ISCHEMIC STROKE IN A PATIENT WITH ATRIAL FIBRILLATION USING ORAL ANTICOAGULANTS: A LITERATURE REVIEW
REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/ra10202507091123
Rivania Beatriz Novais Lima Pimentel1
Murilo Rodrigues da Silva1
João Vitor Cândido Pimentel2
Bruna Raynara Novais Lima3
Francisco Roberto Oliveira Cavalcante Júnior4
Orientador: Gustavo Vieira Rafael5
Resumo
O acidente vascular cerebral (AVC) é uma lesão aguda no sistema nervoso central decorrente de mecanismo isquêmico, que compreende 80% do total de casos, ou hemorrágico, que corresponde a 20%. Tanto em países desenvolvidos quanto em países subdesenvolvidos, essa patologia representa uma das principais causas de morbimortalidade, constituindo a terceira causa mais comum de incapacidade e a segunda causa mais comum de morte no mundo. Sendo assim, essa enfermidade, torna-se alvo de grandes investimentos públicos a fim reduzir e evitar os danos a curto e a longo prazo causados pela doença, a fim de repercutir em melhora da qualidade de vida populacional. Apesar de instituídas intervenções apropriadas para o mecanismo da doença, como profilaxias primárias e secundárias, muitos pacientes evoluem com primeiro evento ou reincidência do acidente vascular. Dessa forma, o estudo tem como objetivo avaliar o que causa tal incidência mesmo com a terapêutica já estabelecida nos pacientes que tem fibrilação atrial. Assim, a partir das informações e dados obtidos por meio de uma revisão bibliográfica de artigos retirados de bases de dados como BVS e PUBMED, além da plataforma eletrônica UPTODATE. Foram analisados os fatores que interferem no tratamento, como superioridade terapêutica entre os fármacos, presença de fatores de risco e de outros mecanismos isquêmicos que podem aumentar a incidência de novos casos.
Palavras Chaves: Acidente vascular cerebral. Fibrilação atrial. Anticoagulação plena.
1 INTRODUÇÃO
O acidente vascular cerebral (AVC) é uma lesão aguda no sistema nervoso central decorrente de mecanismo isquêmico, que compreende 80% do total de casos, ou hemorrágico, que corresponde a 20% (Caplan,2025). Tanto em países desenvolvidos como subdesenvolvidos, essa patologia representa uma das principais causas de morbimortalidade, constituindo a terceira causa mais comum de incapacidade e a segunda causa mais comum de morte no mundo (Edwardson, 2025).
As principais causas relacionadas ao acidente vascular encefálico isquêmico são embolia de origem cardíaca ou não cardíaca, aterotrombose, hipoperfusão sistêmica, doença de grandes e pequenos vasos, distúrbios sanguíneos (Caplan, 2025). Nos Estados Unidos, ocorrem 795 mil novos casos de AVC por ano, dentre esses, 185 mil são casos de reincidência (Caplan, 2025).
Os pacientes que cursam com isquemia decorrente de mecanismo cardioembólico devido fibrilação atrial (FA), têm chances de recorrência de 3-5% nas primeiras semanas, essa incidência aumenta até 12% ao ano nos pacientes que não são anticoagulados nos primeiros dois dias a três anos após um evento isquêmico (Alshehri, 2019). Assim, uma grande parcela dos pacientes com fibrilação atrial tem indicação de anticoagulação por tempo indeterminado (Alshehri, 2019).
Apesar de instituída a anticoagulação plena, muitos pacientes com FA apresentam eventos isquêmicos novos ou até recorrentes e essa incidência vem aumentando ao longo dos anos, o que é contraditório, uma vez que há um maior uso de anticoagulação. Logo, é questionado o que leva a essa falha terapêutica, se há, por exemplo, superioridade entre fármacos anticoagulantes, aumento da exposição a fatores que interferem na farmacodinâmica das medicações, ou presença de outros mecanismos presentes que aumentam o risco de acidente vascular cerebral (Kumar, 2025).
Dessa forma, será realizada uma revisão bibliográfica de artigos que abordem estudos que analisaram casos de pacientes com tal arritmia e evoluem com AVC, mesmo em uso de anticoagulação plena, com objetivo de avaliar os fatores que levam aos novos eventos isquêmicos e a eficácia da anticoagulação plena como profilaxia primária e secundária de AVC.
2 REVISÃO DA LITERATURA
2.1. Fibrilação atrial – definição, epidemiologia, diagnóstico, tratamento
A fibrilação atrial é a arritmia mais comumente tratada no mundo, tendo maior incidência em pacientes com cardiopatia estrutural e com idade avançada. No estudo ATRIA, foi evidenciado que a incidência global da arritmia foi de 1% da população mundial, e dentre os acometidos pela doença 70% tinham pelo menos 65 anos e 45% tinham idade maior ou igual a 75 anos (Spragg, 2025). As complicações da fibrilação atrial incluem eventos embólicos, dentre esses destaca-se o acidente vascular cerebral isquêmico.
Essa arritmia pode ser identificada no momento de rastreio em pacientes assintomáticos com fatores de risco, como idade mais avançada ou histórico de cardiopatias, porém o diagnóstico pode ser feito em contexto de presença de sintomas. O diagnóstico é confirmado a partir de exames, como eletrocardiograma básico ou holter (Alshehri, 2019).
Após o diagnóstico, a doença é classificada quanto a sua duração, assim pode ser definida como paroxística se houver resolução espontânea ou com intervenção em sete dias; persistente se houver duração de mais de sete dias; persistente de longa duração quando permanece por mais de 12 meses; permanente se for persistente a despeito de medidas já tomadas para controle de ritmo (Kumar, 2025).
O tratamento dessa arritmia consiste principalmente em anticoagulação por tempo indeterminado, controle de frequência ou de ritmo com medicação, intervenção com cardioversão ou ablação, além disso é primordial a compensação de outras comorbidades como hipertensão arterial, doenças pulmonares, cardiopatias, apneia do sono, condições como essas que, se não controladas, levam a descompensação da fibrilação atrial (Van Gelder et al., 2024).
2.2. Indicação de anticoagulação na F.A.
A maioria dos pacientes diagnosticados com essa arritmia tem indicação de um dos pilares de tratamento que é a prevenção desses êmbolos por meio da anticoagulação plena (Manning et al., 2025). A última diretriz europeia de fibrilação atrial publicada pela Sociedade Europeia de Cardiologia que discursou sobre fibrilação atrial publicado em 2024, recomenda como nível de evidência I, a anticoagulação de pacientes que pontuam 2 no score CHA2DS2- VA (tabela 1) e como nível de evidência IIA aqueles com pontuação igual a 1 (Van Gelder et al., 2024).
Tabela: Componentes do CHA₂DS₂-VA e Pontuação
Componente | Descrição e Comentários | Pontos |
C – Insuficiência Cardíaca Crônica | Sintomas e sinais de insuficiência cardíaca, independentemente da fração de ejeção (incluindo HFpEF, HFmrEF e HFrEF) ou presença de fração de ejeção ≤40%. | 1 |
H – Hipertensão | Pressão arterial sistólica >140/90 mmHg em pelo menos duas ocasiões ou tratamento anti-hipertensivo atual. O alvo ideal de pressão arterial para menor risco cardiovascular é 120-129/70-79 mmHg. | 1 |
A – Idade ≥ 75 anos | A idade é um fator independente de risco para AVC isquêmico. Por praticidade, são atribuídos dois pontos para pacientes com idade ≥75 anos. | 2 |
D – Diabetes Mellitus | Diabetes tipo 1 ou 2, conforme critérios aceitos, ou tratamento com terapia hipoglicemiante. | 1 |
S – AVC prévio, AIT ou Tromboembolismo Arterial | Histórico prévio de tromboembolismo está associado a um risco elevado de recorrência, sendo assim ponderado com 2 pontos. | 2 |
V – Doença Vascular | Doença arterial coronariana (infarto prévio, angina, revascularização coronária, ou doença arterial coronariana significativa em exames de imagem) OU Doença vascular periférica (claudicação intermitente, revascularização para PVD, intervenção cirúrgica/angioplastia na aorta abdominal, ou placas ateroscleróticas complexas com espessura ≥4 mm). | 1 |
A – Idade entre 65-74 anos | Pacientes entre 65 e 74 anos recebem 1 ponto. | 1 |
Após instituída a anticoagulação, não há indicação de complementar a terapia com antiplaquetário, não há evidência de redução de eventos tromboembólicos e ainda há o aumento de risco para eventos hemorrágicos (Van Gelder et al., 2024). Apesar da forte indicação de anticoagulação para a grande maioria dos pacientes com essa arritmia, deve-se ponderar naqueles com risco para eventos hemorrágicos, como ocorrem em pacientes com eventos recentes de acidente vascular cerebral hemorrágico (Aslan & Yildirim, 2022).
A diretriz europeia aborda a necessidade de reavaliações periódicas em todos os pacientes com fibrilação atrial, a fim de que a conduta de iniciar, manter ou suspender anticoagulação possa ser tomada considerando riscos de eventos tromboembólicos e também riscos de complicações, como eventos hemorrágicos (Manning, 2025).
2.3. Modalidades de anticoagulação
Os anticoagulantes mais utilizados ambulatorialmente nesse contexto clínico de prevenção primária ou secundária de eventos embólicos na fibrilação atrial são os antagonistas de vitamina k, como a varfarina, e ainda os novos anticoagulantes orais diretos (DOACS) que inibem o fator Xa, como a rivaroxabana e apixabana, ou inibem a trombina, como é o caso da dabigatrana (Manning, 2025).
As últimas diretrizes sobre fibrilação atrial publicadas, em especial a europeia e americana, recomendam fortemente a preferência de anticoagulação com DOACs, devido sua melhor posologia e menor interação medicamentosa, salvo em condições que os antagonistas de vitamina k mostraram superioridade, como estenose mitral, fibrilação atrial valvar (Galea et al., 2023).
2.4. AVCI cardioembólico por F.A. – incidência, mortalidade, tratamento, quando iniciar anticoagulação
O acidente vascular cerebral pode ser uma manifestação inicial ou recorrente em paciente com fibrilação atrial mesmo em uso de anticoagulação plena. Essa arritmia é responsável por 20-30% dos acidentes vasculares isquêmicos (Galea et al., 2023). Esse tipo de mecanismo isquêmico tende a cursar com quadros mais graves em comparação com a etiologia aterotrombótica, o que implica em maior mortalidade e incapacidade (Manning, 2025).
Ao se confirmar o evento isquêmico cardioembólico e optar-se por iniciar a anticoagulação, o momento para introduzir a medicação depende da extensão do evento isquêmico. Após o evento isquêmico, o tratamento pode ser iniciado entre os primeiros dias a duas semanas do quadro. Se a isquemia for de pequena extensão e não houver complicações hemorrágicas, a varfarina pode ser introduzida após 24h e os DOAC após as primeiras 48h. Porém, diante de eventos isquêmicos mais extensos, opta-se por esperar até duas semanas para ser iniciada ou reiniciada a anticoagulação, devido ao alto risco de transformação hemorrágica, sendo nesse período possível manter o paciente com antiplaquetários (Manning, 2025).
2.5. AVCI em pacientes anticoagulados – tratamento, trombólise
Todo paciente com AVC isquêmico dentro da janela de 4,5h deve ser avaliado quanto à 15 indicação de terapia de reperfusão com alteplase ou trombectomia mecânica. Porém o uso de anticoagulação plena é uma contraindicação à terapia de reperfusão devido ao alto risco de complicações hemorrágicas, podendo ser incluído na terapia de reperfusão o paciente que não esteja em uso atual da anticoagulação e não haja suspeita de coagulopatia. Caso os exames laboratoriais coletados evidenciem alteração de coagulação, o trombolítico deve ser descontinuado (Oliveira-Filho & Samuel, 2024).
Diante de um evento isquêmico em um paciente com fibrilação atrial e em anticoagulação plena, deve ser feito uma investigação para definição da causa do acidente vascular cerebral, que pode envolver outros mecanismos como infartos lacunares, doença aterosclerótica de grandes vasos, ou mesmo mecanismo cardioembólico não compensado devido não aderência ao tratamento, subdose da terapia medicamentosa, troca de anticoagulantes, interação medicamentosa ou ainda falha terapêutica, mesmo essa estando otimizada (Manning, 2025).
Assim, as causas podem ser incluídas em três grandes grupos, como: mecanismo que gera AVC não relacionado a fibrilação atrial, condições em anticoagulação oral não está otimiza e por último AVC cardioembólico mesmo com anticoagulação otimizada (Galea et al., 2023).
Devido à repercussão clínica da fibrilação atrial em acidente vascular cerebral, necessária sempre a tentativa de identificação do que levou o paciente anticoagulado a cursar com eventos trombóticos ou até hemorrágicos. Além disso, é importante a reavaliação periódica da terapêutica daqueles que ainda não cursaram com esses eventos adversos, uma vez que essa condição pode envolver fatores passíveis de prevenção, mas que se não abordados adequadamente, cursarão com primeiros eventos ou recorrência dos eventos embólicos (Rohla et al., 2019).
3 METODOLOGIA
A metodologia adotada para este estudo consiste em uma revisão bibliográfica, com caráter descritivo e expositivo (Soares et al., 2018), tendo como objetivo abordar acidentes vasculares cerebrais em paciente com fibrilação atrial já anticoagulados e os fatores relacionados para essa falha terapêutica.
Essa revisão bibliográfica foi desenvolvida a partir de artigos selecionados das bases de dados BVS E PUBMED, além da plataforma eletrônica UPTODATE, considerando que tais bases são fontes de alta confiabilidade e reconhecidas internacionalmente.
Durante a busca pelos artigos nessas bases, foram usados como descritores os termos Fibrilação Atrial relacionado com Acidente Vascular Cerebral e Anticoagulação.
Os critérios para a inclusão desses estudos foram: o ano de publicação, que abrangia o período de 2015 até 2024; além do perfil do estudo, que inclui revisão sistemática e estudos de caso que envolviam estudos descritivos e observacionais retrospectivos, além de coorte prospectivo. Sendo excluídos os artigos que foram publicados antes de 2015.
4 DISCUSSÃO
4.1 Evidência de superioridade entre as terapias anticoagulantes
O AVC causado pela fibrilação atrial tem pior prognóstico e maior risco de recorrência. A terapia anticoagulante na prevenção desse desfecho, é eficaz principalmente quando há boa adesão. Apesar disso, há um risco residual em novos eventos isquêmicos a despeito de anticoagulação plena, que varia de 0,7% a 2,3 % na prevenção primária e secundária respectivamente (Polymeris et al., 2022).
Desde que os DOACs foram introduzidos no mercado, houve uma maior adesão da terapia anticoagulante pelos pacientes com fibrilação atrial, incluindo aqueles com alto risco para acidente vascular cerebral; o uso de DOACs aumentou de < 3% dos anticoagulantes prescritos em 2013, para > 15% em 2015 (Shpak et al., 2018). Assim espera-se que haja um aumento no número de casos que evoluem com novos eventos isquêmicos mesmo em uso da terapêutica adequada, levando em consideração que só a presença da arritmia já é fator de risco para tal recorrência. Anteriormente os casos de reincidência eram justificados pela não adesão, mas hoje percebe-se que muitos casos reincidem por serem refratários mesmo em vigência de anticoagulação plena otimizada (Benz et al., 2023)
Apesar dessa consequência esperada, é importante avaliar outros fatores que podem estar relacionados a essa recorrência. Os estudos têm avaliado desde a existência de superioridade entre os anticoagulantes, interação medicamentosa, outros mecanismos de AVC, e até subdose da terapia medicamentosa (Ip et al., 2023).
Muitos estudos não evidenciam superioridade entre os DOACs e os antagonistas de vitamina k na prevenção de AVC (Benz et al., 2023). Estudos de alguns ensaios como RE-LY, ARISTOTLE, ROCKET AF e ENGAGE AF-TIMI concordam que os DOACS são superiores aos antagonistas de vitamina k na redução de mortalidade, na diminuição de eventos isquêmicos cardioembólicos e em menores riscos de complicações como eventos hemorrágicos. Essa comparação leva em consideração o tempo que os usuários de varfarina passam na faixa de anticoagulação terapêutica. Porém, em alguns casos, como presença de prótese valvar, estenose mitral, doença renal, preferência e adesão do paciente ao tratamento, os DOACs não são primeira opção, sendo preferíveis os antagonistas de vitamina k (Manning, 2025).
Apesar disso, os DOACS em geral, devido a sua melhor posologia e por seu efeito mais previsível devido menor interação com outras medicações e substâncias, são preferíveis para a maioria dos casos de FA, com exceção da estenose mitral, fibrilação atrial valvar e presença de trombo em ventrículo esquerdo em que os estudos viram superioridade no tratamento com os antagonistas de vitamina k . Assim, a introdução de novos anticoagulantes orais nesses casos não é eficaz na prevenção primária ou secundária, sendo uma das causas da reincidência de AVCs (Ip et al., 2023).
A partir de estudo de coorte retrospectivo feito com dados coletados de hospitais de Hong Kong sobre pacientes com acidente vascular isquêmico de 2015 a 2020, foi visto que mudança na anticoagulação de DOAC para varfarina em paciente com fibrilação atrial não valvar, pode aumentar o risco tromboembólico devido maior tempo fora da faixa terapêutica com o uso dos antagonistas de vitamina k. (Ip et al., 2023). Logo, a mudança de uma modalidade de anticoagulante para outro em contexto de AVC reincidente sem uma indicação embasada, aumenta o risco de novos casos.
4.2 Fatores que comprometem a eficácia dos anticoagulantes e aumentam risco de novos eventos isquêmicos
Os Hospitais Universitários de Berna e Basel fizeram levantamento de dados no período de janeiro de 2012 até dezembro de 2020, e de 11 centros de referência para AVC localizados nos Estados Unidos, Suíça e Alemanha. Nesse estudo, que incluiu 2946 pacientes, foi visto que dentre esses, foram classificadas como mecanismo de AVC concorrente em 713 (24,2%), anticoagulação insuficiente em 934 (31,7%) e cardioembolia apesar de anticoagulação suficiente em 1299 pacientes (44,1%) (Polymeris et al., 2022).
Um estudo conduzido no Departamento de Neurologia, Charité – University Medicine Berlin avaliando o perfil dos pacientes com acidente cerebral isquêmico em uso de anticoagulantes orais, identificou que apenas ¼ dos pacientes com FA anticoagulados com antagonistas de vitamina k estavam em dose terapêutica. O estudo mostrou que a anticoagulação plena em dose terapêutica, além de reduzir a mortalidade em 30 dias, em comparação com os que não estavam anticoagulados, houve redução da gravidade da isquemia (Hankey et al., 2014).
A subdose de anticoagulantes deve-se tanto à não aderência medicamentosa, quanto à interação medicamentosa, esta última que é pouco conhecida entre os anticoagulantes orais diretos e mais difundido entre os antagonistas de vitamina k. O metabolismo do DOAC é influenciado pela atividade da enzima CYP3A4 além de outras coenzimas hepáticas, assim o aumento da atividade dessas enzimas, diminuem consequentemente o efeito dos novos anticoagulantes orais. Os principais fatores que causam essa interação medicamentosa são antibióticos e anticonvulsivantes como rifampicina, efavirenz, fenobarbital, fenitoína (Di Minno et al., 2017).
Já em relação aos antagonistas de vitamina k, há muitos fatores que interferem na farmacocinética e farmacodinâmica da varfarina, o que pode tornar a dose subterapêutica, ou ainda potencializando seu efeito, o que repercute em maior risco de sangramento. As principais interações medicamentosas envolvem a inibição/ativação da expressão e/ou atividade das enzimas CYP450 envolvidas no metabolismo da varfarina, como é o caso do tabaco e de algumas medicações como rifampicina, azatioprina, carbamazepina, dentre outras, que induzem o aumento a depuração desses anticoagulantes induzindo a atividade desses citocromos hepáticos (Di Minno et al., 2017).
Além disso, outra interação que podem ocorrer é a ingesta aumentada de vitamina k, que está presente não só em vegetais verdes, como também em suplementos polivitamínicos, que faz o efeito contrário da varfarina e aumenta a produção de fatores de coagulação. Por último algumas medicações podem estar relacionadas com o aumento ou diminuição da absorção de vitamina k ingerida na alimentação (Di Minno et al., 2017).
Condições de saúde e comorbidades também podem influenciar na eficácia do tratamento; mudanças no estado nutricional, uma vez que pacientes acima do peso necessitam de doses maiores da medicação, hipotireoidismo afeta o tempo de protrombina, doenças hepáticas graves comprometem o metabolismo do anticoagulante e a hemostasia, favorecendo uma condição pró coagulante. Doenças agudas, como gastroenterites e demais que cursem com hospitalizações comprometem o controle do tempo de protrombina devido às medidas tomadas para estabilização do paciente. Por último, causas genéticas também podem ter influência na ação medicamentosa dos anticoagulantes, uma vez que esses aumentam ou diminuem a atividade dos citocromos que depuram os antagonistas de vitamina k (Di Minno et al., 2017).
4.3 Medidas que otimizam a terapia de prevenção contra novos eventos isquêmicos no contexto de fibrilação atrial
A primeira medida que deve ser tomada para otimizar a anticoagulação é garantir boa adesão terapêutica e uso adequado da medicação, seja DOACs ou antagonistas de vitamina k. A baixa adesão a medicação é um dilema em quase todo tratamento de longo prazo, assim deve-se sempre decidir em conjunto com o paciente sobre suas preferências terapêuticas. Além disso, deve ser rotina nos atendimentos, rever o entendimento do paciente sobre a posologia, a administração e as possíveis interações medicamentosas (Yao et al., 2016).
Muitos pacientes com essa arritmia apresentam outros fatores de risco como hipertensão, diabetes mellitus, obesidade ou dislipidemia, os quais aumentam o número de eventos cardiovasculares adversos, incluindo acidente vascular cerebral por outros mecanismos concorrentes ao cardioembólico, como AVC lacunar e aterotrombótico, logo essas comorbidades devem ser rastreadas e compensadas (Yao et al., 2016).
Além de exames de imagem que investiguem outras causas concorrentes no AVC isquêmico, é necessário também uma abordagem diagnóstica com ecocardiograma transtorácico e transesofágico do mecanismo cardioembólico que, além da fibrilação atrial, pode compreender outros fatores de risco como, trombo intracardíaco, endocardite, tumores, disfunção atrial grave ou apêndice atrial esquerdo trombogênico (Galea et al., 2023).
O apêndice atrial esquerdo é uma importante fonte de trombos principalmente em pacientes com fibrilação atrial não valvar. Cerca de 4-5% desses pacientes, mesmo em uso de anticoagulação, apresentam formação de trombo no apêndice atrial esquerdo, evoluindo posteriormente com eventos trombóticos. A oclusão do apêndice atrial já é uma alternativa para pacientes com FA com contraindicação à anticoagulação, e quanto aos casos de novos eventos tromboembólicos em vigência de anticoagulação, as evidências ainda são limitadas (Maarse et al., 2024).
Porém o estudo internacional de coorte envolvendo 21 centros de referências, STROAC LAAO, acompanhou por mais de 3 meses os pacientes submetidos a oclusão de apêndice atrial no período entre 2010 e 2022. Nesse estudo foram comparados os resultados dos pacientes que combinaram as terapias de anticoagulação e oclusão de apêndice atrial, com os resultados dos pacientes que se restringiram apenas ao uso da anticoagulação (Maarse et al., 2024).
A conclusão do estudo foi que a terapia da oclusão do apêndice atrial apresentou chances de menores índices de recorrências de eventos tromboembólicos, em comparação à terapia medicamentosa isolada. As taxas de recorrência anual desses eventos foram de 2,8 contra 8,9% respectivamente. Também foi realizada a comparação entre terapia combinada e terapia apenas com oclusão do apêndice atrial, e os resultados foram melhores para o grupo com terapia combinada, porém sem significado estatístico para o estudo (Maarse et al., 2024).
Assim, isso pode ser justificativa para realização de procedimentos como ligadura, amputação ou oclusão dessa estrutura, principalmente em pacientes que tem contraindicação, má adesão ou intolerância à anticoagulação.
5 CONCLUSÃO
Os pacientes com fibrilação atrial têm 4-5 vezes mais risco de acidente vascular cerebral isquêmico, em relação aos que não tem essa doença. Além disso, o AVC isquêmico (AVCI) relacionado a essa arritmia, tem pior prognóstico e maior risco de recorrência, mesmo com a boa adesão medicamentosa e com ausência de fatores que interferem na anticoagulação e consequentemente reduzem a sua eficácia.
Assim, todo candidato a receber DOAC ou antagonistas de vitamina k deve ser orientado sobre fatores que afetam o metabolismo dessas medicações, como ingesta de determinados alimentos, mudança de hábitos de vida como redução ou aumento do tabagismo, uso de medicações novas tendo como principais exemplos anticonvulsivantes e antibióticos, além do controle de outras comorbidades que são o caso de doenças hepáticas, tireoidopatias e insuficiência cardíaca. Diante de qualquer uma dessas exposições ou mudanças, o paciente deve buscar nova avaliação médica para ajuste terapêutico da anticoagulação.
Apesar do principal mecanismo ser o cardioembólico, outros mecanismos podem estar associados e cursar com novos eventos isquêmicos, como o aterotrombótico e o lacunar, tendo em vista que essas pacientes também podem apresentar outros fatores de risco, como tabagismo, obesidade, dislipidemia, diabetes e hipertensão que cursam com esses outros mecanismos de AVCI. Assim a anticoagulação plena, que é eficaz no mecanismo cardio-embólico, não é para outros mecanismos de AVCI.
Outro ponto que deve ser avaliado é se o anticoagulante está sendo bem indicado em algumas situações específicas em que já é comprovado a superioridade de uma classe dos anticoagulantes dentre os demais, como é o caso de fibrilação atrial mais prótese valvar, ou ainda estenose mitral e por último presença de trombo em ventrículo esquerdo, pois foi visto que os antagonistas de vitamina k tiveram melhores resultados na prevenção de novos eventos nesse contexto.
Dessa forma, é necessário em todo novo evento isquêmico avaliar adesão medicamentosa, uso de dose correta da medicação, presença de fatores que fazem interação medicamentosa, além de classificar etiologia do AVCI, a fim de conduzir a terapêutica nos pacientes que tem AVCI recorrente mesmo em uso de anticoagulantes.
Por fim, considerando que pacientes com fibrilação atrial que sofrem eventos tromboembólicos em vigência de anticoagulação tem mais risco de novos casos em relação aos demais, e que a troca de anticoagulante, salvo em alguns casos selecionados, não muda desfecho, a oclusão de apêndice atrial nessas situações pode ser uma terapêutica promissora.
REFERÊNCIAS
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1Especialista de Clínica Médica pela Secretaria de Saúde do Estado do Ceará lotado no Hospital Regional do
Cariri e-mail: rivania.bnovais@gmail.com
2Especialista de Clínica Médica pela Universidade Federal do Cariri
3Médica formada pela Universidade Federal do Cariri campus Barbalha-Ce
4Discente do curso superior de medicina pela Universidade de Fortaleza
5Médico especialista em Neurologia, Neurologista da Unidade de AVC do Hospital Regional do Cariri