BIOECONOMIA E DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: PRINCIPAIS DESAFIOS DA REGULAMENTAÇÃO DO QUEIJO DO MARAJÓ NO ÂMBITO DO DIREITO AGRÁRIO E AMBIENTAL

BIOECONOMY AND SUSTAINABLE DEVELOPMENT: MAIN CHALLENGES IN THE REGULATION OF MARAJÓ CHEESE IN THE CONTEXT OF AGRARIAN AND ENVIRONMENTAL LAW

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102412091531


Estevão Lopes de Lima Muniz1
Pedro Mauricio Santos Steiner2


RESUMO

Este estudo teve por objeto a bioeconomia e o desenvolvimento sustentável a partir do estudo dos desafios da regulamentação do queijo do Marajó. O objetivo geral foi investigar os principais obstáculos legais que dificultam a regulamentação do queijo do Marajó no âmbito do direito agrário e ambiental. Especificamente buscou-se conhecer a cultura do Marajó e a história do queijo/produção; verificar a questão fundiária no Marajó e produção pecuária; discutir sobre o trinômio Bioeconomia + Sustentabilidade + Queijo como caminho para o desenvolvimento sustentável; e analisar os principais desafios do queijo do Marajó no comércio, produção, na economia e seus impactos no meio ambiente. A metodologia deste estudo teve base em uma revisão bibliográfica, com abordagem qualitativa e análise documental de legislações agrárias. Verificou-se que a regulamentação da produção de queijo artesanal no Marajó é um desafio que se apresenta em muitas dimensões e requer ações integradas, unindo atores como o governo, a sociedade civil e os produtores locais. Já houve grandes avanços, e se houver o fortalecimento dessas bases legais, e uma organização produtiva, ao mesmo tempo em que se fomenta o acesso ao mercado, são grandes as possibilidades de haver um desenvolvimento sustentável da produção do queijo do Marajó, de modo a garantir que esse patrimônio cultural continue gerando renda, emprego e reconhecimento para esse produto.

Palavras-chave: Marajó; Queijo, Bioeconomia; Regulamentação; Sustentabilidade.

ABSTRACT

This study is focused on bioeconomy and sustainable development by studying the challenges of regulating Marajó cheese. The general objective was to investigate the main legal obstacles that hinder the regulation of Marajó cheese within the scope of agrarian and environmental law. Specifically, the aim was to learn about the culture of Marajó and the history of cheese/production; to verify the land issue in Marajó and livestock production; to discuss the trinomial Bioeconomy + Sustainability + Cheese as a path to sustainable development; and to analyze the main challenges of Marajó cheese in trade, production, economy and its impacts on the environment. The methodology of this study was based on a bibliographic review, with a qualitative approach and documentary analysis of agrarian legislation. It was found that the regulation of artisanal cheese production in Marajó is a challenge that presents itself in many dimensions and requires integrated actions, uniting actors such as the government, civil society and local producers. There have already been great advances, and if these legal bases are strengthened and productive organization is established, while at the same time promoting access to the market, there are great possibilities for sustainable development of Marajó cheese production, ensuring that this cultural heritage continues to generate income, employment and recognition for this product.

Key-words: Marajó, Cheese, Bioeconomy; Regulation; Sustainability

1  INTRODUÇÃO

A bioeconomia na contemporaneidade é uma das mais promissoras alternativas para fomentar e impulsionar o desenvolvimento sustentável. Ela articula inovação tecnológica, conservação ambiental e uso responsável dos recursos naturais e biológicos.

O Brasil, por ser um país com vasta biodiversidade, favorece a bioeconomia quando proporciona um espaço fértil e promissor para atividades econômicas sustentáveis. Um dos exemplos mais evidentes dessa riqueza biológica é a produção artesanal do queijo do Marajó, produzido na ilha do Marajó, estado do Pará, fabricado a partir de práticas tradicionais integradas ao modo de vida da população local.

A produção do queijo do Marajó tem um grande potencial para a bioeconomia da região, pois se trata de um produto de alto valor agregado que gera renda aos pequenos produtores, ao mesmo tempo em que consolida a identidade cultural local.

Entretanto, a regulamentação dessa atividade está enfrentando diversos desafios no campo do direito agrário e ambiental. O processo produtivo tradicional cuja matéria prima é o leite cru de búfala, deve ser adequado às normas de segurança alimentar e sustentabilidade ambiental. Essas exigências quase sempre estão conflitando com as práticas artesanais de produção e condições socioeconômicas da região.

A bubalinocultura teve um crescimento significativo no Brasil, atingindo um rebanho de aproximadamente 1.261.922 animais. Só na região Norte há 64% desse efetivo, onde o Pará tem destaque ao abrigar 36% dos rebanhos nacionais. Nesse mesmo estado a maior parte desse rebanho localiza-se nos municípios da Ilha de Marajó, especialmente na microrregião de Arari, líder na produção de leite e queijo tendo por matéria prima o leite de búfala (IBGE, 2012).

O leite de búfala tem características específicas, pois é rico em valor nutricional e tem teores de sólidos superiores se comparado ao leite bovino. Essa vantagem aumenta seu rendimento na indústria de laticínios em mais de 40% sobre o leite de vaca (ANDRADE et al., 2011).

No Norte a industrialização do leite de búfala tem importância econômica e social, e esse interesse vem crescendo no Pará em relação à produção de queijos derivados de leite de búfala (BITTENCOURT et al., 2013).

Os municípios de Soure e Cachoeira do Arari são atualmente os principais centros de produção de queijo de búfala no Pará, sendo uma atividade econômica atraente, quando já se constata a existência de 20 indústrias no Marajó, cada uma tendo uma capacidade produtiva de 20 a 50 kg de queijo/dia (BLASKOVSKY et al., 2010).

O queijo do Marajó artesanal feito no Marajó segue uma tradição histórica e cultural predominante na região, feito a partir da fusão de massa coalhada e dessorada de leite de búfala, e que pode ser misturado com até 40% de leite bovino, lavado com água ou leite de búfala e bovino. Ele será obtido a partir da coagulação espontânea, adicionando creme de leite ou manteiga (PARÁ, 2013).

Mesmo sendo a Ilha de Marajó o maior centro de rebanhos de búfalos do país, faltam investimentos por parte do governo e dos produtores a fim de melhorar o processamento do leite. Sem uma infraestrutura adequada, e a padronização na produção, bem como uma boa capacitação técnica e técnicas de manejo, o desenvolvimento da atividade na região sofre grandes desafios (BLASKOVSKY et al., 2010).

Assim, este estudo justifica-se pela necessidade de compreender de que forma a legalidade jurídica pode equilibrar a preservação ambiental e a proteção das práticas tradicionais do queijo do Marajó, rumo ao desenvolvimento da economia regional sustentável. Essa bioeconomia que está sendo desenvolvida no Marajó, pode ser uma alternativa sustentável da região, se somar a valorização dos recursos naturais e a conservação ambiental. Porém, ao que parece, o marco desafio regulatório é essencial, já que o direito agrário e o ambiental nem sempre caminham lado a lado, gerando, muitas vezes, conflitos que dificultam a regularização e consequentemente a expansão dos produtos regionais.

A problemática do estudo é: de que forma o direito brasileiro pode se adaptar para regular a produção de um bem bioeconômico e culturalmente significativo, a fim de favorecer a preservação ambiental e a promoção do desenvolvimento regional sustentável.

O objetivo geral foi investigar os principais obstáculos legais que dificultam a regulamentação do queijo do Marajó no âmbito do direito agrário e ambiental. Especificamente buscou-se conhecer a cultura do Marajó e a história do queijo/produção; verificar a questão fundiária no Marajó e produção pecuária; discutir sobre o trinômio Bioeconomia + Sustentabilidade + Queijo como caminho para o desenvolvimento sustentável; e analisar os principais desafios do queijo do Marajó no comércio, produção, na economia e seus impactos no meio ambiente

A metodologia deste estudo terá base em uma revisão bibliográfica, com abordagem qualitativa e análise documental de legislações agrárias e ambientais, estudos de caso de produtos regionais similares com desafios regulatórios. A pesquisa também poderá incluir relatórios técnicos e normativos sobre a temática.

2  QUEIJO DO MARAJÓ: HISTÓRIA E CULTURA
  • Marajó atual

A Ilha de Marajó é o maior arquipélago fluviomarinho do mundo, e se localiza no estuário do Rio Amazonas, estado do Pará, Norte do Brasil. O arquipélago é formado por cerca de 3.000 ilhas, distribuídas entre 16 municípios, e tem uma população de aproximadamente 557 mil pessoas. A região tem também um clima equatorial com elevada umidade e altas temperaturas, bem como um relevo predominantemente plano, com barreiras alagadas e áreas de manguezal. É considerada uma das maiores reservas de biodiversidade do Brasil, por ter uma rica fauna e flora com espécies típicas da Amazônia, entre as quais a ariranha, o tamanduá-bandeira, onças pintadas, diversas espécies de aves e uma vasta ictiofauna. Deve ser destacada também o rebanho de búfalos, e que por serem abundantes, desempenham um papel importante na economia e cultura locais, pois são usados tanto para transporte quanto na pecuária. Abaixo o porto de Breves, a maior cidade do arquipélago (Guitarrara, 2024).

Figura 1 – Área portuária em Breves, cidade mais populosa da Ilha do Marajó.

Fonte: Rodrigues e Marin (2008)

Ainda conforme Guitarrara (2024) o arquipélago tem diversas cidades ribeirinhas e áreas rurais, porém seu acesso à infraestrutura básica como saneamento tem grandes limitações. Verifica-se ainda em muitos de seus municípios, que o IDH é baixo. O maior destaque é para o município de Melgaço, que apresenta um dos índices menores (0,418), já o município de Soure tem um IDH médio de 0,615.

No campo da economia a grande ilha depende do extrativismo vegetal e animal, especialmente da agropecuária, onde se destaca a bubalinocultura, e o turismo. O extrativismo vegetal inclui a recolha do palmito, açaí e bacuri. Já na agricultura há muitos cultivos de mandioca, arroz e frutas tropicais. Segundo Guitarrara (2024), estima-se que a população de búfalos no Marajó alcance em torno de 500 mil animais.

Figura 2 – Búfalo do Marajó

Exemplares da raça Murrah, a mais utilizada na produção leiteira.

Fonte: Acervo Pessoal (2024)

A região é conhecida por suas atrações culturais e belezas naturais, tornando o Marajó um destino turístico muito popular. Nessa região visitantes de diversas partes do país se envolvem em atividades como o ecoturismo e passeios de búfalo, bem como passeios em praias e áreas preservadas do arquipélago.

Porém, mesmo diante de um grande potencial de desenvolvimento, o Marajó enfrenta grandes desafios de infraestrutura e desenvolvimento social. Uma grande parte de sua população vive na zona rural, com pouco acesso aos serviços básicos, caracterizando uma baixa taxa de urbanização e qualidade de vida (Guitarrara, 2024).

Em se tratando de quilombos, somente na Microrregião do Arari, no Marajó, em seu território há mais de 40 comunidades quilombolas, de acordo com o Plano de Desenvolvimento Territorial Sustentável do Marajó – PDTS – Marajó (BRASIL, 2007), das quais 18 localizam-se no município de Salvaterra. Predomina nessa região certa desvalorização e até o desaparecimento nas comunidades quilombolas de algumas práticas voltadas ao patrimônio cultural, entre as quais a produção de artesanato em fibras naturais e confecção de cuias tingidas (UFPA, 2024).

Um dos mais significativos e antigos quilombos do estado do Pará localiza-se no Marajó, na região do rio Anajás, conhecido hoje como Lago do Mocambo. Em representação de 27 de setembro de 1788, a Câmara Municipal de Belém mencionou o quilombo de Marajó como uma ameaça à segurança da região, e solicitando “tropas para desbaratar” essa “ameaça” (SALLES, 2004, p. 87-97).

  • A introdução dos búfalos

Na época da chegada dos portugueses ao Brasil, o arquipélago do Marajó era habitado pela tribo indígena Aruã, que tinha aldeias espalhadas ao longo da costa nordeste da região, nas proximidades dos municípios de Chaves e Soure. Algumas aldeias destacavam-se como as Maruanazes e Mundins. A agricultura dos indígenas incluía o cultivo da mandioca, a coleta de frutas nativas diversas, e plantas medicinais e técnicas de caça e pesca. A tribo também explorava corantes, oleaginosas e ervas aromáticas (HOMMA, 2003).

Após a fundação de Belém em 1616, mudanças se intensificaram e em 1622 as primeiras reses “crioulas” de gado chegaram da Ilha de Cabo Verde e foram destinadas a grandes fazendas no Marajó. Em 1680, o português Francisco Rodrigues Pereira formou a primeira fazenda de pasto da região, localizada na margem esquerda do Rio Muaná, na localidade de Amaniutuba. Mas em 1882, outras raças de gado vieram, os bubalinos foram introduzidos por Vicente Chermont de Miranda na Fazenda Dunas, em Cachoeira do Arari, tornando o arquipélago do Marajó o maior centro de criação de búfalos do Brasil.

No dia 23 de dezembro de 1655, o rei D. Afonso VI doou ao Secretário de Estado português, Antônio de Sousa Macedo, a Capitania da Ilha Grande de Joanes, que na época correspondia ao território hoje conhecido como Marajó. Daquele momento em diante houve uma sucessão hereditária de controle da região, transmitindo o poder para o filho Luiz Gonçalo de Sousa Macedo, o qual ficou conhecido como o primeiro Barão da Ilha de Joanes, até que a donatária fosse extinta e confiscada pela Fazenda Real em 29 de abril de 1754.

Desse ponto em diante houve o início da cultura do latifúndio e do “culto ao doutor” no Marajó, que durou longos 99 anos sob controle familiar e latifundiário. Essa dinâmica deu-se, em parte, pela ambição referente à introdução do gado na região em 1622, a fim de se aproveitar a abundância de terras para pasto.

Em 1696, os primeiros padres capuchos de Santo Antônio chegaram à cidade de Soure em missão de catequizar e “civilizar” as aldeias Aruãs. Antes deles, colonos portugueses, vindos de Portugal devido à guerra com a Espanha, já habitavam a região e interagiam com os indígenas. Ao chegarem os jesuítas logo substituíram os capuchos, em acordo com os franciscanos e mercedários. Esse movimento resultou na fundação de igrejas e acumulação de terras e gado, e ainda na difusão da cultura cristã europeia por meio de persuasão e assimilação (BARBOSA, 1997, p. 32-33).

Um ano após ser extinta a Capitania da Ilha de Joanes, em 1755, o Marquês de Pombal, ministro do rei D. José I, expulsou os jesuítas que tinham extensas terras e rebanhos no Marajó. A motivação desse ato deu-se por acusações de que os padres estariam entregando o território a franceses de Caiena e incentivando índios a desertar das obrigações de demarcação (SOUZA, 1998, p. 155).

A expulsão formal dos jesuítas do Grão-Pará foi oficializada com a Carta Régia de 21 de julho de 1759, extinguindo a Companhia de Jesus em 3 de setembro do mesmo ano. Naquela época, os jesuítas detinham aproximadamente 134.000 cabeças de gado e 1.500 de gado cavalar somente no Marajó.

Segundo Homma (2003), esses rebanhos foram redistribuídos entre 22 personalidades de destaque político, que ficaram encarregadas de continuar as atividades econômicas iniciadas pelos jesuítas (LOUREIRO, 2001), que, na verdade, estavam na condição de grandes latifundiários ligados diretamente ao sistema de poder da Coroa portuguesa. Esse movimento representa uma transferência de poder relacionada à posse de terras e ao controle das fontes econômicas, entre as quais o gado, mantendo a autoridade no Marajó.

Em 1756, ocorreu uma crise nos pastos do Piauí, que na época era o principal fornecedor de gado para a Amazônia, forçou os criadores do Marajó a intensificar a produção e venda do seu gado na região, o que causou um crescimento significativo da pecuária local e enriqueceu os senhores do poder regional. Entre os anos de 1861 e 1862, foram contadas 523 fazendas, perfazendo um total de 210.742 cabeças de gado bovino no Marajó e Baixo Amazonas. No ano de 1882º número de cabeças de gado subiu para 355.451 (HOMMA, 2003, p. 56). Dois anos depois (2005), o IBGE contou pouco mais de 3.600 propriedades, 349.114 cabeças de gado bovino e 308.826 cabeças bubalinas.

A expansão das lavouras usando mão de obra escrava da Companhia do Comércio do Grão-Pará e Maranhão, a expulsão dos jesuítas (1755) e a libertação dos índios em 1757

forjaram um contexto favorável para que ocorresse um aumento considerável do tráfico de escravos africanos para o Grão-Pará. No Marajó os escravos eram direcionados para as grandes fazendas de criação de gado. Diferentemente dos indígenas, os negros não tinham como se organizar em aldeias, e seus mocambos e quilombos eram considerados ilegais e por isso deviam ser destruídos. Nas cidades e propriedades rurais os negros estavam sempre em proximidade dos senhores (SALLES, 1980).

  • Produção agropecuária (gado e fazendas)

A búfala leiteira produz um leite com características únicas e alto valor nutricional, com teores de sólidos superiores ao leite bovino. Na indústria de laticínios, o leite de búfala se destaca, oferecendo um rendimento até 40% maior que o do leite bovino (Andrade et al., 2011).

Figura 3- A ordenha do leite das Búfalas

Fonte: Acervo pessoal (2024)

Na região Norte, especialmente no Pará, a produção de derivados do leite de búfala, como queijos, têm ganhado importância econômica. Os municípios de Soure e Cachoeira do Arari, localizados na Ilha de Marajó, são os maiores centros de produção de queijo de leite de búfala no estado, com cerca de 20 fábricas capazes de produzir entre 20 kg e 50 kg de queijo por dia (Blaskovsky et al., 2010; Bittencourt et al., 2013).

O Queijo do Marajó é tradicionalmente produzido na região, de forma artesanal, utilizando leite de búfala ou uma mistura com até 40% de leite bovino. Esse queijo é elaborado pela fusão da massa coalhada, lavada com leite ou água, e pode ter a adição de creme de leite ou manteiga, sendo classificado conforme o método de fabricação, como o queijo tipo manteiga (Pará, 2013).

Apesar da Ilha de Marajó abrigar o maior rebanho bubalino do Brasil, a falta de investimentos em infraestrutura, padronização da produção e capacitação técnica impede o pleno desenvolvimento dessa atividade (Blaskovsky et al., 2010).

  • Queijo do Marajó: produção e economia local

O queijo do Marajó é um produto feito artesanalmente no arquipélago do Marajó conforme a tradição histórica e cultural daquela região. Ele é classificado como de massa cozida, não prensado, não maturado e não pasteurizado. Conforme o SEBRAE o queijo o do Marajó se divide em dois tipos:

  1. – Queijo Tipo Manteiga – no processo de cozimento da massa, denominado de “fritura” da massa, adiciona-se a manteiga propriamente dita.
  2. – Queijo Tipo Creme – no processo de cozimento da massa, denominado de “fritura”, adiciona-se o creme de leite obtido do desnate do leite a ser coagulado (SEBRAE, 2014, p.66).

Cruz (2017) concorda que essas são as duas variações principais do queijo do Marajó, e ambas têm origens históricas no município de Cachoeira do Arari, embora tenham diferenças significativas em termos de posse da terra, relações de poder e técnicas de produção.

A produção do queijo do Marajó, conhecida pelo uso de leite de búfala, vem de períodos anteriores à chegada dessa espécie bovina à ilha. Conforme Barata (1973), Miranda Neto (1976) e Lisboa (2012), fazendas na microrregião conhecida como Arari já produziam queijos e manteigas desde o século XVIII, primeiramente com leite bovino. O que indica que o uso de leite de búfala na produção de queijo veio posteriormente, e passou a ser uma característica central da produção do queijo marajoara.

A receita do queijo, trazida ao Brasil por colonizadores portugueses e franceses, encontrou acolhida na microrregião do Arari, onde se tornou um hábito alimentar (FIGUEIREDO, 2006). A produção de queijo é em sua maioria feita pro famílias de forma artesanal, usando técnicas que foram transmitidas de pai para filho por mais de dois séculos. Entre suas características, estão o uso de pastagens naturais e leite cru que conferem uma identidade territorial única ao produto.

Mesmo tendo alguns estudos indicando que a produção de queijo de búfala começou com João Batista Lima, o Coronel Lima, outros dados coletados em campo e entrevistas indicam que o fazendeiro Francisco Soares Mello, o Coronel Mello, foi o pioneiro a explorar a atividade de produção de queijo no Marajó (FIGUEIREDO, 2006; MIRANDA NETO, 1976). Estes autores indicam que o Coronel Mello iniciou a produção de queijo na Fazenda Santana ainda na década de 1920, repassando o conhecimento para seus empregados, que continuaram a tradição.

`É inevitável reconhecer a importância das fazendas Gurupatuba e Santana como centros que difundiram o saber-fazer queijeiro no marajó, o que é confirmado pelos produtores locais, que põem em destaque a influência dessas duas propriedades no desenvolvimento da produção de queijo artesanal na localidade. Conforme Ribeiro e Ribeiro (2008), o Coronel Lima teve um papel valioso na promoção da criação de búfalos na região, o que favoreceu a compra de animais e incentivou a produção de queijo.

  • Consumo e mercado local

O Queijo do Marajó está inserido em uma rede social que valoriza produtos e produtores com características de “melhor sabor”, “consistência” e “paladar”, elementos que atraem consumidores e promovem a valorização étnica e tradicional das práticas locais de produção (Machado; Menasche; Salamoni, 2015). Essa rede é fortalecida pela confiança entre os envolvidos, baseada no conhecimento da origem e do modo de produção, o que aumenta o apreço pelo produto.

A produção do Queijo do Marajó varia conforme a região, refletindo diferentes formas de saber-fazer ligadas à cultura local. Essa diversidade contribui para a territorialização específica dos diferentes tipos de queijo (Cruz, 2017). A Ilha de Marajó, formada por 16 municípios, se divide em três microrregiões: Arari, Furos de Breves e Portel. A pesquisa se concentrou na Microrregião do Arari, nos municípios de Soure e Cachoeira do Arari, que são os maiores e mais tradicionais produtores de queijo da região.

A pecuária no Marajó data do século XVII, e no século XVIII já era a principal atividade econômica, especialmente na região do Arari, que possui vastos campos naturais propícios à criação de gado (Barata, 1973; Miranda Neto, 1976; Lima, 1996). No entanto, a produção de carne enfrentou desafios ao longo do tempo, como problemas no transporte e abates inadequados, o que levou à decadência da pecuária bovina na região.

Diante da crise na pecuária tradicional, a criação de búfalos se destacou como alternativa, graças às condições naturais da ilha e à adaptabilidade dos búfalos (Damasceno, 2010). A bubalinocultura se consolidou como uma atividade relevante, tanto econômica quanto culturalmente (Barbosa, 2005). O Coronel Lima foi um dos maiores incentivadores dessa prática, promovendo a criação de búfalos na região (Ribeiro; Ribeiro, 2008).

A produção do queijo tipo creme é dispersa na Microrregião do Arari, com presença em municípios como Ponta de Pedras, Muaná, Salvaterra e Soure. Entretanto, sua origem está associada aos produtores de queijo tipo manteiga de Cachoeira do Arari, os primeiros a utilizar leite de búfala na produção de queijos (Barata, 1973).

O território do Marajó desempenha um papel relevante e significativo na identidade social, cultural e econômica da região, consolidando um modo de produção único que resiste ao tempo e busca fortalecer sua tradição (Cruz, 2017). Embora os queijos tipo manteiga e creme compartilhem o mesmo espaço geográfico, possuem histórias e identidades distintas, com territórios e dinâmicas próprias, o que os diferencia dentro da mesma região.

3  BIOECONOMIA, SUSTENTABILIDADE E QUEIJO DO MARAJÓ
  • Relação entre bioeconomia e desenvolvimento sustentável

A bioeconomia surge como uma alternativa promissora para alavancar o desenvolvimento sustentável na Amazônia. Apesar desse conceito ser multidisciplinar, e ainda em construção, é importante definir claramente o que deve ser compreendido em cada contexto. Na Amazônia, a bioeconomia deve seguir o caminho natural para uma transição econômica inclusiva, justa e que assegure a proteção de sua sociobiodiversidade. Isso requer a descarbonização das práticas atuais, que relegam a região a uma grande emissora de gases de efeito estufa, além de que contribui para manter o baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) e altos índices de desmatamento ilegal (Planbio, 2022).

O Plano Estadual de Bioeconomia (PlanBio), seguindo as diretrizes da Estratégia Estadual de Bioeconomia estabelecida pelo Decreto nº 1.943/2021, busca um alinhamento conceitual para a bioeconomia no estado do Pará. Há no cenário global, uma diversidade de abordagens para a bioeconomia, indo do extrativismo florestal a biotecnologias avançadas, ou mesmo a bioeconomia circular. Esses conceitos podem ser adaptados de acordo com as necessidades de cada sociedade, seguindo as mudanças climáticas e a necessidade de segurança alimentar e energética.

O PlanBio busca se definir por meio de um modelo de desenvolvimento de baixo carbono, que se alinha à Política Estadual de Mudanças Climáticas (PEMC) e se integra ao Plano Estadual Amazônia Agora (PEAA), a fim de buscar soluções adequadas na natureza, ou seja, valorizando o conhecimento tradicional dos povos originários e comunidades locais, colocando a bioeconomia como uma oportunidade de desenvolvimento socioeconômico, de economia diversificada, justa e inclusiva, capaz de melhorar os processos produtivos locais, garantindo a proteção do patrimônio genético e dos conhecimentos tradicionais. OU seja, seu foco é de um desenvolvimento sustentável, que preserve a natureza e os recursos naturais.

O estado do Pará tinha em 2021 aproximadamente 8,78 milhões de habitantes, o que representa 4% da população nacional (IBGE, 2021). Entretanto, como consequência de um modelo de desenvolvimento historicamente excludente, o estado tem indicadores sociais e econômicos bem abaixo da média nacional, estando em 24º lugar entre as unidades federativas no IDH, ou seja, um valor de 0,646, colocado abaixo do IDH-Renda nacional de 0,7397. Em 2021 a renda média domiciliar no estado do Pará foi de R$847, 37%, inferior à média nacional (IBGE, 2021). A taxa de ocupação formal naquele ano foi de apenas 35,2% entre pessoas com 14 anos ou mais. Soma-se a isso baixos índices de acesso a saneamento básico, 47,5% de acesso à rede de água e apenas 7,7% à coleta de esgoto. Em se tratando de desigualdade de gênero, os homens ganhavam, em média, 13% a mais que as mulheres no estado, um aumento em relação a 2019, quando essa diferença era de 5%. Apesar disso, o Pará apresenta uma situação melhor do que o Brasil, onde os homens ganham 25% mais que as mulheres (IBGE, 2021).

O estado do Pará apresenta indicadores de saneamento abaixo da média nacional, com apenas 10% da população atendida pela coleta de esgoto, em comparação às médias brasileiras de 84% para o acesso à rede de água, 55% para coleta de esgoto e 51% para tratamento adequado. No entanto, o Pará destaca-se economicamente na Região Norte. Em 2019, o Produto Interno Bruto (PIB) do estado alcançou R$178,4 bilhões, sendo o maior da região e representando 2% do PIB nacional, o que posiciona o estado em 11º lugar entre as unidades federativas (UF). Ao longo da década de 2010 a 2019, o PIB do Pará cresceu 116% em termos nominais, enquanto o PIB do Brasil aumentou 90%.

A estrutura econômica do Pará é marcada pela predominância dos setores de serviços (35,2%) e indústria (34,3%) no valor adicionado (VA) do estado, com a administração pública (21,3%) e a agropecuária (9,2%) completando a distribuição setorial. A indústria, embora significativa, é fortemente influenciada pela atividade extrativa mineral, que representa 19,7% do VA total. No setor agropecuário, a agricultura correspondeu a 5,1% do VA estadual em 2019, seguida pela pecuária (2,6%) e atividades de produção florestal, pesca e aquicultura (1,5%).

No âmbito das exportações, o Pará registrou cerca de US$17,3 bilhões em 2019, sendo a maior parte proveniente da Região de Carajás, que contribuiu com US$13,5 bilhões, ou 78% do total. Os municípios de Parauapebas, Canaã dos Carajás e Marabá foram os principais responsáveis, somando US$13,3 bilhões, representando 98% das exportações da região. O setor predominante nas exportações é a indústria extrativa, com destaque para o minério de ferro, concentrado em Parauapebas, e o minério de cobre, com foco em Marabá.

  • Sustentabilidade na produção de queijo e o papel dos produtores

Foi em 1989 que a expressão “Produção Mais Limpa” teve seu lançamento pela UNEP (United Nations Environment Program) e pela DTIE (Division of Technology, Industry and Environment) a fim de se tornar uma aplicação contínua de uma estratégia integrada que iria favorecer a prevenção ambiental a processos, produtos e serviços, de modo a se obter um aumento da eficiência da produção, ao mesmo tempo em que se reduzia os riscos de impactos indesejáveis para o homem e seu meio ambiente (Santos et al, 2024).

O Brasil descobriu a Produção Mais Limpa na década de noventa, logo após a ECO-92. Essa descoberta coloca a poluição ambiental enquanto sinônimo de desperdício em empresas responsáveis. Logo seus processos passam por mudanças para diminuir o consumo de água, energia e matérias-primas (Argenta, 2007; Santos et al, 2024).

Conforme o conceito proposto por Fernandes (2001), a Produção + Limpa (P+L) pressupõe quatro atitudes: 1) a não geração de resíduos, por meio da racionalização de técnicas de produção; 2) minimização da geração dos resíduos: 3) reaproveitamento dos resíduos no próprio processo de produção; 4) reciclagem com o aproveitamento das obras ou do próprio produto para a geração de novos materiais.

Conforme Henriques e Quelhas (2007) a P + L é uma forma moderna de abordar questões sobre o meio ambiente nos processos industriais. A P + L adota uma abordagem preventiva trazida pelos custos de controle da poluição e dos tratamentos de final, tendo como aspecto mais importante a melhoria tecnológica, aplicação de know-how e a mudança de atitudes.

Para que a produção de queijo obtenha sustentabilidade é necessário ter alguns cuidados e investimentos, principalmente se representar um importante patrimônio cultural e econômico da região, como é o queijo do Marajó. Para se ter qualidade e sabor únicos, essa atividade é praticada tradicionalmente há séculos por pequenas propriedades rurais, preserva essa cultura secular e gera renda local (Resende; Nascimento; Gameiro, 2022).

Um estudo realizado por Cha (2020) investigou o ponto ideal de adoção de tecnologias na produção de queijo artesanal certificado da Serra da Canastra, no estado de Minas Gerais. A pesquisa verificou como diferentes níveis de tecnificação impactam na sustentabilidade dos sistemas produtivos do queijo, considerando aspectos ambientais, sociais e econômicos.

A pesquisa apontou grande importância para a tradição e o conhecimento local, mas também considerou que tecnologias avançadas podem contribuir na melhoria do desempenho zootécnico e da rentabilidade dos produtores. O estudo apontou ainda que essa modernização ocorra de forma equilibrada, a fim de preservar as características únicas do queijo e garanta sustentabilidade ambiental e social em sua produção (Resende; Nascimento; Gameiro, 2022).

As tecnologias consideradas importantes foram divididas em três setores: manejo de lavouras e pastagem; produção animal; e tecnologias administrativas, conforme tabela 1 abaixo.

Tabela 1. Tecnologias consideradas no estudo para fabricação de queijos certificados.

Manejo de lavouras e pastagemProdução animalTecnologias administrativas
Melhoria das pastagensInseminação artificialAcesso a crédito
Manejo das pastagensConforto animalAnotação de dados
Uso de fertilizantes e herbicidasOrdenhadeiras mecânicasBoas práticas de produção
Uso de tratoresUso de moinhos para fabricação de raçãoAssociação em alguma cooperativa de produtores

Fonte: Resende, Nascimento e Gameiro (2022), adaptado de Cha (2020).

A pesquisa aponta para a necessidade de um olhar amplo e complexo para a produção de queijo artesanal, considerando não somente aspectos econômicos, mas também sociais e ambientais. A certificação de origem do produto, desempenha um papel fundamental na garantia da qualidade e autenticidade do produto, e promove também a valorização da produção local (Resende; Nascimento; Gameiro, 2022).

Nesse aspecto, entende-se que um passo importante sobre a produção do queijo no marajó é torná-lo sustentável e favorável à bioeconomia, que está associada à economia verde, a fim de contribuir com a conscientização sobre a escassez de recursos naturais, e ao crescente apelo por alimentos livres de agrotóxicos, e preferencialmente us ando fontes de energia renováveis (MOREIRA, 2016; BOLZANI, 2016).

Por isso se torna importante avaliar as práticas de produção do queijo do Marajó e seus impactos nos ciclos naturais, pois a ausência de controle sobre os ativos ambientais pode causar consequências prejudiciais, comprometendo a sustentabilidade de toda a cadeia ecológica e produtiva do queijo. O foco na bioeconomia aponta para a transformação da inovação biológica, seja na criação, nas tecnologias e nos produtos biológicos, como a agropecuária, na perspectiva de produção e utilização sustentável de recursos.

4  REGULAMENTAÇÃO DA PRODUÇÃO DO QUEIJO DO MARAJÓ NO PARÁ
  • Desafios

A produção de queijo artesanal que é feita no arquipélago do Marajó já é considerada um rico patrimônio cultural e socioeconômico da região, transmitida de geração em geração, está ligada intimamente à identidade local e à subsistência de muitas famílias de pequenos produtores. No entanto, inserir esse produto em mercados mais amplos requer a necessidade de garantir segurança alimentar aos consumidores dessa iguaria, o que também requer adaptações e modernizações nos processos produtivos (Brasil, 2020).

A começar pela tradição na produção do queijo que são saberes e práticas que dão ao produto características únicas. O uso do leite de búfala, as técnicas de coagulação e os processos de maturação também fazem parte da identidade singular. Logo, essa produção artesanal permite um contato mais próximo com o produto e um cuidado especial para cada etapa do processo de produção.

A demanda crescente por alimentos seguros e de qualidade, dentro do contexto da globalização dos mercados, requer a modernização dos processos produtivos e a adoção de boas práticas em sua fabricação (BPF). Por outro lado, também são importantes a implementação de sistemas de gestão da qualidade e o uso de equipamentos modernos, a fim de garantir a segurança alimentar e atender às exigências de seus consumidores. Essa modernização visa aumentar a eficiência da produção, reduzir custos e ampliar a oferta para os mercados regionais e além (Brasil, 2020).

Porém existem grandes desafios na busca por um equilíbrio entre tradição e modernidade. Um deles é a heterogeneidade dos produtores, entre os quais há diferentes níveis de escolaridade, acesso à informação e a recursos financeiros. Essas discrepâncias dificultam a implementação de padrões de qualidade que sejam uniformes. Outro fator desafiador é a falta de infraestrutura adequada que ainda existe em muitas queijarias. Outro fator é a escassez de recursos para fiscalização da produção, bem como a resistência de alguns produtores em adotar novas práticas no processo produtivo modernizado.

No que se refere à legislação, também há desafios, mesmo já existindo normas específicas avançadas para a produção de queijo artesanal no Marajó, já que a complexidade do setor e a necessidade de conciliar diferentes interesses pedem constantes atualizações e aprimoramentos na legislação. Para alguns produtores a falta de clareza em alguns pontos da legislação e a dificuldade em adaptá-la às suas realidades também se mostram obstáculos que os deixam sem a devida iniciativa (Brasil, 2020).

Nesse contexto, se faz necessária a busca por uma solução equilibrada entre a valorização da tradição e a necessidade de modernização e adaptação dos produtores às novas exigências do mercado. Algumas ações, se devidamente implementadas pelos produtores, podem contribuir significativamente para o desenvolvimento sustentável da produção de queijo artesanal no Marajó. Entre elas estão:

  1. Assistência técnica, capaz de oferecer aos produtores de queijo a devida assistência para melhorar suas práticas de produção, garantindo a qualidade dos produtos e promovendo tecnologias mais eficientes.
  2. Organização dos produtores, com a finalidade de estimular a criação de associações e cooperativas capazes de negociar coletivamente, ao mesmo tempo em que possam defender seus interesses e promover o intercâmbio de conhecimentos.
  3. Certificação que comprove a qualidade e a autenticidade dos produtos, de modo que os consumidores tenham total confiança no produto e o acesso a novos mercados seja facilitado.
  4. Pesquisa e desenvolvimento que aprimore os processos produtivos, a fim de desenvolver novos produtos e agregar mais valores ao queijo artesanal do Marajó.
  5. Promoção e marketing que auxiliem na promoção e divulgação do queijo do Marajó, fortalecendo sua marca e abrindo novos mercados.

Verifica-se assim que a produção de queijo artesanal no Marajó representa um grande potencial de desenvolvimento econômico e social para toda aquela região, inclusive para o estado do Pará. Porém esse potencial precisa ser trabalhado de forma conjunta, no compartilhamento de responsabilidades feito por diversos atores, entre os quais fundamentalmente, os produtores, o governo, as instituições de pesquisa e a sociedade civil. Buscar o equilíbrio entre a produção baseada na tradição e a modernidade advinda com as novas tecnologias de produção, é primordial para que se obtenha a sustentabilidade dessa atividade, ao mesmo tempo em que se preserva o patrimônio cultural local, conciliando com o desenvolvimento econômico da região (Brasil, 2020).

  • Comércio e produção: impactos econômicos e ambientais

A produção de queijos no arquipélago do Marajó é uma atividade tradicional que se concentra principalmente nos municípios de Soure, Salvaterra, Cachoeira do Arari, Santa Cruz do Arari, Chaves, Muaná e Ponta de Pedras. Estima-se que existam entre 65 e 70 queijarias distribuídas na região, embora haja uma variação significativa em termos de tamanho e formalização dessas unidades de produção (NAZARENO, 2014).

De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, Desenvolvimento local e valorização da identidade territorial para promover produtos com qualidade vinculada à origem geográfica, nas regiões do Marajó (PA) (Brasil, 2020) os municípios de Soure, Salvaterra e Cachoeira do Arari, indicam as seguintes estimativas:

Soure: em torno de 10 queijarias, sendo 4 marcas registradas no Serviço de Inspeção Estadual (SIE) para o queijo tipo creme e uma em processo de registro, além de pequenos produtores sem número conhecido.

Salvaterra: aproximadamente 4 queijarias, com 2 marcas registradas no SIE para o queijo tipo creme e outros pequenos produtores.

Cachoeira do Arari: 14 queijarias, incluindo pequenos produtores, com 1 registrada no SIE para o queijo tipo manteiga e outro em processo de registro; alguns pequenos produtores cessaram a produção com a implementação da Cooperativa, que pretendem centralizar a fabricação e contar com uma equipe formada pelos próprios queijeiros da região.

Santa Cruz do Arari: entre 5 e 10 queijarias, a maioria de pequenos produtores.

Chaves (incluindo as ilhas Mexiana e Caviana): aproximadamente 20 queijarias, a maioria pequenas.

Muaná: 1 queijaria registrada no SIE, além de outras pequenas.

Ponta de Pedras: entre 5 e 10 queijarias na região de campos, predominantemente de pequeno porte.

As queijarias mais estruturadas produzem em média de 60 a 100 kg de queijo por dia na época da safra e entre 35 a 70 kg na entressafra. Pequenas queijarias, denominadas “queijarias de cozinha”, produzem até 10 kg diários na safra e geralmente suspendem as atividades na entressafra (SEBRAE-PA, ADEPARÁ e SAGRI, apud Brasil, 2020).

Nos últimos anos verificou-se que muitos produtores de queijo deixaram essa atividade, especialmente os de queijarias menores, por estarem enfrentando dificuldades para cumprir as exigências regulatórias. Nesse bojo, muitos produtores decidiram se dedicar exclusivamente à pecuária de corte, e alguns queijeiros idosos deixaram a produção diante da falta de perspectiva de continuidade na família. Outros produtores tentam manter a atividade informalmente, sem atender plenamente aos critérios legais, tentam manter a qualidade de seus produtos, e também há práticas de adulteração e fraude de rótulos (AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO EXTENSÃO AMAZÔNIA, 2015).

A criação de gado é comum entre os produtores, porém nem todos criam búfalos. Há queijarias que processam leite integralmente próprio, e outras adquirem de terceiros. Um levantamento feito em 2014, na região de Soure, Salvaterra e Cachoeira do Arari, apontou que haviam cinco produtores autossuficientes e sete dependentes de fornecedores externos. Havia um total de 42 fornecedores de leite nos três municípios mencionados. O transporte do leite é feito sem refrigeração e, em algumas queijarias, ao chegar o leite é filtrado (AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO EXTENSÃO AMAZÔNIA, 2015).

A produção de queijo tipo creme em seis queijarias exige de 58 a 390 litros de leite por dia (uma média de 173 L), e cerca de 50% delas usam leite misto de búfalo e vaca. No queijo tipo manteiga, produzido em seis queijarias, seu consumo é de 31 a 160 litros diários, feito de forma exclusiva com leite de búfala (SOUZA, 2010).

O associativismo na região ainda é incipiente e enfrenta desafios regionais, como o paternalismo e a descrença na ação coletiva. A Associação dos Produtores de Leite e Queijo do Marajó (APLQM), criada no ano de 2014, e a Cooperativa dos Produtores e Produtoras de Leite e Queijo Manteiga do Marajó (COOPMARAJÓ), localizada em Cachoeira do Arari, reúnem poucos associados e enfrentam muitas dificuldades para unir os produtores da região, mesmo havendo esforços para legalização e ampliação de sua representatividade (Brasil, 2020).

A produção diária do queijo é estimada no pico da safra em 1.500 kg no arquipélago, obtendo um valor de produção entre R$22.500,00 a R$30.000,00/ dia, com potencial de movimentação entre 2 a 3 milhões de reais arrecadados em uma safra. Já na entressafra, a produção cai para aproximadamente 50%, porém os preços dobram e a estimativa de faturamento anual é de 4 a 6 milhões de reais.

Sobre a quantidade de leite envolvida na produção, estima-se que aproximadamente 10 litros de leite sejam necessários para produzir 1 kg de queijo tipo manteiga e 6 litros para o tipo creme. Mesmo que a região tenha grandes áreas de campos nativos, muitas propriedades usam somente uma parte de suas terras para a pecuária, e a maioria dos rebanhos nem sempre se destina à produção de leite. Isso evidencia que grande parcela de terra no Marajó não é explorada para a produção de queijos. Se devidamente explorada para tal finalidade, é grande seu potencial de expansão da atividade no arquipélago (Brasil, 2020).

Conforme Botelho (2021), foi um grande desafio jurídico para os produtores do queijo do Marajó receberem o selo de reconhecimento da Indicação Geográfica (IG) pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) em 23 de março de 2021, tornando-se um momento histórico para os produtores de queijo do Marajó, o que consolidou ainda mais a importância desse produto tradicional da região. Esse registro reforça o vínculo entre o queijo e sua área de origem, abrangendo municípios como Soure, Cachoeira do Arari e Ponta de Pedras. O selo ainda restringe o uso do nome aos produtores locais, organizados na Associação dos Produtores de Queijo e Leite do Marajó (APQL). Foi um trabalho colaborativo liderado pelo Sebrae e Fórum Técnico de Indicação Geográfica e Marcas Coletivas do Pará, ainda tendo apoio de diversas entidades estaduais (SAGRI, ADEPARÁ, SEBRAE, UFRA, EMBRAPA).

O registro valoriza o saber-fazer tradicional do queijo marajoara e promove o desenvolvimento sustentável da região, destacando sua relevância cultural e econômica. Lembrando que o queijo marajoara já havia recebido o reconhecimento como produto artesanal pela lei estadual n. 7.565, de 25 de outubro de 2011, a qual dispõe sobre as normas de licenciamento dos estabelecimentos, processadores, registro e comercialização de produtos artesanais comestíveis de origem animal e vegetal do Pará e dá outras providências. Essa conquista também teve a participação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), a partir do Programa Alimento Seguro, e ainda empresas privadas favoráveis a essa conquista (NASCIMENTO, 2017).

O produto artesanal teve pela portaria 418/2013, da ADEPARÁ, o estabelecimento do protocolo de produção e boas práticas de fabricação do queijo, incluindo normas relacionadas à qualidade da água utilizada, processo de ordenha, condições de higiene dos locais de produção, transporte e armazenamento. Por sua importância socioeconômica, o Queijo do Marajó agora tem um documento que garante ao produto comercialização legal e em todo o território estadual (ADEPARÁ, 2013).

5  CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo sobre a regulamentação do queijo do Marajó evidenciou o papel deste produto na economia, e preservação da identidade cultural da região. A produção artesanal de queijo no Marajó atravessa gerações em uma longa tradição e constitui um patrimônio local. Apesar dessa potencialidade, há desafios para a regulamentação, que exigem equilíbrio entre a valorização da cultura e a necessidade de modernização para estar preparados para os novos mercados.

Os obstáculos legais e regulatórios que os produtores de queijo do Marajó enfrentam são complexos e exigem a adaptação de práticas tradicionais ao que nos dias atuais enfoca a segurança alimentar e padronização da qualidade. A legislação agrária e ambiental, mesmo com os avanços, precisa de aprimoramentos a partir das particularidades regionais e tenha uma previsão econômica necessária dos pequenos produtores, que muitas vezes ficam limitados ao acesso a recursos e informações.

A produção de queijo, baseada basicamente no leite de búfala, tem características únicas que requerem cuidados técnicos e respeito à cultura local. Porém, modernizar seu parque industrial/produtivo é fundamental para que esses produtos possam ter qualidade competitiva no mercado nacional e internacional. Sem uma infraestrutura adequada e boa padronização nos processos de produção, os desafios se mostram muito grandes, mas se superados, pode-se contribuir para o desenvolvimento sustentável da região de forma progressiva.

Implementar boas práticas na fabricação do queijo e desenvolver sistemas de gestão da qualidade adequados é o que está sendo necessário para garantir a segurança alimentar e ter mais confiança por parte dos consumidores locais, regionais, nacionais e até internacionais.

Nesse aspecto, a tecnologia dos produtores e o investimento em equipamentos e tecnologias, são fundamentais, porém dentro das limitações financeiras e conhecimento técnico dos pequenos produtores, que em muitos casos dependem de assistência para implementar as melhorias necessárias em suas produções.

Outro ponto que requer atenção e ação é a promoção do associativismo e criação de cooperativas, os quais podem fortalecer a união dos produtores no mercado, favorecer o acesso a financiamentos e gerar um intercâmbio de conhecimentos promotor de eficiência e inovação na produção. Esse modelo coletivo pode ajudar a promover o queijo do Marajó em mercados mais amplos, agregar valor ao produto e incentivar o reconhecimento de sua economia.

Para que o queijo do Marajó chegue aos mercados além da sua região, precisa haver uma certificação comprovadora de sua qualidade. Esse reconhecimento oficial abre as portas para novos consumidores e fortalece a marca “Queijo do Marajó”, que está associada a valores como tradição, qualidade e sustentabilidade.

No campo ambiental, a regulamentação adequada contempla os impactos da pecuária na região, ao promover práticas que respeitem os ecossistemas, realizando uma expansão de forma sustentável, a fim de garantir uma fonte significativa de renda que auxilie centenas de famílias sem comprometer os recursos naturais da região, alinhando-se aos princípios defendidos pela bioeconomia.

Verificou-se que o setor produtivo no Marajó enfrenta desafios referentes à organização fundiária e disponibilidade de recursos para uma fiscalização adequada. Ainda há muitos pequenos produtores trabalhando de maneira informal ou semiformal, o que dificulta o cumprimento de critérios legais e o controle de qualidade. Este cenário pede urgentemente a intervenção de políticas públicas que fortaleçam e garantam a fiscalização e avaliação do suporte técnico e financeiro, a fim de que todos os produtores tenham as mesmas condições de atingir os padrões exigidos.

Desse modo, compreende-se que, a regulamentação da produção de queijo no Marajó é um desafio que se apresenta em muitas dimensões e requer ações integradas, unindo atores como o governo, a sociedade civil e os produtores locais. Se houver o fortalecimento das bases legais, e uma organização produtiva, ao mesmo tempo em que se fomenta o acesso ao mercado, são grandes as possibilidades de haver um desenvolvimento sustentável da produção do queijo do Marajó, de modo a garantir que esse patrimônio cultural continue gerando renda, emprego e reconhecimento para esse produto.

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1 Bacharelando no curso de graduação em Direito, do Centro Universitário do Estado do Pará- CESUPA, e-mail: estevao20060021@aluno.cesupa.br

2 Bacharelando no curso de graduação em Direito, do Centro Universitário do Estado do Pará- CESUPA, e-mail: pedro20060180@aluno.cesupa.br