AVC ISQUÊMICO COM TRANSFORMAÇÃO HEMORRÁGICA EM PACIENTE COM HEMOFILIA B MODERADA E TROMBOFILIA HEREDITÁRIA POR DEFICIÊNCIA DE PROTEÍNA S: UM RELATO DE CASO RARO

REGISTRO DOI: 10.5281/zenodo.7781116


Luana Marques Ribeiro1
Murillo José de Abreu Acerbi1
Jorge Artur Villaça Vallejo Brandão1
João Vitor Rodrigues Chiabai1
Karyna de Matos Ferreira1
Gabriel Brandão Dutra1
Pryce Emery Brandão1
José Antonio Fiorot Júnior2


Introdução: A hemofilia B (HB) é uma doença hemorrágica hereditária ligada ao cromossomo X, composta pela deficiência ou anormalidade de função coagulante do fator IX. A apresentação clínica da hemofilia A e B são semelhantes, incluindo hemorragias espontâneas ou traumáticas em diversas partes do corpo: hemartroses, intra-articulares, musculares, orais, no sistema nervoso central, epistaxe e após procedimentos cirúrgicos. É possível ainda ocorrer deficiência combinada dos fatores dependentes de vitamina K (fatores II, VII, IX, X, proteína C e proteína S), como ocorreu nesse caso. A deficiência da proteína S rebalancea a hemostasia dos pacientes com HB, tornando o fenótipo clínico da doença mais brando que o habitual, porém gera sintomas de trombose venosa recorrente devido a atividade reduzida da proteína S2. Atualmente, as coagulopatias, como a hemofilia, são interpretadas como contraindicações absolutas para a realização da trombólise venosa. Apresentação do caso: Paciente masculino, 5 anos, faz hematoma frontal com 12 dias de evolução e com sangramento abundante após drenagem. Possui história familiar (Figura 1) de avô e primo com HB; e mãe, tio materno e primo com deficiência de proteína S e antecedentes de trombose venosa recorrente. Aos 70 anos, o mesmo paciente, hipertenso, hemofílico e com deficiência de proteína S, iniciou quadro de hemiparesia esquerda de predomínio braquial, apagamento de rima labial esquerda, disartria leve e NIHSS de entrada 9 (4-1, 5a-4, 6a-1, 8-2, 10-1). A TC de crânio demonstra Alberta Stroke Program Early CT score (ASPECTS) 10, sem isquemia aguda. A TC de controle do segundo dia apresentava hipodensidade aguda parietal direita (AVC isquêmico) com transformação hemorrágica petequial grau 1 (AVC hemorrágico). Dosagem de fator VIII 214% (VR 20- 150), dosagem de fator IX 48,6% (VR 64-146). Foi feito contato de emergência com a hematologia, que analisando riscos e benefícios concordou com a indicação da trombólise venosa, portanto, foi feita a infusão de Alteplase 72mg, além de fator IX 6000UI em bolus. Posteriormente, foi administrado 2600UI diariamente de fator IX por 5 dias (sempre com dosagem prévia de controle), e iniciado AAS 100mg/dia devido a estabilidade da hemorragia intracraniana. Na alta hospitalar, apresentou NIHSS de 5 e Modified Rankin Scale (mRS) de 2 (figura 2). Conclusão: O diagnóstico de hemofilia não é uma contraindicação absoluta na realização da trombólise venosa. Em pacientes hemofílicos com hemorragias intracranianas confirmadas, deve-se realizar reposição de fator VIII ou IX para elevar o fator deficiente a 100% na primeira infusão e manter 50%, a cada 12 horas durante 7 dias. Se o quadro clínico e a imagem da TC melhorarem, manter reposição de 50%, a cada 24 horas, até o 21o dia. Pacientes hemofílicos hipertensos possuem maior risco de hemorragia intracerebral, por isso o controle pressórico é imprescindível. Alguns estudos com novos alvos terapêuticos para o tratamento da hemofilia estão sendo estudados, como por exemplo os bloqueadores da proteína S, a fim de equilibrar a produção de trombina e diminuir os eventos hemorrágicos. 

ANEXOS

Figura 1) Heredograma. Avô e primo com HB; e mãe, tio materno e primo com deficiência de proteína S e antecedentes de trombose venosa recorrente. Fonte: Acervo pessoal dos autores.
SCORE  MRSCLASSIFICAÇÃODESCRIÇÃO
1SINTOMAS SEM INCAPACIDADECAPAZ DE REALIZAR ATIVIDADES HABITUAIS PRÉVIAS.
2INCAPACIDADE LEVEINCAPAZ DE REALIZAR ATIVIDADES HABITUAIS PRÉVIAS, MAS REALIZA NECESSIDADES PESSOAIS SEM AJUDA.
3INCAPACIDADE MODERADAREQUER AJUDA PARA ATIVIDADES, MAS ANDA SEM AJUDA.
4INCAPACIDADE MODERADA A GRAVEINCAPAZ DE REALIZAR ATIVIDADES, REQUER AJUDA PRA ANDAR.
5INCAPACIDADE GRAVELIMITADO À CAMA, INCONTINÊNCIA, REQUER CUIDADOS.
6ÓBITO
Figura 2) Modified Rankin Scale (mRS). 

REFERÊNCIAS

1. Yoon CW, Park HK, Rha JH. A case report and experience of endovascular treatment for a patient with hemophilia who had a hyperacute ischemic stroke. J Stroke Cerebrovasc Dis. 2020 Jul;29(7):104859. doi: 10.1016/j.jstrokecerebrovasdis.2020.104859. Epub 2020 May 8. PMID: 32389557.

2. Bernard TJ, Manco-Johnson MJ, Goldenberg NA. The roles of anatomic factors, thrombophilia, and antithrombotic therapies in childhood-onset arterial ischemic stroke. Thromb Res. 2011 Jan;127(1):6-12. doi: 10.1016/j.thromres.2010.09.014. Epub 2010 Oct 13. PMID: 20947137; PMCID: PMC3204859.

3. Chiasakul T, De Jesus E, Tong J, Chen Y, Crowther M, Garcia D, Chai-Adisaksopha C, Messé SR, Cuker A. Inherited Thrombophilia and the Risk of Arterial Ischemic Stroke: A Systematic Review and Meta-Analysis. J Am Heart Assoc. 2019 Oct;8(19):e012877. doi: 10.1161/JAHA.119.012877. Epub 2019 Sep 24. PMID: 31549567; PMCID: PMC6806047.

4. Wang ZH, Zhao ZJ, Xu K, Sun GB, Song L, Yin HX, Chen XQ. Hereditary protein S deficiency leads to ischemic stroke. Mol Med Rep. 2015 Sep;12(3):3279-3284. doi: 10.3892/mmr.2015.3793. Epub 2015 May 18. PMID: 25997409; PMCID: PMC4526054.

5. Tsalta-Mladenov M, Levkova M, Andonova S. Factor V Leiden, Factor II, Protein C, Protein S, and Antithrombin and Ischemic Strokes in Young Adults: A Meta-Analysis. Genes (Basel). 2022 Nov 9;13(11):2081. doi: 10.3390/genes13112081. PMID: 36360317; PMCID: PMC9690045.

6. Ohashi I, Wada S, Yoshino F, Kuwashiro T, Matsumoto S, Hotta T, Kang D, Okada Y, Shimohama S, Yasaka M. Ischemic Stroke with Protein S Deficiency Treated by Apixaban. J Stroke Cerebrovasc Dis. 2020 Apr;29(4):104608. doi: 10.1016/j.jstrokecerebrovasdis.2019.104608. Epub 2020 Jan 13. PMID: 31941580.


1Acadêmico(a) de Medicina, Universidade Vila Velha (UVV), Vila Velha-ES, Brasil. 

2 Residência Médica em Neurologia na Escola Paulista de Medicina / UNIFESP-SP. Mestrado em Neurologia na UNIFESP-SP em Neurologia Vascular. Coordenação da Unidade de AVC do Hospital Estadual Central de Vitória-ES, Brasil. Título de Especialista em Neurologia, conferido pela Academia Brasileira de Neurologia/ AMB.