BENEFITS AND EFFICACY OF SGLT2 INHIBITORS IN REDUCING CARDIOVASCULAR AND KIDNEY: A LITERATURE REVIEW
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202505242253
LEMOS, Maria Alice do Carmo1
COSTA, Isadora de Souza2
NASCIMENTO, Sales Silva3
RESUMO
Introdução. O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) é uma doença crônica caracterizada por resistência à insulina e disfunção progressiva das células beta pancreáticas, levando a hiperglicemia persistente e ao desenvolvimento de complicações micro e macrovasculares, especialmente renais e cardiovasculares. Estas últimas representam a principal causa de mortalidade em pacientes com DM2. Diante disso, os inibidores do cotransportador de sódioglicose tipo 2 (iSGLT2) emergiram como uma classe terapêutica promissora, inicialmente desenvolvida para promover controle glicêmico, mas que demonstrou efeitos protetores significativos sobre o coração e os rins. Esses fármacos atuam na inibição da reabsorção de glicose e sódio nos túbulos proximais renais, promovendo glicosúria e natriurese. Em pacientes diabéticos, esse mecanismo ajuda a reduzir a hiperfiltração glomerular e o estresse oxidativo, prevenindo a progressão da nefropatia diabética e reduzindo eventos cardiovasculares como a insuficiência cardíaca. A descoberta da florizina, um inibidor natural dos SGLTs, abriu caminho para o desenvolvimento de moléculas seletivas como a canagliflozina, empagliflozina e dapagliflozina, que apresentam bom perfil farmacocinético e eficácia clínica relevante. Objetivos. O objetivo geral desta pesquisa é investigar a eficácia e os benefícios dos inibidores de SGLT2 na redução dos riscos cardiovasculares e renais em pacientes com diabetes mellitus tipo 2. Para alcançar essa finalidade, o estudo tem como objetivos específicos: compreender os mecanismos de ação dos iSGLT2; analisar sua atuação na proteção renal e cardiovascular; avaliar seu impacto na progressão da doença renal diabética e na prevenção de eventos cardiovasculares; e identificar possíveis efeitos adversos e limitações no uso desses medicamentos. Ao cumprir esses objetivos, pretende-se fornecer uma base científica sólida que contribua para a tomada de decisões clínicas mais eficazes e individualizadas no tratamento de pacientes com DM2. Justificativa. A elevada prevalência do diabetes mellitus tipo 2 (DM2), associada às frequentes complicações cardiovasculares e renais, representa um importante desafio para a saúde pública. Essas complicações aumentam significativamente a morbimortalidade dos pacientes, geram altos custos assistenciais e comprometem a qualidade de vida. Nesse contexto, os inibidores do cotransportador de sódio-glicose tipo 2 (iSGLT2) têm se destacado como uma abordagem terapêutica inovadora por oferecerem benefícios que transcendem o controle glicêmico. Estudos recentes demonstram que esses fármacos reduzem eventos cardiovasculares, hospitalizações por insuficiência cardíaca e a progressão da doença renal diabética. Diante disso, torna-se fundamental aprofundar a análise das evidências disponíveis, com o objetivo de validar a aplicabilidade clínica desses medicamentos, atualizar protocolos terapêuticos e promover estratégias mais seguras, individualizadas e custo-efetivas no manejo do DM2 e de suas comorbidades. Metodologia: Este estudo realizou uma revisão bibliográfica exploratória para avaliar os benefícios e a eficácia dos inibidores do cotransportador de sódio-glicose tipo 2 (iSGLT2) na redução dos riscos cardiovascular e renal em pacientes com diabetes tipo 2. A pesquisa, conduzida entre fevereiro e maio de 2025, utilizou a base de dados PubMed e seguiu o protocolo PRISMA, incluindo artigos publicados entre 2020 e 2025, em inglês e português. Após aplicar critérios de inclusão e exclusão, 16 estudos foram selecionados para análise final, destacando os efeitos protetores dos iSGLT2 nos sistemas cardiovascular e renal. Resultados e discussão. Os inibidores do cotransportador de sódio-glicose tipo 2 (iSGLT2) demonstram benefícios significativos além do controle glicêmico em pacientes com diabetes tipo 2. Esses medicamentos reduzem a glicemia de jejum, a hemoglobina glicada, o peso corporal e promovem uma leve diminuição da pressão arterial, mesmo em indivíduos sem hipertensão. No aspecto renal, observam-se reduções na albuminúria, estabilização ou melhora da taxa de filtração glomerular e menor progressão da doença renal crônica, atribuídas à diminuição da pressão intraglomerular e ao estresse oxidativo. Com relação aos riscos cardiovasculares, os iSGLT2 diminuem hospitalizações por insuficiência cardíaca e eventos cardiovasculares maiores, especialmente em pacientes com alto risco ou doença estabelecida, devido à natriurese, melhora da hemodinâmica renal e modulação do sistema renina-angiotensina-aldosterona. Esses efeitos sugerem que os iSGLT2 atuam em múltiplas vias fisiopatológicas, oferecendo uma abordagem terapêutica promissora para pacientes com diabetes tipo 2 e riscos cardiovasculares e renais elevados. Conclusão. A análise dos estudos sobre os inibidores de SGLT2 evidenciou seus múltiplos benefícios no tratamento do diabetes mellitus tipo 2, indo além do controle glicêmico e alcançando efeitos protetores significativos nos sistemas renal e cardiovascular. Esses fármacos demonstraram capacidade de reduzir a pressão intraglomerular, retardar a progressão da doença renal crônica, melhorar parâmetros metabólicos como peso corporal, perfil lipídico e pressão arterial, além de diminuir hospitalizações por insuficiência cardíaca e, possivelmente, a mortalidade cardiovascular. Apesar dos avanços terapêuticos, observam-se limitações importantes, como efeitos adversos específicos, a necessidade de individualização do tratamento conforme o perfil clínico do paciente e os desafios relacionados ao custo e ao acesso aos medicamentos. Ainda assim, os iSGLT2 representam uma mudança no paradigma do cuidado ao paciente com DM2, contribuindo para uma abordagem mais abrangente, voltada à proteção de órgãos-alvo e à melhoria da qualidade e expectativa de vida.
Palavras-chave: Diabetes mellitus tipo 2. Inibidores do cotransportador de sódio-glicose tipo 2. Cardiovascular. Renal.
ABSTRACT
Introduction. Type 2 diabetes mellitus (T2DM) is a chronic disease characterized by insulin resistance and progressive pancreatic beta cell dysfunction, leading to persistent hyperglycemia and the development of micro and macrovascular complications, especially renal and cardiovascular. The latter represent the main cause of mortality in patients with T2DM. Therefore, sodium-glucose cotransporter type 2 inhibitors (SGLT2i) have emerged as a promising therapeutic class, initially developed to promote glycemic control, but which have demonstrated significant protective effects on the heart and kidneys. These drugs act by inhibiting the reabsorption of glucose and sodium in the renal proximal tubules, promoting glycosuria and natriuresis. In diabetic patients, this mechanism helps to reduce glomerular hyperfiltration and oxidative stress, preventing the progression of diabetic nephropathy and reducing cardiovascular events such as heart failure. The discovery of phlorizin, a natural SGLT inhibitor, paved the way for the development of selective molecules such as canagliflozin, empagliflozin and dapagliflozin, which have good pharmacokinetic profiles and relevant clinical efficacy. Objectives. The general objective of this research is to investigate the efficacy and benefits of SGLT2 inhibitors in reducing cardiovascular and renal risks in patients with type 2 diabetes mellitus. To achieve this goal, the study has the following specific objectives: to understand the mechanisms of action of SGLT2 inhibitors; to analyze their role in renal and cardiovascular protection; to evaluate their impact on the progression of diabetic kidney disease and the prevention of cardiovascular events; and to identify possible adverse effects and limitations in the use of these drugs. By fulfilling these objectives, we intend to provide a solid scientific basis that contributes to more effective and individualized clinical decision-making in the treatment of patients with DM2. Justification. The high prevalence of type 2 diabetes mellitus (DM2), associated with frequent cardiovascular and renal complications, represents a major challenge for public health. These complications significantly increase patient morbidity and mortality, generate high healthcare costs and compromise quality of life. In this context, sodium-glucose cotransporter type 2 inhibitors (SGLT2i) have stood out as an innovative therapeutic approach because they offer benefits that go beyond glycemic control. Recent studies have shown that these drugs reduce cardiovascular events, hospitalizations for heart failure and the progression of diabetic kidney disease. Therefore, it is essential to further analyze the available evidence in order to validate the clinical applicability of these drugs, update therapeutic protocols and promote safer, more individualized and cost-effective strategies for the management of DM2 and its comorbidities. Methodology: This study performed an exploratory literature review to evaluate the benefits and efficacy of sodiumglucose cotransporter type 2 inhibitors (SGLT2i) in reducing cardiovascular and renal risks in patients with type 2 diabetes. The research, conducted between February and May 2025, used the PubMed database and followed the PRISMA protocol, including articles published between 2020 and 2025, in English and Portuguese. After applying inclusion and exclusion criteria, 16 studies were selected for final analysis, highlighting the protective effects of SGLT2i on the cardiovascular and renal systems. Results and discussion. Sodium-glucose cotransporter type 2 inhibitors (SGLT2i) demonstrate significant benefits beyond glycemic control in patients with type 2 diabetes. These drugs reduce fasting blood glucose, glycated hemoglobin, body weight and promote a slight decrease in blood pressure, even in individuals without hypertension. In the renal aspect, reductions in albuminuria, stabilization or improvement of the glomerular filtration rate and reduced progression of chronic kidney disease are observed, attributed to the reduction of intraglomerular pressure and oxidative stress. Regarding cardiovascular risks, SGLT2 inhibitors reduce hospitalizations for heart failure and major cardiovascular events, especially in patients with high risk or established disease, due to natriuresis, improvement of renal hemodynamics and modulation of the renin-angiotensin-aldosterone system. These effects suggest that SGLT2 inhibitors act on multiple pathophysiological pathways, offering a promising therapeutic approach for patients with type 2 diabetes and high cardiovascular and renal risks. Conclusion. The analysis of studies on SGLT2 inhibitors demonstrated their multiple benefits in the treatment of type 2 diabetes mellitus, going beyond glycemic control and achieving significant protective effects on the renal and cardiovascular systems. These drugs have demonstrated the ability to reduce intraglomerular pressure, slow the progression of chronic kidney disease, improve metabolic parameters such as body weight, lipid profile and blood pressure, in addition to reducing hospitalizations for heart failure and, possibly, cardiovascular mortality. Despite therapeutic advances, important limitations are observed, such as specific adverse effects, the need to individualize treatment according to the patient’s clinical profile and challenges related to cost and access to medications. Even so, SGLT2 inhibitors represent a change in the paradigm of care for patients with DM2, contributing to a more comprehensive approach, focused on protecting target organs and improving quality of life and life expectancy.
Keywords: Type 2 diabetes mellitus. Sodium-glucose cotransporter type 2 inhibitors. Cardiovascular. Renal.
1 INTRODUÇÃO
O diabetes mellitus tipo 2 (DM2) trata-se de uma condição caracterizada por resistência à insulina e disfunção progressiva das células beta pancreáticas, resultando em hiperglicemia persistente e, com o tempo, em danos micro e macrovasculares significativos. As complicações mais temidas do DM2 são justamente aquelas que acometem o sistema cardiovascular e o sistema renal, contribuindo para o aumento expressivo de eventos como infarto agudo do miocárdio, insuficiência cardíaca, acidente vascular cerebral e progressão para doença renal crônica (DRC), frequentemente culminando em terapia renal substitutiva. O DM2 está intimamente associado ao risco de complicações cardiovasculares e renais, sendo as doenças cardiovasculares a principal causa de mortalidade global. Os benefícios mais evidentes dos inibidores do SGLT2 (inibidores do cotransportador de sódio-glicose tipo 2) estão relacionados à redução de hospitalizações por insuficiência cardíaca, demonstrando impacto clínico significativo nesse grupo de pacientes (GEORGIOU et al., 2021).
Nos últimos anos, os inibidores do cotransportador de sódio-glicose tipo 2 (iSGLT2) têm se destacado no cenário terapêutico do DM2 não apenas como agentes antidiabéticos, mas também como medicamentos dotados de propriedades cardiorrenais protetoras. (GEORGIOU et al., 2021).
A estrutura renal é composta por unidades funcionais chamadas néfrons, responsáveis pela filtração do sangue e reabsorção de substâncias essenciais. Em indivíduos com diabetes mellitus tipo 2 (DM2), a hiperglicemia crônica aumenta a reabsorção de glicose e sódio nos túbulos proximais, principalmente por meio dos transportadores SGLT2. Esse mecanismo contribui para a hiperfiltração glomerular, elevando a pressão intraglomerular e promovendo lesões renais progressivas, como a nefropatia diabética. Além disso, o aumento da atividade dos SGLT2 intensifica o consumo de oxigênio pelas células tubulares, exacerbando a hipóxia renal e favorecendo processos inflamatórios e fibróticos que comprometem a função renal a longo prazo (TUTTLE et al., 2021).
O objetivo principal desta pesquisa é investigar os benefícios e a eficácia do uso dos inibidores de SGLT2 na redução dos riscos cardiovasculares e renais em pacientes com diabetes mellitus tipo 2. A partir disso, pretende-se analisar os mecanismos de ação desses fármacos, avaliar seu impacto na progressão da doença renal diabética, identificar seus efeitos na redução de eventos cardiovasculares adversos e levantar possíveis limitações e efeitos colaterais associados ao seu uso. Dessa forma, este trabalho busca não apenas oferecer uma revisão aprofundada da literatura científica sobre o tema, mas também fornecer subsídios que possam auxiliar na tomada de decisão clínica e na individualização terapêutica, respeitando as particularidades de cada paciente e a complexidade da DM2.
Segundo Herrington et al. (2021) os inibidores dos cotransportadores sódio-glicose (SGLTs) foram desenvolvidos com base na descoberta do “limiar de glicose”, que seria regulado pela concentração de glicose no túbulo contorcido distal. Além disso, reconheceu-se que esse limiar poderia ser diminuído geneticamente (ex. Glicosúria familiar) ou farmacologicamente (ex. Florizina) e com essa descoberta aprofundou-se o estudo nos genes para as proteínas SGLT1 e SGLT2.
O SGLT1 é um transportador de baixa capacidade e alta afinidade, localizado no trato gastrointestinal sendo responsável pela absorção da glicose na dieta, como também no túbulo contorcido proximal onde reabsorve cerca de 3% da glicose na urina (HERRINGTON et al., 2021). A proteína é um transportador de alta capacidade e alta afinidade, localizado principalmente no túbulo contorcido proximal a qual é responsável por reabsorver cerca de 97% da glicose na urina em indivíduos não saudáveis), nesse sentido o SGLT2 possui maior efeito acerca da reabsorção renal de glicose.
Nesse sentido, o estudo dos inibidores dos cotransportadores de sódio-glicose tipo 2 (iSGLT2) foram iniciados como uma busca de potencial terapia hipoglicemiante para pacientes com diabetes mellitus tipo 2 a partir da florizina, uma substância natural encontrada na casca da maçã que possui efeitos benéficos no metabolismo da glicose (TAKAHASHI, et al. ,2024). A florizina é um glicosídeo natural presente na casca de raízes de algumas árvores frutíferas, conhecido por bloquear o transporte de glicose em tecidos como o rim e o intestino delgado (PREDA et al., 2024).
Com a avaliação dessa substância descobriu-se que esta era um inibidor dos SGLTs e gerava a glicosúria, entretanto atuava simultaneamente nas proteínas SGLT 1 e SGLT2, com isso iniciou-se a busca para os inibidores seletivos do SGLT2 como terapia hipoglicemiante (HERRINGTON et al., 2021).
De acordo com Takahashi et al. (2024), o mecanismo de ação dos SGLT2 tem como base a inibição desses cotransportadores aumentando a excreção urinária de glicose diminuindo assim os níveis séricos de glicose de forma independente da insulina. Ademais, é possível perceber que a redução da secreção de insulina, devido a perda de glicose pela urina estimula a secreção de glucagon o qual gera aumento da produção hepática de glicose e de limita a captação de aminoácidos nas periferias.
Além disso, os inibidores de SGLT2 demonstraram a capacidade de reduzir o estresse oxidativo, um fator-chave para o dano celular. Ao fortalecer as defesas antioxidantes, os inibidores de SGLT2 podem mitigar o dano oxidativo em órgãos como rins, coração e vasos sanguíneos (LEVIN et al., 2020).
Estudos como o EMPA-REG OUTCOME demonstraram que a empagliflozina reduz significativamente a mortalidade cardiovascular e as hospitalizações por insuficiência cardíaca em pacientes com DM2. Além disso, diretrizes brasileiras recentes recomendam o uso de iSGLT2 para pacientes com DM2 e alto risco cardiovascular, independentemente do nível de HbA1c. Essas evidências reforçam a importância de integrar os iSGLT2 nas estratégias terapêuticas para o DM2, visando não apenas o controle glicêmico, mas também a redução de eventos adversos cardiovasculares e renais. (ZINMAN, Bernard et al.,2015)
Os inibidores do cotransportador sódio-glicose tipo 2 (SGLT2) — como canagliflozina, dapagliflozina e empagliflozina — são fármacos orais amplamente utilizados no tratamento do diabetes mellitus tipo 2 (DM2). Eles compartilham características farmacocinéticas favoráveis que contribuem para sua eficácia e segurança clínica. Após administração oral, esses medicamentos são rapidamente absorvidos, atingindo concentrações plasmáticas máximas em aproximadamente 1 a 2 horas. A biodisponibilidade oral varia entre 60% e 78%, permitindo administração única diária. A meia-vida de eliminação situa-se entre 10 e 13 horas, o que sustenta sua eficácia ao longo de 24 horas. A ligação às proteínas plasmáticas é elevada, variando de 86% a 99%, o que contribui para uma distribuição tecidual eficaz. Essas propriedades farmacocinéticas conferem aos inibidores de SGLT2 um perfil terapêutico vantajoso, permitindo o uso em monoterapia ou em combinação com outros antidiabéticos, com baixo risco de interações medicamentosas clinicamente significativas. (ZINMAN, Bernard et al.,2015).
Considerando a relevância das evidências científicas disponíveis, este estudo propõe-se a aprofundar a análise da eficácia clínica e dos benefícios dos inibidores do SGLT2, especialmente no contexto da prevenção e mitigação de desfechos cardiovasculares e renais em pacientes com diabetes mellitus tipo 2. A compreensão crítica e baseada em evidências desses benefícios é fundamental para orientar uma prática clínica mais segura, personalizada e eficaz, que vá além do controle glicêmico e aborde também a prevenção das complicações que mais impactam a qualidade e a expectativa de vida desses pacientes. Além disso, ao compilar e avaliar as evidências mais recentes sobre os efeitos dos iSGLT2, este trabalho visa contribuir para a atualização dos protocolos terapêuticos e para o desenvolvimento de estratégias de cuidado mais custo-efetivas, considerando o impacto coletivo do DM2 no sistema de saúde.
2 MATERIAIS E MÉTODOS
O presente trabalho trata-se de uma revisão bibliográfica, de caráter exploratório a acerca do benefício e eficácia dos inibidores do cotransportador de sódio glicose tipo 2 em relação ao risco cardiovascular e renal. Para o delineamento do estudo foi utilizado o protocolo da Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA), seguindo as etapas de: identificação, seleção, elegibilidade e inclusão. Na realização da revisão utilizou-se as seguintes etapas: 1) definição do tema e formulação de questão norteadora; 2) definição dos descritores; 3) seleção das bases de dados utilizadas na pesquisa; 4) estabelecimento dos critérios de inclusão e exclusão; 5) pré-seleção dos artigos; 6) análise e leitura prévia dos estudos selecionados; 7) interpretação dos resultados e 8) apresentação da revisão de literatura.
A questão norteadora da pesquisa foi: “quais são os benefícios relacionados aos ISGLT2 na redução do risco cardiovascular e renal em pacientes com diabetes mellitus tipo 2?”. Os termos utilizados na busca estarão de acordo com os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS). Para delimitação das buscas foram utilizados os seguintes descritores em inglês: “diabetes”; “ISGLT2”; “cardiovascular risk”; “risk kidney”. “Sodium-glucose cotransporter type 2 inhibitors”.
O levantamento de dados foi realizado de fevereiro a maio de 2025. Utilizou-se a pesquisa à base de dados National Library of Medicine (PUBMED). No qual foram incluídos, no estudo somente artigos de revistas indexadas, disponíveis na íntegra de forma online nos idiomas inglês e/ou português. Além disso, o estudo teve como delimitação temporal os últimos 5 anos (2020 a 2025).
3. RESULTADOS/ DISCUSSÃO
A análise bibliográfica demonstrou a existência de 43 artigos utilizando dois cruzamentos dos descritores ( “diabetes AND SGLT2 AND cardiovascular risk”/ ‘‘diabetes AND SGLT2 AND kindey risk”). Tendo como base de dados utilizadas a qual possui PubMed possui o número total de resultados de 3154 (Tabela 1).
Tabela 1. Trabalhos publicados nos anos de 2020 a 2025 sobre benefício e eficácia dos ISGLT2 na redução de desfechos cardiovasculares e renais.

Fonte: Autores
O processo de seleção de evidências científicas foi baseado no protocolo PRISMA conforme apresentado na figura 1. A partir da identificação de 3154 artigos 960 foram excluídos por duplicação. De acordo com os critérios de inclusão já citados, 189 artigos foram considerados elegíveis. A avaliação crítica dos títulos e a leitura dos resumos resultaram na exclusão de 148 trabalhos por não se enquadrarem nos objetivos do presente trabalho, resultando na utilização de 16 artigos científicos.
Figura 1 – Fluxograma protocolo PRISMA para seleção de evidências

Fonte: Arquivo dos próprios autores (2025).
Os processos apontados para os inibidores do SGLT2 relacionados às reduções de desfechos cardiovasculares e renais são multifatoriais e podem incluir diversos mecanismos como redução da pressão arterial, perda de peso, baixa do sódio e água corporais totais, sendo estes associados a melhores resultados clínicos em pacientes com diabetes mellitus tipo 2 (LEVIN, 2020).
Ao falar da eficácia medicamentosa sobre a doença renal crônica (DRC), segundo o estudo de Herrington et al., 2020 é considerado um paciente com com função renal reduzida aqueles que apresentam taxa de filtração glomerular estimada (TGFe) < 60 ml/min/1,73 m2 ou albuminuria. Ademais, Bakris et al., 2020 define a patologia em estágio avançado, por uma TGFe < 30 ml/min por 1,73 m2 , esta representa uma fase crítica na evolução da nefropatia, estando relacionada a um risco elevado de complicações cardiovasculares e mortalidade. Tradicionalmente, o uso de inibidores do cotransportador sódio-glicose tipo 2 (SGLT2) em indivíduos com DRC avançada era restrito devido a preocupações quanto à eficácia reduzida e possíveis reações adversas causadas pelo medicamento (BAKRIS et al., 2020).
Contudo, a pesquisa conduzida por Bakris et al. (2020) realizou uma análise pós-hoc do ensaio clínico CREDENCE, concentrando-se em participantes com eGFR <30 ml/min por 1,73 m2, com o objetivo de examinar a efetividade e a segurança da canagliflozina nesse subgrupo. Os achados revelaram que a canagliflozina promoveu uma desaceleração significativa no declínio da função renal, avaliada por meio da eGFR, em comparação ao placebo. Adicionalmente, observou-se uma diminuição nos níveis de albuminúria, indicada pela redução na proporção albumina-creatinina urinária (UACR), sugerindo uma ação protetora da medicação sobre os rins, mesmo em pacientes com função renal gravemente prejudicada. Esses resultados fortalecem o potencial da canagliflozina em retardar a progressão da DRC em estágios mais avançados (BAKRIS et al., 2020).
Uma das hipóteses relacionadas ao principal mecanismo relacionado a proteção renal da inibição do SGLT2 é através da modulação do feedback tubuloglomerular, apresar de não ser um mecanismo completamente compreendido (LEVIN et al., 2020).
De acordo com Herrington et al. (2021), sua atuação se dá pela redução da reabsorção tubular proximal de sódio e reduções subsequentes na hipertensão intraglomerular por meio de vasoconstrição arteriolar aferente glomerular. Vale ressaltar que a hipertensão intraglomerular, da qual a albuminúria é um marcador, foi sugerida como uma via comum para a progressão da doença renal e está presente em diversas formas de DRC devido a redução do número de néfrons, induzindo a resposta compensatória das unidades funcionais restantes (HERRINGTON et al., 2021).
Ademais, os marcadores biológicos TNFR-1, TNFR-2 e KIM-1 exercem funções fundamentais na fisiopatologia da injúria renal em indivíduos com diabetes mellitus tipo 2. TNFR-1 e TNFR-2 são receptores do fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), uma citocina próinflamatória implicada na regulação de processos inflamatórios e de apoptose. Sua ativação persistente está vinculada ao avanço das enfermidades renais, pois favorece o comprometimento das estruturas tubulares e glomerulares. Por sua vez, o KIM-1 (Molécula de Lesão Renal-1) é uma proteína expressa em quantidades aumentadas nas células epiteliais dos túbulos renais danificadas, sendo considerado um indicador direto de dano tubular (SEN et al., 2021).
Na investigação conduzida por Sen et al. (2021), verificou-se que concentrações aumentadas desses indicadores estavam ligadas a uma probabilidade maior de deterioração da função renal, sugerindo que a inflamação contínua e a lesão tubular já estavam presentes nas fases iniciais da nefropatia diabética. Neste contexto, observou-se que a administração de canagliflozina, conseguiu reduzir os níveis plasmáticos de TNFR-1, TNFR-2 e KIM-1 em comparação ao grupo controle com placebo. Tal observação indica que, além dos seus efeitos conhecidos sobre o controle glicêmico e hemodinâmico, a canagliflozina também atua sobre mecanismos inflamatórios e de lesão tubular, contribuindo para seu efeito protetor sobre os rins (SEN et al., 2021).
Nesse sentido, é possível associar que reduções contínuas nas concentrações de TNFR1 e TNFR-2 ao longo do tempo estavam associadas a um risco reduzido de agravamento da doença renal. Esse dado reforça o valor desses biomarcadores como sinais de resposta ao tratamento, auxiliando tanto na estratificação de risco quanto no acompanhamento clínico de indivíduos em uso da medicação (SEN et al., 2021).
O peptídeo natriurético tipo B (BNP) e seu fragmento amino-terminal (NT-proBNP) são marcadores biológicos amplamente empregados na prática médica para avaliar a performance cardíaca. Eles são liberados pelos miócitos ventriculares em resposta ao estresse hemodinâmico, como o aumento da pressão e do volume dentro do coração, sendo especialmente valiosos na identificação e acompanhamento da insuficiência cardíaca. Em pessoas com diabetes tipo 2, níveis elevados de NT-proBNP estão relacionados a um risco mais alto de eventos cardiovasculares negativos, incluindo internações por insuficiência cardíaca e óbito (JANUZZI et al., 2020).
O estudo realizado por Vaduganathan et al. (2022) investigou a relação entre biomarcadores cardíacos de estresse, desfechos cardiovasculares e renais, e a resposta ao uso da canagliflozina, em pacientes com diabetes mellitus tipo 2. A pesquisa teve como foco principal entender se níveis elevados de biomarcadores como o peptídeo natriurético tipo B (BNP, do inglês B-type natriuretic peptide) e a troponina cardíaca de alta sensibilidade (hscTnT, do inglês high-sensitivity cardiac troponin T) poderiam identificar subgrupos de pacientes com maior risco cardiovascular e, consequentemente, maior benefício clínico com a intervenção farmacológica. Esse enfoque é relevante, uma vez que os pacientes com DM2 apresentam risco elevado para eventos cardiovasculares, sendo essencial identificar marcadores que auxiliem na estratificação de risco e na personalização do tratamento (VADUGANATHAN et al., 2022).
Os achados do estudo demonstraram que a canagliflozina reduziu significativamente o risco de eventos cardiovasculares adversos maiores (major adverse cardiovascular events – MACE), independentemente dos níveis basais de BNP e hs-cTnT. Entre os desfechos cardiovasculares avaliados estavam o infarto agudo do miocárdio (IAM), o acidente vascular cerebral (AVC) e a morte cardiovascular. A análise dos dados revelou que pacientes com níveis elevados desses biomarcadores apresentavam risco basal mais alto para tais eventos, mas ainda assim se beneficiaram de maneira substancial com o uso da canagliflozina. Isso sugere que os efeitos cardioprotetores dos iSGLT2 não estão restritos a pacientes com insuficiência cardíaca pré-existente, mas podem se estender a um espectro mais amplo de indivíduos com DM2 e risco cardiovascular aumentado (VADUGANATHAN et al., 2022).
Os resultados obtidos por Vaduganathan et al. (2022) enfatizam a importância do uso dos biomarcadores cardíacos não apenas como ferramentas diagnósticas, mas também como instrumentos para predizer a resposta terapêutica e monitorar o risco residual. A constatação de que a canagliflozina proporciona benefícios consistentes mesmo em pacientes com marcadores indicativos de alto risco cardiovascular fortalece a recomendação de seu uso precoce e abrangente na prática clínica. Além disso, esses dados complementam evidências anteriores de estudos como o CANVAS (Canagliflozin Cardiovascular Assessment Study), reforçando o papel da canagliflozina como um agente com propriedades cardiovasculares e renais protetoras. A integração entre dados laboratoriais e decisões terapêuticas é uma tendência crescente na medicina personalizada, e esse estudo contribui significativamente para esse paradigma (VADUGANATHAN et al., 2022).
Um outro estudo conduzido por Januzzi et al., 2020 avaliou o impacto da canaglifozina sobre as concentrações sanguíneas de NT-proBNP, no qual foi possível constatar que concentrações elevadas de NT-proBNP no início do estudo estavam ligadas a um risco mais elevado de internações por insuficiência cardíaca, morte de origem cardiovascular e agravamento da função renal. Esses resultados reforçam a importância do NT-proBNP como indicador prognóstico em grupos com alto risco cardiovascular (JANUZZI et al., 2020).
Ademais, a análise acerca da queda nos níveis de NT-proBNP contribuiu parcialmente para os efeitos positivos da canagliflozina na redução das hospitalizações por insuficiência cardíaca. Embora essa influência tenha sido limitada, os achados sugerem que a canagliflozina pode oferecer efeitos protetores ao coração por meio da regulação de biomarcadores ligados ao estresse cardíaco. Essas evidências ressaltam o valor dos inibidores de SGLT2 na prevenção de complicações cardíacas em indivíduos com diabetes tipo 2 (JANUZZI et al., 2020).
O estudo conduzido por Sarraju et al. (2022) investigou os efeitos cardiovasculares da canagliflozina, em pacientes com diabetes mellitus tipo 2, considerando a função renal e os níveis de albuminúria. A relevância dessa análise decorre do fato de que tanto a disfunção renal quanto a albuminúria são fatores de risco independentes para eventos cardiovasculares adversos, como infarto agudo do miocárdio (IAM), acidente vascular cerebral (AVC) e morte cardiovascular. O estudo examinou se a eficácia da canagliflozina na redução desses desfechos se mantinha consistente entre diferentes faixas de taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) e níveis de albuminúria, aspectos fundamentais para orientar a prescrição segura e eficaz do fármaco em populações de risco elevado (SARRAJU et al., 2022).
Os resultados demonstraram que a canagliflozina reduziu de maneira significativa os desfechos cardiovasculares adversos maiores (major adverse cardiovascular events – MACE) independentemente da função renal basal. Pacientes com TFGe reduzida (<60 mL/min/1,73 m²) também apresentaram benefícios clínicos relevantes, reforçando a utilidade da canagliflozina mesmo em contextos de comprometimento renal moderado. Esses dados são particularmente importantes, pois muitos fármacos hipoglicemiantes apresentam limitações de uso ou eficácia reduzida em pacientes com disfunção renal. A manutenção da eficácia cardiovascular nesses subgrupos aponta para mecanismos terapêuticos que transcendem a simples redução glicêmica, incluindo efeitos hemodinâmicos, anti-inflamatórios e antifibróticos (SARRAJU et al., 2022).
Sobre um aspecto relevante do estudo foi a análise da albuminúria, um marcador sensível de lesão renal e risco cardiovascular. A canagliflozina demonstrou benefícios consistentes em pacientes com diferentes graus de excreção urinária de albumina, incluindo aqueles com albuminúria moderada ou severa. A redução do risco cardiovascular nesses indivíduos sugere que o fármaco pode atuar precocemente no eixo cardiorrenal, impedindo a progressão paralela de danos tanto ao coração quanto aos rins. Tais achados fortalecem o papel da canagliflozina como terapia de escolha em pacientes com DM2 e comprometimento renal, mesmo na presença de marcadores que tradicionalmente indicam prognóstico reservado (SARRAJU et al., 2022).
O estudo realizado por Sarraju et al. (2022) contribui para a personalização do tratamento em DM2, fornecendo evidências sólidas de que a canagliflozina promove proteção cardiovascular robusta, independentemente da função renal ou da presença de albuminúria. Esses dados corroboram achados de estudos anteriores, como o CANVAS (Canagliflozin Cardiovascular Assessment Study), mas oferecem uma análise mais detalhada sobre como subgrupos com risco cardiorrenal elevado respondem à intervenção. (SARRAJU et al., 2022).
O estudo EMPA-REG OUTCOME randomizou indivíduos com doença cardiovascular aterosclerótica prévia e DM tipo 2 e como o primeiro grande estudo clínico com inibidor de SGLT2 a relatar resultados, forneceram a evidência inicial de que a inibição do SGLT2 redução da hospitalização por insuficiência cardíaca. Neste estudo, é possível perceber que muitos mecanismos explicam os efeitos do SGLT2 na insuficiência cardíaca, mas ainda se aprendem em partes incompletos (HERRINGTON et al., 2021).
Considerou-se como principal hipótese o fato de que os iSGLT2 demonstraram melhorar o controle do acúmulo de fluido intersticial sem provocar contração excessiva do volume intravascular. A natriurese associada à diurese osmótica induzida por esses fármacos contrai os compartimentos intravascular e extracelular, reduzindo a pressão arterial sistêmica, a rigidez arterial e o estresse parietal, diminuindo, assim, a pré‑carga e a pós‑carga cardíacas. Evidências sugerem ainda que o aumento dos níveis de glucagon exerce efeitos inotrópicos e cronotrópicos, enquanto a elevação de hidroxibutirato desloca o metabolismo cardíaco da glicose para cetonas energeticamente mais eficientes. Além disso, estudos indicam que, na insuficiência cardíaca associada ao diabetes mellitus, há maior expressão miocárdica de trocadores sódio‑hidrogênio, o que eleva o sódio citoplasmático dos miócitos e, consequentemente, intensifica o influxo de cálcio; esse processo pode ser revertido pela inibição desses trocadores pelos inibidores de SGLT2 (HERRINGTON et al.,2021).
A presença concomitante de disfunção cardiovascular e renal é frequente em pacientes diabéticos, caracterizando a chamada “síndrome cardiorrenal”. A capacidade da canagliflozina de atuar em ambos os sistemas de maneira sinérgica amplia sua utilidade clínica e reforça sua posição como uma terapia de escolha para pacientes com DM2 e risco aumentado para complicações vasculares e renais. A manutenção desses benefícios mesmo em indivíduos com altos níveis de estresse cardíaco sugere que a canagliflozina pode mitigar mecanismos fisiopatológicos comuns às duas condições, como a sobrecarga de volume, a disfunção endotelial e a inflamação sistêmica (VADUGANATHAN et al., 2022).
Ademais uma análise exploratória de dados do estudo EMPA-REG, expõem que o aumento do hematócrito durante a terapia com dapaglifozina está fortemente associada a resultados cardiovasculares benéficos (ABERLE et al. 2020).
De acordo com Kuo et al., 2023 os inibidores de SGLT2 podem aumentar a eritropoiese e suprimir a hiperatividade simpática, o que é corroborado pela elevação do hematócrito e pela redução da frequência cardíaca em repouso. Níveis elevados de eritropoietina (EPO) aumentaram a eritropoiese e o hematócrito e ajudaram a reduzir o risco de insuficiência cardíaca e doença cardíaca isquêmica. Alem disso, a redução da pressão arterial e da resistência vascular provavelmente contribuiu para o aumento geral observado nos parâmetros hemodinâmicos do fluxo sanguíneo, bem como para as melhorias nas funções sistólicas subclínicas.
Estudos demonstraram que os inibidores de SGLT2 podem melhorar diretamente a função vascular, induzindo o relaxamento vascular e reduzindo a disfunção das células endoteliais associada à aterogênese. Além disso, a “hipótese do combustível” sugere que os inibidores de SLGT2 aumentam os corpos cetônicos, otimizando assim o metabolismo energético cardíaco e a função cardíaca, podendo melhorar os resultados (KUO et al., 2023).
Nesse viés, é importante salientar que segundo Herrington et al., 2023, logo nas fases iniciais de seu desenvolvimento, observou-se que os inibidores de SGLT2 não apenas promoviam a redução da glicemia e da hemoglobina glicada (HbA1c), mas também exerciam efeitos metabólicos mais amplos. A glicosúria induzida por esses fármacos eleva os níveis plasmáticos de glucagon, reduzindo, consequentemente, a razão insulina:glucagon. Esse desequilíbrio hormonal estimula a produção hepática de glicose, em parte devido ao aumento da glicogenólise. A depleção do glicogênio hepático gera um estado metabólico semelhante ao jejum, no qual a utilização periférica de glicose é reduzida para poupá-la ao metabolismo cerebral, dependente de glicose. Como resultado, o fígado passa a produzir corpos cetônicos como fonte energética alternativa (HERRINGTON et al., 2023).
A perda urinária de glicose, rica em energia, mimetiza o estado de diabetes mellitus descompensada, caracterizado por glicosúria e perda de peso. Ensaios clínicos randomizados demonstram que a perda de peso associada ao uso de inibidores de SGLT2 é dose-dependente, podendo alcançar aproximadamente 3 kg após seis meses de tratamento. Inicialmente, essa redução pode ser atribuída à depleção dos volumes intra e extravasculares; entretanto, com o uso prolongado, observa-se perda de tecido adiposo. Apesar da perda urinária contínua de 60 a 80 gramas de glicose por dia, o peso tende a estabilizar após cerca de seis meses, sugerindo a ativação de mecanismos compensatórios, como o aumento do apetite, que restabelecem o equilíbrio energético. Curiosamente, a perda de peso também é observada em indivíduos com menor excreção urinária de glicose e com função renal reduzida, o que indica a possível participação de vias ainda não completamente compreendidas nesse processo (HERRINGTON et al., 2023).
Além da indução da cetose, os inibidores de SGLT2 também reduzem a amoniagênese renal, uma vez que o acúmulo de ATP nos rins — devido à menor atividade da ATPase sódio/potássio — inibe processos celulares que dependem da geração de ATP, como a própria amoniagênese. Essa alteração, somada ao estado de cetose, pode favorecer a perda urinária de bicarbonato e reduzir o limiar necessário para a indução de cetoacidose em situações de estresse metabólico adicional, como jejum ou infecção. Esse fenômeno pode culminar em um quadro de cetoacidose euglicêmica, ou seja, cetoacidose com níveis normais ou discretamente elevados de glicose sanguínea. Embora o risco relativo de cetoacidose seja aproximadamente duplicado nos pacientes tratados com inibidores de SGLT2, conforme evidenciado por grandes ensaios clínicos randomizados, a ocorrência desse evento adverso continua sendo rara em indivíduos com diabetes tipo 2, representando um pequeno excesso absoluto de risco (HERRINGTON et al., 2023).
4 CONCLUSÃO
A partir do levantamento realizado, foi possível compreender com mais profundidade os múltiplos benefícios dos inibidores de SGLT2 no tratamento do diabetes tipo 2, especialmente no que se refere à proteção renal, aos efeitos metabólicos e aos desfechos cardiovasculares. Esses medicamentos, que inicialmente foram desenvolvidos apenas para auxiliar no controle glicêmico, mostraram um potencial terapêutico muito mais amplo, o que vem sendo confirmado por diversos estudos clínicos de grande relevância.
Observou-se que, além de promoverem uma discreta redução da glicemia, os inibidores de SGLT2 atuam de forma benéfica na hemodinâmica renal, reduzindo a pressão intraglomerular e a progressão da doença renal crônica. Do ponto de vista metabólico, contribuem com a perda de peso, a melhora do perfil lipídico e o controle da pressão arterial — fatores que, em conjunto, ajudam a diminuir os riscos associados à síndrome metabólica. No aspecto cardiovascular, os dados reforçam a redução significativa de hospitalizações por insuficiência cardíaca, além da possível diminuição na mortalidade por causas cardiovasculares.
Apesar desses benefícios, também foi possível perceber que ainda existem limitações, como os possíveis efeitos adversos e a necessidade de individualização do tratamento, especialmente em pacientes com disfunções renais mais avançadas ou com comorbidades múltiplas. O custo dos medicamentos e o acesso também são desafios a serem considerados no contexto da saúde pública.
Portanto, os inibidores de SGLT2 representam uma mudança importante no paradigma do tratamento do diabetes tipo 2. O foco deixa de ser apenas o controle da glicose e passa a considerar também a proteção de órgãos-alvo, como o coração e os rins. Isso reforça a necessidade de uma abordagem mais ampla e integrada no cuidado desses pacientes. Com base no que foi estudado, é possível afirmar que esses fármacos se consolidam cada vez mais como uma estratégia terapêutica segura, eficaz e com impacto positivo na qualidade de vida e na sobrevida dos pacientes diabéticos.
REFERÊNCIAS
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1 Graduando em Medicina pela Afya Faculdade de Ciências Médicas de Itabuna.
2 Graduando em Medicina pela Afya Faculdade de Ciências Médicas de Itabuna.
3Professor orientador. Docente do Curso de Medicina da Afya Faculdade de Ciências Médicas de
Itabuna.