REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/pa10202505101135
João Pedro Palhares Lima1
André de Souza Dantas Elali2
RESUMO
Ao passo que a globalização econômica foi crescendo, as grandes potências econômicas notaram a falta de acompanhamento entre a legislação doméstica e internacional com o avanço das relações comerciais. Neste sentido, desenvolvido pela OCDE e pelo G20, o Projeto BEPS visa combater práticas tributárias “abusivas” usadas por empresas multinacionais para minimizar suas obrigações fiscais. Essas práticas envolvem a transferência de lucros para jurisdições de baixa ou nenhuma tributação, resultando na erosão das bases tributárias de países onde os lucros são efetivamente gerados. Contudo, pela influência dos poucos países que compõem a OCDE, pela ausência de diálogo entre contribuintes e Estados, além de diversos outros fatores, o projeto enfrenta desafios relacionados à coordenação internacional, visto que suas diretrizes são elaboradas por países desenvolvidos, cuja realidade econômica pode não refletir as necessidades de países como o Brasil. A atribuição da responsabilidade pela erosão fiscal principalmente às empresas, ignorando-se as falhas na harmonização dos sistemas tributários, também foram fatores destacados ao longo do artigo. O Brasil, ao aderir ao BEPS, busca equilibrar sua autonomia tributária e a necessidade de se alinhar às normas internacionais para atrair mais investimentos e melhorar sua candidatura à OCDE. No entanto, adaptar-se às recomendações sem comprometer sua autonomia e respeito às normas constitucionais e infraconstitucionais é um desafio contínuo. O planejamento tributário é um direito completamente relacionado com a liberdade empresarial e a livre iniciativa, desde que não envolva práticas fraudulentas. Sendo assim, é necessário estabelecer um diálogo mais transparente entre governo e contribuintes, num ambiente harmônico de cooperação. O presente estudo abordará a implementação das recomendações do BEPS e a necessidade de reformas legislativas com respeito aos limites constitucionais, considerando a complexidade do sistema tributário brasileiro e seu impacto na economia nacional.
Palavras-chave: BEPS. OCDE. Cooperação. Transparência. Transferência de Lucros. Erosão Fiscal.
ABSTRACT
As economic globalization has grown, major economic powers have noticed the lack of coordination between domestic and international legislation as trade relations have advanced. In this sense, developed by the OECD and the G20, the BEPS Project aims to combat “abusive” tax practices used by multinational companies to minimize their tax obligations. These practices involve the transfer of profits to low- or no-tax jurisdictions, resulting in the erosion of the tax bases of countries where the profits are actually generated. However, due to the influence of the few countries that make up the OECD, the lack of dialogue between taxpayers and States, in addition to several other factors, the project faces challenges related to international coordination, since its guidelines are drawn up by developed countries, whose economic reality may not reflect the needs of countries like Brazil. The attribution of responsibility for tax erosion mainly to companies, ignoring the flaws in the harmonization of tax systems, were also factors highlighted throughout the article. By joining BEPS, Brazil seeks to balance its tax autonomy with the need to align with international standards to attract more investment and improve its candidacy for membership of the OECD. However, adapting to the recommendations without compromising its autonomy and respect for constitutional and infra-constitutional standards is an ongoing challenge. Tax planning is a right that is completely related to business freedom and free enterprise, as long as it does not involve fraudulent practices. Therefore, it is necessary to establish a more transparent dialogue between the government and taxpayers, in a harmonious environment of cooperation. This study will address the implementation of BEPS recommendations and the need for legislative reforms with respect to constitutional limits, considering the complexity of the Brazilian tax system and its impact on the national economy.
Keywords: BEPS. OCDE. Cooperation. Transparency. Profit Shifting. Base Erosion.
1. Introdução
A Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é um órgão internacional que foi fundado em 1960 e age na regulamentação da economia entre diversos países, sendo sediada em Paris.
A organização é composta por 38 países-membros e o Brasil não faz parte dele. Contudo, mantêm-se relações com Estados que não a integram, dentre eles o Brasil, que é convidado pela OCDE a ter uma crescente participação em suas atividades e integra alguns comitês e grupos de trabalho. Um dos objetivos da organização é auxiliar no crescimento sustentável da economia mundial, bem como manter a estabilidade financeira.
O Grupo dos 20 ou simplesmente G-20, nos termos do site oficial do Banco Central do Brasil:
um fórum informal que promove debate aberto e construtivo entre países industrializados e emergentes sobre assuntos-chave relacionados à estabilidade econômica global. O G-20 apoia o crescimento e o desenvolvimento mundial por meio do fortalecimento da arquitetura financeira internacional e via oportunidades de diálogo sobre políticas nacionais, cooperação internacional e instituições econômico-financeiras internacionais.3
O grupo é formado por 19 países e o Brasil é membro dele.
A globalização econômica intensificou as operações de empresas multinacionais, criando uma interdependência entre economias nacionais. Um efeito colateral desse processo foi o uso de práticas de planejamento tributário, taxadas como agressivas pelas entidades internacionais, que resultam na erosão das bases tributárias e na transferência de lucros para jurisdições de baixa ou nenhuma tributação.
A OCDE emite recomendações com o intuito de, teoricamente, manter a estabilidade financeira, contribuir para o crescimento do comércio mundial, promover padrões internacionais em questões econômicas, financeiras, comerciais, sociais e ambientais, etc. Apesar de suas recomendações serem medidas não vinculantes às quais os países podem aderir de maneira voluntária, são atos que possuem influência pelo peso e importância das opiniões envolvidas.
Em busca de seus objetivos, a OCDE em conjunto com o G-20 criou o Projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) ou, em português, Erosão da Base Tributária e Transferência de Lucros.
Nos termos do site oficial da OCDE, a erosão da base tributária e a transferência de lucros relacionam-se com estratégias de planejamento tributário que as empresas multinacionais utilizam para buscar brechas nas regras tributárias para transferir artificialmente lucros para locais com impostos baixos ou sem impostos como uma forma de evitar o pagamento de impostos.
O Projeto BEPS surgiu como uma alternativa para os países evitarem a evasão fiscal e garantir que os lucros sejam tributados nos locais em que ocorrem a atividade econômica, buscando-se a diminuição da concorrência fiscal na esfera internacional. Os padrões internacionais tributários teriam como objetivo garantir a coerência na tributação dos rendimentos das pessoas jurídicas a nível internacional.
Para Luis Eduardo Schoueri, a responsabilidade dos Estados na erosão da base tributável e a transferência de lucros não pode ser completamente afastada, pois por vezes os contribuintes simplesmente utilizam das alternativas tributárias que os próprios países apresentam, de modo explícito ou por lacunas. Ou seja, de um lado as empresas buscam tratamentos tributários mais benéficos concedidos pelos próprios Estados e, do outro, os países incentivam este comportamento com a concessão de auxílios fiscais ou em negociação de tratados que se afastam do padrão internacional.
Não obstante a OCDE aparente ter as melhores intenções, observa-se que há proteção dos países membros em detrimento dos que não a integram, sendo uma das consequências desta preferência a ausência de adoção das recomendações propostas pela organização.
2. O surgimento do Projeto BEPS
Em julho de 2013 a OCDE, a pedido realizado pelo G-20, apresentou o Projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting Action Plan). O objetivo deste plano estratégico, conforme já mencionado, é combater a erosão fiscal e a transferência de lucros para países com baixa ou nenhuma tributação.
Para as organizações internacionais, a economia digital teria possibilitado que as empresas realizassem suas atividades longe dos consumidores, além da exploração excessiva do planejamento tributário. Uma consequência disso, segundo as entidades, seria a tensão social surgida entre os países pelo conflito na justiça tributária.
O professor Luis Eduardo Schoueri compara o Projeto BEPS com uma estratégia militar, havendo a “união” de países, desenvolvem-se ações coordenadas por meio de uma organização internacional (Alto comando), com o intuito de combater o inimigo (empresas multinacionais). Apesar do objetivo não ser, na teoria, a destruição das empresas, mas sim sua sujeição ao decidido pelos entes, é inegável a ocorrência de “baixas” durante a vigência dessas ações, como a falência de empresas.
Apesar da intenção de interação harmônica entre os sistemas tributários nacionais a fim de que fosse evitada a erosão da base tributária e da transferência lucros, diversos doutrinadores defendem que as lacunas continuam a existir.
3. Ações do Projeto BEPS
O Projeto BEPS possui 15 ações recomendadas objetivando uma relação congruente entre as práticas tributárias dos países juntamente com a possibilidade de compartilhamento de informações entre as autoridades fiscais, objetivando uma maior transparência.
Como será percebido, a OCDE e o G-20 focaram em três princípios estruturantes: coerência, substância e transparência. Contudo, não há um conceito concreto do que seria considerado “abusivo” ou “agressivo”.
3.1 Ação nº 1
A ação nº 1 diz respeito ao estudo da economia digital, abordando os obstáculos da economia digital e as principais dificuldades para a aplicação das regras tributárias internacionais existentes.
3.2 Ação nº 2
Já a ação nº 2 dispõe sobre a neutralização dos efeitos das operações híbridas, com o intuito de impedir que a empresa multinacional aproveite as diferentes legislações fiscais dos países. Um exemplo disso, seria no país A considerar um pagamento de juros como despesa dedutível de impostos e no país B considerar o mesmo pagamento como um rendimento isento de tributação, gerando uma dupla não tributação.
3.3 Ação nº 3
A ação de nº 3 reforça as regras de tributação das corporações estrangeiras controladas. Neste ponto, verifica-se que a Lei 12.973/14 e a Instrução Normativa nº 1.515 da Receita Federal do Brasil (RFB) estabeleceram uma tributação mais rigorosa com as empresas brasileiras controladas e investidas.
3.4 Ação nº 4
Ao passo que a ação de nº 4 fala sobre a limitação de dedução de juros e outros financiamentos sobre a base tributável, evitar a erosão da base tributária por meio de deduções excessivas de juros pagos a empresas vinculadas.
3.5 Ações nº 5 e 6
A ação de nº 5 tem por fundamento o combate a práticas fiscais nocivas e o reforço da troca de informações entre administrações fiscais. Seguindo a linha do proposto pelo Projeto BEPS, a ação nº 6 busca prevenir o abuso de tratados tributários, evitando o uso abusivo de tratados fiscais internacionais para obter benefícios indevidos.
3.6 Ação nº 7
Passando para ação nº 7, busca-se a prevenção de situações que inibem a caracterização do conceito de estabelecimento permanente, evitando a geração de obrigações fiscais.
3.7 Ação nº 8 a 10
A ações de 8 a 10 estão num contexto de orientações relativas aos preços de transferência para assegurar que seus resultados estão em conformidade com a criação de valor em relação aos intangíveis, incluindo os de difícil valorização, aos riscos e ao capital e a outras transações de alto risco.
Cabe destacar, neste ponto, o que seria preço de transferência ou Transfer Pricing. Podemos defini-lo como o preço estabelecido nas transações comerciais entre partes relacionadas do mesmo grupo econômico.4
Ao consultar o termo na Receita Federal, tem-se a seguinte definificação:
O termo “preço de transferência” tem sido utilizado para identificar os controles a que estão sujeitas as operações comerciais ou financeiras realizadas entre partes relacionadas, sediadas em diferentes jurisdições tributárias, ou quando uma das partes está sediada em paraíso fiscal. Em razão das circunstâncias peculiares existentes nas operações realizadas entre essas pessoas, o preço praticado nessas operações pode ser artificialmente estipulado e, consequentemente, divergir do preço de mercado negociado por empresas independentes, em condições análogas – preço com base no princípio arm’s length.
Inclusive, há a Instrução Normativa RFB nº 2.161/2023 que disciplina o tema dos “preços de transferência a serem praticados nas transações efetuadas por pessoa jurídica domiciliada no Brasil com partes relacionadas no exterior”.5
3.8 Ação nº 11
Como forma de medição e monitoração do BEPS surge a ação de nº 11, coletando e analisando dados e informações, avaliando a eficácia das ações implementadas.
3.9 Ação nº 12
Nessa mesma linha de transparência está a ação nº 12, tratando sobre regra de divulgação sobre planejamento tributário agressivo, contendo recomendações sobre a concepção de regras de divulgação obrigatórias para regimes de planejamento fiscal agressivo. Inclusive, discute-se no Brasil acerca de uma declaração para que os contribuintes informem à RFB os planejamentos tributários, que contemplarão não somente as operações de planejamento tributário no Brasil, mas também planejamentos que envolvam empresas no exterior.
3.10 Ação nº 13
Ainda no contexto do parágrafo anterior, tem-se a ação nº 13 que trata da revisão da documentação relacionada ao preço de transferência, estabelecendo padrões para a documentação de preços de transferência e a apresentação de relatórios por país, fornecendo informações detalhadas sobre operações globais de empresas multinacionais.
3.10 Ação nº 14
Outrossim, na ação de nº 14 recomenda-se a utilização de mecanismos de resolução de conflitos mais eficazes para resolver disputas fiscais internacionais, promovendo a segurança jurídica e a previsibilidade para as empresas.
3.11 Ação nº 15
Por fim, a ação nº 15 traz uma análise das questões jurídicas relacionadas com o desenvolvimento de um instrumento multilateral que permita aos países racionalizar a implementação das medidas do BEPS.
4. As recomendações no Brasil
Apesar da tentativa das recomendações, a ideia de coordenação não é tão harmônica quanto parece. Nas palavras de Schoueri:
A esse respeito, resta claro que, ao legar à OCDE — que ainda é, indubitavelmente, o “clube dos países ricos” (BRAUNER, 2014, p. 59) — a tarefa de elaborar o Plano de Ação, parte dos países do G20 entregou a missão de elaborar sua tática de guerra ao Alto Comando, que não tem compromisso com o pós-guerra; é dizer, a repartição dos frutos da vitória não será decidida a partir dos esforços ou interesses de todos os envolvidos, mas segundo os critérios definidos por alguns Estados, mesmo que em detrimento dos aliados que foram fundamentais para a vitória.
É interessante apontar que, apesar do Relatório BEPS indicar o contribuinte como maior causador da erosão da base e transferência de lucros, a falta de congruência e harmonia dos sistemas tributários influenciam circunstancialmente no fenômeno. Destaca-se também a diferença na realidade econômica de cada sociedade, na medida que os interesses dos Estados Unidos são diversos dos do Brasil.
A concorrência tributária internacional é um fenômeno de grande importância econômica, com implicações significativas para a tributação, dada a contínua integração das economias. Assim, os elementos norteadores dessa relação complexa entre a integração econômica global e a tributação são: competição, coordenação e harmonização.
Nesse contexto, muito se discute na comunidade internacional acerca de temas relacionados ao BEPS e a concorrência tributária entre países, como a evasão fiscal, planejamento tributário agressivo, responsabilidade social corporativa, governança fiscal, transparência e troca de informações. No Brasil não é diferente, na medida que também é impactado pela atração de investimentos em outros países, ocasionando a saída de empresas multinacionais do território brasileiro.
Ocorre que o país que tributar excessivamente, pode perder investimentos para outros, dada a crescente mobilidade econômica propiciada pela era digital.A manutenção de vantagens fiscais acaba sendo um dos principais motivos para a concessão de novos incentivos, resultando em um processo descrito por alguns doutrinadores como “corrida para o fundo do poço.” Como consequência, há a possível degradação tributária de muitos países que concedem incentivos em busca de investimentos internacionais.
Para Paulo Ayres Barreto e Caio Augusto Takano, uma solução duradoura para os problemas apresentados “depende, fundamentalmente, do aprimoramento da relação entre fisco e contribuinte (enhanced relationship), com vistas ao desenvolvimento da confiança recíproca e promoção da segurança jurídica.”.
O Brasil, embora não seja membro pleno da OCDE, assumiu compromissos com suas recomendações. Um dos motivos mais relevantes para o país aderir ao BEPS é a vontade de tornar-se membro da entidade internacional.
Nesta ótica, o Brasil vem efetuando alterações legislativas e participando de discussões no âmbito do Projeto BEPS para implementar as diretrizes recomendadas. Contudo, um dos desafios encontrados é realizar tais adaptações sem deixar de lado sua autonomia.
O Brasil possui hoje tratados para evitar bitributação com mais de 30 países, além de alguns tratados de reciprocidade tributária. De acordo com dados oficiais do Governo Federal, alguns desses países são os Estados Unidos da América, a França, África do Sul, Argentina, etc.6
No contexto de cooperação e transparência fiscal, houve uma tentativa frustrada do governo brasileiro em inserir uma “declaração de planejamento tributário” a partir da Medida Provisória nº 685/2015. Nesse texto legislativo trazia-se conceitos subjetivos que concedia a RFB uma margem ampla de enquadramento em uma conduta considerada “omissão dolosa do sujeito passivo com intuito de sonegação ou fraude”, colaborando para a ausência de confiança mútua entre contribuinte e fisco (enhanced relationship).
Para Barreto e Takano, impor um regime que não seja claro, desconforme com a legislação tributária nacional e que possua sanções excessivas propiciam a fuga de investimentos nacionais e internacionais para outras jurisdições. O planejamento tributário é um direito diretamente ligado à liberdade empresarial e a livre iniciativa, podendo ser realizado em conformidade com o que foi posto pelo Poder Legislativo.
Sob a ótica do direito brasileiro, não cabe a Administração Tributária invadir a esfera de liberalidade da pessoa jurídica em estruturar sua empresa de forma que obtenha uma menor carga tributária, a não ser nas hipóteses previstas em lei em que haja simulação. A frase proferida pelo magistrado britânico Lord Clyde, há mais de 100 anos, ainda prevalece no contexto atual, onde defendeu que ninguém está sujeito à menor obrigação, moral, legal ou de outra natureza, de optar pela estrutura tributária mais onerosa se assim puder fazer de outra forma.7
Sendo assim, o governo brasileiro, convergindo na aplicação das ações do Projeto BEPS, devem estabelecer um diálogo com os contribuintes para encontrar alternativas adequadas entre os interesses de ambas as partes. Será necessário incluir fatores como a posição do Brasil no cenário internacional, os interesses do país no seu desenvolvimento e ingresso de investimentos estrangeiros, bem como na manutenção dos que aqui já se encontram.
O Brasil, hoje, possui uma estrutura tributária e limites normativos constitucionais e infraconstitucionais complexos. Com a inclusão de medidas recomendadas pelas organizações internacionais, será exigido uma minuciosa análise sobre a sua compatibilidade com o nosso ordenamento jurídico e os impactos de sua adequação.
5. Elisão x Evasão x Erosão
Um ponto que merece destaque quando falamos de planejamento tributário é a diferença entre erosão, elisão e evasão fiscal.
De início, a elisão fiscal pode ser classificada como prática lícita que precede o fato gerador, onde o contribuinte organiza suas atividades de forma que tenha uma menor tributação. Ou seja, não há qualquer conduta ilícita no contribuinte dirigir suas atividades de forma que os tributos que incidam sobre ela sejam menores. Para Silva e Williams, “pagar mais em nome da moral, não passa de mera chacota”.8
Quanto à elisão fiscal, destaca-se o julgamento recente do Supremo Tribunal Federal quanto a norma antielisiva do parágrafo único do art. 116 do Código Tributário Nacional no bojo da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2446. No caso citado, destaca-se que o artigo em comento “confere ao Fisco poderes para desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo”9 e não proíbe o contribuinte de buscar, legitimamente, planejamento e economia fiscal.
Já a Evasão Fiscal, é tida como um ato ilícito, sendo caracterizado por muitos como antônimo da elisão, constituindo práticas ilegais para redução da carga tributária. Hermes Marcelo Huck traz alguns atributos deste ilícito fiscal, como a existência de um negócio artificial, o uso ilegítimo de lacunas da lei para a obtenção de vantagens e a utilização de institutos jurídicos com propósitos diversos que se destinam ao sigilo nas operações evasivas.
Ao passo que a erosão fiscal pode inserir-se no conceito de redução da base tributária de um país devido a contribuintes que utilizam planejamentos tributários agressivos, evidenciado pelo deslocamento de centros de produção e de fluxo de dinheiro de países de alto custo tributário (high tax) para países com custos menores (low tax).
6. Conclusão
Conclui-se que, apesar do Projeto BEPS aparentar ser um facilitador para transparência fiscal e redutor de fugas fiscais, parece que deixa de observar as empresas que de fato estão fora das legislações, focando nas que as observam. Como já dito anteriormente, em diversas ocasiões as empresas reduzem as cargas tributárias nos ditames dos sistemas tributários, não agindo com uma conduta contra legem.
Ademais, não há como falar em ilegalidade da conduta se esta é baseada nos sistemas tributários disponíveis pelos Estados, como bem leciona Schoueri “Porque baseadas na legalidade, não há como censurar sua atitude”.
Nesta senda, deve-se instituir ações que criem um ambiente cooperativo e harmônico entre os contribuintes e Estados, além da relação entre Estados. Os contribuintes devem ver em suas relações com os entes tributantes a ocorrência de concessões mútuas, de forma que ambos se interessem pelos problemas dos outros e busquem uma alternativa adequada.
Além disso, a inserção de normas que coadunem com as recomendações feitas devem ser antecedidas de uma análise minuciosa da compatibilidade com os interesses nacionais relacionados ao desenvolvimentos do país e da legislação constitucional e infraconstitucional vigente.
7. Referências
ELALI, André. Incentivos Fiscais Internacionais: concorrência fiscal, mobilidade financeira e crise do Estado. São Paulo: Quartier Latin, 2010.
ELALI, André. TAX COMPETITION AND THE POSITION OF THE DEVELOPING COUNTRIES. London: QMUL, 2020.
PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito Internacional Público e Privado: Incluindo Noções de Direitos Humanos e de Direito Comunitário. Salvador: JusPODIVM, 2018.
BARRETO, Paulo Ayres; e TAKANO, Caio Augusto. Os desafios do planejamento tributário internacional na era pós-BEPS. In: CARVALHO, Paulo de Barros (org.). XIII Congresso Nacional de Estudos Tributários – IBET. São Paulo: Noeses, 2016.
BRASIL. Código Tributário Nacional. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em www.planalto.gov.br. Acesso em 13 de dez. de 2024.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 13 de dez. 2024.
OCDE (2014), Plano de ação para o combate à erosão da base tributária e à transferência de lucros, OECD Publishing. http://dx.doi.org/10.1787/9789264207790-pt
Grupo dos Vinte (G-20). Disponível em: https://www.bcb.gov.br/rex/g20/port/mencaog20.asp?frame=1. Acesso em 15 de dez. de 2024.
COELHO, Renato; CHIANG, Gabriel. Projeto BEPS no Brasil. Disponível em: https://www.jota.info/artigos/projeto-beps-no-brasil. Acesso em 14 de dez. de 2024.
Cf. SCHOUERI, Luís Eduardo. O Projeto BEPS: ainda uma estratégia militar. In. GOMES, Marcus Lívio; SCHOUERI, Luís Eduardo (Coord.). A tributação internacional na Era Pós-BEPS: soluções globais e peculiaridades de países em desenvolvimento. Volume I. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016.
IGLESIAS, Marcelo Bloizi; OLIVEIRA, Arthur Tadeu Argolô de. Paraísos Fiscais: Elisão ou Evasão Fiscal? Uma Análise desta Estratégia de Planejamento Tributário nas Negociações Empresariais Internacionais. Revista Direito Tributário Internacional Atual nº 5. ano 3. p.141-159. São Paulo: IBDT, 2019.
1 Graduando em Direito na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
2 Professor Associado do Departamento de Direito Público da UFRN. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Mackenzie/SP e Doutor em Direito Público pela Faculdade de Direito do Recife com Estágio e Bolsa de Pesquisa no Max-Planck-Institüt für Steuerrecht, em Munique, Alemanha (2008). Foi Visiting Scholar da Queen Mary University of London (2015-2016) e Pesquisador-Visitante em Direito e Economia na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2018). Foi Membro do Conselho de Curadores da UFRN e Vice-Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito (PPGD) e é Membro e Conselheiro/Revisor das Publicações da APET e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário e é Parecerista de diversas publicações científicas, como a Revista de Informação Legislativa do Senado Federal e da Escola da Magistratura do Rio Grande do Norte.