REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102411191160
Francisca Pedro da Silva de Morais1
Jackeline Oliveira Nunes de Souza2
Orientador: Werick Mendes Amorim
Resumo
A doação de sangue é fundamental para o tratamento de pacientes que necessitaram de transfusões, especialmente em situações emergenciais. No entanto, indivíduos com fenótipos raros, como o fenótipo Bombaim, enfrentam dificuldades significativas na busca por doadores compatíveis. O fenótipo Bombaim é raro, afetando menos de 0,0004% da população mundial. As dificuldades em encontrar doadores compatíveis para transfusões representa um desafio crítico para a saúde desses pacientes, que não pudem receber sangue dos tipos comuns. O objetivo deste estudo foi analisar as principais dificuldades enfrentadas por indivíduos com fenótipo Bombaim na busca por doadores de sangue compatíveis, avaliando o papel das redes internacionais e nacionais de doadores raros na assistência a esses pacientes. A pesquisa consistiu em uma revisão narrativa com abordagem descritiva e qualitativa. O estudo identificou que, embora algumas iniciativas tenham sido implementadas para melhorar a gestão do fenótipo Bombaim, como o Painel Internacional de Doadores Raros, as barreiras permanecem, incluindo a escassez de doadores e complicações logísticas no processo de transfusão. A análise revelou que é fundamental implementar políticas públicas e promover investimentos em pesquisas para aprimorar a identificação e gestão de doadores raros.
Palavras-chave: Fenótipo Bombaim; Doação de sangue; Compatibilidade sanguínea; Redes de doadores; Transfusão de sangue.
Abstract
Blood donation is essential for the treatment of patients requiring transfusions, especially in emergency situations. However, individuals with rare phenotypes, such as the Bombay phenotype, face significant challenges in finding compatible donors. The Bombay phenotype is extremely rare, affecting less than 0.0004% of the global population. The difficulty in finding compatible donors for transfusions represents a critical health challenge for these patients, who cannot receive blood from common blood types. This study aimed to analyze the main difficulties faced by individuals with the Bombay phenotype in finding compatible blood donors, assessing the role of international and national rare donor networks in assisting these patients. The research consisted of a narrative review with a descriptive and qualitative approach. The study identified that although some initiatives have been implemented to improve the management of the Bombay phenotype, such as the International Rare Donor Panel, challenges persist, including the scarcity of donors and logistical complications in the transfusion process. The analysis revealed that it is crucial to implement public policies and promote investment in research to improve the identification and management of rare donors.
Keywords: Bombay phenotype; Blood donation; Blood compatibility; Donor networks; Blood transfusion.
Introdução
A doação de sangue é essencial para o tratamento de pacientes em situações emergenciais e para aqueles que dependem de transfusões regulares. Contudo, indivíduos com fenótipos sanguíneos raros, como o fenótipo Bombaim, enfrentam desafios específicos ao buscar doadores compatíveis. Caracterizado pela ausência dos antígenos A, B e H, o fenótipo Bombaim é extremamente raro, sendo encontrado em menos de 0,0004% da população mundial. Devido a essa condição, portadores do fenótipo Bombaim não podem receber sangue dos tipos A, B, AB ou O, necessitando de doadores com o mesmo fenótipo para garantir compatibilidade (MALICK et al., 2015).
A definição de “sangue raro” varia entre países, mas segundo o Painel Internacional de Doadores Raros, coordenado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em parceria com o Laboratório Internacional de Referência de Grupos Sanguíneos e o Grupo de Trabalho da Sociedade Internacional de Transfusão de Sangue (International Society of Blood Transfusion – ISBT), esse tipo de sangue é caracterizado pela presença em menos de 1 em 1000 indivíduos em uma população (NANCE, 2015). Esse painel facilita a cooperação internacional para assegurar que pacientes com fenótipos raros, como o Bombaim, recebam transfusões compatíveis em situações críticas (OLIVEIRA; LUKSYS, 2020).
Apesar dessas iniciativas globais, a oferta de bolsas de sangue raro ainda é insuficiente para atender à demanda (PATEL et al., 2018). Como explica Davison (2021), ainda não há substitutos sintéticos de sangue eficazes e economicamente viáveis, tornando a transfusão de sangue compatível a única alternativa para muitos pacientes com fenótipos raros. A transfusão exige a identificação rigorosa de anticorpos e antígenos específicos, assegurando a compatibilidade necessária em cada caso.
No Brasil, a responsabilidade pela identificação e manejo de doadores raros, como os portadores do fenótipo Bombaim, é de serviços de hematologia e hemoterapia. Esses serviços empregam testes sorológicos automatizados e tipagem molecular para localizar doadores compatíveis (YAHALOM, 2014). Contudo, o processo de transfusão para esses indivíduos ainda enfrenta dificuldades logísticas, como o tempo de transporte e a comunicação entre profissionais de saúde, que podem comprometer a eficácia das transfusões (PACCAPELO, 2017).
Diante desses desafios, este estudo propõe a análise das principais dificuldades enfrentadas por indivíduos com fenótipo Bombaim na busca por doadores de sangue compatíveis. Inserido no campo da Biomedicina, com foco em hematologia e hemoterapia, este trabalho visa avaliar como redes de doadores raros, tanto nacionais quanto internacionais, podem ser otimizadas para melhor atender esses pacientes. A relevância deste tema está na necessidade de ampliar o conhecimento sobre compatibilidades sanguíneas específicas e em mitigar as dificuldades de acesso a transfusões seguras para pessoas com fenótipos raros, especialmente em situações emergenciais.
Metodologia
A metodologia adotada neste estudo envolveu uma revisão narrativa com uma abordagem descritiva e qualitativa, com o objetivo de sintetizar e analisar criticamente a literatura sobre o fenótipo Bombaim e a compatibilidade sanguínea. A revisão narrativa foi escolhida por sua flexibilidade na seleção das fontes e na interpretação dos dados, sendo uma ferramenta útil para explorar temas amplos e complexos e identificar lacunas na literatura existente (Cavalcante e Oliveira, 2020). A pesquisa descritiva, por sua vez, focou na descrição das características e fenômenos específicos relacionados ao fenótipo Bombaim, enquanto a abordagem qualitativa permitiu uma análise mais profunda das interações e significados envolvidos, promovendo um entendimento detalhado sobre as implicações dessa condição genética no contexto da compatibilidade sanguínea e da doação de sangue (Batista e Kumada, 2021).
A busca bibliográfica foi realizada nas seguintes bases de dados: Periódicos CAPES, BVS (Biblioteca Virtual em Saúde), PubMed e Google Acadêmico. Foram utilizados os seguintes descritores: “Fenótipo Bombaim”, “Doação de sangue”, “Compatibilidade sanguínea”, “Redes de doadores” e “Transfusão de sangue”, com o intuito de abranger uma gama ampla de artigos e fontes relevantes. A pesquisa focou em estudos publicados entre 2014 e 2024, nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola. Além disso, estabelecemos critérios de inclusão rigorosos, que consideraram livros, teses e artigos científicos que tratassem diretamente do tema, abordando o fenótipo Bombaim, a doação de sangue ou a compatibilidade sanguínea em seus resumos e objetivos. Por outro lado, foram excluídos da análise artigos duplicados, incompletos, pagos ou aqueles que, após leitura completa, não apresentaram relevância direta para o tema do estudo.
A triagem dos artigos foi realizada em três etapas sequenciais. Na primeira etapa, fizemos uma análise preliminar dos títulos dos artigos para verificar sua relevância para o tema. A segunda etapa envolveu a leitura dos resumos para uma análise mais detalhada dos conteúdos abordados, com base nos critérios de elegibilidade. Na última etapa, a leitura completa dos textos foi realizada para garantir que apenas os estudos mais pertinentes e relevantes fossem incluídos na revisão. Foram considerados na análise relatos de caso, revisões bibliográficas e teses, com o objetivo de apresentar uma visão ampla e abrangente sobre o fenômeno.
A análise qualitativa dos dados foi conduzida com base na organização dos artigos selecionados em temas e subtemas. Esse processo permitiu identificar tendências, lacunas e pontos de convergência e divergência na literatura sobre o fenótipo Bombaim e suas implicações para a compatibilidade sanguínea e a doação de sangue. Cada estudo foi analisado com atenção aos seus objetivos, metodologia, resultados e contribuições para o entendimento da questão. A partir dessa análise, foi possível construir uma síntese crítica e integrada dos achados, destacando as principais conclusões da literatura, assim como os desafios e avanços no entendimento sobre a condição.
No total, 96 artigos foram inicialmente identificados, dos quais 14 preencheram os critérios de elegibilidade e foram incluídos na revisão narrativa. O fluxograma da pesquisa bibliográfica, que detalha o processo de seleção dos estudos, está apresentado na Figura 1.
Figura 1. Fluxograma referente a seleção de artigos conforme critérios de inclusão e exclusão
Essa metodologia permite uma visão ampla e detalhada sobre o fenótipo Bombaim, oferecendo um panorama das questões relacionadas à sua identificação, diagnóstico e manejo no contexto da transfusão sanguínea e da doação de sangue. A abordagem qualitativa adotada também garante uma análise crítica que contribui para a compreensão das dificuldades e desafios enfrentados pelos profissionais da saúde ao lidar com casos desse fenótipo raro.
Resultados
O fenótipo Bombaim é uma condição genética rara que interfere de maneira significativa na tipagem sanguínea convencional, tornando o processo de identificação e a gestão de doações e transfusões de sangue extremamente desafiador. Descoberto em 1952, na cidade de Bombaim, Índia, esse fenótipo foi identificado quando um caso incomum de tipagem sanguínea revelou a ausência dos antígenos H, A e B nas hemácias de um indivíduo, o que impediu sua categorização nos sistemas tradicionais de classificação ABO. O fenômeno ocorreu devido a uma mutação genética que afeta a produção do antígeno H, o qual é essencial para a expressão dos antígenos A e B nas células vermelhas. Em pessoas com o fenótipo Bombaim, a ausência do antígeno H dificulta a correta identificação de seu tipo sanguíneo, pois, em testes convencionais, essas células são erroneamente classificadas como grupo O (NANCE, 2015).
A identificação do fenótipo Bombaim em pacientes que necessitam de transfusão sanguínea exige um processo especializado, dado que os testes ABO tradicionais não detectam a ausência do antígeno H. Isso pode resultar em diagnósticos errôneos e em riscos transfusionais consideráveis, uma vez que a tipagem sanguínea convencional falha em reconhecer as diferenças críticas. Para detectar corretamente o fenótipo Bombaim, são necessários testes específicos para o antígeno H, os quais frequentemente só estão disponíveis em centros de referência ou hospitais especializados. A falta de conhecimento sobre esse fenótipo nas unidades de saúde pode levar a atrasos significativos e a desafios logísticos na obtenção de sangue compatível, especialmente em situações de emergência (OLIVEIRA; LUKSYS, 2020).
Desafios Relacionados à Doação de Sangue
A doação de sangue para indivíduos com o fenótipo Bombaim é particularmente complicada devido às particularidades de compatibilidade sanguínea. Embora indivíduos com o fenótipo Bombaim sejam tipados como doadores do grupo O nos testes convencionais, isso é uma leitura imprecisa, pois, para ser considerado “O” de fato, o indivíduo precisa possuir o antígeno H, o que não ocorre nesse fenótipo. Como resultado, os pacientes com o fenótipo Bombaim só podem receber sangue de outros portadores desse mesmo fenótipo, tornando a compatibilidade transfusional extremamente restrita e criando uma situação crítica em que a procura por doadores torna-se um problema grave. Essa limitação se agrava ainda mais pela raridade do fenótipo Bombaim, que é encontrado em uma fração extremamente pequena da população mundial, com estimativas de ocorrência de apenas 0,0004% da população global. Por esse motivo, a busca por doadores compatíveis frequentemente envolve esforços internacionais e uma colaboração logística especializada, o que torna o processo de obtenção de sangue compatível uma tarefa complexa e cara (MALLICK et al., 2015).
Aspectos Genéticos e imunológicos
O fenótipo Bombaim é uma condição genética autossômica recessiva, o que significa que ambos os alelos do gene FUT1, responsável pela produção da enzima fucosiltransferase, devem estar mutados para que o fenótipo se manifeste. A fucosiltransferase é fundamental para a adição do antígeno H na superfície das hemácias, o qual serve de base para a expressão dos antígenos A e B. Em indivíduos com o fenótipo Bombaim, a mutação nos dois alelos do gene FUT1 impede a produção do antígeno H, levando à ausência dos antígenos A e B, mesmo que o indivíduo possua os genes para essas características. Como consequência, indivíduos com esse fenótipo desenvolvem uma resposta imunológica particular, em que seus sistemas imunes reconhecem o antígeno H, mesmo em hemácias de outros tipos sanguíneos, o que pode levar a reações de rejeição (PATEL et al., 2018).
Barreiras e dificuldades logísticas
Além das dificuldades clínicas de identificação e transfusão, os aspectos logísticos e operacionais também representam um obstáculo significativo para o manejo do fenótipo Bombaim. A baixa prevalência desse fenótipo significa que a coleta de sangue compatível é extremamente limitada, o que torna difícil manter um estoque adequado para atender a pacientes com essa condição. As dificuldades se amplificam quando se considera a dispersão geográfica dos portadores desse fenótipo, exigindo a formação de redes globais de colaboração entre bancos de sangue para garantir o transporte rápido e seguro de unidades de sangue compatível durante emergências. Outro desafio logístico é o armazenamento de sangue, que, devido à sua raridade, frequentemente necessita de técnicas avançadas de conservação, como o congelamento das unidades, para garantir que o sangue esteja disponível quando necessário. No entanto, a validade limitada das unidades de sangue congelado e a necessidade de manter uma reserva constante de sangue compatível exigem campanhas regulares de conscientização e incentivos à doação (PACCAPELO, 2017; DAVISON, 2021).
Soluções e propostas
Apesar dos desafios enfrentados, diversos avanços tecnológicos e estratégias organizacionais têm sido implementados para melhorar a detecção e o manejo do fenótipo Bombaim. Ferramentas avançadas, como a reação em cadeia da polimerase (PCR) e o sequenciamento genético, desempenham um papel crucial na identificação direta das mutações no gene FUT1, permitindo diagnósticos mais rápidos e precisos. Além disso, testes de aglutinação específicos para o antígeno H ajudam a evitar erros de tipagem sanguínea e a garantir que as transfusões sejam realizadas com sangue compatível (NANCE, 2015).
Uma das soluções mais promissoras é a criação de bancos de dados globais de doadores de sangue raros, que podem facilitar a localização rápida de doadores compatíveis em situações de emergência. Parcerias entre bancos de sangue internacionais também têm sido essenciais para o intercâmbio rápido de unidades de sangue, garantindo que os portadores do fenótipo Bombaim recebam transfusões adequadas em tempo hábil. A melhoria das técnicas de conservação de hemácias, como a utilização de métodos de armazenamento prolongado, é uma medida adicional que pode minimizar a escassez de sangue compatível durante situações críticas (PACCAPELO, 2017; ROBERTS et al., 2016).
Além das estratégias tecnológicas e logísticas, é fundamental que a conscientização sobre o fenótipo Bombaim seja ampliada, tanto no meio acadêmico quanto na população geral. Programas de educação em escolas de medicina e áreas relacionadas à saúde, como biomedicina e enfermagem, podem garantir que os futuros profissionais de saúde estejam capacitados para identificar corretamente essa condição rara e, assim, lidar com ela de maneira eficaz desde o início do tratamento (OLIVEIRA; LUKSYS, 2020).
Discussão
O fenótipo Bombaim é uma condição extremamente rara e complexa, que apresenta desafios significativos para a tipagem sanguínea e para o tratamento transfusional. Este estudo cumpriu integralmente o objetivo de investigar as barreiras clínicas e operacionais enfrentadas para a identificação e o gerenciamento de pacientes portadores dessa variação genética. A condição se caracteriza pela ausência dos antígenos A, B e H na superfície das hemácias, resultando em uma situação única: esses pacientes não podem receber transfusões de sangue de tipos convencionais e são restringidos a doações exclusivamente de outros portadores do fenótipo Bombaim, que representam menos de 0,0004% da população mundial. Essa limitação coloca os portadores do fenótipo Bombaim em uma situação de extrema vulnerabilidade, especialmente em cenários de emergência onde o tempo é um fator crítico.
Estudos prévios, como os realizados por Shrivastava et al. (2015) e Suraci e Mora (2016), destacam a escassez de doadores compatíveis e a importância da criação de registros específicos para indivíduos com o fenótipo Bombaim. Esses registros poderiam aumentar as chances de encontrar um doador compatível rapidamente, minimizando os riscos de incompatibilidade e as consequências de uma transfusão tardia ou inadequada. A experiência da Índia, relatada por Raturi et al. (2023), é um exemplo notável, onde a criação de bancos de dados regionais específicos para fenótipos raros foi proposta como uma estratégia eficaz para aumentar a segurança dos pacientes.
Dados do Ministério da Saúde (2022) mostram que, no Brasil, o Cadastro Nacional de Sangue Raro (CNSR) contava com apenas três pessoas identificadas com o fenótipo Bombaim, conforme ilustrado no Gráfico 1. Esse dado ressalta a importância de ampliar a infraestrutura de suporte para pacientes com fenótipos raros, como o Bombaim, bem como para outras variações pouco comuns.
Gráfico 1. Relação de pessoas com fenótipo Bombaim no Brasil
Fonte: Adaptado de BRASIL (2022).
Comparativamente, os desafios enfrentados por esses indivíduos demonstram a necessidade urgente de registros amplos e logística de ponta para facilitar o acesso a doadores compatíveis. A falta de um sistema ágil e coordenado de resposta a emergências representa um obstáculo significativo, já que pacientes com fenótipos raros frequentemente precisam contar com bancos de sangue localizados em outras regiões ou mesmo países, onde a logística para transporte e preservação do sangue torna-se um fator crucial para o sucesso do tratamento.
Além disso, conforme apontado por Quraishy e Sapatnekon (2016), avanços tecnológicos, como a tipagem molecular, podem auxiliar na identificação de doadores compatíveis de forma mais rápida e precisa, mesmo em populações pequenas e dispersas. Essa abordagem se torna especialmente útil para monitorar possíveis doadores em diferentes regiões, possibilitando a criação de um mapeamento global de indivíduos com fenótipos raros. No entanto, a efetiva implementação dessas tecnologias depende de investimentos consideráveis e da criação de uma infraestrutura de suporte. A escassez de investimentos em países com recursos limitados agrava o desafio e destaca a necessidade de parcerias internacionais e redes de colaboração que possam suprir a falta de doadores locais, um ponto também discutido por Davison (2021) e Esper et al. (2021). Em um contexto ideal, essa rede de colaboração incluiria um banco de dados global, no qual informações sobre doadores compatíveis estariam disponíveis e acessíveis para as equipes médicas em qualquer parte do mundo, facilitando o planejamento logístico e otimizando o tempo de resposta.
A escassez de doadores compatíveis e a vulnerabilidade desses pacientes são questões críticas que se estendem além do âmbito clínico, englobando também dimensões sociais e econômicas. Clinicamente, a ausência de doadores eleva os riscos em situações de emergência, em que transfusões imediatas são necessárias para preservar a vida do paciente. O uso de técnicas alternativas, como a autotransfusão, pode ser uma opção em cirurgias eletivas, nas quais o paciente pode armazenar seu próprio sangue previamente. No entanto, em situações de emergência essa estratégia é impraticável, o que evidencia ainda mais a necessidade de registros de doadores prontos e acessíveis para uma resposta rápida e eficaz. Zhou (2016) enfatiza que os avanços em biotecnologia e a implementação de técnicas de preservação mais sofisticadas poderiam aumentar o tempo de viabilidade dos estoques de sangue compatível, tornando viável a formação de um estoque de emergência para fenótipos raros.
No entanto, as barreiras logísticas são significativas, especialmente devido à dispersão geográfica dos casos. Manter estoques de sangue com fenótipos raros exige uma gestão cuidadosa, dado que o sangue possui uma vida útil limitada e o transporte e armazenamento precisam atender a rigorosos padrões de segurança e qualidade. Roberts et al. (2016) sugerem que bancos de dados globais coordenados podem facilitar essa gestão, permitindo que as equipes de saúde encontrem rapidamente doadores e obtenham suprimentos de sangue de regiões onde esses estoques estão mais disponíveis, evitando a deterioração e perda de unidades raras.
Do ponto de vista metodológico, este estudo encontrou desafios inerentes à falta de literatura e dados específicos sobre o fenótipo Bombaim, o que reflete a necessidade de ampliação da pesquisa científica nessa área. Pesquisas futuras devem se concentrar em aprimorar as tecnologias de detecção molecular, permitindo que bancos de sangue possam identificar potenciais doadores de forma mais precisa e eficiente. O fortalecimento das parcerias entre bancos de sangue internacionais é outra estratégia essencial, pois a cooperação internacional pode ajudar a atender às necessidades imediatas de pacientes portadores de fenótipos raros. Além disso, incentivar o desenvolvimento de redes globais de doadores raros e promover campanhas de conscientização pode aumentar o número de doadores registrados, reduzindo o tempo de resposta em situações críticas. Estratégias como essas podem ser decisivas para promover um sistema de transfusão mais inclusivo e resiliente, capaz de atender de forma segura e ágil aos pacientes com o fenótipo Bombaim e outros fenótipos raros, minimizando os riscos e as dificuldades logísticas que atualmente impactam esse atendimento.
Conclusão
A dificuldade em encontrar doadores compatíveis para o fenótipo Bombaim, aliada às limitações logísticas e tecnológicas nos bancos de sangue, aumenta significativamente os riscos para esses pacientes, sobretudo em situações de emergência. A raridade desse fenótipo e sua dispersão geográfica complicam ainda mais a criação e a manutenção de um estoque estável de sangue compatível. Para enfrentar esses desafios, é essencial a implementação de políticas públicas que incentivem a criação de registros de doadores raros e o fortalecimento de parcerias internacionais. Investimentos em tecnologias avançadas de triagem e tipagem molecular também são cruciais, pois podem agilizar a identificação de doadores compatíveis e garantir um atendimento mais rápido e seguro para portadores desse fenótipo raro.
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1 Faculdade Uniprojeção
Departamento de Biomedicina
francesa_pedrodsilva@yahoo.com.br
2 Faculdade Uniprojeção
Departamento de Biomedicina Jackelinesouza2002@gmail.com