AVANÇOS SOBRE A PREVENÇÃO E O MANEJO DO DELIRIUM PÓS OPERATÓRIO EM PACIENTES IDOSOS – UMA REVISÃO INTEGRATIVA

REGISTRO DOI: 10.69849/revistaft/th102410211737


Marina Déda Peixoto Leite
Maria Luísa Barreto Paiva
Mariana Moraes Vieira
Gabrielly Gomes Lima de Sá
Rômulo Carvalho Costa
Marcos Cauã Sena de Andrade
Márcio Duarte Carvalho Alves
Vinícius de Souza Eloy
Bruno Barreto Cintra


RESUMO

O delirium pós-operatório (DPO) é uma complicação neuropsiquiátrica comum em idosos, caracterizada por alterações agudas no estado mental e associados a um aumento da morbimortalidade e prolongamento da internação hospitalar. Assim, é crucial investigar estratégias eficazes para a prevenção e manejo dessa condição, especialmente na população idosa. O presente estudo visa realizar uma revisão integrativa da literatura sobre os avanços nas intervenções multidisciplinares para o DPO, com foco em novas abordagens terapêuticas. A pesquisa foi conduzida nas bases de dados LILACS, PubMed e SciELO, utilizando palavras-chave como “delirium”, “pós-operatório”, “prevenção” e “manejo”, traduzidas para o inglês. Foram incluídos artigos publicados de janeiro de 2019 a julho de 2024, em português e inglês, abrangendo diversos tipos de estudos. Após a análise, 12 artigos foram considerados elegíveis. Os resultados indicaram que a prevenção do DPO é a abordagem mais eficaz, com intervenções não farmacológicas, como mobilização precoce, controle da dor e otimização do sono, sendo fundamentais. No campo farmacológico, a dexmedetomidina mostrou-se promissora, apesar dos riscos de bradicardia. Agonistas de melatonina e antipsicóticos, como haloperidol, também foram investigados, apresentando resultados promissores, embora mais pesquisas sejam necessárias. Conclui-se que a abordagem multidisciplinar, combinando intervenções farmacológicas e não farmacológicas, é essencial para melhorar a recuperação e qualidade de vida de pacientes idosos no pós-operatório.

PALAVRAS CHAVE: delírio, pós-operatório, prevenção, tratamento

ABSTRACT

Postoperative delirium (POD) is a common neuropsychiatric complication in the elderly, characterized by acute changes in mental status and associated with increased morbidity and mortality, as well as prolonged hospital stays. Therefore, it is crucial to investigate effective strategies for the prevention and management of this condition, especially in the elderly population. This study aims to conduct an integrative literature review on advances in multidisciplinary interventions for POD, focusing on new therapeutic approaches. The research was conducted in the LILACS, PubMed, and SciELO databases, using keywords such as “delirium,” “postoperative,” “prevention,” and “management,” which were translated into English. Articles published from January 2019 to July 2024 in Portuguese and English were included, covering various types of studies. After analysis, 12 articles were deemed eligible. The results indicated that the prevention of POD is the most effective approach, with non-pharmacological interventions, such as early mobilization, pain management, and sleep optimization, being fundamental. In the pharmacological field, dexmedetomidine proved to be promising, despite the risks of bradycardia. Melatonin agonists and antipsychotics, such as haloperidol, were also investigated, showing promising results, although more research is needed. It is concluded that a multidisciplinary approach, combining pharmacological and non-pharmacological interventions, is essential for improving recovery and quality of life for elderly patients postoperatively.

KEYWORDS: delirium, postoperative, prevention, treatment

INTRODUÇÃO

O delirium é caracterizado por um conjunto de sintomas neuropsiquiátricos, incluindo distúrbios qualitativos de consciência e atenção, que podem ser acompanhados por déficits cognitivos e sintomas psicóticos. É entendido por seu início súbito, reversível e associado a flutuações na intensidade dos sintomas ao longo do dia, atingindo seu ápice geralmente à tarde e à noite (Pluta, Michał P et al., 2020). Além disso, é importante ressaltar que o delirium é uma das complicações neuropsiquiátricas mais presentes no pós-operatório, principalmente na população idosa. Este, portanto, geralmente se manifesta de 1 a 3 dias após a cirurgia, podendo se estender de 2 a 5 dias e acomete cerca de 50 a 70% dos pacientes de alto risco (Jin, Zhaosheng et al., 2020).

Dessa forma, o quadro está altamente associado com uma considerável morbimortalidade, aumento do período de internação e maiores gastos com cuidados em saúde. Simultaneamente, estão presentes as possíveis consequências a longo prazo do dellirium pós-operatório (DPO), como: demência, deterioração da qualidade de vida, depressão, transtornos de humor, transtorno de estresse pós-traumático, dependência de ajuda de terceiros e perda de potencial de ganho. (Pluta, Michał P et al., 2020).

Sendo assim, torna-se indispensável a identificação de fatores de risco para prevenção e manejo do quadro supracitado. Estão entre os fatores de risco do delirium pós-operatório (DPO) a idade avançada, portadores de múltiplas comorbidades e doenças crônicas, polifarmácia, inadequada analgesia no pós operatório, hipotensão e hipoperfusão intra e pós operatório, desnutrição, distúrbios do equilíbrio ácido-básico e hidroeletrolítico, privação de sono, infecções graves, anestesia geral, ventilação mecânica prolongada, entre outros (Hughes, Christopher G et al., 2020).

Devido ao fato de que alguns desses fatores de risco podem ser modificados, otimizar antecipadamente a condição clínica do paciente pode reduzir o risco basal de Delirium Pós operatório (DPO). Portanto, assim como a etiologia da DPO é multifatorial, sua prevenção e tratamento devem ser multifacetados. As estratégias não farmacológicas multidisciplinares incluem o elemento preventivo obrigatório, sendo necessário a educação da equipe, mobilização precoce do paciente, controle da dor, reorientação, preservação do ciclo sono-vigília e otimização da hidratação e nutrição. Quanto às medidas farmacológicas, a dexmedetomidina, os benzodiazepínicos, a melatonina ou o ramelteon (agonista da melatonina) e os antipsicóticos foram os mais empregados e estudados no seu tratamento (Liu, Meinv et al., 2024).

Portanto, frisa-se que a conscientização sobre a prevenção e o manejo deste quadro são de fundamental importância para melhorar a sobrevida do paciente e garantir uma melhor recuperação pós operatória. Dessa forma, o presente estudo possui como objetivo principal efetuar uma revisão integrativa de literatura a respeito dos avanços sobre a prevenção e o manejo do delirium pós operatório em pacientes idosos.

METODOLOGIA

O presente estudo trata-se de uma revisão integrativa da literatura, sendo fundamentada na análise de dados que se referem aos avanços sobre a prevenção e o manejo do delirium pós operatório em pacientes idosos.

Para a pesquisa no levantamento eletrônico, foram revisados os dados fornecidos nas bases de dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS), Pubmed (National Library of Medicine; National Institutes of Health) e SciElo (Scientific Electronic Library Online), com o auxílio das palavras-chaves registradas nos Descritores em Ciências da Saúde (DeCs): delirium, pós operatório, prevenção e manejo. As palavras-chaves foram, também, traduzidas para seus determinantes no idioma inglês: delirium, postoperative, prevention e treatment.

Os artigos incluídos e coletados nas bases de dados foram aqueles publicados desde janeiro de 2019 até julho de 2024 nos idiomas inglês e português e incluídos estudos transversais, relatos de caso, estudos retrospectivos e observacionais assim como analíticos, descritivos, quantitativos que fossem publicados nestas bases de dados. Como critério de exclusão, não foram analisados os artigos que estavam indisponíveis na íntegra ou incompletos, duplicatas ou sem relação ao tema focal.

Assim, foram encontrados 394 artigos no total. Na base PubMed, foram encontrados 389 artigos; na base LILACS foram encontrados 5 artigos; na base SciELO não houve nenhum resultado encontrado. Após usar as ferramentas das próprias bases de dados para incluir artigos dos últimos 5 anos e excluir artigos que não estivessem disponíveis na íntegra, restaram 55 artigos na base PubMed e 3 na LILACS. Resultando em 58 artigos que passaram por uma análise de seus títulos e resumos, dos quais 46 artigos foram excluídos pela não compatibilidade com a temática da pesquisa, restando assim 12 artigos para inclusão no trabalho devido maior elegibilidade e compatibilidade frente à temática da pesquisa, através de uma verificação minuciosa de tipo de estudo, autores, resultados adquiridos nas pesquisas e população estudada, conforme pode ser observado na Figura 1.

Figura 1. Fluxograma da metodologia da pesquisa.

O fluxograma acima demonstra a seleção de artigos (autoria própria). Fonte: autores (2024).

RESULTADOS

Para elaborar esta revisão, foram selecionados e analisados 12 artigos, após a aplicação dos critérios de inclusão e de exclusão e da leitura criteriosa, excluindo assim os artigos que não colaboravam com a temática.

Os artigos encontrados foram sistematizados de acordo com o Quadro 1, exposto a seguir.

Quadro 1. Resultados da pesquisa Integrativa

TÍTULOAUTORIA E ANO DE PUBLICAÇÃOCONCLUSÕES
Delirium pós-operatório: avaliação perioperatória, redução manejo.de    risco   eJin, Zhaosheng et al., 2020O delírio pós-operatório é uma complicação comum na população cirúrgica mais idosa, com sequelas significativas e sobrecarga associada aos cuidados de saúde. Atualmente, as opções de tratamento para o delirium estabelecido são limitadas e não parecem reduzir o risco de mortalidade e morbidade associada ao delirium pós-operatório. Pesquisas nos últimos anos descobriram mais em relação à sua fisiopatologia, embora ainda não tenha produzido um tratamento eficaz. Propomos, portanto, que o delirium pós-operatório seja melhor controlado pela redução do risco perioperatório.Sempre que possível, os pacientes de alto risco ou submetidos a cirurgia de alto risco devem ser avaliados e os seus riscos de delirium devem ser quantificados. Medidas intraoperatórias eficazes para minimizar o risco de delirium incluem anestesia guiada pelo BIS, analgesia multimodal poupadora de opioides e uso intraoperatório de dexmedetomidina; as medidas pós-operatórias incluem intervenções não farmacológicas e melatonina. Uma via perioperatória protocolizada envolvendo avaliação de risco e gerenciamento estratificado de risco provavelmente será a abordagem ideal em coortes de pacientes de alto risco. Identificaram várias outras intervenções perioperatórias potencialmente eficazes, como o uso de anestesia regional, paracetamol e AINEs; estes precisam ser avaliados em ensaios clínicos de maior escala. Mais notavelmente, ainda não há um consenso claro sobre o papel das alterações hemodinâmicas intraoperatórias no delirium. Estudos são necessários para esclarecer se a hipoperfusão cerebral está associada ao delirium pós-operatório e como a perfusão cerebral pode ser monitorada e controlada clinicamente.
Fatores Relacionados e Tratamento do Delirium Pós-Operatório       em Idosos: Uma Revisão IntegrativaMéndez-Martíne z, Carlos et al., 2021A etiologia do delirium pós-operatório ainda é desconhecida e não existem tratamentos para eliminar esta patologia. Apesar de existirem várias teorias diferentes sobre a fisiopatologia da doença, o seu mecanismo causal não é claro e não existem tratamentos específicos que pareçam neutralizá-la de forma eficiente.A idade avançada parece ser o principal fator de risco para o desenvolvimento de delirium pós-operatório, enquanto a dor e a deterioração cognitiva prévia parecem estar intimamente relacionadas com o desenvolvimento desta patologia. Intervenções como reorientação, manejo da dor e garantia de boa nutrição e hidratação do paciente, além do uso de Haloperidol e Dexmedetomidina, parecem diminuir a gravidade do delirium.O papel da equipe de enfermagem é fundamental na prevenção, diagnóstico e manejo dessa patologia, visto que geralmente são esses profissionais os primeiros a perceber os sintomas.
Declaração               de Consenso Conjunto da Sociedade Americana para Recuperação Aprimorada e Iniciativa de Qualidade Perioperatória sobre Prevenção do delirium pós operatórioHughes, Christopher G et al., 2020Este grupo POQI oferece recomendações atuais de consenso de especialistas sobre a prevenção do delirium pós-operatório, desenvolvidas através de um robusto processo Delphi e revisão da literatura.São necessários processos institucionais para identificar pacientes de alto risco, informá-los sobre seu risco e iniciar avaliações rotineiras de delirium. As técnicas para reduzir o risco de delirium incluem intervenções não farmacológicas multicomponentes, minimização de eventos precipitantes e medicamentos, otimização do controle da dor pós-operatória e uso de protocolos de sedação na UTI com dexmedetomidina. O estado das evidências atuais impede recomendações sobre agentes ou doses anestésicas específicas, bloqueio regional/neuraxial como anestésico primário ou a administração de medicamentos profiláticos para reduzir o risco de delírio pós-operatório. Existem inúmeras lacunas nas evidências de alta qualidade no que diz respeito à redução do delirium pós-operatório e seus resultados adversos associados. Em resumo, o delirium pós-operatório ocorre comumente e está independentemente associado a piores resultados para os pacientes e ao aumento da utilização de recursos de saúde. A prevenção do delírio pós-operatório deve ser de suma importância para os prestadores perioperatórios, para os hospitais e sistemas de saúde e é fundamental para melhorar o atendimento perioperatório ao paciente.
Avanços na prevenção e tratamento do delirium pós-operatório por acupuntura: Uma revisão narrativaYang, Jian-Bing et al., 2020A eficácia da acupuntura contra o DPO é encorajadora, o que apresentará a acupuntura como uma recomendação para a intervenção do DPO para médicos, formuladores de políticas de saúde e pacientes. No entanto, são necessários mais ensaios clínicos com melhores desenhos de estudo, bem como provas baseadas em evidências de alta qualidade para confirmar a sua eficácia e os mecanismos subjacentes. Com a tendência de envelhecimento global, o DPO, sendo uma complicação pós-operatória comum em pacientes cirúrgicos idosos, atrairá cada vez mais atenção dos pesquisadores.
Anestesia geral guiada por eletroencefalografia processada      para reduzir o            delirium pós-operatório:      uma revisão sistemática e meta-análiseSumner, Matthew et al. , 2023Nossa análise primária demonstrou um resultado altamente sensível com uma análise agrupada de ensaios nos quais o grupo de intervenção aderiu às diretrizes recomendadas pelo fabricante, mostrando incidência reduzida de DPO com orientação de pEEG. A alta heterogeneidade clínica limita as inferências a partir disso e quaisquer meta-análises futuras.
Administração de anestesia guiada por eletroencefalografia para prevenção de delírio pós-operatório em: Uma meta-análise atualizadaSun, Yi et al., 2020A evidência atual não apoia a noção de que a anestesia guiada por EEG tenha o benefício de reduzir o risco de DPO em pacientes adultos. As conclusões atuais desafiam a recomendação baseada em evidências anteriores. Os resultados de grandes estudos em andamento fornecerão mais evidências para auxiliar os anestesiologistas na seleção do manejo anestésico para reduzir o DPO.
Melatonina para a prevenção do delírio pós-operatório em adultos mais velhos: uma revisão sistemática e meta-análiseCAMPBELL, Ashley M. et al., 2019Currently, where there is no supported pharmacological intervention to prevent delirium incidence in older sur- gical patients, this meta-analysis suggests that melatonin may become that first agent. The odds of developing de- lirium in patients who received melatonin agonists perioperatively were 37% less (p = 0.006) than those who received placebo or no treatment at all. Although opti- mal dosing remains an unanswered question, the poten- tial benefit, low cost, and benign side effect profile, make melatonin an attractive option to use in older adults undergoing surgical procedures to reduce delirium incidence.
   
A administração de melatonina reduz a incidência de delírio pós-operatório em adultos?: Revisão sistemática e metanáliseBarnes, Jonathan et al., 2023Concluindo, a melatonina tem plausibilidade biológica e evidências clínicas para apoiá-la como tratamento para prevenir DPO. No entanto, o protocolo ideal para o uso da melatonina ainda não foi determinado. Um consenso sobre como é necessário realizar a intervenção e avaliar os resultados antes que uma avaliação clínica adicional e com poder adequado possa ser realizada para analisar adequadamente a melatonina como uma intervenção preventiva para o delirium. A aplicabilidade clínica dos resultados de trabalhos futuros pode ser melhorada concentrando-se naqueles com maior risco de DPO.
Medicamentos antipsicóticos na prevenção       do delírio pós-operatório – o que se sabe em 2020?Pluta, Michał P et al., 2020Atualmente, com base nos dados disponíveis, nenhuma recomendação pode ser feita para a profilaxia de rotina do delirium pós-operatório com medicamentos antipsicóticos. No entanto, alguns estudos têm demonstrado o benefício do uso profilático de neurolépticos com risco mínimo de efeitos colaterais graves, abrindo caminho para novas pesquisas que respondam à questão de quais pacientes podem se beneficiar da prevenção farmacológica do delirium e como utilizar esses agentes de forma eficaz com base em evidências de alta qualidade. O papel potencial da dexmedetomidina na prevenção da DPO não pode ser negligenciado.
O efeito da aplicação perioperatória do haloperidol no delírio pós-operatório em pacientes idosos: uma revisão sistemática e meta-análiseLiu, Meinv et al., 2024Em geral, a metanálise analisou de forma abrangente e sistemática todos os artigos incluídos. Os dados estatísticos da pesquisa demonstraram que a administração de haloperidol diminuiu autenticamente a incidência de DPO sem efeitos colaterais evidentes entre pacientes idosos e altas doses de haloperidol (5 mg por dia) foram uma alternativa promissora.
O papel dos anestésicos sedativos Concluindo, nossos achados sugerem que a dexmedetomidina tem um efeito positivo na prevenção do delirium pós-operatório. No entanto, as
perioperatórios            na prevenção do delirium pós-operatório:      uma revisão sistemática e meta-análise de      rede     incluindo 6.679 pacientesHuang, Jin-Xiang et al., 2024limitações da nossa análise em termos da literatura incluída e o impacto da dexme-detomidina na frequência cardíaca devem ser consideradas cuidadosamente na tomada de decisões clínicas. Além disso, é importante que os médicos monitorem cuidadosamente a duração da extubação e da operação e considerem estratégias para minimizar a duração da intubação quando possível, especialmente em pacientes mais idosos que apresentam maior risco de delirium pós-operatório. Isto pode incluir a otimização do controle da dor, o controle da ansiedade e da agitação e o fornecimento de cuidados de suporte para minimizar a irritação e a inflamação nas vias aéreas. No futuro, esperamos descobrir mais medicamentos que possam prevenir eficazmente o delírio pós-operatório.
Promovendo o sono e saúde circadiana pode prevenir o delirium pós operatório: Uma revisão sistemática e meta-análise de estudo randomizadoLu, Yan et al., 2019A atual revisão sistemática e meta-análise encontrou um papel positivo na promoção do sono e da intervenção circadiana na diminuição da incidência de delirium pós-operatório. Especificamente, doses baixas de dexmedetomidina à noite e exposição cronometrada à luz brilhante mostraram eficácia na prevenção do delirium. Além disso, nossas meta-análises identificaram complexidade e falta de clareza resultantes de desenhos metodológicos variados e qualidades de ensaios identificados. Ensaios clínicos futuros com avaliação mais cuidadosa do delirium pós-operatório, avaliação objetiva do sono e do ritmo circadiano e melhor controle dos fatores de confusão são necessários para confirmar a eficácia da promoção do sono e da intervenção circadiana como contramedida para o delirium pós-operatório.

Fonte: elaborado pelo autor (2024).

DISCUSSÃO

O delirium pós-operatório (DPO) é descrito como uma mudança aguda e reversível do estado mental que inclui distúrbios qualitativos de consciência e atenção acompanhados por déficits cognitivos e sintomas psicóticos, geralmente instituídos em até 5 dias após a operação, sendo uma das complicações mais comuns do Sistema Nervoso Central após anestesia geral e cirurgias, especialmente em pacientes idosos. A incidência de DPO varia de 11 a 51%, sendo mais prevalente em pacientes submetidos a cirurgias cardíacas e grandes cirurgias não cardíacas (Liu, Meinv et al., 2024).

De acordo com Zhaosheng Jin, em 2020, a etiologia do delirium pós operatório ainda é pouco conhecida, estando baseada em achados clínicos de modelos animais, possivelmente associada com: (1) Neuroinflamação, uma vez que os mediadores inflamatórios, especialmente a PCR e a Interleucina-6, aumentam após a cirurgia e permanecem elevados no pós operatório, influenciando na perda de plasticidade sináptica e neuroapoptose; (2) Neurotransmissores, uma vez que foi realizado um estudo observacional em pacientes submetidos a cirurgias cardíacas e não cardíacas indicaram que pacientes com delirium pós operatório apresentaram menor atividade de acetilcolinesterase; (3) Eventos vasculares cerebrais subclínicos, evidenciando que doenças que aumentam risco de eventos cardiovasculares, como hipertensão arterial e fibrilação atrial, podem estar associadas com a incidência de DPO (Jin, Zhaosheng et al., 2020).

Dessa forma, segundo relatado por Carlos Méndez-Martínez , em 2021, considerando que a etiologia do delirium pós operatório não é exata, torna-se imprescindível conhecer seus fatores predisponentes, como idade avançada, deterioração cognitiva pré-existente, dor, sexo masculino, abuso de álcool e drogas, hipotensão intraoperatória, distúrbios metabólicos e hidroeletrolíticos, deficiências sensoriais e funcionais, além de seus fatores precipitantes, como tipo e duração da cirurgia, cirurgias cardíacas, ortopédicas e de emergência, polifarmácia, intubação orotraqueal prolongada, duração da anestesia, fraco apoio familair e atraso no despertar da anestesia (Méndez-Martínez, Carlos et al., 2021).

Atualmente, a prevenção é a forma mais eficiente e econômica de tratar o delirium no momento de sua apresentação inicial, uma vez que a etiologia da DPO é multifatorial, sua prevenção e manejo também devem ser multifacetados, envolvendo uma abordagem multidisciplinar com estratégias farmacológicas e não farmacológicas.

A Iniciativa de Qualidade Perioperatória (POQI) é uma organização internacional e multidisciplinar sem fins lucrativos que organiza conferências de consenso sobre tópicos clínicos relacionados à medicina perioperatória. Em 2020, na conferência da POQI, foi constatado que em relação às estratégias não farmacológicas para a prevenção de delirium, estão com alto nível de eficácia a mobilização precoce, controle da dor, orientação de comunicação, revisão de medicação (evitando a polifarmácia e uso de medicações com efeitos anticolinérgicos e benzodiazepínicos), melhoria do sono, assistência nutricional e restauração da audição e visão. A respeito disto, um estudo demonstrou que a consulta geriátrica perioperatória demonstrou reduzir o delirium em pacientes idosos com fratura de quadril, mas não em outras populações. (Hughes, Christopher G et al., 2020).

Jian-Bing Yang, em 2020, retratou os avanços da acupuntura, técnica analgésica de baixo risco que tem sido utilizada há muito tempo na medicina tradicional oriental, como meio terapêutico de redução do delirium pós operatório. A acupuntura utiliza agulhas finas ou folhas de eletrodos para estimular pontos fisiológicos específicos para regular a atividade neuronal, níveis hormonais e imunológicos. Os mecanismos da acupuntura contra o DPO não são totalmente esclarecidos, entretanto o mais aceito consiste em sua ação na neuroinflamação que reduz os níveis de estresse oxidativo e lesão neuronal, melhorando a plasticidade sináptica. Dessa forma, estudos mostram que a utilização da acupuntura em pacientes cirúrgicos aumenta a analgesia perioperatória, reduzindo a necessidade de opioides, uma vez que esses estão associados com o aumento significativo do delirium pós operatório e distúrbios do sono. Fato evidenciado por um ensaio clínico que afirmou que a estimulação elétrica transcutânea de pontos de acupuntura (TEA) poderia reduzir a dosagem necessária de propofol durante a cirurgia e a ocorrência de delirium após a cirurgia em pacientes idosos, uma vez que houve uma redução da incidência do DPO de 25% para 6,3% quando pacientes geriátricos com infarto lacunar silencioso receberam TEAS como intervenção antes e durante a cirurgia (Yang, Jian-Bing et al., 2020).

Além disso, o DPO está associado à anestesia geral excessiva sendo atribuído a maior exposição anestésica e maior duração da supressão de surto no eletroencefalograma (EEG). Dessa forma, a Sociedade Europeia de Anestesiologia recomenda o uso de monitores baseados em EEG durante cirurgia na tentativa de fornecer profundidade apropriada de anestesia e prevenir DPO. Metanálises anteriores confirmaram que a anestesia guiada por EEG reduziu o risco de DPO. Entretanto, segundo a meta-análise de ensaios clínicos randomizados atualizados feita por Yi Sun, em 2020, comparou anestesia guiada por EEG com anestesia não guiada por EEG em 3.612 participantes para avaliar o risco de delírio pós-operatório. Os resultados mostraram que a anestesia guiada por EEG não reduziu significativamente o risco de DPO, mortalidade ou tempo de internação hospitalar, questionando seu uso rotineiro, destacando os custos adicionais. Não houve, também, diferenças significativas nas complicações cardíacas e respiratórias, embora a anestesia guiada pelo BIS tenha reduzido a taxa de infecção pós-operatória (Sun, Yi et al., 2020).

Sendo assim, consolida-se ainda mais essa análise por meio do grande ensaio clínico randomizado “Electroencephalography Guidance of Anesthesia to Alleviate Geriatric Syndromes” (ENGAGES) que incluiu aleatoriamente 1.232 idosos submetidos a grandes cirurgias, recebendo anestesia guiada por EEG ou cuidados anestésicos convencionais. Não houve diferença estatisticamente significativa no resultado primário, que foi a incidência de delírio nos dias 1 a 5 pós-operatório (26,0% no grupo guiado por EEG e 23,0% no grupo de cuidados convencionais). (Sumner, Matthew et al. , 2023).

A melatonina, hormônio produzido pela glândula pineal, também emergiu como um candidato atraente para a prevenção do delirium pós-operatório. É conhecida por desempenhar um papel importante na regulação do ritmo circadiano, atuando na sedação, auxiliar na analgesia e exercer uma ação anti inflamatória direta, sendo uma opção atraente como agente para a prevenção da DPO, pelo seu perfil de efeitos colaterais de baixo risco e baixo custo (Barnes, Jonathan et al., 2023).

Estudos mostram que as chances de desenvolver delirium em pacientes que receberam agonistas de melatonina perioperatório foram 37% menos (p = 0,006) do que aqueles que receberam placebo ou nenhum tratamento.

Nesse sentido, foi sugerido que o ramelteon, agonista do receptor de melatonina com afinidade pelos receptores MT1 e MT2, pode ser eficaz na prevenção do delirium. Apesar disso, estudos americanos contrastam dizendo que a droga não foi eficaz na prevenção do DPO, mostrando que não houve diferença na incidência entre os grupos ramelteon versus placebo: 9% (3/33) e 5% (2/38), respectivamente, mostrando a importância de mais estudos sobre o uso da melatonina no pós-operatório. Portanto, é possível observar que existem divergências nos resultados das pesquisas que demonstram o uso da melatonina no delirium pós-operatório, ressaltando a importância da discussão do tema pela comunidade científica. (CAMPBELL, Ashley M. et al., 2019).

Ademais, as medidas para prevenção do delirium também podem ser estabelecidas no meio intra operatório por meio dos anestésicos sedativos. Com isso, muito se tem discutido a respeito da dexmedetomidina, que atua inibindo a liberação de noradrenalina através da ativação dos receptores ÿ2 no cérebro, reduzindo excitabilidade dos neurônios e aumentando efeito inibitório do ácido ÿ- aminobutírico (GABA). Assim, atua proporcionando efeitos relaxantes e analgésicos, proporciona qualidade de sono e melhora da exaustão nervosa em resposta ao estresse, exercendo efeitos anti inflamatórios e neuroprotetores. (Huang, Jin-Xiang et al., 2024 e Lu, Yan et al., 2019).

Dessa forma, no perioperatório, foi visto que a incidência de delirium pós-operatório foi menor com o uso de dexmedetomidina em comparação com placebo, propofol, sevoflurano e midazolam, independentemente de o tempo de extubação ter sido superior a 1 ou 5 horas, da duração da operação ser inferior ou superior a 3 horas, ou de a cirurgia ser cardíaca ou não. Isso sugere que a dexmedetomidina tem um efeito benéfico na prevenção do delírio pós-operatório apesar de seu risco maior de redução da frequência cardíaca, pois não houve diferença significativa na incidência de hipotensão entre todos os sedativos, visto ser um fator predisponente para o dellirium pós operatório (Huang, Jin-Xiang et al., 2024).

Outrossim, quando se trata de avanços no manejo do delirium pós operatório, o uso de antipsicóticos são amplamente debatidos. A Sociedade Europeia de Anestesiologia sugere o uso de haloperidol em doses baixas por via oral ou intramuscular para tratar a DPO, apesar dos riscos associados, como reações extrapiramidais, arritmias e danos ao coração. Além disso, o haloperidol deve ser administrado lentamente por via intravenosa, com monitoramento do eletrocardiograma. No estudo feito por Meinv Liu, em 2024, o haloperidol mostrou-se eficaz na redução da ocorrência de delirium pós-operatório (POD) em pacientes idosos, especialmente quando administrado em doses mais altas (5 mg diários). No entanto, sua eficácia para prevenir delirium em pacientes de UTI não foi confirmada, possivelmente devido a variações na população estudada. Os efeitos colaterais não diferiram significativamente entre os grupos, provavelmente porque os efeitos adversos são mais comuns em casos de uso prolongado e em doses altas. Assim, o haloperidol pode ser uma opção viável para reduzir o POD, mas deve ser usado com cautela, considerando seus potenciais riscos (Liu, Meinv et al., 2024)

Quanto a sua comparação com antipsicóticos atípicos, como risperidona e olanzapina, os estudos têm demonstrado eficácia na redução da incidência de delirium pós-operatório (DPO) em pacientes submetidos a cirurgias eletivas. A meta-análise de Fok et al. reforça a superioridade dos antipsicóticos atípicos sobre o haloperidol na redução do risco de DPO, especialmente em pacientes de alto risco. No entanto, os resultados também mostram que o delirium pode ser mais grave e prolongado com o uso de olanzapina apesar de haver redução em sua incidência, indicando a necessidade de uma abordagem cuidadosa na aplicação clínica. A eficácia geral da profilaxia farmacológica do DPO ainda é incerta, exigindo mais estudos para determinar as melhores práticas e garantir a segurança dos pacientes (Pluta, Michał P et al., 2020).

CONCLUSÃO

A prevenção do DPO é considerada a abordagem mais eficaz, com estratégias multifacetadas envolvendo intervenções farmacológicas e não farmacológicas. Estratégias não farmacológicas incluem a mobilização precoce, controle da dor, orientação de comunicação e otimização do sono e nutrição. Em termos de intervenções farmacológicas, o uso de dexmedetomidina, melatonina e antipsicóticos tem sido estudado, com resultados variados. Dexmedetomidina tem mostrado eficácia na redução do DPO, embora com riscos associados de bradicardia. A melatonina e seus agonistas também são promissores, mas os resultados são inconsistentes.

Antipsicóticos, tanto típicos como atípicos, são frequentemente utilizados no manejo do DPO. Enquanto o haloperidol é eficaz na redução da ocorrência de delirium, o uso de antipsicóticos atípicos, como risperidona e olanzapina, pode ser mais eficaz, especialmente em pacientes de alto risco. No entanto, a olanzapina, embora reduza a incidência de delirium, pode aumentar a gravidade e duração dos sintomas, o que destaca a necessidade de cautela e avaliação individualizada no uso desses medicamentos.

Em conclusão, é relevante salientar as perspectivas para pesquisas futuras, que abrangem a condução de estudos multicêntricos e randomizados para avaliar a eficácia de diferentes tratamentos em variados subgrupos de pacientes, em relação aos avanços na prevenção e manejo do delirium pós-operatório. Além disso, é necessário melhorar as técnicas diagnósticas e implementar protocolos clínicos baseados em evidências para assegurar um manejo mais eficaz e seguro dessa condição clínica.

REFERÊNCIAS
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1 Graduanda em Medicina
Instituição: Universidade Tiradentes
Endereço: Aracaju, Sergipe. Brasil
E-mail: marina.deda@souunit.com.br

2 Graduanda em Medicina
Instituição: Universidade Tiradentes
Endereço: Aracaju, Sergipe, Brasil
E-mail: malubarretopaiva@gmail.com

3 Graduanda em Medicina
Instituição: Universidade Tiradentes
Endereço: Aracaju, Sergipe, Brasil
E-mail: mariana.mvieira@souunit.com.br

4 Graduanda em Medicina
Instituição: Universidade Tiradentes
Endereço: Aracaju, Sergipe, Brasil
E-mail: gabrielly.glima@hotmail.com

5 Graduanda em Medicina
Instituição: Universidade Tiradentes
Endereço: Aracaju, Sergipe, Brasil
Email: romulo.carvalho@souunit.com.br

6 Graduanda em Medicina
Instituição: Universidade Tiradentes Endereço: Aracaju, Sergipe, Brasil
Email: marcos.caua@souunit.com.br

7 Graduanda em Medicina
Instituição: Universidade Tiradentes
Endereço: Aracaju, Sergipe, Brasil
Email: marcio.duarte@souunit.com.br

8 Graduanda em Medicina
Instituição: Universidade Tiradentes
Endereço: Aracaju, Sergipe, Brasil
Email: vinicius.eloy@souunit.com.br

9 Especialista em Cirurgia Plástica pelo Hospital Municipal Dr.Mário Gatti
Instituição: Universidade Tiradentes
Endereço: Aracaju, Sergipe, Brasil
E-mail: bbcintra@doctor.com