia crescente entre os biomarcadores e a IA na prática diagnóstica dos tumores cerebrais.
3.1. Como os biomarcadores moleculares contribuem para o diagnóstico diferencial de tumores cerebrais?
Os biomarcadores moleculares são elementos biológicos capazes de indicar alterações genéticas, epigenéticas, transcriptômicas ou proteômicas presentes em tumores cerebrais. Sua utilização tem revolucionado o campo da neuropatologia ao permitir diagnósticos mais específicos e fundamentados em características biológicas dos tumores, indo além da histologia clássica. Entre os principais biomarcadores utilizados estão as mutações no gene IDH1/2, a metilação do promotor da MGMT, a codeleção dos braços cromossômicos 1p/19q, a amplificação de EGFR e a expressão da proteína GFAP, especialmente relevante em gliomas.
Esses biomarcadores ajudam na distinção entre gliomas de baixo e alto grau, além de diferenciarem tumores primários de metástases, o que influencia diretamente a abordagem terapêutica. Por exemplo, a presença de mutações no gene IDH1 em gliomas está associada a melhor prognóstico e pode sugerir um glioma difuso de baixo grau, enquanto a ausência desse marcador pode indicar um glioblastoma multiforme, mais agressivo (LOUIS et al., 2021).
Adicionalmente, a codeleção 1p/19q é um marcador clássico de oligodendrogliomas e ajuda a distingui-los de astrocitomas, que não apresentam essa alteração. Já a metilação da MGMT é fundamental na previsão de resposta à temozolomida, sendo usada não apenas para diagnóstico, mas também para planejamento terapêutico (OSTROM et al., 2022).
3.2. De que maneira a inteligência artificial pode ser aplicada na análise de imagens e dados clínicos para melhorar a acurácia diagnóstica?
A inteligência artificial (IA), especialmente os modelos de aprendizado de máquina e aprendizado profundo (deep learning), tem sido amplamente aplicada na análise de exames de imagem e dados clínico-patológicos com resultados promissores. A ressonância magnética funcional e espectroscópica, quando interpretada por especialistas, possui limitações subjetivas. No entanto, algoritmos baseados em IA conseguem identificar padrões ocultos nas imagens que não são perceptíveis ao olho humano.
Modelos de redes neurais convolucionais (CNNs) têm se mostrado eficazes para distinguir glioblastomas de metástases cerebrais com acurácia superior a 90%, utilizando apenas sequências de ressonância magnética. Além disso, a IA pode ser treinada para inferir alterações moleculares a partir das imagens, como a presença de mutações em IDH1, dispensando a necessidade de biópsia invasiva em alguns casos (CHANG et al., 2018).
Sistemas de IA também vêm sendo aplicados para predizer a resposta ao tratamento, recorrência tumoral e sobrevida global, com base em dados combinados de imagem, expressão genética e características clínicas. Isso permite a construção de modelos personalizados para cada paciente, promovendo a medicina de precisão (SINGH et al., 2020).
3.3. Qual o impacto da integração entre biomarcadores e IA na prática clínica da neuro oncologia?
A integração entre biomarcadores moleculares e inteligência artificial representa uma mudança de paradigma no diagnóstico diferencial dos tumores cerebrais. Modelos que combinam imagens, dados moleculares e variáveis clínicas tendem a ter desempenho superior à análise isolada de qualquer uma dessas fontes. Essa abordagem multimodal contribui para diagnósticos mais rápidos, precisos e personalizados.
Em estudos recentes, a combinação de biomarcadores e IA demonstrou melhorar significativamente a acurácia na classificação de tumores cerebrais, inclusive em situações clínicas complexas. Em casos de pacientes com lesões profundas ou de difícil acesso cirúrgico, a IA treinada com dados moleculares e radiológicos consegue sugerir com alta probabilidade o subtipo tumoral, reduzindo a dependência de biópsias invasivas (KICKINGEREDER et al., 2019).
Contudo, há desafios importantes para a implementação dessa integração na prática clínica. Entre eles destacam-se a necessidade de bases de dados robustas e bem anotadas, a falta de padronização entre os centros, a necessidade de validação multicêntrica dos modelos e o treinamento de profissionais de saúde para a interpretação dos dados produzidos pela IA (SENDERS et al., 2020).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este artigo teve como objetivo analisar o papel integrado dos biomarcadores moleculares e da inteligência artificial (IA) no diagnóstico diferencial dos tumores cerebrais, destacando seus impactos na acurácia, precocidade e personalização das condutas clínicas. Para isso, foi realizada uma revisão narrativa da literatura científica publicada entre 2015 e 2025, com foco nas contribuições diagnósticas dos principais marcadores genético-moleculares, assim como na aplicação de modelos de aprendizado de máquina e redes neurais convolucionais em neuroimagem.
As evidências encontradas confirmam que os biomarcadores como IDH1, MGMT, 1p/19q e EGFR oferecem informações clínicas e prognósticas relevantes e que a IA, especialmente quando treinada com imagens de alta resolução, tem demonstrado capacidade de identificar padrões tumorais com elevada sensibilidade (LOUIS et al., 2021; CHANG et al., 2018). A integração entre essas ferramentas, por sua vez, mostrou-se superior aos métodos convencionais isolados, permitindo diagnósticos mais rápidos e assertivos, inclusive em pacientes com contraindicação à biópsia.
Os resultados da pesquisa sustentam a hipótese de que o uso combinado de biomarcadores e IA é uma estratégia eficaz para superar as limitações dos métodos diagnósticos tradicionais, como a subjetividade da interpretação por imagem e a invasividade dos procedimentos histológicos. Além disso, abre caminho para o avanço da medicina de precisão no campo da neuro-oncologia.
Apesar dos avanços, a translação dessa abordagem para a prática clínica ainda enfrenta desafios, como a necessidade de padronização metodológica, validação multicêntrica e desenvolvimento de bancos de dados amplos, interoperáveis e anonimizados (SENDERS et al., 2020).
Como possibilidades para continuidade da pesquisa, destacam-se: a construção de algoritmos diagnósticos validados clinicamente e incorporados ao fluxo hospitalar; a integração com bancos nacionais de dados genômicos e radiológicos; estudos prospectivos para avaliar o impacto real dessas ferramentas na sobrevida e qualidade de vida dos pacientes com tumores cerebrais.
Conclui-se, portanto, que a aliança entre biomarcadores e inteligência artificial representa não apenas um avanço técnico, mas uma mudança de paradigma no diagnóstico e manejo dos tumores do sistema nervoso central.
REFERÊNCIAS
1. Chang, P., et al. (2018). Deep-learning convolutional neural networks accurately classify genetic mutations in gliomas. AJNR Am J Neuroradiol.
2. Louis, D. N., et al. (2021). The 2021 WHO Classification of Tumors of the Central Nervous System: a summary. Acta Neuropathologica.
3. Parsons, D. W., et al. (2008). An integrated genomic analysis of human glioblastoma multiforme. Science.
4. Ostrom, Q. T., et al. (2022). CBTRUS Statistical Report: Primary Brain and Other Central Nervous System Tumors Diagnosed in the United States. Neuro-Oncology. 5. SENDERS, J. T. et al. Artificial Intelligence in Neurosurgery: A Systematic Review of Its Applications in the Clinical Setting. Neurosurgery, 2020.
6. SINGH, G. et al. Artificial intelligence in glioma imaging: A review of current and emerging concepts. Translational Oncology, v. 13, n. 12, p. 100816, 2020.
7. KICKINGEREDER, P. et al. Automated quantitative tumour response assessment of MRI in neuro-oncology with artificial intelligence: a multicentre, retrospective study. The Lancet Oncology, v. 20, n. 5, p. 728-740, 2019.
8. WHO Classification of Tumours Editorial Board. (2021). Central Nervous System Tumours, 5th Edition. IARC.
1Faculdade ZARNS SALVADOR BA